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Caparica. Piloto não se arrepende da aterragem: “Fiz o que devia ser feito”

Um mês após a aterragem de emergência que matou uma menina de 8 anos e um homem de 56, o instrutor fala pela primeira vez: "Aquilo que fiz, foi exatamente o que me ensinaram".

“Mayday. Mayday. Mayday”. 16h50 de 2 de agosto. Uma avioneta Cessna 152 CS-AVA, que descolou do aeródromo de Tires rumo a Évora, num voo de instrução, aterra de emergência no areal da praia de São João da Caparica. A manobra salva duas vidas, aluno e instrutor, mas duas pessoas acabam por morrer: uma criança de 8 anos e um homem de 56.

Um mês após o acidente, o piloto da avioneta, Carlos Conde de Almeida, quebra o silêncio pela primeira vez, em declarações ao Observador: “Sou piloto desde 1980 e sou instrutor há 30 anos… Aquilo que eu fiz, foi exatamente aquilo que me ensinaram quando eu andava a aprender”.

Avioneta Cessna 152 CS-AVA, no areal da praia de São João da Caparica, depois da aterragem de emergência

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Olhando para trás, o instrutor não mostra arrependimento face às opções que tomou. Afirma que o que fez foi aquilo que o “obrigaram a fazer nos exames” em que se treinam emergências. “Fiz tudo o que ando a ensinar aos alunos há 30 anos.” E embora esses ensinamentos se tenham saldado negativamente em duas mortes, o instrutor agarra-se ao argumento de que terá seguido os manuais: “Tudo aquilo que eu fiz foi tudo – tudo, tudo, tudo – o que eu devia ter feito e que está escrito nos livros.” Diz que não aceita lições de ninguém: “Quando alguém disser que podia ter feito de maneira diferente, já se sabe que é mentira.”

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A bordo do aparelho seguia também o aluno Rui Relvas. Estava a ter uma aula de VFR – Visual Flight Rules (Regras de Voo Visual). Fonte da Navegação Aérea de Portugal – NAV explica ao Observador que este tipo de aula se caracteriza por um “conjunto de procedimentos e regras utilizados na operação de aeronaves quando as condições atmosféricas permitem ao piloto controlar visualmente a altitude do aparelho, utilizando diversas referências, como o horizonte e o solo”.

Perante uma falha técnica, referida no relatório preliminar do acidente, elaborado pelo Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves, Carlos Conde de Almeida teve de assumir os comandos do Cessna. Até hoje, está sem saber por que razão o motor do Cessna parou. “Sabe o que é que eu quero mesmo saber? É como é que o motor parou. Isso sim é que é o importante.”

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“A aviação é pior que o futebol”

A aterragem de emergência na praia não é consensual. Mas a discussão gerada por essa opção é desvalorizada pelo próprio instrutor. Confrontado com as diferentes opiniões ditas e escritas na altura do acidente – por exemplo, por que não amarou ao invés de aterrar no areal –, o piloto queixa-se das críticas. “A aviação é pior que o futebol. Toda a gente diz que fazia e que acontecia”, responde, acrescentando que não faltam por aí “muitos pilotos de aviário”. E desafia: “Há muitos treinadores de bancada, mas se lhes disser para irem comigo fazer o voo de Tires a Évora, eles recusam… O medo é uma coisa muito bonita, está a perceber?”

“Não se esqueçam que eu tive 74 segundos para decidir tudo, e não 90 como foi noticiado por vocês [jornalistas].”
Conde de Almeida

O piloto diz sentir-se injustiçado. Mostra-se convicto de que agiu da maneira mais correta. “Não se esqueçam que eu tive 74 segundos para decidir tudo, e não 90 como foi noticiado por vocês [jornalistas].”

Tanto o instrutor como o aluno foram ouvidos pelo Ministério Público no dia a seguir ao acidente, na qualidade de arguidos. Ficaram, então, sujeitos à medida de coação de termo de identidade e residência. Entretanto, Conde de Almeida continua a poder pilotar.

Quem é este homem, que foi alvo de um “despedimento controverso” da TAP?

