Adelino Gomes Briote tem cabelo branco e barba a condizer. Veste uma camisa clara e um pulôver azulado. Parece calmo, e só seria levado pela polícia passado um par de horas, protegido dos olhares pelos vidros escuros da viatura. Antes disso, quando o Observador avistou o homem de 63 anos, estava no seu quintal, algemado com as mãos atrás das costas. Ao seu lado estavam dois agentes da GNR e todos conversavam com um homem não fardado, que não foi possível identificar. Provavelmente, estariam a reconstituir como matou quatro pessoas à facada, esta sexta-feira de manhã, em Tamel de São Veríssimo, no concelho de Barcelos. De acordo com a GNR, confessou os crimes.
A primeira terá sido Marisa, de 37 anos. Morava na vivenda do lado esquerdo da casa humilde de Adelino, com o marido e a filha, Bia, de sete anos. Quando Marisa abria as persianas de manhã, via a casa pequena, cinzenta, com ar inacabado, do homem que lhe haveria de tirar a vida. E o quintal, com algumas laranjeiras. Pelas nove horas, Marisa foi levar a filha à escola e voltou para casa. Com sete meses de gravidez, estava de licença de maternidade e já só voltaria ao trabalho, numa fábrica têxtil, dali a vários meses.
A vizinha de trás tinha-a visto de manhã, a arrumar a casa e a sacudir os tapetes. “Se calhar com o barulho do aspirador não o ouviu a entrar. Mas nós aqui, como é um meio pequeno, deixamos as portas abertas…”, contou outra das vizinhas. Adelino matou-a “através de ataque à zona do pescoço”, confirmaram as autoridades. As quatro vítimas foram degoladas. Bia ficou sem mãe e nunca vai poder conhecer a irmã. Ia chamar-se Francisca.
É difícil saber para onde se dirigiu depois. Alguns relatos colocam Adelino na casa do casal António Vale e Maria da Glória, vizinhos que moravam do seu lado direito, a seguir à casa da ex-sogra de Adelino. Primeiro, terá matado o idoso, de 84 anos. A mulher ainda conseguiu fugir, em pânico, em direção à casa de uma vizinha. Mas Adelino apanhou-a à entrada da casa e matou-a na via pública. Tinha 84 anos. O casal tinha “quatro ou cinco filhos”, alguns emigrados, explicou um vizinho ao Observador. Uma das filhas dirigiu-se ao local, em choque.
De seguida, Adelino ter-se-á dirigido para a casa de Maria do Sameiro. A sexagenária cresceu na freguesia, de onde saiu para casar. Quando o casamento se desfez e a mãe adoeceu, a mulher voltou à casa da infância. A mãe morreu, Sameiro por ali continuou, sozinha. E sozinha estava quando Adelino lhe entrou em casa. Uma vizinha ouviu-a a gritar por socorro, mas o socorro não chegou a tempo. Foi o próprio que, depois de consumadas as mortes, pediu a um vizinho que chamasse a GNR.
Enquanto relatavam o que viram, todos os vizinhos se referiam a Adelino como Lininho. O diminutivo não é sinónimo de carinho, porque não havia muito o que acarinhar. O presidente da junta de freguesia, João Abreu, descreveu um homem “de trato social pouco amigável com a população”. Os vizinhos descrevem um homem reservado, que não desabafava com ninguém, mas que também nunca tinha arranjado problemas com a vizinhança. O mesmo não se pode dizer da família. “As pessoas de fora falam, mas não sabem aquilo que se passa dentro da porta”, ouviu a vizinha Conceição, da boca de uma das filhas de Adelino, Márcia. “Ninguém imagina o que nós e a minha mãe passámos dentro de casa.”
Adelino já se tinha vingado com violência em 2015
Não se podia passar para a Rua de São Sebastião, onde ocorreram os crimes. À entrada da rua concentravam-se amigos das vítimas, vizinhos, curiosos, jornalistas e autoridades. Os corpos ali ficaram até ao início da tarde, assim como o autor confesso dos crimes. João Abreu estava “abalado”. Não só porque o crime de contornos especialmente violentos se passara na freguesia que preside, mas porque era amigo pessoal do casal António e Glória.
O autarca explicou que Adelino nunca mais foi o mesmo desde que se divorciou da mulher, Maria dos Anjos Lopes Briote, em janeiro de 2013. “Ficou bastante alterado emocionalmente”, e também “muito fechado”. A separação também foi feita com violência. Houve um processo no Tribunal de Barcelos, mas foi arquivado “por desistência da queixa por parte da ofendida”, explicou fonte judicial ao Observador.
O homem, aposentado, “não se conformou com o fim do casamento”. Para se vingar, começou a persegui-la para todo o lado, “dirigindo-lhe palavras injuriosas e ameaçadoras“, tal como é referido no acórdão do Tribunal de Barcelos onde Adelino Briote acabou por ser julgado no ano passado, e que o Observador consultou. Maria de Jesus acabou por deixar a freguesia e emigrar.
