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Frazer Harrison/Getty Images)

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Como estamos a sexualizar os atores de "Strangers Things", Eleven incluída

Aos 13 anos, a Eleven de "Stranger Things" não é uma rapariga crescida, mas há capas de revista e comentários que sugerem o contrário. E Mike, o co-protagonista, não é o "daddy" de ninguém.

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Da noite para o dia, Millie Bobby Brown passou de 24 seguidores no Instagram para mais de 2 milhões (por estes dias já são quase 10 milhões). Aos 13 anos, a miúda que se mudou com a família para os EUA para prosseguir o sonho de atriz tem uma fortuna avaliada em mais de 5 milhões de euros. Há quem diga que esta é a próxima Meryl Streep, tantos são os elogios feitos à sua performance numa das séries do momento: Millie é “Eleven” em Strangers Things. É a nova “child star” mas, como todas as “child star”, pode cair numa maldição capaz de engolir as suas vítimas por inteiro. E o primeiro passo pode ser mesmo a sexualização de uma pré-adolescente.

Enigmática e reservada, a personagem que catapultou a jovem atriz para o estrelato fala sobretudo com o olhar — foi, aliás, esse o trunfo usado no casting que lhe garantiu o papel. Quem vê a série e conhece os passos de Eleven reconhece-lhe a aparente maturidade com que interpreta uma personagem peculiar. Será fácil, nestas circunstâncias, esquecermo-nos que estamos perante uma criança, uma pré-adolescente que, também da noite para o dia, deixou os ténis brilhantes e o vestido de princesa — com que apareceu na apresentação oficial da primeira temporada da série — para, um ano depois, trocá-los por sapatos de salto alto, vestido curto de cabedal e cara maquilhada.

As duas imagens têm apenas um ano de diferença. Getty Images

O antes e o depois de Millie Bobby Brown na passadeira vermelha deu fôlego a um debate que, em boa verdade, não é novo (já lá vamos). Coube a Mara Wilson, que deu vida à icónica Matilda, no filme homónimo de 1996, falar em voz alta sobre o assunto. O vestido de cabedal curto de Millie, e a postura com que se deixou fotografar, foi tema de conversa nas redes sociais, mas houve um comentário em particular que incomodou Mara Wilson: “Millie Bobby Brown acabou de crescer diante dos nossos olhos. (Ela tem 13 anos!)”. O tweet de Mile Sington, ex-executivo da NBC, levou Mara Wilson a escrever um artigo de opinião para a revista Elle, onde conta que ficou “doente” e “furiosa” com o tom sexual de tais palavras.

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“Uma rapariga de 13 anos não é crescida”, escreve, ao mesmo tempo que argumenta que o facto de uma jovem famosa mostrar algo que possa ser interpretado como uma expressão da sua sexualidade não faz dela um alvo aceitável para o desprezo ou para o assédio. Mara sabe do que fala: tinha ela 15 anos (não aparecia em filmes desde os 12) quando recebeu a carta de um fã onde se lia “Adoro as tuas pernas” e “Posso pedir a marca dos teus lábios no cartão incluído no envelope?”. “Seria inaceitável um adulto comentar sobre o corpo de uma miúda de 13 anos que conhece. Então, porque é que estes adultos fazem comentários sobre o corpo de uma rapariga de 13 anos que nunca conheceram?”, questiona Mara.

No artigo de opinião, a atriz deixa ainda outra ideia interessante: nesta perspetiva é fácil culpar os pais pelas ações e posturas dos filhos — mesmo que em causa esteja a roupa de uma rapariga que está em idade de ser vaidosa. Há pais e pais, argumenta Mara Wilson, mas é importante não retirar a responsabilidade de quem está, efetivamente, a sexualizar uma criança.

Sobre isto, Inês Afonso Marques, coordenadora da equipa infanto-juvenil na Oficina da Psicologia, em Lisboa, diz que o impacto do mediatismo em idades tão precoces depende muito de como os adultos em redor dessas crianças gerem a intensidade dos holofotes. “É importante respeitar os ritmos de crescimento, fomentar a humildade e fazer uma boa gestão do grupo de pares”, diz a psicóloga. Caso isso não aconteça, a criança pode tornar-se “demasiado individualista e egocêntrica.” Arrogante, até. Felizmente, tal como refere a Variety, os pais de Millie puseram os trabalhos de lado para ajudarem a gerir a carreira da filha, a irmã de 23 anos acompanha a jovem atriz nas filmagens e gere a sua conta de Instagram; a de Twitter fica a cargo do irmão.

