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Antes de o seu nome poder chegar à votação na Assembleia Geral das Nações Unidas, António Guterres vai enfrentar uma audição em Nova Iorque, vai participar num debate com os restantes candidatos, vai ter de ser escolhido pelo Conselho de Segurança — e, ao mesmo tempo que tudo isto acontece, terá de encabeçar uma campanha para convencer os 193 países que fazem parte da ONU de que ele é o melhor candidato para liderar a organização. A experiência de dez anos como Alto Comissário da ONU para os refugiados, a experiência como primeiro-ministro e o forte apoio da diplomacia portuguesa à sua candidatura dão já algumas tendências sobre os possíveis apoios de Guterres para chegar ao topo da ONU.

Fazendo as contas — e tendo em consideração o número de países que constituem a organização –, os apoios de Guterres podem não impressionar para já, mas os Estados que conhecem e podem vir a apoiar o antigo primeiro-ministro na sua candidatura são estratégicos. Ao longo da sua vida, António Guterres, que foi descrito como “o candidato com perfil mais adequado” para este cargo pelo jornal The Guardian, esteve em momentos chave da diplomacia portuguesa (transferência da soberania de Macau para a China) e mundial (referendo sobre a independência em Timor Leste) enquanto primeiro-ministro de Portugal. Mais tarde, como Alto Comissário da ONU para os Refugiados teve de lidar com a maior crise de refugiados desde a II Guerra Mundial.

UNHCR commissioner Antonio Guterres (C) meets with migrant children during his visit to the Moria Identification Center on the Greek island of Lesbos on October 10, 2015. Greece was hit by a huge new surge in migrants as the United Nations on October 9 approved a European seize-and-destroy military operation against people smugglers in the Mediterranean. AFP PHOTO / DIMITAR DILKOFF (Photo credit should read DIMITAR DILKOFF/AFP/Getty Images)

António Guterres com refugiados sírios na ilha de Lesbos, na Grécia

Esta experiência acumulada não alivia o processo de escolha, mas pode facilitar esta mistura entre maratona e prova de obstáculos. Chegar a secretário-geral da ONU implica uma eleição dupla, já que o nome é indicado pelo Conselho de Segurança da ONU e votado na Assembleia Geral, necessitando de dois terços dos votos dos 193 países que constituem este órgão. A corrida já começou, com várias deslocações de Guterres a pontos estratégicos do globo para reunir apoios — esteve em Angola no início de março –, mas o primeiro obstáculo vai surgir já entre 12 e 14 de abril, em Nova Iorque, numa audição pública, onde responderá a questões dos vários Estados-membros da ONU e até de organizações da sociedade civil. Todos os candidatos a secretário-geral — são sete até agora — vão participar nestas audições e todos os países vão estar atentos ao que cada um tem de dizer.

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Mais: os candidatos vão debater publicamente em Nova Iorque e Londres as ideias que defendem para o futuro das Nações Unidas. A discussão em Nova Iorque vai acontecer a 13 de abril e será organizada pelo think tank New America; já em Londres, o debate público vai acontecer a 3 de junho no Central Hall Westminster. As duas iniciativas têm o apoio do jornal The Guardian.

Apesar de partir em desvantagem, já que as regras informais determinam que o sucessor de Ban Ki-moon deverá vir da Europa de Leste e tem havido pressão internacional para que este cargo seja exercido por uma mulher, Guterres pode agarrar-se aos seus anos de experiência na ONU e no Governo português para conseguir apoios que podem influenciar a sua eleição. O Observador mostra-lhe as possíveis tendências de voto na candidatura de Guterres.

O peso do Conselho de Segurança

Dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, António Guterres poderá conseguir o apoio de três. Desde logo, o Reino Unido, que mantém a mais antiga aliança do Mundo com Portugal e com quem a diplomacia portuguesa mantém laços preferenciais ainda hoje. Também a China tem razões para preferir António Guterres, já que foi durante o seu mandato como primeiro-ministro que o território de Macau foi transferido para este país — a transição aconteceu em 1999. Já a Rússia, confrontada com a possibilidade de o mandato de secretário-geral ir parar à Europa de Leste, pode preferir apoiar António Guterres. No entanto, este apoio pode não concretizar-se devido à invasão da Crimeia por parte da Rússia e das consequentes sanções da União Europeia ao país.

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No grupo dos membros não-permanentes, Guterres poderá encontrar aliados em Espanha e Angola. Apesar do afastamento entre Lisboa e Luanda no início deste ano, as feridas parecem ter ficado saradas na reunião de ministros dos Negócios Estrangeiros da CPLP, quando Portugal cedeu metade do seu mandato no cargo de secretário-executivo da CPLP a São Tomé e Príncipe. Georges Chikoti, ministro das Relações Exteriores de Angola, afirmou em Lisboa que a candidatura de Guterres “honra toda a comunidade lusófona”, indicando um apoio ao antigo primeiro-ministro.

Quanto a Espanha, é esperado um voto favorável já que Portugal foi um aliado na sua candidatura a membro não-permanente do Conselho de Segurança, ajudando ainda Madrid a recolher o apoio dos restantes países lusófonos. Quando esteve em Portugal no início de 2015, José Manuel García-Margallo, ministro dos Assuntos Exteriores e da Cooperação, disse que as representações de Portugal e Espanha partilhavam o lugar de Espanha como membro não permanente no Conselho de Segurança da ONU. “Estamos em permanente contacto para saber quais são as preocupações, os interesses e os objetivos que Portugal quer que cumpra o Conselho de Segurança”, disse então o governante espanhol.