Carlos Alberto Conde de Almeida nasceu a 15 de outubro de 1949. A certidão de nascimento, a que o Observador teve acesso, confirma: o piloto tem 67 anos e não 56, como refere o comunicado emitido pela Aerocondor, a então Gair, logo após o acidente.

Comunicado de imprensa feito pela escola de aviação Aerocondor no dia do acidente

Começou a carreira há 43 anos, em 1974, quando entrou para a TAP, como comissário de bordo. Entre 1980 e 1983 tirou as licenças de piloto privado e de piloto comercial, tendo dois anos depois começado a trabalhar, ainda na TAP, como piloto nas Linhas Aéreas Regionais.

Em 1993, abandonou a transportadora portuguesa, na sequência de um alegado processo de despedimento controverso. Fonte próxima de Conde de Almeida revela ao Observador que o piloto terá então instaurado um processo contra a companhia. Processo esse que ganhou. A TAP ter-se-á visto obrigada, por decisão do tribunal, a pagar-lhe uma indemnização “de cerca de 30 mil contos” (150 mil euros), conta a mesma fonte.

Contactada pelo Observador, a porta-voz da TAP recusou-se a prestar quaisquer esclarecimentos acerca do percurso de Conde de Almeida na transportadora aérea, alegando que esses dados são “sigilosos”. E o piloto também não quis explicar ao Observador porque saiu da companhia de bandeira.

Um voo com altos e baixos no Aero Club de Portugal

No ano em que abandonou a TAP, Conde de Almeida começou a trabalhar no Aero Club da Covilhã, saindo da instituição dois anos depois. Nos nove anos seguintes, o piloto e instrutor diz ter-se dedicado a outros ofícios, como a mecânica de automóveis e a reconstrução de carros antigos.

Mas, em 2004, a convite da direção, entrou no Aero Club de Portugal, do qual é sócio desde 1975, como instrutor de voo.

Em 2008, foi-lhe atribuído o cargo de diretor da escola de pilotagem e diretor de operações de voo. Mas cinco anos mais tarde, quando entrou a atual direção — Francisco Nunes, presidente, Diogo Cantinho, vice-presidente, e Fernando Rosa, secretário-geral —, essas funções foram separadas. Conde de Almeida manteve-se como diretor de operações de voo, tendo o cargo de diretor da escola de pilotagem sido ocupado por um seu ex-aluno, Diogo Cantinho.

Conde de Almeida tem um avião próprio, com matrícula alemã (Piper PA-38-112 Tomahawk), com o nome da mãe escrito na parte da frente: “Sílvia”.

Em 2015, foi convidado a afastar-se, sendo-lhe retirado o cargo diretivo. Ficou apenas como examinador e instrutor, conta fonte ligada ao Aero Club de Portugal. É nesse mesmo ano que o piloto entra para a escola de aviação G Air Training Centre, antiga Aerocondor — a escola para a qual estava a ser dada a aula que terminou com o acidente de 2 de agosto.

Conde de Almeida tem um avião próprio, com matrícula alemã (Piper PA-38-112 Tomahawk), com o nome da mãe escrito na parte da frente: “Sílvia”.

3 fotos

Para uns, “irresponsável”, para outros, uma “referência”

O Observador ouviu diversas pessoas que lidaram com Conde de Almeida e, apesar de haver muita gente a criticar a opção do piloto de ter aterrado na praia e de não lhe reconhecerem profissionalismo, outros fazem-no.

Conde de Almeida é acusado por diversas pessoas que passaram pelo Aero Club, e outras que ainda lá trabalham, de “desrespeito pela direção”, “falta de educação”, “falta de ética profissional”, “irresponsabilidade enquanto instrutor”, “de receber dinheiro diretamente dos alunos sem que fosse declarado” e de “falta de cuidado com os equipamentos no hangar do clube”.

“O Conde de Almeida ofereceu-me trabalho no Aero Club de Portugal. Ele consegue ver o talento que as pessoas têm para dar instrução e para a pilotagem”
Ex-aluno

Mas há quem diga exatamente o oposto. “É um instrutor exemplar”; “é uma ótima pessoa e ótimo profissional”; “foi ele que me ensinou tudo o que sei hoje, hoje estou na TAP graças a ele”; “as inúmeras horas de voo e os largos anos de experiência, ninguém lhos tira”, referem outras fontes.

