Índice
Índice
Introdução, por Miguel St. Aubyn
Estas são as primeiras impressões sobre o Orçamento do Estado para 2017 de alguns membros do Conselho Consultivo Científico do Budget Watch – começamos por destacar algumas das mais interessantes ou marcantes.
A primeira, a de que se trata de uma espécie de orçamento “de continuidade”, continuidade essa que só pode ser aferida em relação ao exercício do ano anterior, da responsabilidade dos mesmos protagonistas. O governo parece apostar na estabilidade fiscal, o orçamento é feito de medidas marginais, e o “efeito líquido direto da reposição salarial” é a medida quantitativamente mais relevante. Das outras chaves, temos ainda as medidas preconizadas para a saúde, que são relativamente consensuais; o preconizado aumento do investimento público é insuficiente para aumentar o seu rácio no PIB de forma significativa. Restariam como novidade para alimentar a discussão a tributação dos automóveis, das bebidas açucaradas e das munições, dos vícios do álcool e do tabaco ou o adicional ao IMI, tudo com um impacto aparentemente pequeno quando medido em euros.
Estamos na presença de um orçamento virtuoso? Sim, “se falar verdade”, diz-nos Miguel Cadilhe. Cumpre a regra de ouro, num contexto aliás de um défice previsto de 1,6 por cento do PIB, um valor historicamente baixo nesta pequena parte do mundo. E, junto eu, a estimativa para o crescimento do PIB de 1,5 por cento é à primeira vista aceitável e em linha com o avançado por outras instituições
A regra de ouro é respeitada, mas sê-lo-á também à custa de uma aposta demasiado tímida no investimento público? António Afonso parece pensar que sim. E questiona Luís Teles Morais: será este um orçamento que contribui mais para repor os rendimentos de uma classe nem rica nem pobre, chamemos-lhe média, do que para reduzir as desigualdades e a pobreza, como se esperaria da esquerda? Ou então – sugere Miguel Cadilhe – a outra face da continuidade é a ausência de reformas e a manutenção de um Estado de tamanho excessivo, como nos parecem apontar do lado direito?
E, por falar na verdade dos números, este Orçamento reduz os tão avultados quanto misteriosos “ganhos de eficiência”, que já começavam a ser tradição. Mas, segundo Pedro Pita Barros, a despesa prevista com a saúde pode estar subestimada…
Que o debate que agora começa nos esclareça, e que eventualmente o documento final dele beneficie, esse é o objetivo. Aqui fica um primeiro contributo do Budget Watch, que continuará a trabalhar sobre o Orçamento nas próximas semanas.
“O grande reformador absentista”, por Miguel Cadilhe
Sobre a proposta do Orçamento do Estado para 2017, retenho três notas do lado das despesas:
1. A regra de ouro das despesas. As despesas correntes, incluindo os juros, são totalmente cobertas pelas receitas. As receitas remanescentes e o défice servem para pagar despesas não correntes – investimento, por exemplo. Temos assim verificada a clássica regra de ouro das finanças públicas, vendo-a em termos estruturais como gosto de a ver. Ou melhor, temos se este Orçamento falar a verdade.
2. A verdade das despesas. Uma das vertentes da verdade do Orçamento passa por sabermos se a Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso da Administração Pública está a ser respeitada em pleno. O nome da lei diz tudo. Põe-se a questão da “efetividade” deste regime, questão que não é nova, mas é importante, e a que decerto o Parlamento e o Tribunal de Contas estarão devidamente atentos.
3. A dimensão total das despesas. O Estado pesa demasiado na economia, mas não se vislumbra no Orçamento ponta de efeitos de uma grande reforma das funções e dos regimes do Estado. Não se vislumbra porque tal reforma não existe. A dimensão do Estado é um sério problema político que os políticos se abstêm de assumir e enfrentar. Escrevia há dias o The Economist sobre Portugal: “structural reforms have disappointed”. Infelizmente, a longa história que temos para contar é a do grande reformador absentista.
“Onde está o investimento? Só nas PPP”, por António Afonso
No relatório do Orçamento do Estado para 2017 observa-se que o peso do investimento público no PIB deverá subir ligeiramente, embora situando-se – como em 2016 – em cerca de 2%. Porém, mesmo o crescimento real previsto de 3,1% para esta componente da despesa agregada não é suficiente para aumentar o referido rácio de forma mais significativa. Com efeito, o peso do investimento público no PIB diminuiu de forma sustentada desde 2010 (-6,4%), o que poderia indiciar – eventualmente – algum aumento do investimento privado em % do PIB, como substituição.
