Que Pharrell Williams tende a sentir-se feliz (“Happy”), é algo que toda a gente ouviu vezes suficientes na rádio. Mas agora que se tornou um dos nomes mais falados da edição deste ano do US Open, que terá esta noite a grande final masculina entre Rafael Nadal e Kevin Anderson, o músico deve andar com uma disposição mais agridoce – e não, Pharrell Williams não começou de repente uma carreira no ténis.

O que aconteceu é que também Pharrell Williams, que mantém uma parceria criativa com a Adidas há alguns anos, percebeu como o ténis está de volta à ribalta do mundo da moda e o quanto esse impulso está tão diretamente ligado ao poder do patrocínio das grandes marcas desportivas, e desenhou a linha de equipamentos mais falada deste US Open, um dos quatro torneios do grand slam da modalidade e aquele que fecha a temporada.

É um conjunto de equipamentos “Bjorn-borguescos”, com o toque colorido de um Richie Tenenbaum (de Wes Anderson) e a irreverência despenteada do carismático John McEnroe. “As silhuetas populares nos anos 70 eram muito fortes. Não consegui ignorar isso. Eram mesmo cool. Basta olhar para os filmes de Wes Anderson e perceber de onde aquilo vem. Desde as cores às formas, foi uma grande inspiração para mim”, explicou Williams à Vogue norte-americana. E tem sido difícil ignorar estes equipamentos no court. A única parte “agri” deste “doce” é que também já se fala de uma maldição que emana das roupas.

A tenista Muguruza com um dos “looks” desenhados por Pharrell Williams. © Adidas/Divulgação

Não será culpa dos padrões desenhados por Williams, nem das tecnologias aplicadas pela Adidas (como tecidos que vão regulando a temperatura do corpo), mas é verdade que todos os tenistas que vestiram estes equipamentos foram sendo eliminados antes de tempo: Alexander Zverev, que optou pelo look de pólo mais clássico, fita na cabeça e que até disse que nunca se atreveria a baixar as meias que estavam puxadas até aos joelhos por respeito ao designer; Jo-Wilfried Tsonga e Dominic Thiem, que levaram as t-shirts inspiradas pelos blocos de Nova Iorque; Simona Halep também com os blocos de cor, que era a número dois do mundo e foi eliminada por Maria Sharapova; e até Garbiñe Muguruza, atual número 1 do ranking, que entrou no jogo com um vestido clássico de malha fina e que tinha feito muitos elogios à roupa no lançamento desta coleção: “É retro e é uma viagem ao passado. Sinto-me tão na moda com estas cores e estas meias. Gosto de usar cores fortes e de me sentir feminina no court. É uma ótima combinação.”

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Quantos modelos Stan Smith encontra à sua volta?

Já é normal que, nestes eventos, não se fale só do desporto, e se procurem nas bancadas os famosos que aparecem para os grandes jogos. Afinal, os grandes torneios acontecem em cidades como Londres, Paris ou Nova Iorque, e há aqueles que nunca faltam: Justin Timberlake, Uma Thurman ou as irmãs Kardashian, por exemplo. Mas as pistas de que o foco da moda se está a recentrar dentro das linhas do campo já estavam a aparecer há algum tempo.

Basta dizer que Anna Wintour, a eterna divindade do universo Vogue, é uma fã de ténis, e que há relatos de já ter sido vista a faltar a desfiles na semana da moda de Nova Iorque para comparecer a jogos no US Open – além de ser amiga pessoal de Roger Federer, um dos maiores nomes da modalidade. Ou pensar na recente estreia de um filme dedicado inteiramente à rivalidade entre John McEnroe e Bjorn Borg.

A presença de Serena Williams no videoclipe de “Sorry”, uma das músicas do mais recente álbum de Beyoncé (“Lemonade”), é também um momento emblemático desta força estética reconquistada pelo ténis, sendo que tanto Serena como a irmã Venus já há alguns anos que assumiram em pleno o seu papel de rebeldia estética nas roupas que escolhem para jogar – no Wimbledon de 2016, o único torneio que mantém um dress code antiquado que obriga a que todos os jogadores usem apenas branco nos courts, Venus Williams foi repreendida por usar um soutien cor-de-rosa, por exemplo. Isto na mesma edição em que a roupa dos assistentes de campo foi toda desenhada por Ralph Lauren.

Serena Williams, diretamente dos campos de ténis para o videoclipe de “Sorry”, de Beyoncé.

Há ainda outras tenistas que entram sempre em jogo como herdeiras do potencial de moda que este desporto sempre teve – afinal, é um jogo sobretudo individual, pausado, sem empurrões e sem lama. Maria Sharapova, que voltou este ano ao US Open por convite especial da organização, após 15 meses de suspensão, chegou logo com um mini vestido Nike coberto de cristais Swarovski, e falou disso na conferência de imprensa depois da vitória: “Atrás destes cristais e destes mini vestidos sempre esteve uma rapariga cheia de força.” E é preciso também lembrar a parceria que já dura há oito anos entre a tenista Caroline Wozniacki e os equipamentos desenhados por Stella McCartney, que este ano no US Open seguiu também um caminho de cores fortes e linhas retas mas que já produziu saias de folhos em estilo bailarina e vestidos inspirados em lingerie vintage.