Um ex-aluno de Conde de Almeida no Aero Club conta que foi o piloto quem o formou para que hoje fosse instrutor de voo. Afirma que foi ele quem o convidou para, depois do curso de instrutor, começar a exercer no Aero Club: “O Conde de Almeida ofereceu-me trabalho no Aero Club de Portugal. Ele consegue ver o talento que as pessoas têm para dar instrução e para a pilotagem”. E acrescenta: “Reconheço que o Conde de Almeida me fez abrir os horizontes na aviação”.

Trocava os motores das avionetas sem o poder fazer?

Desde 2013, ano em que a atual direção do Aero Club de Portugal iniciou funções, que os problemas de Conde de Almeida dentro da instituição começaram, revelam fontes próximas da organização. A remuneração de Conde de Almeida, como diretor da Escola de Pilotagem, era de 250€ por mês, deixando de receber este valor em 2013. E foi aí o início da discórdia. A direção justifica a supressão do ordenado do diretor da escola como um “corte de despesa necessário”.

Conde de Almeida foi acusado por trabalhadores, sócios e direção do Aero Club de Portugal de fazer a manutenção das aeronaves, apesar de “não ter qualificações para executar essas manutenções”. Acusam-no até de “andar a mudar os motores das avionetas de umas para as outras”. Confrontado pelo Observador com todas estas acusações, Conde de Almeida afirmou que não “alimenta calúnias”.

A 14 de outubro de 2015 (ano em que abandona o Aero Club), Conde de Almeida envia uma carta aos sócios intitulada “Como a direção do Aero Club de Portugal trata um colaborador”.

A 14 de outubro de 2015 (ano em que abandona o Aero Club), Conde de Almeida envia uma carta aos sócios intitulada “Como a direção do Aero Club de Portugal trata um colaborador”. Na missiva, de oito páginas, defende-se das acusações que lhe são feitas.

Em relação à manutenção das aeronaves, o piloto diz ter uma licença para a manutenção de “linha aos aviões do clube, manutenção autorizada por EASA Part-M”. A EASA – European Aviation Safety Agency (em português: Agência Europeia para a Segurança da Aviação) é um organismo da União Europeia (UE) que visa promover os mais elevados padrões de segurança e proteção ambiental na aviação civil da UE, emitindo também certificados para aviões e respetivos componentes.

Na carta a que o Observador teve acesso, Conde de Almeida escreve que fez trabalhos de “manutenção sob supervisão da própria Aviometa (empresa paga pelo Aero Club para realizar a manutenção das aeronaves), para poupar muito dinheiro ao Clube”.

Na carta a que o Observador teve acesso, Conde de Almeida escreve que fez trabalhos de “manutenção sob supervisão da própria Aviometa (empresa paga pelo Aero Club para realizar a manutenção das aeronaves), para poupar muito dinheiro ao Clube”. O Aero Club de Portugal esclarece assim esta questão: “Quem faz a manutenção dos nossos aviões é a empresa certificada paga por nós, a Avioneta, e, por isso, nem o senhor Conde de Almeida, nem ninguém tem de mexer nos aviões. Se podíamos poupar? Podíamos, mas preferimos gastar mais dinheiro e ter um certificado de que as aeronaves estão em condições. A segurança para nós é uma prioridade”. A instituição adianta ainda que, “antes de a atual direção chegar lá, nenhuma empresa mexia nos aviões, só ele, sem autorização para isso. Agora, tudo mudou”.

Conde de Almeida lança o desafio: “Quem quiser vir comigo fazer o mesmo percurso de Tires a Évora [que estava previsto para o dia do acidente], pode fazê-lo”.

Uma carta à defesa e ao ataque

“Já não sou instrutor de voo no clube porque a direção escorraça os mais competentes e dedicados e acarinha os lambe-botas, da atual direção só recebi desconsiderações, faltas de respeito e malfeitorias”, escreveu Conde de Almeida. Ao que o Aero Club de Portugal responde, ao Observador: “Ninguém sente a falta dele no Aero Club”.