Todavia, de acordo com os dados do Eurostat, o peso do investimento privado no PIB tem diminuído desde 2008 (-23%), tendo esse rácio estagnado nos últimos três anos (15,6%). Caso se aceite como pertinente que a despesa em investimento é potenciadora de crescimento económico, e que existem possíveis efeitos de crowding in bilateral, seria interessante i) algum maior esforço no aumento do investimento público, e ii) condições propiciadoras da recuperação mais robusta do investimento privado.
Por outro lado, é importante notar que os custos previstos com Parcerias Público-Privada (PPP) em 2016 e 2017 são respectivamente de 1,73 e 1,68 mil milhões de euros (cerca de 1% do PIB). Nesse sentido, trata-se de despesa pública que poderia ser/ter sido canalizada, por exemplo, para investimento público. Contrariamente, nalguns desses casos poder-se-á considerar que parte dessas verbas afetas a PPP (setores rodoviário, ferroviário, da saúde, da segurança) podem teoricamente também ser vistas como investimento (público). Será assim?
“Os vícios na fiscalidade”, por Francisca Guedes de Oliveira
No Orçamento do Estado para 2017 parece haver uma aposta relevante na estabilidade fiscal. Os grandes códigos – IRS, IRC, IVA – não sofrem alterações significativas.
No lado dos impostos indiretos não há, efetivamente, um aumento generalizado como o que aconteceria, por exemplo, com uma subida do IVA. Para um grande número dos contribuintes, há uma estabilidade fiscal visível. Há, isso sim, uma alteração em alguns impostos especiais sobre o consumo e ligados à aquisição e utilização de automóveis. Estes, evidentemente, traduzir-se-ão num aumento da carga fiscal para grupos de contribuintes em particular.
As alterações na estrutura dos impostos indiretos servem um quádruplo propósito: i) aumentar as receitas fiscais – embora uma parte destas esteja consignada, ii) incluir novos bens na lista de consumos considerados nocivos para os contribuintes – bebidas açucaradas e munições, iii) aumentar os impostos do vício – bebidas alcoólicas e tabaco, e iv) promover a proteção ambiental – aumento do peso fiscal dos automóveis.
É de destacar o alargamento da base do Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas aos refrigerantes, e o agravamento da tributação das bebidas açucaradas – com algumas exceções. Estas receitas são consignadas ao orçamento da Saúde. Este “Fat Tax” segue recomendações da Organização Mundial da Saúde (bem explicadas aqui pelo Observador) e foi já publicamente elogiado pelo Comissário Europeu da Saúde e Segurança Alimentar.
“Prioridades trocadas?”, por Luís Teles Morais
Já tem sido amplamente referido que este é um Orçamento, sobretudo, feito de medidas marginais. Não há decisões que deem, sozinhas, origem a grandes impactos na receita ou na despesa.
Neste sentido, importa salientar que a medida discricionária mais “valiosa” de todas as apresentadas no Relatório do Orçamento não é o “fat tax”, nem o adicional ao IMI, nem sequer o aumento das pensões. É mesmo o “efeito líquido direto da reposição salarial”, que o Governo estima em 257 milhões de euros.
Numa leitura que pode ser estendida à questão das pensões, penso que isto é sintomático do que são as prioridades políticas nas decisões que conduziram a este Orçamento – pelo menos naquilo que traduzem em euros. Isto demonstra – contrariamente ao que às vezes a narrativa oficial transmite – a distinção clara e inequívoca entre os objetivos de redução das desigualdades e pobreza, por um lado, e da reposição de rendimentos por outro. Também inequívoco é que é dada maior prioridade à segunda, apesar de por vezes se pretender confundir as duas. É que na distribuição do rendimento, podemos achar que os grupos beneficiados por estas medidas não são “ricos”, mas é certo que não serão “pobres”.
Ainda relacionado com o emprego público, saúda-se a continuação da regra “2 por 1”, já iniciada neste ano de 2016, em que por duas saídas de trabalhadores do Estado se poderá contratar apenas um, o que deverá ajudar à contenção da despesa em 122 milhões de euros. Mal seria se – como, por lapso, se escreveu no Relatório do Orçamento – o rácio fosse antes de “duas novas contratações por cada saída”.
