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Autarcas candidatos foram mais eleitoralistas que os "dinossauros" de saída

Estudo sobre os efeitos da limitação de mandatos mostra que autarcas que estavam impedidos de ir a votos gastaram menos que os reelegíveis. 41 atuais presidentes não podem concorrer a 1 de outubro.

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Nas últimas eleições locais foram extintos os chamados “dinossauros autárquicos”, mas ficaram as pegadas de algumas das mais antigas práticas dos municípios portugueses: em ano de eleições, quem se recandidatou fez mais despesa e teve menos receita (consequência de cobrar menos impostos) do que quem foi a votos. Numa palavra: eleitoralismo. As conclusões do estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) sobre este fenómeno demonstram que “os presidentes de câmara impedidos de se recandidatar gerem as finanças municipais de forma menos eleitoralista que os autarcas reelegíveis, gerando menores aumentos das despesas e menores reduções das receitas fiscais“. Outra grande conclusão do estudo é que a limitação de mandatos ajudou a travar a tendência de abstenção.

O estudo “Limitação de Mandatos — O impacto nas finanças locais e na participação eleitoral”, coordenado por Francisco Veiga e Linda Veiga, analisou as finanças das autarquias de 160 presidentes de câmara impedidos de se recandidatar no último ano de mandato e comparou-as com 148 autarcas que podiam ir a votos. A lei n.º 46/2005, que impôs a limitação de três mandatos (12 anos) teve o seu grande impacto nas últimas autárquicas, em 2013.

A rubrica de despesa onde se verificou a maior quebra nos autarcas que estavam de saída é na “despesa de capital” (-11,8% que os autarcas que se podiam candidatar), o que sugere que houve menos necessidade de “fazer obra“. Quanto à despesa total, os impedidos de se recandidatarem gastaram 6,6% menos do que quem ainda podia ir a votos. A receita também diminuiu nos que se podiam recandidatar. A coordenadora do estudo, Linda Veiga, explica ao Observador que essa “redução foi acima de tudo na receita fiscal”, já que “para agradarem aos eleitores, foram reduzidos alguns impostos locais“.

Os autarcas de saída tiveram menos 11,8% de "despesa de capital" do que os que ainda iam a votos, o que significa que tiveram menos necessidade de "fazer obra" para eleitor ver.

Os presidentes de câmara impedidos de tentar a reeleição também reduziram as receitas próprias (em 5,2%) e as transferências de capital vindas do Estado (em 22,2%). E tem uma justificação: menos obra e menos despesa significa menos necessidade de receita e menos necessidade de captar investimento da administração central. Linda Veiga aponta “duas justificações: por um lado os autarcas podem não se ter esforçado tanto para obter investimento por não terem de ser tão eleitoralistas, e, por outro, a própria administração central não transferir tanto dinheiro por o autarca já não ser reelegível”. O estudo não apurou aqui se se tratava ou não de autarquias da cor política do Governo em funções, o que seria relevante.

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Para evitar erros de análise, o estudo teve em conta a heterogeneidade dos municípios onde o presidente não se podia recandidatar (teve, por exemplo, em conta aqueles que saíram antes do fim do mandato) e também dividiu aqueles que ainda se podiam recandidatar em dois subgrupos (menos experientes, no primeiro mandato; e mais experientes, os que já iam no segundo mandato).

“Delfins” tão eleitoralistas quanto os reelegíveis

Entre as câmaras presididas por autarcas impedidos de se recandidatar, verificou-se que, dos 16o presidentes de câmara em fim de ciclo por força da lei, 24 “demitiram-se ou suspenderam os seus mandatos, dando lugar aos seus vice‐presidentes”. A prática é típica na política portuguesa: antes de abandonar o cargo, o presidente abdica a favor de um “delfim”, normalmente o vice-presidente, de forma a que este ganhe estatuto político e passe a ser o rosto do município e das obras, tipicamente, realizadas em fim de mandato. Objetivo: ajudá-lo a ser reeleito.

Dos 160 presidentes, 24 deixaram o cargo para que os vice-presidentes subissem ao poder. Esses sucessores tiveram atitudes similares aos que ainda se podiam candidatar: foram mais eleitoralistas.

Como eram candidatos (21 dos 24 foram a votos), os homens que herdaram a autarquia antes das eleições acabaram por ter um modelo de gestão próximo dos autarcas que ainda não estavam em fim de mandato, realizando mais despesa. O estudo da FFMS conclui assim também que, “entre os municípios com autarcas impedidos de se recandidatar, foi naqueles cujos presidentes se demitiram antes do final de mandato que se verificou maior eleitoralismo“. Reduziram, por exemplo, a receita fiscal, baixando os impostos aos munícipes. Os investigadores sugerem uma justificação para estes valores: “Tendo menor tempo no poder e sendo menos conhecidos pelo eleitorado e menos capital político, estes dirigentes poderão ter sentido maior necessidade de sinalizar a sua competência”.