Sem ter de ir mais longe, e para que se perceba o quanto a moda e o ténis estão cada vez mais ligados, basta que esteja neste momento a ler o artigo num local público e que tente contar o número de modelos de ténis Stan Smith (ou inspirados por eles) em redor. Estão por todo o lado, e a ligação é tão simples quanto isto: esse modelo é inspirado por aquele que o tenista Stan Smith começou a usar a partir de 1973, quando passou a ser patrocinado pela Adidas. Foi o próprio Stan Smith que dedicou algum tempo a explicar as regras da modalidade a Pharrell Williams: “O ténis tem um sistema de pontuação tão sofisticado que demorei a perceber tudo.”

Aliás, é impossível prever o resultado do jogo desta noite, mas uma coisa já se sabe sobre a grande final do US Open: é que Rafael Nadal, atual número 1 do ranking masculino e (dizem alguns fãs esperançosos) futuro presidente do Real Madrid, vai de certeza jogar com uma das cores fortes néon que marcam a sua imagem há alguns anos – rosa ou laranja, sobretudo – e terá nos pés a sua própria linha de ténis Nike. E quem sabe se o modelo Rafa não terá no futuro um regresso retro ao estilo Stan Smith.

Richie Tenenbaum, no filme de Wes Anderson, a marcar pontos na estética ligada ao ténis.

Da primeira saia pelos joelhos aos calções curtos de Borg

A sensação familiar que se tem quando se vê um pólo Lacoste, com o seu pequeno crocodilo desenhado no peito, e o seu ar aprumado, pode fazer com que seja fácil esquecer que tudo começou nos anos 20 quando René Lacoste ainda andava pelos courts de ténis a jogar. Nos últimos anos, porém, o designer de moda português Felipe Oliveira Baptista, atual director criativo da marca, tem feito questão de sublinhar essa herança nos desfiles e nas coleções da Lacoste.

Foi depois desses anos 20, os mesmos em que a tenista Suzanne Lenglen iniciou uma pequena revolução ao jogar em Wimbledon com os braços despidos e uma saia pelos joelhos (até esta opção do designer Jean Patou as tenistas jogavam mesmo com saias compridas), que René Lacoste decidiu criar a sua própria marca, que começou a ser comercializada em 1933. E o crocodilo? Era o nickname desportivo de René, que de raquete na mão era conhecido como “the crocodile”.

Em fevereiro de 2015, a coleção da Lacoste desenhada por Felipe Oliveira Baptista desafiava para uma partida de ténis. © Getty Images

As saias plissadas e curtas, essas que ainda hoje se associam ao ténis feminino, só surgiram nos anos 50. E foi também nessa década, em 1952, que um famoso jogador britânico decidiu reformar-se dos deuces e dos match points para lançar a sua própria marca – Fred Perry. Depois de ter sido campeão de ténis de mesa, de ter vencido Wimbledon três vezes e de uma carreira inteira a jogar de calças compridas – como acontecia na altura – criou um pólo adaptável ao corpo com linhas que duram até hoje, inspirado pelo estilo do ténis mas que foi absorvido por várias subculturas britânicas e se tornou um ícone do país, assim com o Laurel Wreath, o símbolo gravado em todos os artigos da marca.

E depois vieram os anos 70, e com eles chegaram John McEnroe, Vitas Gerulaitis, Bjorn Borg, que encheram os courts com as cores mais gritantes próprias da época, os calções curtos e aquelas fitas na cabeça (que, aliás, mulheres como Suzanne Lenglen já usavam nos anos 20, ainda que com um estilo menos desportivo). Foi também nessa década que uma marca de malhas deu uma guinada no seu rumo e se associou ao sueco Borg para começar a fazer equipamentos desportivos – a Fila. E, curiosamente, foi também nessa década, no ano de 1977 e no clube de Ténis da Foz, no Porto, que surgiu uma marca portuguesa que começou a fazer roupa desportiva e de ténis – a Mike Davis, um nome escolhido em homenagem ao tenista galês e que ainda hoje em Portugal há quem pense que é marca estrangeira.

Mike Davis, a marca portuguesa que há 40 anos passa por estrangeira

Daí até aos dias de hoje, nesta era em que os patrocínios dos tenistas marcam as tendências, muita coisa aconteceu – como o episódio, em 1987, em que o tenista Chris Evert fez parar um jogo porque perdeu uma pulseira de diamantes e acabou por inspirar as famosas pulseiras desportivas que agora quase todos os jogadores usam –, mas a estética do ténis voltou mesmo a estar no foco da moda, e só mesmo em Wimbledon é que isso pode continuar a passar em branco.