Na mesma carta, o piloto diz ter trabalhado “nos últimos onze anos” de “graça” fazendo com que o clube poupasse “muitas dezenas de milhares de euros”. Confrontada com estas afirmações, fonte ligada neste momento ao Aero Club de Portugal explica que “os instrutores são remunerados em relação ao número de horas, 25€ à hora. O clube não ganha rigorosamente nada. Tudo aquilo que o aluno paga, é pago na totalidade ao instrutor. O instrutor passa um recibo e recebe a totalidade desse valor”.

“Quando passar o recibo, o Aero Club paga. O dinheiro está lá à espera dele. O clube precisa de justificar a saída do dinheiro com um recibo”
Fonte do Aero Club

O piloto diz ter a receber do clube “bastante dinheiro”, dinheiro esse que foi “calculado com base na categoria da função desempenhada, do local onde a função é exercida e do grau de permanência em funções que lhe for exigido”. O Aero Club confirma essa dívida, mas defende-se. O instrutor em questão “fechou atividade nas finanças a 31 de dezembro de 2013 e, como tal, não nos pode passar os recibos para que consigamos pagar essa importância”, argumenta. “Quando passar o recibo, o Aero Club paga. O dinheiro está lá à espera dele. O clube precisa de justificar a saída do dinheiro com um recibo”.

Em relação a este assunto, o Aero Club diz mais: “Antes pagava-se e ficava-se à espera do recibo, agora só há pagamento quando o recibo é emitido. Aliás, chegou-se a pagar durante muito tempo sem haver o recibo, até hoje. Isso acabou”. E conclui: “Ele não pode acusar o clube de nada. Nada, nada”.

Mas Conde de Almeida não é brando nas acusações. O tom da carta é duro, algo que é interpretado pelo Aero Club de Portugal como uma reação por lhe terem sido retiradas funções diretivas. “Esta direção entrou em funções em março de 2013 e o Conde acumulava cargos e isso não deveria ser assim… Porque é que uma pessoa tem de ter dois cargos?”

Perdeu a validade de escola de pilotagem

Outra situação que levou a direção a convidar Conde de Almeida a abandonar os cargos diretivos foi o facto de em 2013 a escola ter perdido, por falta de pagamento, a licença. “A escola cai, perde a validade como escola e nessa altura a direção convidou-o a sair. E foi aí que o Diogo Cantinho veio substituí-lo”, conta ao Observador a mesma fonte, adiantando ainda que “há males que vêm por bem”.

Conde de Almeida confirma que, “durante mais de seis meses, o clube ficou impedido de realizar cursos, revalidações e renovações”, mas descarta-se de quaisquer responsabilidades.

O Aero Club de Portugal acusa o ex-instrutor de ter recebido dinheiro “por fora”, para não passar recibos sobre esse mesmo valor. “Um outro motivo que levou a que ele fosse convidado a sair foi ter dado instruções aos alunos que lhe pagassem as aulas diretamente a ele, para que recebesse os 25€ sem ter que passar recibo. Ele não pode fazer isso e houve pelo menos um aluno que lhe pagou ‘por fora’ duas ou três aulas. O aluno é aluno da escola e, por isso, tem de pagar à escola para a escola pagar ao instrutor”, defende fonte do Aero Club.

Conde de Almeida confirma que, “durante mais de seis meses, o clube ficou impedido de realizar cursos, revalidações e renovações”, mas descarta-se de quaisquer responsabilidades.

Na carta dirigida aos sócios do clube, Conde de Almeida defende-se, contra-atacando: “Nunca existiu nenhum esquema montado para eu receber dinheiro dos alunos, o que eu fiz foi acabar com o esquema do Sec-Geral, Fernando Rosa, para se apoderar do meu dinheiro”.

Conde de Almeida continua ligado à G Air, a escola de pilotagem para a qual estava a trabalhar quando se deu o acidente na Costa da Caparica. Quando questionado sobre se continuava a pilotar, respondeu que não tinha qualquer impedimento para tal, lançando o desafio: “Quem quiser vir comigo fazer o mesmo percurso de Tires a Évora [que estava previsto para o dia do acidente], pode fazê-lo”.

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