Dois anos depois, no dia 27 de março de 2015, Adelino muniu-se de um ferro com um metro de comprimento, de ponta afiada, e foi até casa da sogra, Laurinda, que mora na casa imediatamente ao seu lado esquerdo. Lá estava também Márcia, uma dos seus três filhos. Adelino atingiu a filha com o ferro várias vezes. Depois, empurrou a sogra, de 75 anos. Com Laurinda caída no chão, agrediu-a com a mesma arma. “A miúda só gritava: ‘Ó pai, não me bata que eu estou grávida’, mas não adiantou”, recordou Manuel, uma das testemunhas que iriam ser ouvidas em tribunal, ao Observador.
A descrição dos acontecimentos está no processo que se seguiu ao crime. As duas conseguiram refugiar-se num quarto da casa e Adelino, não conseguindo arrombar a porta, foi pelo exterior e atirou o ferro contra a janela. Com os vidros partidos, conseguiu entrar e “bateu-lhe em diversas partes do corpo” com o ferro. Só parou quando os vizinhos começaram a chegar. Márcia, à data com 32 anos, estava grávida de 17 semanas, lê-se no processo. As duas ficaram com múltiplas fraturas e ferimentos, e exigiram uma indemnização. Adelino foi detido. Chegou a estar preso, depois foi morar para casa de um irmão. Há cerca de dois meses, regressou a Tamel de São Veríssimo. A casa da ex-sogra, Laurinda, está desabitada. A família nunca mais por ali foi vista.
Manuel foi testemunha no processo, juntamente com uma jovem, familiar da ex-mulher de Adelino. Os seus depoimentos não foram necessários, porque o arguido assumiu os crimes. Foi dado como provado que Adelino cometeu dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, e, pelas múltiplas agressões à sogra e à filha grávida, a justiça condenou-o a três anos e dois meses de pena suspensa. A sentença, com data de 18 de novembro de 2016, declara ainda acompanhamento para reinserção social.
“Eu juntei muitas coisas na minha cabeça, a minha cabeça explodiu“, confessou Adelino Briote, em tribunal. “Não estou a dizer que não tinha motivos para isso, só que chega um ponto em que a cabeça perdeu-se.” Para além da mágoa do fim do matrimónio, o processo refere que o homem também não aceitou “o facto de os filhos apoiarem a mãe”. Quis vingança. Explodiu.
Adelino Briote, no processo em que foi arguido, e pelo qual está com pena suspensa.
Manuel acredita que, se não morreu esta sexta-feira às mãos de Adelino, foi porque de manhã foi levar o carro do filho à inspeção. Era a Manuel que José Pereira — um habitante de Tamel de São Veríssimo — se referia quando disse que uma das vítimas “escapou” ao massacre. Não se sabe se Adelino foi à procura de Manuel. Mas o presidente da junta, assim como os vizinhos, acreditam que o homicida confesso fez o que fez porque “as pessoas não testemunharam a seu favor” neste caso. E que, por isso, “ele entretanto veio a casa assassiná-las, por vingança”. Fará dois anos na segunda-feira desde que agrediu as familiares com violência.
“Como é que se liberta assim uma pessoa?”
A provar-se que Adelino Gomes Briote assassinou Marisa, António, Glória e Sameiro, a pena suspensa será efetiva, e Adelino será julgado pelos quatro homicídios. Mesmo assim, os vizinhos mais próximos não querem ser fotografados nem dar o nome. “Passa lá 10 anos [na prisão], depois sai e quer vingança. Como é que o deixaram sair assim? Não pode estar bem da cabeça”, diz um homem.
Barcelos. Grau de perigosidade de Adelino foi “mal avaliado” na altura da condenação
“Ele já tinha feito ameaças de que se haveria de vingar das pessoas que não o apoiaram”, afirmou João Abreu, que acrescentou que Adelino tinha pulseira eletrónica. O acórdão que ditou a sentença em novembro nada refere sobre a utilização de uma pulseira eletrónica e, contactada pelo Observador, a Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais confirmou que Adelino Gomes Briote não tem, nem nunca teve vigilância através deste dispositivo.
Para além dos lamentos e das memórias, o que os moradores mais próximos da Rua de São Sebastião questionam é o estado mental do autor confesso dos crimes.
O processo do Tribunal de Barcelos ainda não está arquivado, uma vez que o tempo da pena suspensa ainda não terminou. O relatório da reinserção social também ainda não chegou. Já não chegará a tempo. Adelino não foi capaz de se voltar a integrar na casa onde viveu com a mulher e os três filhos, e a quem os vizinhos tratavam por Lininho.