O nome do secretário-geral da ONU a ser votado na Assembleia Geral será escolhido no Conselho de Segurança e é preciso assegurar o apoio dos membros permanentes para que não exerçam o seu direito de veto. Um dos apoios mais significativos será o dos Estados Unidos e é possível que o candidato que mais agrade a Washington e não levante problemas a Pequim e Moscovo seja o nome indicado para secretário-geral.

CPLP, um apoio de peso em três continentes

Com o conflito latente da chefia da CPLP resolvido com a cedência de Portugal em Lisboa, partilhando a nomeação do mandato de secretário-executivo da liderança da CPLP com São Tomé e Príncipe, é esperado que os países que fazem parte desta organização apoiem António Guterres. No fim da reunião em Lisboa, Georges Chikoti, ministro das Relações Exteriores de Angola, afirmou que esta seria uma oportunidade para “todos” apoiarem a candidatura do antigo primeiro-ministro. Convém lembrar que António Guterres era líder do Governo português quando a CPLP foi criada e foi o seu primeiro executivo que ajudou a ultimar as linhas mestras desta organização.

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Este possível apoio dá aliados a Guterres em três continentes diferentes — quatro se contarmos com Portugal. Um dos mais importantes aliados dentro do grupo da CPLP é o Brasil, já que se trata de um dos países mais influentes na América do Sul, podendo ajudar a que outros Estados desta parte do continente americano deem o aval a António Guterres. Já Angola poderá ter o mesmo efeito em África. O país tem influência junto de outros Estados da região e tem assento em organizações como a União Africana ou a Organização dos Países Exportadores de Petróleo.

Guterres

António Guterres, então primeiro-ministro, aperta a mão a Fernando Nogueira, então líder do PSD, após uma sessão especial na Assembleia da República sobre o Massacre de Santa Cruz em Díli que decorreu em novembro de 1995

Também Timor Leste é um dos apoios mais importantes para Guterres. Foi durante os seus mandatos como primeiro-ministro que a independência do país face à Indonésia ultrapassou mais barreiras, nomeadamente com a realização do referendo em 1999. O socialista foi uma das figuras portuguesas que participou mais ativamente no processo de independência de Timor-Leste. No início de fevereiro, Ramos Horta, antigo presidente timorense, indicou que António Guterres é uma pessoa “muito querida de todos, pela sua maneira de ser, pela sua integridade, pela sua modéstia e acessibilidade”, mas que enfrentará dificuldades vindas dos países da Europa de Leste.

Outros países como Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique e São Tomé e Príncipe podem também ajudar a influenciar os seus vizinhos e outros países com que mantêm relações mais próximas.

Guterres ficou ao lado dos refugiados. E agora?

Enquanto Alto Comissário da ONU para os Refugiados, António Guterres percorreu milhares de quilómetros para visitar campos de refugiados espalhados um pouco por todo o mundo e chamando a atenção para as dificuldades enfrentadas por quem tem de fugir da guerra e de perseguições políticas. As condições de acolhimento dos refugiados foram um dos seus principais alvos, pedindo à comunidade internacional solidariedade para com os países que acolhem mais gente, fazendo de Guterres uma figura popular e amplamente conhecida na Turquia — país que em 2014 detinha maior número de refugiados nas suas fronteiras — ou Jordânia, um dos países que tem mais refugiados tendo em conta a sua população.

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Em 2015, Guterres escolheu mesmo a Turquia para passar o Dia Mundial dos Refugiados, indicando que o país “abriu as suas fronteiras de forma generosa a sírios, iraquianos e afegãos”. “Isto tem um significado especial num mundo onde há tantas fronteiras fechadas ou restritas e onde há novos muros a serem erguidos”, referiu o antigo primeiro-ministro. Já sobre a Jordânia, numa visita em 2013 Guterres lembrou que o país é “um exemplo de solidariedade”. “Quero dizer aos jordanos que o seu sacrifício e generosidade devem ser reconhecidos pela comunidade internacional e devem também ser alvo da mesma solidariedade que ofereceram aos refugiados sírios”, disse Guterres numa conferência de imprensa com o rei Abdullah.

The head of the United Nations High Commissioner for Refugees (UNHCR) Antonio Guterres (R) looks on during a visit to the UNHCR repatriation centre in the north-western Pakistani city of Peshawar on June 23, 2015. Guterres is on a three-day official visit to Pakistan. AFP PHOTO / A MAJEED (Photo credit should read A Majeed/AFP/Getty Images)

António Guterres numa visita a um centro de refugiados no Paquistão, em 2015

Apesar de a Síria e os cidadãos sírios fazerem atualmente manchetes em todo o mundo devido aos fluxos migratórios para os países da União Europeia, durante o seu mandato António Guterres não esqueceu os refugiados do Afeganistão, lembrando no final do ano passado que tanto o Irão como o Paquistão os acolhem há quase três décadas. “Acreditamos que ignorar o Afeganistão seria um erro perigoso, independentemente da escala e da urgência de novas crises. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados tem uma relação especial com o Afeganistão e com os dois países que acolheram 95% dos refugiados deste país: a República Islâmica do Irão e o Paquistão”, afirmou António Guterres.

Tal como acontece em relação aos membros da CPLP, alguns destes países têm influência nas suas regiões, podendo influenciar outros Estados a apoiarem ativamente António Guterres. Desde o início das migrações em massa de refugiados vindos de vários pontos do mundo para a União Europeia que António Guterres tem sido uma das vozes mais interventivas a favor da tolerância e mais críticas em relação à falta de uma resposta concertada de Bruxelas perante as tragédias que se verificam diariamente no Mediterrâneo.