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Alfred Rosenberg: o diabo da caneta

Durante 60 anos pensou-se que o diário de Alfred Rosenberg estava perdido para sempre. Um novo livro conta a história dessas páginas, escritas pelo que muitos dizem ter sido o grande teorizador nazi.

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Em novembro de 1943, os ventos da Segunda Guerra Mundial já sopravam a favor dos aliados e os seus líderes – Churchill, Estaline e Roosevelt – reuniram-se em Teerão para, entre outros assuntos, decidir o que fariam com os mais altos representantes políticos e militares do regime nazi uma vez terminada a guerra. Estaline, meio a sério, meio a brincar, terá sugerido o extermínio de cinquenta mil elementos das Forças Armadas alemãs como forma de garantir a liquidação definitiva do poderio germânico. Ao contrário de Roosevelt, que ainda gracejou, dizendo que, por ele, abateria 49 mil, Churchill ficou chocado com a proposta: “o parlamento e o público britânico nunca tolerarão execuções em massa”. Em resposta à insistência do ditador soviético, o primeiro-ministro inglês proferiu com invejável sentido dramático: “Preferia ser levado lá para fora, para este jardim, aqui e agora, e ser eu fuzilado a conspurcar a minha honra e a do meu país com uma tal infâmia.”

A questão sobre o que fazer com os criminosos de guerra começara a ser discutida ainda antes de uma derrota alemã ser previsível. Curiosamente, a ideia de julgar os elementos do “criminoso governo hitleriano perante um tribunal internacional especial” partiu de um subordinado político de Estaline, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Viatcheslav Molotov, a 14 de outubro de 1942. Nessa altura, “os aliados ocidentais não se mostravam particularmente inclinados a levar a cabo julgamentos no pós-guerra e, pelo contrário, continuavam a preferir as execuções sumárias.” (Entrevistas de Nuremberga, Leon Goldensohn, Tinta-da-China). Era o caso do secretário do Tesouro norte-americano, Henry Morgenthau Jr., feroz defensor das execuções sumárias e que delineou um plano “destinado a colocar a Alemanha em situação de incapacidade permanente.” Entre as vozes que se levantaram contra a dupla solução – a das execuções sumárias e da destruição total do tecido industrial da Alemanha – destacou-se a do secretário da Guerra norte-americano, Henry L. Stimson. Foram estas que acabaram por prevalecer.

Ordem para Julgar

A 8 de agosto de 1945, os Aliados, onde já se incluía a França, reuniram-se em Londres e chegaram a um acordo quanto aos julgamentos dos criminosos de guerra nazis. Não deixa de ser uma ironia da história que tenham consagrado a prevalência do direito internacional dois dias depois de ter sido lançada a primeira bomba atómica, em Hiroxima, e na véspera do lançamento da segunda, sobre a cidade de Nagasáqui.

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A análise do documento ajuda a perceber o verdadeiro lugar daquele que era tido como o ideólogo do nazismo, através da sua ligação ao partido, dos diversos cargos que ocupou e das relações que manteve com as principais figuras do Terceiro Reich.

Apesar de algumas divergências formais, relacionadas com os sistemas jurídicos de cada país, as sessões do julgamento de 22 arguidos nazis tiveram início a 14 de novembro de 1945, em Nuremberga, cidade que tinha uma importância simbólica para o nazismo, pois era aí que se realizava o esplendoroso congresso do Partido Nazi (o de 1934 ficou registado no polémico filme “O Triunfo da Vontade”, de Leni Riefenstahl). Era também uma cidade importante para alguns dos homens que estavam a ser julgados, como Albert Speer, o “arquiteto de Hitler” e autor, entre outras obras, de vários edifícios do partido nazi naquela cidade, e Alfred Rosenberg, que a acusação considerava o “sumo sacerdote intelectual da raça dos senhores.”

