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Depois de uma visita a um campo de refugiados sírios, Barbara decidiu montar um projeto humanitário à base de sopas e fotografias. Chamou-lhe Soup for Syria.
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Depois de uma visita a um campo de refugiados sírios, Barbara decidiu montar um projeto humanitário à base de sopas e fotografias. Chamou-lhe Soup for Syria.

© Divulgação

Depois de uma visita a um campo de refugiados sírios, Barbara decidiu montar um projeto humanitário à base de sopas e fotografias. Chamou-lhe Soup for Syria.

© Divulgação

Barbara Massaad. "A comida é uma linguagem universal, toda a gente entende"

Pôs gente famosa, como Bourdain ou Ottolenghi, a fazer sopas que alimentaram refugiados sírios. A libanesa Barbara Massaad, criadora do Soup for Syria, esteve em Lisboa e falou com o Observador.

À hora marcada para a entrevista, Barbara Massaad está à porta do Muito BEY, o restaurante libanês que abriu em outubro último no Cais do Sodré, em Lisboa, onde desempenha o papel de chefe consultora. Veio dar formação à equipa de cozinha e aproveitou para introduzir alguns pratos novos no menu. Mas a tarefa não tem sido fácil. “Eles não falam inglês, eu não falo português, então é preciso estar sempre alguém a traduzir”, explica, visivelmente cansada.

As dificuldades de comunicação não a demovem, porém. Nem podiam. Esta é, aliás, a parte fácil do seu trabalho. Mais duro foi, por exemplo, visitar campos de refugiados sírios no Líbano, onde nasceu a ideia do projeto Soup for Syria, um livro de receitas de sopa com um propósito humanitário: as vendas revertem a favor de programas de auxílio alimentar para esses mesmos refugiados, que já são cerca de um quarto da população residente do Líbano (dados do Alto Comissariado para as Nações Unidas). O livro, que conta com a participação de figuras do meio gastronómico como Anthony Bourdain, Yotam Ottolenghi ou Alice Waters terá, ainda este ano, uma edição em português.

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O livro traz receitas de sopa da autoria de 80 chefs e figuras da gastronomia mundial. A versão portuguesa deve chegar ainda este ano. (foto: © Divulgação)

Mas as atividades de Barbara Massaad não se esgotam aí. Longe disso: está em fase de pesquisa para a sua quarta obra dedicada à cozinha libanesa — desta vez sobre os lacticínios do país. E não se limita à investigação e à escrita: a fotografia também fica sempre a seu cargo. Ao mesmo tempo, vai continuando a proteger e a estimular os pequenos produtores enquanto líder local do movimento Slow Food. Como aqueles que, conta, “estão perdidos nas montanhas e fazem uns queijos fabulosos.” Não custa a acreditar no adjetivo tal a forma como lhe brilham os olhos ao falar neles.

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Dizia-me há pouco que esta é a sua terceira vez em Lisboa.
Sim, vim aqui antes do restaurante abrir, para dar formação e já tinha vindo outra vez, antes disso, de férias. Gosto muito, mas tenho passado a maior parte do tempo dentro da cozinha.

O que veio fazer ao restaurante desta vez?
Em primeiro lugar, vim revisitar os pratos que já fazemos. Não estive cá na altura da abertura, apenas antes, e tínhamos um outro chefe que estava a trabalhar com a cozinha. Agora estou a certificar-me que as receitas são feitas de modo autêntico, o mais próximo possível de como se fazem no Líbano.

E trouxe novas receitas consigo?
Sim. Introduzimos uma nova pasta de beterraba, que achei que seria agradável. É muito colorida e deliciosa, leva tahini [pasta de sésamo] e sumo de limão, um pouco de iogurte. É fresca e fácil de fazer. Também estamos a fazer uma nova salada, tirámos a de lentilhas e estamos a fazer uma de feijão branco, com alho. Ah, e estamos também a fazer uma nova receita de peixe.

Comem muito peixe no Líbano?
Sim, comemos. Bom, mas não tanto como aqui [risos].

Como é que compara a comida portuguesa e libanesa?
O equilíbrio do azeite, limão e sal é muito importante na nossa comida. Por exemplo, nós usamos muito tahini na nossa comida, e vocês não. Na nossa cultura, a salada é um aspeto muito importante, aqui não tanto. Vocês preferem sopa, é mais importante.

Mas a importância do azeite é muito semelhante, não é?
Sim, e o vosso é delicioso. E foi ótimo perceber isso porque às vezes tenho clientes que abrem restaurantes em partes do mundo onde é preciso importar até o azeite.

