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Brexit. Os 5 dilemas que a Europa tem de resolver (já)

O Reino Unido votou para sair, mas os problemas continuam na União Europeia. Agora que somos apenas 27, como é que os vamos resolver?

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Foi uma cruz num quadrado. Ou melhor, foram 17,4 milhões de cruzes, feitas por outros tantos britânicos, que escolheram tirar o Reino Unido da União Europeia. Naquele dia 24 de junho, que já tem lugar garantido na História, decidiram o destino do seu país. Mas não só: da noite para o dia, a Europa viu emergir cinco dilemas — cinco nós que vai ter de desatar, sob pena de se desintegrar, ou de manter sobre si mesma a sombra do fim.

Sanções políticas vs. concessões económicas

É o dilema mais imediato: perante a decisão do Reino Unido, como é que a Europa vai reagir? O que vai ser mais relevante: os incentivos políticos, ou os económicos? Como explica ao Observador Miguel Monjardino, professor de geopolítica do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, estes incentivos não são coincidentes.

A nível político, o incentivo será ter “um discurso sancionatório”, quanto mais não seja “para evitar que outros países sigam as mesmas pisadas”, diz Miguel Monjardino. “Não pode haver concessões excessivas que incentivem outros países a sair”, corrobora Paulo Sande, ex-diretor do Gabinete do Parlamento Europeu em Portugal, também ao Observador.

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Mas, “do ponto de vista comercial e económico, não faz sentido nenhum adotar uma estratégia punitiva”, frisa Monjardino. E dá um exemplo concreto: “Para a Alemanha, o Reino Unido é um enorme parceiro comercial. Isto é um pesadelo estratégico”, garante Monjardino.

É que Alemanha e Reino Unido têm laços económicos fundamentais: em 2015, de acordo com o gabinete de estatísticas alemão, o Reino Unido era o terceiro principal mercado de exportação dos produtos alemães — são 89,3 mil milhões de euros que estão em causa. Dentro da União Europeia, só França ocupou um lugar mais importante, tendo ficado em segundo, com 103 mil milhões de euros em bens comprados à Alemanha. O primeiro lugar é dos Estados Unidos.

No ranking dos fornecedores da Alemanha, os britânicos estão em nono lugar, com 38,2 mil milhões de euros em bens vendidos aos alemães.

Do lado do Reino Unido, a relação não é menos relevante: em abril, o último dado disponível no gabinete de estatísticas do Reino Unido, os britânicos foram buscar à Alemanha 13% do total de bens que importaram. Este número ficou ligeiramente abaixo do verificado no mesmo mês de 2015, quando tinham comprado 15% dos seus bens importados aos alemães.

Em termos globais, o Reino Unido contribui com 10,2% para o comércio intracomunitário. É o mesmo que dizer que dá 302,5 mil milhões de euros em negócio aos Estados-membros.

Mais austeridade vs. mais tolerância

Nem o Syriza na Grécia, nem o Podemos em Espanha, nem o Bloco de Esquerda em Portugal: nenhum destes movimentos que põem em causa o status quo da política europeia dos três países — que ganharam expressão na sequência dos programas de austeridade, mais ou menos formais, que foram sendo implementados durante os anos de chumbo da crise económica e das dívidas soberana — foram suficientes para mudar significativamente a linha austeritária que tem conduzido os destinos da Europa. E o Brexit? Será?

“Com a saída do Reino Unido, a Alemanha perde um dos seus aliados mais importantes para os discursos orçamentais da União Europeia”, garante Miguel Monjardino. Apesar de o Reino Unido ter conseguido exceções na aplicação das regras comunitárias no que toca à política orçamental — desde logo porque sempre esteve fora do euro — alinhava com os países mais ortodoxos.

Mas mais importante do que perder apoio — há outros países da linha dura, como a Holanda, por exemplo — é o facto de a Europa ter agora de encontrar o ponto de equilíbrio entre exigência, para garantir que todos se regem por regras iguais, e tolerância, para evitar reforçar os movimentos eurocéticos.