O filósofo do nazismo

Em setembro de 1937, durante o congresso do partido, Rosenberg recebeu o Prémio Nacional Alemão de Arte e Ciência, a resposta alemã ao Prémio Nobel da Paz. Goebbels, o ministro da propaganda nazi, explicou ao público as razões para a atribuição do prémio a Rosenberg: “lutou incansavelmente [nas suas obras] para manter a pureza da mundividência nacional-socialista. […] Só as gerações futuras poderão avaliar com rigor quão profundamente este homem influenciou a condição e a mundividência espirituais do Estado nacional-nacionalista”. O próprio Rosenberg considerava que o prémio era o reconhecimento de que as suas ideias eram “os alicerces de toda a revolução do Führer”. Escreveu-o no diário que manteve durante dez anos, entre 1934 e 1944, e que esteve perdido durante mais de seis décadas. O livro O Diário do Diabo – Alfred Rosenberg e os Segredos Roubados do Terceiro Reich (Temas e Debates) conta a história da descoberta do diário nos EUA, em 2013. A análise do documento ajuda a perceber o verdadeiro lugar daquele que era tido como o ideólogo do nazismo, através da sua ligação ao partido, dos diversos cargos que ocupou e das relações que manteve com as principais figuras do Terceiro Reich.

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“O Diário do Diabo”, de Robert K. Wittman e David Kinney (Temas & Debates)

Se, no julgamento, a acusação insistiu na importância de Rosenberg enquanto filósofo do nazismo, na introdução ao livro Entrevistas de Nuremberga, Robert Gellately minimiza esse papel: “a imagem que a acusação apresentou […] como principal “teorizador” e “filósofo” do nazismo não tem qualquer credibilidade.” A verdade é que Rosenberg esteve em todos os momentos marcantes do partido desde o início, quando Hitler dava os primeiros passos na carreira de agitador de cervejaria, até ao fim, quando a Alemanha foi derrotada pelos Aliados e muitas das figuras de proa do nazismo preferiram o suicídio à ignomínia da rendição. Além disso, e apesar de a sua influência sobre o pensamento de Hitler ser discutível, as bases do partido viam-no como “um grande pensador que o próprio Führer escutava” e o homem “que proporcionava fundamentos intelectuais à sua missão radical”. Nos périplos pela província alemã que fez após a ascensão dos nazis ao poder era recebido com as honras devidas aos nomes mais proeminentes do nazismo entre os quais ele, de facto, se incluía. Por exemplo, em junho de 1933, foi promovido a Reichsleiter, o cargo mais importante no partido, só abaixo do líder.

Havia mais quem lhe atribuísse uma influência clara na definição teórica do nazismo. Em Nuremberga, um dos vinte e dois arguidos, Hans Fritzsche, funcionário do Ministério da Propaganda e diretor da Divisão de Rádio a partir de 1941, não hesitou em incluí-lo no círculo mais próximo de Hitler. Na entrevista conduzida pelo psiquiatra Leon Goldensohn, Fritzsche foi bastante claro: “Esse teórico puro é o principal culpado entre todos os que estão sentados no banco dos réus […] Na minha opinião, ele exercia uma influência tremenda sobre Hitler […] no período entre 1923 e 1928.” Tanto assim era que, após ter sido preso na sequência do putsch falhado de 1923, Hitler passou a liderança do partido a Rosenberg, embora depois se tenha arrependido da decisão.

Também entrevistado por Goldensohn, Hermann Göring, disse que Rosenberg, juntamente com outros “exponentes fanáticos do racismo”, como Goebbels e Himmler, tinham sido os responsáveis por tornar central a questão judaica no nacional-socialismo. Göring tinha razão. A par do ódio ao comunismo e ao cristianismo, a questão judaica tinha sido, desde o início, central ao pensamento de Rosenberg.

Primeiros Tempos

Alfred Rosenberg nasceu em 1893 na cidade de Reval (atualmente Tallinn, capital da Estónia), então parte do Império Russo, numa família de origem alemã. Em 1918, após ter tentado combater sem sucesso os revolucionários russos, Rosenberg partiu para Munique. Enfrentando grandes dificuldades económicas, teve a primeira oportunidade de trabalho num jornal antissemita de extrema-direita, o Auf Gut Deutsch, dirigido por Dietrich Eckart. Foi Eckart quem apresentou Rosenberg a Hitler, ainda em 1919. Há quem considere Eckart o verdadeiro mentor e guia não só de Rosenberg, mas também do próprio Hitler. É isso que afirma Timothy Ryback em A Biblioteca Privada de Hitler: “Eckart focou, formatou e inflamou o anti-semitismo de Hitler.” Homens próximos de Hitler, consideravam que Eckart era o “seu pai intelectual” e a “principal influência no seu desenvolvimento político.” Segundo Otto Strasser, antigo membro do partido nazi que depois criou um movimento de oposição aos nazis, terá sido o editor a dar a conhecer a Hitler as obras de Paul de Lagarde e de Houston Stewart Chamberlain, duas das influências mais importantes em Mein Kampf.