A nova pasta de beterraba trazida por Barbara Massaad para o menu do Muito BEY. (foto: © Tiago Pais / Observador)

© Tiago Pais / Observador

O que é que surgiu primeiro na sua vida, a comida ou a fotografia?
Posso dizer que surgiram ambos ao mesmo tempo. O meu pai era fotógrafo profissional e quando emigrámos para os Estados Unidos, tinha eu 15 anos, abrimos um restaurante e fui trabalhar para lá.

Na cozinha ou a servir às mesas?
Fazia as duas coisas.

Qual delas preferia?
Preferia a cozinha. Desde muito nova que gostava de cozinhar.

Então e como é que a fotografia aconteceu?
Vivi com fotografia a minha vida toda, por causa do meu pai. Quando era adolescente recebi a minha primeira máquina profissional e a partir daí comecei a fotografar. Nunca mais parei.

E profissionalmente?
Profissionalmente, tudo aconteceu muito mais tarde. Dos 15 aos 18 anos trabalhei no restaurante da minha família, nos Estados Unidos. Mas depois decidimos regressar ao Líbano e fui estudar Marketing e Publicidade. Trabalhei nessa área durante algum tempo. Depois casei-me e quando tive o meu primeiro filho parei de trabalhar durante sete anos. Tive três filhos ao todo. Quando a minha filha mais nova foi para a escola decidi dedicar-me profissionalmente à cozinha em vez da publicidade.

Como é que se faz essa transição?
Primeiro, comecei por treinar em diversos tipos de restaurantes.: franceses, italianos, etc… Mas só quando fui trabalhar para um restaurante típico libanês é que me senti verdadeiramente feliz. Pensei: vivo no Líbano, sou libanesa e esta é a comida que devo mesmo conhecer. E nós temos uma herança gastronómica tão rica. Quis focar-me nela, treinei durante um ano e meio, na secção das preparações, das oito da manhã às três da tarde. Depois ia para casa ter com os meus filhos.

Barbara veio ao Muito BEY dar formação à equipa e introduzir novos pratos no menu. (foto: © Tiago Pais / Observador)

© Tiago Pais / Observador

Quando é que começou a pensar escrever livros sobre o assunto?
A determinada altura decidi começar a fazer pesquisa sobre man’oushé que é uma espécie de pão achatado que comemos, geralmente, coberto de tomilho selvagem, o za’atar. Mas há coberturas diferentes que se podem pôr. Andei por todo o país durante um ano, entrevistei cerca de 250 padeiros.

Foi esse trabalho que deu origem ao livro Man’oushé?
Sim, o primeiro que fiz. Correu muito bem, vai agora na quarta edição.

Quantos já vendeu?
Muitos [risos]. A primeira edição foram 8000, a segunda mais 8000 e depois cedi os direitos do livro a uma editora nos Estados Unidos que já fez mais duas edições.

Existem muitas abordagens diferentes à cozinha libanesa? É que não é um país muito grande. [cerca de 9 vezes mais pequeno que Portugal]
Então, o meu segundo livro chama-se Mouneh e dedica-se às formas de preservar todos os tipos de vegetais, frutos, lacticínios e produtos animais. O man’oushé é feito com coberturas diferentes, que vêm desses métodos de preservação. Coberturas que variam de região para região. Por exemplo, temos algo chamado kishk que é iogurte e bulgur, um cereal que é secado ao sol com sal e transformado num pó muito fino. Por isso sim, há muitas diferenças mas também algumas semelhanças.

E depois ainda fez outro livro, Mezze.
Sim, mezze também é um aspecto muito importante da nossa gastronomia. Para esse livro baseei-me na experiência do nosso restaurante de família e no restaurante em que trabalhei no Líbano.

Mezze são as pequenas porções de comida, certo?
Sim, como as tapas.

Petiscos, aqui diz-se petiscos.
Petiscos, exactamente [risos]. Então, é uma parte muito importante da nossa cultura. Ficamos horas à mesa a comer…

Isto é man'oushé, tal como é servido no Muito BEY, com cobertura de za'atar, uma espécie de tomilho selvagem típico do Líbano. (foto: © Divulgação)

© Divulgação

Depois desses três livros, o projeto Soup for Syria. Como é que surgiu essa ideia?
Tivemos um grande fluxo de refugiados sírios a chegar ao Líbano nos últimos anos. Tanto que um quarto da nossa população no Líbano é composta por refugiados vindos da Síria. É um grande problema para o nosso país. Havia muitas famílias a viver em tendas, onde as crianças passavam frio. Era Natal, eu estava cheia de frio no meu apartamento em Beirute e só pensava nessas crianças e no frio que elas deviam estar a passar. Então decidi visitar um desses campos de refugiados. Como estou sempre com a minha máquina fotográfica comecei a tirar fotografias destas pessoas. Pensei que era uma pena que ninguém visse estas fotografias e visse que estas pessoas não são assim tão diferentes de qualquer um de nós. Como já tinha feito alguns livros relacionados com gastronomia decidi que talvez as pudesse usar num livro de receitas. No início queria fazer um livro de receitas sírias mas depois percebi que íamos ter problemas de higiene nas tendas e que seria muito difícil pôr aquelas mulheres a cozinhar, lá.