“A lógica da União Europeia e da sua atual geografia ditaria que as regras teriam de ser reinterpretadas para favorecer a periferia. Mas para as economias credoras o incentivo continua a ser o contrário”, explica Miguel Monjardino.

“Não é possível abdicar de um momento para o outro das principais regras da União Económica e Monetária, da convergência, solidariedade, exigências orçamentais. Estas regras não podem mudar de um dia para o outro”, garante, por seu lado, Paulo Sande.

Na segunda-feira, 28 de junho, o Le Monde publicou uma notícia que dava conta da inclinação da Comissão Europeia para concluir que Portugal não tomou as medidas necessárias para cortar o défice orçamental de acordo com a meta estabelecida e que por isso deverá ser sancionado. A Comissão apressou-se a reforçar que ainda não há qualquer decisão tomada — é esperada para 5 de julho — mas o discurso da austeridade parece estar a levar a melhor.

Mais Europa vs. menos Europa

É uma verdadeira encruzilhada e não vale a pena não decidir. Porque, neste caso, não fazer nada é o mesmo que fazer mal, garante Paulo Sande: “Se não houver mudanças, as coisas não ficam na mesma, ficam piores.”

Ou seja, uma Europa que foi sempre decidindo devagar, com hesitações e insuficiências, vê-se empurrada pelos 17,4 milhões de britânicos que tomaram as rédeas e mudaram o curso da História. “Habituámo-nos a dar como adquirido que a ordem europeia estava garantida”, nota Monjardino.

“O risco mais significativo que enfrentamos é o do desmantelamento da Europa. Seria uma catástrofe”, garante ao Observador João Loureiro, economista e professor da Faculdade de Economia do Porto. É que até agora, independentemente do que dizem os tratados, “só havia a porta de entrada”, defende. Com o Brexit “descobriu-se que há também uma porta de saída e por isso pode colocar-se a questão de haver saídas adicionais”, argumenta.

Perante a encruzilhada, os líderes europeus serão forçados a escolher um caminho: ou alargam o espaço para a autonomia dos Estados-membros e aceitam mais diversidade, ou aceleram a integração. Esse é, aliás, o único ponto positivo que João Loureiro consegue encontrar, como consequência do Brexit: “O Brexit cria uma oportunidade para os 27 países se defenderem e tomarem medidas de reforço da União.”

A resposta pode até ser provocada por um movimento de autodefesa, ou seja, como medida para evitar a desintegração. Mas para João Loureiro o mais importante é que a resposta seja dada. “O Brexit pode pressionar decisões sobre questões de fundo que têm vindo a ser adiadas. O caso da dívida da Grécia é o mais evidente”, frisa.

Em causa está uma dívida de 176,9% do PIB grego — um fardo para a economia helénica que o próprio Fundo Monetário Internacional já reconheceu que não é pagável sem haver um perdão.

Novos vs. velhos

75% dos jovens entre os 18 e os 24 anos que votaram no referendo do Reino Unido optaram pela permanência na União Europeia, segundo uma sondagem à boca de urna no YouGov. Este mesmo inquérito revelou que apenas 39% das pessoas com mais de 65 anos votou para ficar. A tendência mostra claramente que quanto mais velho é o eleitor, mais possibilidade de ter votado contra a União Europeia, sendo possível perceber um fosso geracional na perceção do projeto europeu. E isto não se limita apenas ao Reino Unido.

Ao Observador, Miguel Monjardino referiu que “a Europa vive uma transformação tecnológica muito profunda” e uma das consequências deste movimento é deixar parte da população, os mais velhos, para trás. Embora o pico da crise tenha trazido mais dificuldades aos jovens, com os números do desemprego a atingirem níveis históricos em países como Espanha — em fevereiro de 2013 havia 930 mil jovens espanhóis com menos de 25 anos sem trabalho –, o desemprego nas faixas etárias a partir dos 44 anos tem vindo a subir. Na Grécia passou de cerca de 16% antes da crise para 20% atualmente e na Itália passou de 16,4% em 2010 para 19,4 em 2015, segundo dados do Eurostat.