Millie Bobby Brown está longe de estar sozinha. A jovem atriz é um exemplo — ou um ícone, se quisermos — para milhões de fãs, o que implica que a sua postura tem peso e dimensão. “Nesta fase as crianças não têm maturidade para perceber isso, a responsabilidade é dos adultos, mas elas são verdadeiros modelos para outros jovens. Há aqui uma responsabilidade social muito grande”, garante Inês Afonso Marques que, confessa, não sabe porque nós, num termo lato enquanto sociedade, sexualizamos as crianças. “Não sei de onde vem esta necessidade… Se pensarmos em alguns brinquedos… há bonecas maquilhadas, com roupas que não são apropriadas para os seis ou sete anos”, diz, sem descurar que nesta etapa é importante experimentar outros papeís, algo visto como fundamental para o desenvolvimento social das crianças. “Se a criança tiver noção de que está maquilhada e de saltos porque estamos a brincar é uma coisa, mas se tornamos isso numa rotina…”

Elenco de Stranger Things e a, por vezes, difícil relação com os fãs

Em causa não estão só comentários como o do ex-executivo da NBC. Recentemente, a revista W puxou para chamada de capa uma lista de atrizes e atores que deixaram a televisão mais “sexy”. Entre nomes como Nicole Kidman e James Franco está o de Millie.

Ainda antes de isto acontecer, Finn Wolfhard, que faz de Mike em Stranger Things, viu-se envolvido um episódio semelhante, quando a modelo Ali Michael, de 27 anos, publicou uma imagem do ator com um pedido explícito: para o procurar daqui a quatro anos. A modelo acabou por pedir desculpa publicamente (até porque o jovem ator chegou a admitir que não gostou da atitude, coisa que fez com alguns internautas especulassem sobre a sua sexualidade, ao invés de reconhecer que Finn é apenas um adolescente).

Encontrar histórias como estas não é particularmente difícil: a 4 de novembro a atriz Shannon Purser, que entra na primeira temporada de Stranger Things, foi para o Twitter defender Finn Wolfhard, que foi acusado de não ter coração por não ter ido falar com os fãs que esperavam por ele à porta do hotel. “Experencio isto numa escala muito mais pequena, naturalmente, mas já tive pessoas à minha espera em hotéis ou em aeroportos. E sou uma adulta. Não consigo imaginar ser inundada de tanta atenção com a idade dele. É intimidante”, escreveu Shannon.

https://twitter.com/shannonpurser/status/926928218191466496

Escreve a TeenVogue, que também se dedicou a aprofundar a problemática da sexualização do elenco de Stranger Things — e de jovens atores no geral — que mesmo sendo grandes estrelas e de terem fãs que os adoram, no final do dia eles e elas são apenas adolescentes. “Vamos admitir: é algo arrepiante ter um grupo de adultos lá fora à espera de um rapaz de 14 anos, independentemente de Stranger Things ter tocado múltiplas gerações.”

A mesma publicação refere que basta uma volta pela conta de Instagram de Finn para ler comentários como “ele vai ser tão giro quando crescer” — o ator teve de pedir, inclusive, que parassem de o chamar “Daddy” nas redes sociais. Os seus colegas adolescentes, que também entram na série que anda a correr meio mundo, são alvo de comentários semelhantes.

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Adolescentes e ícones de moda

Voltemos a Millie: uma foto sua em particular, publicada na conta de Instagram, fez com que muitos falassem sobre as suas mamas. “Enquanto jovem atriz, Millie é constantemente sujeita a notícias que incentivam os outros a examinar o rosto e o corpo à procura de sinais de ‘maturidade’, mesmo tendo 13 anos”, assinala a TeenVogue.

Independentemente da idade, a atriz tem aparecido em várias capas de revistas. Em algumas delas Millie é fotografada enquanto uma pré-adolescente de caracóis rebeldes e roupas coloridas, e até de casaco de cabedal e boné amarelo vivo virado ao contrário; noutras, sobretudo na capa da revista L’Officiel, Millie é facilmente confundida com uma jovem adulta. “Tudo o que uso passa por todas as pessoas da minha equipa”, chegou a dizer a jovem atriz à Instyle, a propósito dos coordenados que leva a diferentes aparições públicas. “Primeiro passa pela minha mãe. Se ela aprovar, passa pelos meus agentes e depois, obviamente, pelo meu pai — se ele não gostar de determinada roupa, eu não uso. É tão simples quando isso”.