O que é o Budget Watch
↓ Mostrar
↑ Esconder
O Budget Watch estará de volta este ano, com a análise do Orçamento para 2017 por uma equipa IPP/ISEG e por Conselho Consultivo Científico um conjunto alargado de economistas portugueses de referência. A equipa IPP/ISEG elabora um relatório de análise do Orçamento, em que se inclui uma apreciação do cenário macroeconómico. A partir das opiniões do Conselho, é construído o Índice Orçamental IPP/ISEG, que representa uma avaliação não sobre as opções de política, mas sobre o rigor e transparência orçamental. O Orçamento de 2016 teve a melhor nota de sempre, 46,0 mas, na escala da avaliação (0 a 100), continua na zona “insuficiente”. Para mais informações: http://www.ipp-jcs.org/pt/budget-watch
Já no que diz respeito à aquisição de bens e serviços, há uma novidade bastante positiva. Refira-se que, pela primeira vez nos últimos três Orçamentos, deixou de se incluir nestas medidas um montante de centenas de milhões de euros (quase 500 em 2015 e mais de 300 em 2016) em presumíveis “ganhos de eficiência” que não eram explicados de forma minimamente detalhada.
Desta feita, foram substituídos por uns mais modestos 75 milhões de euros no âmbito do “exercício de revisão da despesa”, e no Relatório do Orçamento explica-se com mais algum detalhe quanto e como se pretende “poupar” nas diferentes áreas. É verdade que a estes acrescem ainda uns mais ambiciosos 200 milhões em poupanças na Saúde e Educação, mas nestes casos são ainda mais especificados, descrevendo-se e quantificando-se as medidas exatas no SNS que deverão conduzir a esses ganhos – sobram apenas as dúvidas sobre como é que a “centralização do processamento dos vencimentos” na educação gerará por si uma poupança de mais de 20 milhões.
“Na saúde, uma novidade e uma omissão”, por Pedro Pita Barros
O elemento mais importante do orçamento do Ministério da Saúde é a transferência para o Serviço Nacional de Saúde (SNS), que apresenta um ligeiro aumento face ao ano anterior. Era inevitável que tal sucedesse face às alterações nas remunerações de pessoal decorrentes das medidas adotadas de reposição de cortes salariais e de voltar às 35 horas semanais.
Como não se tem o detalhe de como as verbas do SNS serão distribuídas – à semelhança de todos os orçamentos anteriores –, desconhece-se que alterações haverá dentro do mesmo.
Os objetivos e princípios apresentados pelo Ministério da Saúde estão de acordo com o programa do Governo, não havendo novidades especiais a assinalar em termos de política do Ministério da Saúde. Não há ideias que não tenham sido anteriormente referidas. Nesse sentido, há uma linha seguida.
No campo puramente de gestão orçamental, há uma novidade e uma omissão. A omissão é como será tratada a questão das dívidas dos hospitais EPE, que têm tido uma estabilidade de crescimento desde há vários anos – interrompida apenas por poucos meses, tendo crescido sempre nos últimos 14 meses.
O aumento de orçamento para o SNS mais as poupanças que se dizem ir conseguir são inferiores ao aumento “habitual” da dívida dos hospitais EPE. Ou seja, se toda a dinâmica se mantiver, este orçamento tem uma subestimação da despesa real.
A novidade que encontrei é a criação de “dotações centralizadas no Ministério das Finanças”, sendo 100 milhões para “reforçar a sustentabilidade do sector da saúde”, o que sugere uma intervenção mais clara das Finanças na gestão das dividas em atraso. Mas como o problema é de gestão e não apenas financeiro, ter-se-á de ver em que se traduz esta dotação centralizada.
Globalmente, é um Orçamento para o Ministério da Saúde que encerra alguns riscos, embora não seja – à partida – um mau orçamento. As medidas preconizadas são também relativamente consensuais. A questão é mesmo como as levar a cabo, sendo que numa primeira fase é natural que gerem mais despesa antes de começarem a dar resultados de poupança – nas que são destinadas a esse fim –, e claro que medidas destinadas a fazer mais trarão normalmente maior despesa.
A opinião aqui expressa por Pedro Pita Barros foi retirada do blogue “Momentos Económicos… E não só”
*****
As opiniões aqui expressas provêm de membros do Conselho Consultivo Científico do projeto Budget Watch, que regressa para a sua oitava edição, com a análise do Orçamento para 2017.
As opiniões aqui expressas vinculam somente os autores e não refletem necessariamente as posições do IPP, da Universidade de Lisboa, ou de qualquer outra instituição a que quer os autores, quer o IPP estejam associados.
luistm@ipp-jcs.org – @_luistm