Ao bispo de Colónia, Hitler ainda disse que a culpa do sucesso do livro era dos bispos que o tinham atacado ferozmente nas suas homílias. Se tinha alguma razão neste último aspecto, passou a ter mais quando o Vaticano incluiu O Mito do Século XX no Index de livros proibidos.

Rosenberg também foi muito influenciado por Chamberlain. A obra deste, Os Fundamentos do Século XIX, inspirou-o a publicar, em 1930, O Mito do Século XX, que viria a tornar-se um best-seller e um dos livros de referência do nazismo. Antes desse livro, Rosenberg fora um dos dilvulgadores da tradução alemã do infame Os Protocolos dos Sábios de Sião e publicara várias obras de um antissemitismo “delirante, obsessivo e, acima de tudo, paranoico”. Os títulos não careciam de explicações adicionais: “Amoralidade no Talmude” ou “Sionismo: o Inimigo do Estado”. Para Rosenberg, todos os males do mundo tinham origem nos judeus. Hitler, claro, concordava, embora os dois homens tenham mantido, ao longo dos anos, uma relação ambígua, entre a lealdade e a desconfiança. Rosenberg admitiu não ter ficado impressionado com Hitler quando o conheceu e Hitler, de acordo com elementos que lhe eram próximos, não tinha, na verdade, muita consideração por Rosenberg, um sentimento partilhado por muitas das figuras do partido.

Um estranho no meio deles

No meio de homens de ação, frequentemente brutais e de espírito prático, Rosenberg era um intelectual cujos livros e artigos eram herméticos, confusos, quase impenetráveis. Como se viria a perceber mais tarde, não era isso que o fazia menos perigoso. A clareza de estilo não era o seu forte. O embaixador norte-americano em Berlim chegou a dizer que “não existe um funcionário alemão que pense menos claramente ou se entregue a mais palavreado inútil.” Não tinha amigos, era pouco afável, muito reservado e com problemas de saúde que pareciam agravar o seu ar sombrio e melancólico. Era arrogante, julgava-se profundo, o pensador no meio da desordem. Quando, em Nuremberga, alguns dos arguidos, como Göring, disseram que não tinham lido O Mito do Século XX ou não tinham conseguido passar do primeiro capítulo, apesar de ser leitura obrigatória para os estudantes alemães e um livro que todos os nazis deviam ter, Rosenberg deu uma resposta típica: “isso é reflexo da incapacidade deles em seguirem uma linha de pensamento filosófico que, para o homem comum, é demasiado profunda.”

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Alfred Rosenberg à direita de Hitler

Contudo, a opinião generalizada não era favorável a Rosenberg. O próprio Hitler, que afirmara ter dado uma vista de olhos no livro, considerava-o “abstruso”. Desde logo, não concordava com o título. Para Hitler, os nazis não estavam a espalhar mitos, “estavam a inundar o mundo com um conhecimento recentemente descoberto.” Mais de uma década depois, em Nuremberga, Göring diria o mesmo: “o título do livro dele está errado. Eu disse-lhe que, quanto ao século XX, não é possível falar de um mito.” Göring não conseguia explicar porque é que um livro de que tinham sido vendidos milhões de exemplares era tão pouco lido até por aqueles que o deviam conhecer em pormenor. Mas havia uma explicação para o sucesso fenomenal.

Um livro no Index

Como afirma Timothy Ryback, o livro de Rosenberg era um compêndio de heresias, incluindo a defesa da poligamia, da esterilização forçada e a divulgação de um “quinto Evangelho que alegadamente revelaria a verdadeira natureza de Jesus Cristo.” Este “ataque duríssimo ao cristianismo moderno” tinha todos os ingredientes para desagradar à Igreja Católica. Em 1934, o bispo de Colónia, Karl Joseph Schulte, foi dar conta pessoal desse desagrado ao Führer. Afinal, não só o livro tinha sido incluído no currículo escolar como Rosenberg tinha sido nomeado ideólogo oficial do partido. As respostas de Hitler são uma síntese dos sentimentos ambivalentes que nutria em relação a Rosenberg: identificava-se com ele, mas não com o livro; o cargo que Rosenberg ocupava era público e o livro era um assunto “puramente privado”. Hitler não queria entrar em conflito aberto com a Igreja (acreditava que a religião era fundamental para manter a ordem) mas também não queria deixar cair Rosenberg. Este, mais lúcido do que alguns poderiam supor, escreveu a dada altura no seu diário: “[Hitler] Estimava-me muito mas não gostava de mim.”