8 fotos

O gosto pela moda — visível na sua conta de Instagram — está também a chamar a atenção de várias publicações. Não é por acaso que a Vogue francesa declarou “Millie Bobby Brown é nosso novo ícone da moda”. Fenómenos como este não são de todo recentes. Em abril de 2015, por exemplo, a filha dos atores Johnny Depp e Vanessa Paradis era apontada como a próxima it girl — à data, Lily-Rose Depp tinha 15 anos. O frenesim à volta da jovem modelo começou quando Lily marcou presença no desfile da coleção Metiers d’Art da Chanel, em Nova Iorque — à aparição pública feita na companhia da mãe seguiu-se a estreia numa revista de moda; foi o suficiente para que o seu nome começasse a circular na imprensa internacional.

Mary-Kate e Ashley Olsen passaram por situações semelhantes. Estavam as gémeas a aproximar-se do seu 18.º aniversário quando vários sites lançaram “relógios de contagem decrescente” até as irmãs atingirem a idade considerada legal aos olhos da sociedade. A modelo Kendall Jenner entra no mesmo saco, com o site TMZ a partilhar uma fotografia sua em biquíni com a legenda “53 dias até ela ter 18 anos. Não que estejamos a contar”.

Mais chocante será, contudo, o que aconteceu quando Brooke Shields tinha apenas 10 anos. Em 1975, a jovem modelo deixou-se fotografar por Garry Gross para uma publicação da Playboy, intitulada Sugar and Spice. Shields foi fotografada nua, com o corpo coberto de óleo e a cara severamente maquilhada. À data, a imagem foi consensual e permitida pela mãe (a modelo recebeu 450 dólares pela fotografia). Já em 1981, a mãe de Shields processou Gross com o argumento de que a venda contínua da imagem estava a prejudicar a reputação da filha — a mãe conseguiu apenas a proibição provisória do uso da fotografia. Brooke começou a trabalhar como modelo aos 11 meses e em 1978 protagonizou o filme Menina Bonita, onde fazia de criança prostituta, tal como escreve o The Guardian.

Controverso foi também um dos anúncios que fez, aos 15 anos, para a Calvin Klein, onde Shields é filmada a dizer: “O que vem entre mim e as minhas Calvins? Nada”. O anúncio foi censurado mas ficou na memória coletiva. Curiosamente, Millie Bobby Brown recriou um desses anúncios em setembro.

A maldição das “child star”

Na capa que a Variety dedicou a Millie Bobby Brown refere-se que a atriz tem hipóteses de contornar a tão falada maldição de quem tem muito sucesso em tenra idade. Isso deve-se ao facto de Millie estar rodeada da família. David Harbour, que interpreta o polícia Jim Hopper em Stranger Things, falou à Variety de forma emocionada sobre o assunto e garantiu que, no que depender dele, a Millie não lhe acontece nada — tal como na série, Harbour quer protegê-la. “Digo-te, ela pode contar comigo. E eu sou o tipo mais grosseiro que há por aqui.”

A mesma sorte não terão tido estrelas como Lindsay Lohan. Se aos 11 anos a atriz norte-americana tinha a primeira grande participação no filme Pai para Mim… Mãe para Ti…, sucesso ao qual se seguiu Um Dia de Doidos e Giras e Terríveis, na atualidade Lohan está de certa forma excluída da indústria e é constantemente ridicularizada nos media — culpe-se o comportamento atribulado e muito público, que envolve sucessivas entradas e saídas de clinicas de reabilitação, condução sob o efeito do alcóol e julgamentos que, escreve o The Guardian, entretêm mais do que os filmes em que a atriz já entrou.

Lohan está longe de ser a única. Também Amanda Bynes, que em tempos foi a estrelinha do canal Nickelodeon, está a seguir por um trilho atribulado, que já envolveu escrever tweets sem sentido e insultuosos e mudar drasticamente a sua aparência. Um dos casos mais flagrantes será, no entanto, o da cantora Miley Cyrus que fez de tudo para descolar da sua pessoa a imagem de uma menina inocente — a mesma que a catapultou para a fama. Mas, tal como refere o site Mic, o fenómeno vem detrás e, recuando no tempo, juntamos à mesma lista nomes tão famosos como Robert Downey Jr., Rob Lowe e Anthony Michael Hall. Isto sem esquecer que, aos 11 anos, Michael Jackson já era considerado pela Rolling Stone uma lenda viva.

“A família deve manter a vigilância, mesmo apostando no taleteno, e deve sempre prevalecer o bom senso”, diz a psicóloga Inês Afonso Marques. O mais provável é que o conselho não chegue até Millie, mas esperemos que a família dela aperte o cerco às extravagâncias da fama e que Millie continue a ser uma pré-adolescente com um talento inato para a representação.

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