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Ali salvou-o, Davis Miller escreveu-lhe a história

Conheceu toda a vida do boxer na intimidade e transformou-a em livros de sucesso. Agora é o responsável pela exposição "Ali at the O2", em Londres. Em entrevista, diz-nos que Ali não mudou em nada.

Publico originalmente em abril de 2016.

É Davis Miller que o confirma: o próprio Muhammad Ali quer ir ver a exposição que está na O2 Arena de Londres até 31 de agosto. É a história do lutador contada através de peças únicas: luvas de combates famosos, um robe que lhe foi dado por Elvis Presley, fotos que dificilmente conseguiremos ver de outra forma, documentos inéditos e algumas surpresas multimedia. Davis Miller, o homem responsável pela organização de Ali at the O2 (uma exposição que segue o princípio que gerou uma semelhante sobre Elvis no final de 2014), diz-nos que “não é só uma montra, é entretenimento”. Não nos esquecemos que Miller, ao mesmo tempo que nos conta histórias, também está a vender um produto, mas ele é um curador privilegiado e é também um conhecedor raro da vida de Muhammad Ali.

7 fotos

Foi kickboxer que quase chegou longe; e ao mesmo tempo queria escrever livros. Teve a sorte das sortes. Conheceu Ali para lhe perder o rasto pouco depois. Reencontraram-se anos mais tarde, tornaram-se amigos e Davis Miller fez-se autor de artigos e de livros, entre a biografia e a peça jornalística, quase sempre com Muhhamad Ali como protagonista. Primeiro com a reportagem “My dinner with Ali”, de 1989. Depois com o livro “The Tao of Muhhamad Ali”, classificado muitas vezes como um “romance de não-ficção”. Já no início de março foi publicado “Approaching Ali”, um retrato pós-ringue do homem nascido Cassius Clay, a 17 de Janeiro de 1974, e que se transformou no maior lutador de boxe de todos os tempos e num herói da luta pelos direitos civis (e da resistência contra a guerra) na sociedade americana durante as décadas de 60 e 70. Falámos com Miller por telefone nos primeiros dias da exposição, que está aberta desde 4 de março.

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Olá, bom dia. É o Davis?
Sim sou eu. Tiago? O teu nome é Tiago? É assim que se diz?

É isso mesmo.
Uau. Muito bem.

Bom, Muhammad Ali é um nome bem mais interessante…
Sim, talvez, quanto a isso estamos de acordo.

Quando é que o conheceu?
Conheci-o em 1975, quando tentava ser campeão do mundo de kickboxing. Conhecia algumas pessoas que trabalhavam com ele, um dos sobrinhos dele era treinador de karate. Queria ser campeão e um amigo meu, que se mexia bem nesse mundo, disse-me para me meter no carro e ir da Carolina do Norte até à Pensilvânia, onde ficava o centro de treinos de Ali. O meu amigo disse-me algo como “eu meto-te no ringue com ele”. Ouvi isto e não pensei duas vezes.

Já o tinha como ídolo?
Claro, desde criança. Acho que naquele tempo ele era o herói de toda a gente. Ele salvou-me a vida quando era mais novo. De alguma maneira ele resgatou-me a uma depressão gigante e aparentemente irreversível. Nunca pensei que alguma vez pudesse lutar boxe com ele. Mas fui, meti-me no carro e fui. Tinha um Camaro muito velhinho mas aguentou as 600 milhas, mais coisa menos coisa.

"Fiz a minha melhor combinação de três murros e isso acordou-o, despertou-lhe a atenção. Ele abriu os olhos, saiu das cordas e acertou-me com um único jab. De repente não via nada, não ouvia nada, nem percebi de onde veio o murro. As minhas pernas não se mexiam. Ele veio ao pé de mim, abraçou-me e disse-me que eu era rápido: “Para um tipo pequeno sabes dar uns murros.”
Davis Miller

E quando lá chegou o que aconteceu?
Consegui mesmo entrar no ringue com ele. Eu pesava 58 quilos, ele pesava mais de 100. Eu media um metro e 70, ele tinha mais de um 1,90. Mas ainda assim ele apresentou-me a toda a gente dizendo: “Este homem é um grande mestre do karate. Quando ele acabar comigo vai ser como se estivesse a lutar com o Bruce Lee.” Quando tocou o sino, ele encostou-se às cordas, sentou-se nas cordas do meio de maneira a que a cabeça dele ficasse mais baixa, à altura da minha. Eu via-o desde que tinha 11 anos, sabia o que ele iria fazer, qual ia ser o jogo dele, como se fosse um sonâmbulo, era o que ele fazia muitas vezes. E depois fiz o maior erro da minha vida.

Que erro foi esse?
Fiz a minha melhor combinação de três murros e isso acordou-o, despertou-lhe a atenção. Ele abriu os olhos, saiu das cordas e acertou-me com um único jab. De repente não via nada, não ouvia nada, nem percebi de onde veio o murro. As minhas pernas não se mexiam. Ele veio ao pé de mim, abraçou-me e disse-me que eu era rápido: “Para um tipo pequeno sabes dar uns murros.”