O MITO DE ALFRED ROSENBERG

“O Mito do Século XX”, o livro maldito de Rosenberg

Ao bispo de Colónia, Hitler ainda disse que a culpa do sucesso do livro era dos bispos que o tinham atacado ferozmente nas suas homílias. Se tinha alguma razão neste último aspecto, passou a ter mais quando o Vaticano incluiu O Mito do Século XX no Index de livros proibidos. Nem Mein Kampf teve esse privilégio. Segundo o L’Osservatore Romano o “livro desdenha de todos os dogmas da Igreja Católica, na verdade, dos próprios fundamentos da religião cristã, e rejeita-os por completo.” Com este empurrão, o livro foi falado em todo o mundo e em 1935, só na Alemanha, já ia na 70ª edição com vendas de 350 000 exemplares. Na realidade, a Igreja Católica tentava obrigar Hitler a optar por uma das duas fações existentes no partido: a dos “conservadores”, como Göring e Goebbels, homens pragmáticos “preocupados essencialmente com o poder político”, e os “radicais”, os idealistas apostados em promover uma “bizarra ideologia de culto ariana”, totalmente anti-cristã. Esta corrente era personificada por Alfred Rosenberg.

Da Teoria à Prática

Com o nazismo a acelerar rumo à catástrofe, a influência de Rosenberg foi crescendo gradualmente. Como grande inimigo do modernismo, as suas opiniões e o seu trabalho no programa governamental Força pela Alegria, destinado à programação dos tempos livres das famílias alemãs, foram decisivos na criação do ambiente que haveria de conduzir à tristemente célebre Exposição de Arte Degenerada, em 1937, organizada por Goebbels que, inicialmente, era um apreciador de arte moderna ou, pelo menos, não era um cruzado fanático como Rosenberg na luta contra o modernismo.

Rosenberg em 1941, fotografado por Heinrich Hoffmann

Rosenberg em 1941, fotografado por Heinrich Hoffmann

Houve um momento breve em que Rosenberg se sentiu à margem, que foi por ocasião da assinatura do pacto germano-soviético de não-agressão, em 1939. Um acordo com o “judeo-bolchevismo” era o pior pesadelo de Rosenberg, a negação de tudo aquilo que ele tinha defendido ao longo da sua vida. Mas a sua carreira ainda não tinha acabado. Em 1940, já após o início da guerra, Hitler entregou-lhe a coordenação da Escola Superior, uma instituição destinada a formar os membros do partido e à doutrinação das futuras gerações. Encarregado de equipar as bibliotecas, Rosenberg teve a ideia de trazer livros, coleções e arquivos inteiros de Paris, então já ocupada pelos nazis. Seguiram-se os roubos de valiosas coleções de arte que tinham sido deixadas para trás pelas famílias judias levados a cabo por uma força de intervenção com o nome de Rosenberg. No seu diário escreveu: “as coisas que a minha Einsatzstab confiscou em Paris são indubitavelmente únicas.”

Mas a melhor notícia para Rosenberg foi a mudança nas relações com os soviéticos e o plano de Hitler para invadir a URSS. Era a oportunidade de finalmente passar à prática as suas teorias e atacar o monstro do “judeo-bolchevismo” no seu ninho. Com a invasão a iniciar-se, Rosenberg ficou responsável pelo Ministério para os Territórios Ocupados do Leste. Porém, o anúncio público só foi feito meses depois, a 18 de novembro de 1941.

Em Nuremberga, Alfred Rosenberg foi considerado culpado por crimes de guerra e condenado à morte por enforcamento. Morreu a 16 de outubro de 1946, por volta das duas da manhã.

Nesse dia, depois de falar aos jornalistas sobre os planos que tinha para a URSS, passou para a questão judaica. As suas palavras ainda hoje soam como um tiro de partida oficial para o extermínio dos judeus: “No Leste ainda vivem cerca de seis milhões de judeus e esta questão só pode ser resolvida com uma erradicação biológica de toda a judiaria da Europa. A questão judaica só estará resolvida quando o último judeu tiver deixado o território alemão e, para a Europa, quando nem um único judeu viver no continente europeu até aos Urales. Esta é a tarefa que o destino nos atribuiu.”

