A dificuldade na elaboração de um cenário com projeções fiáveis implica que – na medida do possível – todos os potenciais choques, tanto internos como externos, sejam devidamente considerados, facilitando a correção se alguns dos riscos se materializarem. Os governos, na elaboração de um Orçamento, devem pois prestar-lhes atenção redobrada.

Recapitalização da banca

A recapitalização da Caixa Geral de Depósitos é em si uma fonte de risco a ter em conta, pois ainda não se sabe a dimensão e o impacto exatos do plano apresentado. Certo é que pesará bastante nas necessidades de financiamento do Estado. A gestão da dívida, conduzida pelo IGCP, levará isto em conta, mas será importante perceber no Orçamento que importância terá para o financiamento do défice de 2017 e como se pretende gerir.

Como já defendemos aqui, certo é que a injeção de capital (apenas uma parte do plano) contará para o défice nas contas nacionais, mesmo que só parcialmente, em função dos prejuízos históricos da Caixa. Este será ainda, portanto, um Orçamento sob Procedimento dos Défices Excessivos.

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Mas o que a experiência com a Caixa (e, em 2015, com o Banif) demonstra é um problema que persiste: a forte interligação entre a dívida soberana e a banca. A forma como este Orçamento se vai pôr em prática dependerá crucialmente do que acontecer no setor financeiro. Os dados não são animadores, como avisou recentemente o FMI, e se algum problema grave surgir noutro banco em 2017, os objetivos do Orçamento poderão sair novamente gorados em termos de resultados finais: défice e dívida.

Previsão das receitas fiscais

Este ano, as receitas fiscais têm ficado claramente abaixo do ritmo implícito no Orçamento para 2016. O risco associado à dinâmica fiscal prende-se com a possível sobrestimação de algumas receitas.

Adicionalmente, a vinda a público de propostas de aumento de impostos indiretos, a par da devolução da sobretaxa do IRS, dificulta ainda mais o exercício, por ser difícil prever o comportamento do consumo em reação a estas medidas (que têm efeitos contrários). Por exemplo, o nível de endividamento das famílias portuguesas contribui para que um eventual aumento do consumo possa não corresponder ao previsto.

Outra nota importante a considerar são as receitas não fiscais. A evolução acumulada negativa, presente na execução orçamental até setembro, indica uma sobrestimação destas receitas.

Quanto às receitas da Segurança Social, existe um risco moderado na previsão das receitas, sobretudo se houver algum otimismo excessivo quanto à evolução da criação de emprego e da taxa de desemprego.

Aqui, porém, as previsões das dinâmicas do mercado laboral têm sido mais fiáveis. Tanto as instituições nacionais (Banco de Portugal e Conselho de Finanças Públicas) como internacionais (FMI e OECD), preveem, para 2017, um comportamento semelhante da evolução do emprego (≈ 0,7%) e da taxa de desemprego (≈ 11%). Assim, desde que as previsões do Orçamento estejam em linha com estas, este risco poderá, em princípio, ser mitigado.

Volatilidade na evolução da procura externa

A evolução das exportações pode apresentar um risco bastante elevado para o crescimento económico português. Depende da evolução da procura externa, isto é, do crescimento económico nos principais mercados de exportação.

Cerca de 75% dos destinos das exportações portuguesas centram-se em 10 países, sendo que quase 60% corresponde aos primeiros 5 países desse grupo. À exceção de Espanha – principal destino das exportações portuguesas –, o crescimento das economias dos restantes países deverá ser inferior em 2017 (face a 2016).

As 10 economias de maior destino dos bens e serviços portugueses crescerão cerca de 1,58% (menos 0,13 p.p. face a 2016). Só olhando para as cinco maiores, o cenário não é diferente

Espanha França Alemanha Reino Unido EUA Total
Var. PIB real 2017 2,2% 1,3% 1,4% 1,1% 2,2% 1,7%
Peso nas exportações 20% 13% 11% 9% 5% 58%

Fonte: Banco de Portugal e FMI – World Economic Outlook, outubro de 2016

Este abrandamento – ainda que ligeiro – agrava o risco nas previsões de crescimento das exportações. Além disto, o caso especial do Brexit poderá ter consequências imprevisíveis, até porque o Reino Unido é o quarto país com mais peso nas exportações portuguesas.

O Orçamento deve ainda ter em conta o comportamento das importações que podem refrear a dinâmica económica nacional. A devolução de rendimentos – como a eliminação da sobretaxa e o possível aumento das pensões de reforma –, acompanhado por uma dinâmica positiva real da economia, poderá aumentar, por outro lado, o consumo de bens e serviços importados, prejudicando assim o equilíbrio das contas externas.