Os problemas das gerações mais velhas, nomeadamente a dificuldade em encontrar trabalho, os cortes nas pensões e a maior dependência dos filhos e dos netos no período de crise, são importantes na opinião que as pessoas com mais de 55 anos têm sobre a União Europeia. Num Eurobarómetro realizado em 2015, as pessoas com mais de 55 anos eram as que tinham pior imagem da União Europeia, com 23% dos inquiridos nesta faixa etária a dizerem que têm uma imagem negativa das instituições europeias, enquanto apenas 11% das pessoas entre os 15-24 eram da mesma opinião.

Segundo Monjardino, Portugal é um país envelhecido e, por isso, deve ter cuidado com as consequências do afastamento das gerações mais velhas do projeto europeu.

Mais segurança vs. mais incerteza

Um dos temas mais utilizados pelos dois lados da campanha do referendo foi a segurança e o facto de a manutenção na União Europeia permitir ao país ter mais acesso a informações e maior cooperação com os parceiros europeus, ao mesmo tempo que sair significaria o fecho das fronteiras e o combate a terroristas que pudessem infiltrar-se através da entrada facilitada no país. Apesar da possível saída, o Reino Unido vai manter-se como membro da NATO, continuando assim, de alguma forma, uma cooperação militar e de segurança com muitos dos Estados-membros. No entanto, a saída pode perturbar esta organização. “Sim, estamos preocupados que a UE, que é um parceiro forte da NATO no que diz respeito à segurança possa enfraquecer sem um Reino Unido como Estado-membro“, afirmou Alexander Vershbow, secretário-geral adjunto da NATO ao Observador.

Este referendo apanhou a Europa numa altura complexa em termos de segurança, já que as ameaças se multiplicam em várias coordenadas. Desde logo, os ataques terroristas multiplicaram-se nas cidades europeias. A Leste, a Rússia continua a fustigar os países Bálticos e a implementação dos Acordos de Minsk não está a ser cumprida na sua totalidade por Moscovo. A União Europeia mantém esforços para a estabilização da Síria e da Líbia, mas as negociações entre as várias frentes continuam com dificuldades em chegar a uma base de entendimento comum. Ao mesmo tempo, milhares de pessoas que fogem a estes e outros conflitos continuam a tentar chegar à Europa através do Mar Mediterrâneo.

Sem o Reino Unido, a União Europeia fica sem a sua maior potência militar e uma das suas principais fontes de informações. Já neste Conselho Europeu, o secretário-geral da NATO esteve presente e os líderes dos (ainda) 28 acordaram num reforço da relação com esta organização. “Esta nova ambição deve fazer com que se acelere a cooperação prática em determinadas áreas”, pode ler-se no comunicado do Conselho Europeu da passada terça-feira. Ao mesmo tempo, Federica Mogherini, Alta Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, apresentou a estratégia global para Política Externa e Segurança da União Europeia que propõe, segundo o Wall Street Journal, a acumulação de blocos de poder militar que permita à UE maior autonomia na sua estratégia de segurança.

A proposta refere ainda que “o soft power não é suficiente”, avançando a ideia de a União Europeia poder mobilizar recursos rapidamente para apoiar um Estado-membro que seja vítima de um ataque terrorista, promovendo maior cooperação entre as agências europeias com responsabilidades na segurança dos Estados-membros.

Um dos temas em cima de mesa que está a ser debatido entre os parceiros europeus é a constituição de uma guarda europeia costeira e de fronteira que vai transformar a Frontex numa agência com meios próprios de patrulhamento e vai aumentar o numero de funcionários dedicados a gerir as fronteiras externas da União Europeia. Em maio, o comissário europeu responsável pelas migrações, Dimitris Avramopoulos, disse que as respostas dos 28 estavam a ser “positivas” e que o governo português era um dos apoios nesta questão.

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