Enquanto ministro do Leste, Rosenberg recebia relatórios pormenorizados sobre a atividade dos grupos de extermínio de judeus. Quando foi julgado, começou por negar ter conhecimento dessas atividades, disse nunca ter participado em qualquer discussão do problema judaico e que “o nazismo nada tinha que ver com preconceito racial.” Finalmente, meses mais tarde, reconheceu que ele e outros elementos do seu gabinete estavam informados sobre as execuções de judeus.

O fim

A 18 de Maio de 1945, Rosenberg foi capturado pelas forças britânicas, em Flensburg, perto da fronteira com a Dinamarca. (É curioso que, como conta Timothy Snyder em Terra Negra, na Estónia, a terra natal de Rosenberg, sob domínio nazi, tenham morrido 99 por cento dos judeus, e na Dinamarca, sob domínio nazi, 99 por cento dos judeus tenham sobrevivido.) Ao longo de mais de vinte anos de um convívio de altos e baixos com Hitler, Rosenberg nunca deixou de confiar naquele homem que, de início, em 1919, pouco o impressionara. Embora lamentasse o protagonismo que o Führer dava a pessoas que ele, Rosenberg, considerava ralé – Göring, Goebbels, Ribbentrop – compreendia que o fizesse por razões de Estado. Em resposta a um cartão de felicitações que Hitler lhe tinha enviado no seu quinquagésimo aniversário, Rosenberg ter-lhe-á respondido dizendo que “em todos estes anos, nunca vacilei na minha fé nele e na sua obra, e que foi a maior honra da minha vida ter-me permitido lutar a seu lado.”

rosenberg julgamento

Rosenberg no julgamento de Nuremberga. É o primeiro da esquerda, na primeira fila de réus

Seria esta lealdade a razão para Hitler nunca ter deixado cair Rosenberg? Este homem de trato difícil e personalidade bizarra era desprezado por todas as figuras de relevo do partido, os seus livros eram ignorados (na biblioteca de Hitler foram encontrados dois exemplares de O Mito do Século XXI, mas tardios, de 1940 e 1942), ninguém, entre amigos ou inimigos, o considerava um pensador original e tinha uma gritante falta de talento para os assuntos práticos. Goebbels chamava ao ministério do Leste, “Ministério do Caos”, e Göring disse o seguinte ao psiquiatra que o entrevistou em Nuremberga: “O doutor conhece Rosenberg. Não tinha vocação para funcionário. Era um autor. Não conheço ninguém que pudesse afirmar ser amigo de Rosenberg. Ele pertence àquele tipo de homens que guardam as coisas para si mesmos e que são difíceis de entender, e com quem também é difícil criar laços íntimos. […] nunca li nada de Rosenberg a não ser o primeiro capítulo d’O Mito do Século XXI, que, como já lhe disse, me deu sono.”

Anti-judeu, anti-comunista e anti-cristão, Rosenberg personificava certos traços radicais do nazismo que, como vimos, o levaram a desempenhar um papel de relevo em algumas das ações mais infames do Terceiro Reich. Mas talvez a resposta para a sua proeminência aparentemente desproporcional aos seus méritos e capacidades tenha sido dada por Albert Krebs, um líder sindical que comandou tropas de assalto e chegou a ser chefe regional do partido Nazi na década de 20. De início, Krebs não percebia como é que Hitler podia ter em tão elevada consideração um homem tão confuso. Depois pensou que Hitler, “como mestre da propaganda, sabia, afinal, que são precisamente o incompreensível e o sem sentido que têm o maior efeito nas multidões.”

Em Nuremberga, Alfred Rosenberg foi considerado culpado por crimes de guerra e condenado à morte por enforcamento. Morreu a 16 de outubro de 1946, por volta das duas da manhã.

Meses antes, a 21 de abril de 1945, com os soviéticos às portas de Berlim, Rosenberg descreveu no seu diário aquilo que via no jardim da sua casa: “Nas traseiras, o baloiço de Irene [a filha] e a casa do jardim, semidemolida. À direita, a bétula esguia plantada recentemente. Tudo aquilo que ainda possuímos tem de ficar para trás.”

Bruno Vieira Amaral é crítico literário, tradutor e autor do romance As Primeiras Coisas, vencedor do prémio José Saramago em 2015

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