E o melhor de tudo é que apesar disso ficaram amigos.
Sim, mas essa amizade só cresceu de facto uns anos depois, até porque fiquei bastante tempo sem o ver. Vivia no Kentucky, tinha uma famíla e um emprego. E encontrei-o casa da mãe dele, em Louisville, isso mudou a minha vida. Sempre quis ser um escritor. Voltei à minha história inicial com ele, numa altura em que a doença de Parkinson já se tinha manifestado. Escrevi uma história chamada “My Dinner With Ali” [publicada originalmente em 1989, na revista do Louisville Courier-Journal, pode ser lida aqui], e ficámos amigos desde então.

6 fotos

Como é que ele o salvou.
A minha mãe morreu quando eu tinha 11 anos, com uma doença de rins que nem sabíamos que ela tinha. Culpei-me pela morte dela, acho agora que é uma coisa normal para uma criança. Fiquei deprimido de forma traumática. Não falava com ninguém, não comia, não bebia, tive de ser internado várias vezes. No fim de um desses períodos no hospital, em Janeiro de 1964, fazia zapping na televisão, sentia-me miserável e de repente dou com a cara e a voz de Ali. Ele dizia “sou jovem, sou bonito, sou rápido e é impossível ser derrotado”. Estava a treinar para o primeiro combate com o Sonny Liston [fevereiro de 1964, em Miami]. Ele levantou-me, como se alguma coisa gloriosa tivesse passado pelo meu corpo. Depois tornei-me um kickboxer profissional, também por causa dele. Inspirou-me em muitos movimentos, no meu estilo. E tornei-me escritor por causa dele.

Tudo aquilo que conhecemos dele, aquela imagem mais mediática, era uma persona criada por ele ou era mesmo a verdade?
Ele era mais ainda do que mostrava. Muitas vezes, quando as pessoas conhecem os seus ídolos de infância ou de adolescência, acabam por ter desilusões porque os heróis revelam ser pessoas muito mais desinteressantes. O Ali é tudo o que imaginamos e ainda mais. Ele ainda hoje vai continuar a dizer que é o maior que a humanidade alguma vez viu. Ele vai fazer de conta que te dá murros ao mesmo tempo que te convida para jantar e te conta a história da vida dele. Ele não quer desiludir ninguém mas tem um lado muito sério, introspetivo, quase de meditação. Interessa-se sobre toda a gente, quer saber dos gostos e das paixões das pessoas. Podemos conhecê-lo só uma vez e parece que somos amigos dele há anos. Claro que tudo isto vem de um ego enorme. Ele precisa disto.

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A capa do novo livro de Davis Miller, sobre Ali depois dos ringues

Ainda hoje ele mantém essa atitude?
Sim. Já não da mesma forma, porque fisicamente não consegue, mas o espírito é o de sempre. Estive com ele em Setembro. Continua com a sua mania do ilusionismo amador, para agradar os miúdos. Ele não fala muito, faz muitos gestos com as mãos, com os olhos e continua a adorar ser um entertainer, só que quando o faz agora é para um público reduzido. Tem que ser monotorizado constantemente, está numa fase avançada da doença. Não sei durante quanto mais tempos o vamos ter mas continua a ser um homem notável, sempre foi e as pessoas perceberam isso muito cedo, por isso se tornou um homem único, um verdadeiro símbolo.

Esse símbolo, como diz, tem mais a ver com o lado desportista de Ali ou do papel que ele teve na transformação social americana?
É tudo isso e muito mais. Ele lutava com uma beleza que continua a não ser normal, com elegância, um estilo que nunca tinha sido visto e nunca foi repetido. Tinha, e tem, um sentido de humor que por vezes parecia o de uma criança mas que era rápido. Independentemente do que dissesse, era um misto de inocência com verdade. E não é habitual vermos isso de uma celebridade. A posição dele contra a guerra do Vietname tansformou-o num herói para milhões de pessoas [Ali foi recrutado mas recusou apresentar-se ao serviço do exército americano; foi impedido de lutar durante quase quatro anos, retiraram-lhe um título mundial e o passaporte]. Continuou sempre a fazer coisas que ninguém julgava possíveis, fosse vencer Sonny Liston ou George Foreman. E, mais tarde, muita gente continuou a gostar dele por causa da doença de Parkinson. Parece uma coisa meio estranha, macabra até, mas é a verdade.

Como é que ele lida com a doença?

E ele considera-a quase uma bênção, porque foi isso que fez dele uma espécie de familiar de gente de todo o mundo, gente que ele nunca conheceu. E parece-me que ele é quase como um avô especial. É uma coisa má mas que tem alguma beleza.

Já agora, qual é para si o combate perfeito de Ali?
Rumble in the Jungle, em 1974, quando venceu George Foreman por KO, no Zaire. Era considerado velho, ultrapassado para o boxe. Ninguém lhe deu crédito, a preocupação principal era a hipótese de o Foreman o matar no ringue, mais tarde ou mais cedo. Mas ele chegou lá e dominou tudo. Com esse combate ele ficou definitivamente classificado como o homem mais forte do mundo. No que diz respeito à beleza, à elegância da luta de Ali, o combate dele com Cleveland Williams, em 1966, é o melhor. É impensável fazer o que ele faz, mas aconteceu mesmo. E a verdade é que nunca mais ninguém fez algo assim.

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