Ainda no universo de 160 presidentes de câmara, os investigadores da FFMS analisaram aqueles que se candidatavam a outros cargos. Mais de metade fizeram-no: 88. Destes, 10 foram candidatos a outras autarquias (seis venceram), 75 foram candidatos à Assembleia Municipal e três integraram listas para o executivo camarário, mas como vereadores. No entanto, neste caso, não foram verificadas diferenças assinaláveis. “As decisões de política orçamental são semelhantes aos que não se candidataram a qualquer cargo”, defenderam os investigadores.

Os seis que foram eleitos em outros municípios foram: Ribau Esteves, que após ter sido presidente da Câmara Municipal de Ílhavo durante 16 anos, foi eleito presidente da Câmara Municipal de Aveiro; João Manuel Rocha da Silva, que após 33 anos em Serpa (renunciou ao mandato em outubro de 2012) foi eleito em Beja; Carlos Manuel Rodrigues Pinto de Sá, que após 19 anos (renunciou ao mandato em dezembro de 2012) à frente da Câmara Municipal de Montemor‐o‐Novo foi eleito em Évora; Francisco Augusto Caimoto Amaral, que após 20 anos em Alcoutim foi eleito em Castro Marim; Álvaro dos Santos Amaro, que após estar 12 anos à frente da Câmara Municipal de Gouveia foi eleito na Guarda; e Vítor Manuel Chaves de Caro Proença, que após 12 anos em Santiago do Cacém foi eleito em Alcácer do Sal.

Os autarcas que estavam em final de mandato demonstraram ainda uma maior competência na gestão autárquica, já que, “em média, os municípios cujos presidentes de câmara estão a cumprir o primeiro ou segundo mandato apresentam um saldo orçamental inferior em cerca de 19 euros por habitante quando comparados com os municípios dos presidentes de câmara mais experientes.” Os investigadores acrescentam ainda que “estes resultados indiciam que menor experiência no cargo poderá estar associada a piores resultados no que toca às finanças locais.”

Em ano de eleições autárquicas, os saldos orçamentais dos presidentes elegíveis foram reduzidos, em média, num montante de 77,7 euros por habitante, relativamente a anos não eleitorais. Adicionalmente, a despesa total aumentou 9,9%, e a receita total (excluindo passivos financeiros) aumentou apenas 3,1%, o que explica o resultado obtido para os saldos orçamentais. Relativamente aos autarcas sujeitos à limitação de mandatos, tenderam igualmente a agravar os saldos orçamentais em ano de eleições, embora num montante ligeiramente mais baixo (76 euros por habitante).

O perfil do autarca: mais novo e com profissões mais intelectuais

O impacto da lei de limitação de mandatos foi significativo, já que os 160 presidentes impedidos de continuarem no cargo representavam mais de metade do total: 52%. O partido mais afetado pelas saídas forçadas foi o PSD (82 eram do partido liderado por Passos Coelho, 14 deles em coligação com o CDS), seguindo-se o PS (com 59), a CDU, com 13, o Bloco de Esquerda com uma, e ainda cinco independentes.

Além dos efeitos políticos (e partidários) desta mudança, a lei de limitação de mandatos fez também descer a média de idades dos autarcas do país em quase três anos. Em termos médios, a idade dos autarcas era de 52,9 anos em 2010, mas desceu para 50,1 anos em 2014. De acordo com o estudo, em 2010 o autarca mais novo tinha 29 anos e o mais velho 74 anos, enquanto em 2014 o mais novo tinha 30 anos e o mais idoso 72 anos.

A maioria dos autarcas, em ambos os mandatos, tem curso superior, é homem, e é natural e residente no concelho da câmara a que preside. A percentagem de autarcas do sexo feminino (embora haja menos uma mulher, em termos absolutos) e de autarcas que residem no concelho da câmara que dirigem não sofreram praticamente qualquer alteração. Já a percentagem de autarcas com curso superior aumentou de 81,5% em 2010 para 87% em 2014, e a percentagem de autarcas naturais do concelho a que presidem diminuiu de 64,6%, em 2010, para 56,7% em 2014. Os chamados “paraquedistas”, que saltaram de um município para outro, contribuíram para este número.

Uma mudança significativa entre os presidentes de câmara antes e depois da lei de limitação de mandatos deu-se a nível das profissões dos autarcas. As “profissões intelectuais e científicas”, os “docentes do ensino superior, secundário e profissões similares”, e os “aposentados” correspondem à maioria das profissões dos eleitos antes de chegarem ao cargo. Houve, registam os investigadores, um “grande aumento dos autarcas que tinha, antes da sua eleição, profissões intelectuais e científicas: em 2010 estes representavam 29,6% do total, e em 2014, 45,6%”. Houve, paralelamente, uma diminuição dos aposentados, que passou de 12,1% para 4,9% do total nacional.