Política monetária e mercados financeiros

Porém, embora fosse desejável um maior crescimento nos parceiros da área do euro, este tem também um potencial problema associado: aumenta a probabilidade de uma reversão das medidas com que a política monetária do Banco Central Europeu tem apoiado a dívida pública portuguesa – como o atual programa de compra de ativos, que se prevê termine em março de 2017 (embora possa, naturalmente, ser estendido ou substituído).

Este é, obviamente, um risco importante, pois uma eventual mudança de política pelo BCE poderia fazer “disparar” os juros da dívida, com impacto orçamental direto. Isto criaria, desde logo, problemas no seu refinanciamento. E, sobretudo, a crise de confiança associada (e eventual saída de capitais) poderia ter um impacto significativo no crescimento a curto prazo, pondo em causa todo o cenário do Orçamento.

No entanto, beneficiar destes programas não depende só das decisões estratégicas do Conselho do BCE. Depende ainda do rating da agência canadiana DBRS, a única – das quatro consideradas pelo BCE –, que classifica as obrigações da República com nível de investimento.

O que é o Budget Watch?

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O Budget Watch estará de volta este ano, com a análise do Orçamento para 2017 por uma equipa IPP/ISEG e por um conjunto alargado de economistas portugueses de referência, que compõem o Conselho Consultivo Científico.

A equipa IPP/ISEG elabora um relatório de análise do Orçamento, em que se inclui uma apreciação do cenário macroeconómico.

A partir das opiniões do Conselho, é construído o Índice Orçamental IPP/ISEG, que representa uma avaliação não sobre as opções de política, mas sobre o rigor e transparência orçamental. O Orçamento de 2016 teve a melhor nota de sempre, 46,0 mas, na escala da avaliação (0 a 100), continua na zona “insuficiente”.

Tem havido alguma especulação em torno da decisão que esta agência anunciará no próximo dia 21 de outubro. A expectativa (mesmo no mercado) é que não haverá alteração do rating.

Ainda assim, no pior cenário, teríamos uma mudança na perspetiva sinalizada pela agência, de “estável” para “negativa”. A acontecer, uma sombra pairaria sobre o Orçamento. Aumentariam, pelo menos marginalmente, as taxas de juro da dívida, pois ficar-se-ia mais perto de perder o acesso às “compras” do BCE.

Apesar destes riscos, é inequívoco que, para o crescimento de médio prazo de Portugal (via exportações, mais crescimento na zona euro só pode ser favorável: aumentaria os incentivos para investir na produção de bens transacionáveis no país. Não só pelo capital estrangeiro, mas até por industrialistas nacionais, como o citado há dias pelo Wall Street Journal.

Evolução dos preços do barril de petróleo

A variação dos preços do barril de petróleo pode implicar diferenças substanciais quer nas importações, quer nas exportações. À semelhança das hipóteses traçadas no Relatório do Orçamento para 2016, o governo deve ter em consideração o risco de uma possível escalada dos preços desta matéria.

O risco deve ser tido em conta dado que a partir do início deste ano, e depois de uma queda do preço do “ouro negro” desde 2012, tem-se assistido a uma crescente escalada dos preços do petróleo: de 26,50 dólares, em janeiro, para 47,92 dólares durante este mês (dados da OPEP).

De acordo com os dados do FMI prevê-se que, em média, o barril de petróleo se situe, em 2017, na casa dos 50 dólares, o que deixa uma indicação ao Governo sobre a tendência crescente dos preços.

Refira-se, ainda, que a questão na Síria e tensões no Médio Oriente poderão provocar um choque na oferta, reduzindo-a e aumentando consecutivamente os preços deste bem. Ainda, a performance das economias emergentes pode trazer alguma pressão sobre os preços, via procura: todos os BRIC, exceto a China, deverão crescer mais.

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Em síntese, se riscos como estes não forem suficientemente considerados no Orçamento, dificilmente este poderá levar a economia portuguesa a bom porto em 2017. O Budget Watch levá-los-á, por certo, em conta, na análise que fará ao cenário macroeconómico e às restantes previsões do Orçamento.

Investigadores do Institute of Public Policy Thomas Jefferson-Correia da Serra (IPP) e docentes do ISEG-ULisboa

luistm@ipp-jcs.org – @_luistm

As opiniões aqui expressas vinculam somente os autores e não refletem necessariamente as posições do IPP, da Universidade de Lisboa, ou de qualquer outra instituição a que quer os autores, quer o IPP estejam associados.