Como é que resolveu?
Sou a presidente da Slow Food no Líbano e organizamos um mercado de agricultores. Tenho uma amiga que é luso-americana, casada com um libanês, que me sugeriu: “Porque é que não fazemos sopas para os refugiados e as oferecemos durante o mercado?” Foi isso que fizemos e foi assim que a ideia do Soup for Syria surgiu.

E as colaborações? Pôs gente muito famosa a dar receitas de sopa…
Bom, graças ao Slow Food, fui construindo uma rede de conhecimentos com muitos chefes, bloggers etc. de todo o mundo. Fiz uma página de Facebook chamada Soup for Syria e pedi a algumas destas pessoas para doarem a sua receita favorita de sopa. Os meus amigos, a minha família, chefes famosos, e até pessoas que nem sequer conheço doaram receitas.

Fizeram uma seleção?
Exato, houve uma sessão em minha casa onde fizemos 200 receitas. Testámo-las e escolhemos as melhores. Entretanto, o livro saiu e todas as receitas vão para os refugiados sírios. E agora está publicado nos Estados Unidos, no Reino Unido, em Itália. E em princípio deve sair em Portugal este ano.

Acha que a comida é uma boa forma de aproximar as pessoas?
Absolutamente. Porque é uma linguagem universal, falada em todo o mundo, que toda a gente entende. Não é preciso ser rico para a compreender, é para toda a gente. É um denominador comum.

Será que podemos fazer mais nesse sentido? Descobrir o que nos une através da comida?
Sim, foi isso que encontrei em Portugal e foi isso que me entusiasmou quando vim trabalhar com o Ezzat no Muito BEY. Percebi que não era assim tão difícil encontrar os produtos que conhecemos e que há outros excelentes produtos aqui com que trabalhar. Na verdade, o que temos de importar são apenas as especiarias.

Faz muita consultoria para restaurantes?
Fiz também uma consultoria em Washington para um restaurante chamado Mamnoon, foi o meu primeiro grande projeto. Era um grande restaurante, libanês de pleno direito. Mas não o faço com tanta frequência assim.

"[A comida] é uma linguagem universal, falada em todo o mundo, que toda a gente entende. Não é preciso ser rico para a compreender, é para toda a gente. É um denominador comum."
Barbara Massaad

Está também associada ao movimento Slow Food, quais são as vossas atividades?
Temos o Earth Market, o tal mercado de agricultores, temos o nosso site e agora estamos a trabalhar num catálogo online com todos os pequenos produtores libaneses. E temos feito também alguns pequenos documentários, ultimamente, sobre os queijos perdidos das montanhas libanesas.

Tem sido difícil para os pequenos produtores libaneses manterem-se em atividade?
Sim, e a filosofia básica por trás do movimento Slow Food é manter estas pessoas vivas e a produzir, cortar os intermediários e fazer com que as pessoas apoiem estes negócios, em vez de comprarem comida industrial em supermercados enormes.

Está a preparar novos livros?
Sim, estou na fase de pesquisa porque gostava de fazer um sobre os lacticínios do nosso país.

Como os queijos perdidos que me estava a falar há pouco?
Sim, precisamente. Acho que é importante e quero pôr os pastores num pedestal porque acho que estas pessoas…se eles desaparecerem, muito vai desaparecer com eles.

Estão em risco?
O problema é que os libaneses não querem mais ser pastores. Contratam sírios, curdos, porque eles não querem. O pastor libanês sim, está em risco de desaparecer.

E como é a cena gastronómica em Beirute neste momento? No passado era uma cidade muito dinâmica.
Felizmente, é sempre algo importante, independentemente desta situação política que atravessamos. Os negócios estão em baixo, temos muitos problemas económicos, instabilidade política, etc. mas a cena gastronómica continua a ser rica e importante. As pessoas continuam a comer e a querer sair para fugir…

Para se distraírem dessa própria instabilidade?
O problema é que o nosso país era um destino turístico muito procurado. Não só pelos países árabes mas também pela Europa. Mas agora, por causa de todos os problemas na região [o Líbano tem uma fronteira de quase 400 quilómetros com a Síria], somos muito menos procurados, o que afetou muito a economia, principalmente os setores da hotelaria e restauração.

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