Em outubro, são 41 os presidentes que não se podem recandidatar

Ao longo dos últimos anos, já se tem verificado a tendência, mas 2013 foi mesmo o ano em que mais de metade dos presidentes de câmara ficaram impedidos de se recandidatarem. Até a lei da limitação de mandatos ser aprovada, tanto a percentagem de recandidaturas como a percentagem de sucesso das mesmas esteve sempre em crescendo. De acordo com o estudo da FFMS, nas eleições de 2001, 2005 e 2009 a percentagem de autarcas que se recandidataram ultrapassou os 80%, e mais de 80% dos presidentes foram reeleitos. Em 2005, este valor chegou a ultrapassar os 90%.

Como a limitação de mandatos impediu, a partir de 2010, a recandidatura de todos os autarcas com três ou mais mandatos sucessivos no poder, a percentagem de recandidaturas em 2013 acabou por ser a mais baixa de sempre (41,8%), já que apenas os autarcas que estavam no seu primeiro ou segundo mandato se puderam recandidatar. É de assinalar que a percentagem de recandidaturas entre aqueles que se puderam recandidatar foi de cerca de 87%, o que está em linha com a tendência crescente da percentagem de recandidaturas ao longo dos anos. Já na percentagem de sucesso das recandidaturas, o efeito da limitação de mandatos não é tão evidente.

Em 2017, o impacto não vai ser tão grande como há quatro anos, quando mais de metade dos autarcas se viram impedidos de concorrer. Apenas 41 presidentes de câmara em exercício não podem recandidatar-se a 1 de outubro. Estes representam apenas 13,3 % do total de municípios, mas 67% dos 61 autarcas que estavam no segundo mandato em 2013. Dos restantes 20, oito não se recandidataram e 12 foram derrotados nas eleições autárquicas de 2013.

Mapa dos municípios onde o presidente de câmara não se pode recandidatura (do estudo “Limitação de Mandatos – O impacto nas finanças locais e na participação eleitoral”

Saída de “dinossauros” ajudou a travar abstenção

Não foi uma corrida em massa às urnas, mas o estudo da FFMS encontra “indícios de que a limitação de mandatos teve um impacto positivo na participação eleitoral”, já que — atendendo à evolução de 2009 para 2013 — verifica-se que a linha que tem uma menor inclinação negativa é correspondente às autarquias cujos presidentes não se puderam recandidatar. Enquanto nas autarquias sem um presidente “impedido” houve uma quebra de 4 pontos percentuais, nos municípios em que o autarca não se podia recandidatar a quebra foi de apenas 2,7 pontos percentuais.

Neste estudo é também analisado o impacto dos presidentes de junta de freguesia que não se puderam recandidatar (foram 884). No caso das freguesias, o estudo prova um “impacto ainda mais positivo” na participação eleitoral, uma vez que as freguesias afetadas e não afetadas registaram valores de participação idênticos em 2013 (quatro anos antes tinham diferenças de 1,9 pontos percentuais).

No geral, o estudo conclui que, “embora a limitação de mandatos não tenha anulado, a tendência recente de aumento da abstenção nas eleições autárquicas minorou a mesma nos municípios e freguesias com presidentes impedidos de se recandidatar”. Os investigadores destacam, porém, que “o impacto positivo, mas relativamente pequeno, da limitação de mandatos era expectável”, já que, “ao impedir autarcas de se recandidatar, a limitação de mandatos tornou as eleições mais competitivas, gerou maior cobertura mediática e levou à saída de autarcas percecionados como quase inamovíveis, fatores que encorajaram a participação dos eleitores“. Por outro lado, também assinala o estudo, “aumentou o número de candidatos pouco conhecidos, e muitos eleitores poderão ter-se visto impedidos de votar no seu candidato preferido, o que desencorajou a participação”.

Um estudo indicativo

Depois de analisados todos estes fatores, os investigadores concluíram que “a conjugação dos vários resultados obtidos neste estudo aponta para um efeito global positivo da lei [que limitou os mandatos] pois reduziu o grau de eleitoralismo na gestão das finanças locais e minorou a tendência crescente de abstenção nas eleições autárquicas”.

Os autores do estudo destacam, porém, que as conclusões devem ser “encaradas como indicativas”, já que há algumas limitações. Desde logo porque “ainda é cedo para concluir que a imposição de limites (…) aos mandatos é globalmente benéfica”. Até porque “o estudo abarca uma única eleição em que a lei produziu efeitos, sendo desejável atualizar a investigação quando estiverem disponíveis dados para mais eleições”.

Além disso, a inexistência de indicadores objetivos da competência dos autarcas impede, reconhecem os investigadores, a comparação a esse nível “entre os presidentes impedidos de se recandidatar e os que os substituíram”, que seria um “elemento crucial” para a resposta à pergunta: a limitação foi boa ou má? A isto juntam-se ainda outras limitações, como o facto a Lei dos Compromissos e Pagamentos em Atraso (Lei nº8/2012) ter também contribuído para a redução do eleitoralismo na gestão das finanças locais não sendo “possível separar os seus efeitos dos efeitos produzidos pela limitação de mandatos.”

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