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Conheça toda a história da "Operação O -"

Como foram os concursos que levaram a um monopólio na compra de plasma e de medicamentos hemoderivados a favor da Octapharma estão na origem das suspeitas de corrupção da investigação da PJ e do MP.

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Uma situação de monopólio de uma empresa (a Octapharma), sucessivas decisões de políticos e gestores públicos que beneficiam sempre essa mesma sociedade, um negócio feito à base de uma matéria-prima (o sangue) que muitas vezes é recolhida de forma gratuita junto de dadores altruístas e um suspeito (Paulo Lalanda de Castro) que foi patrão de José Sócrates entre 2013 e 2014, tendo sido constituído arguido por fraude fiscal e branqueamento de capitais na Operação Marquês e acusado de tráfico de influências no caso Vistos Gold. Estes são os ingredientes da “Operação O -“.

Para já, e até à hora de publicação desta peça, encontram-se detidos preventivamente por suspeitas do crime de corrupção o médico Luís Cunha Ribeiro, ex-presidente do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), e o gestor Paulo Lalanda de Castro, ex-líder da filial portuguesa da Octapharma. Este último foi detido na tarde desta quarta-feira em Heidelberg, na Alemanha, no âmbito de um mandado de detenção europeu e deverá ser entregue às autoridades portuguesas nos próximos dias. Poucas horas depois da detenção, a farmacêutica suíça anunciou a demissão de Lalanda de Castro de todos os cargos na Octapharma.

Foram ainda constituídos arguidos dois advogados e uma representante na Associação Portuguesa de Hemofilia — associação de direito privado que é ouvida nos processos de decisão de aquisição de produtos farmacêuticos e que tem a Octapharma como principal patrocinadora.

No centro da investigação estão os concursos públicos internacionais realizados para a distribuição de plasma sanguíneo e para a compra de medicamentos hemoderivados para os hospitais portugueses.

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Por isso mesmo, mais responsáveis políticos (como os ex-secretários de Estado Francisco Ramos e Manuel Pizzaro) e gestores da área da Saúde deverão ser ouvidos em breve, até porque este é um caso que remonta a 1999 e que foi denunciado publicamente numa reportagem de investigação jornalística da TVI, da autoria da jornalista Alexandra Borges, emitida em junho de 2015. Aliás, o inquérito do Ministério Público foi aberto na sequência da emissão da reportagem naquela estação de televisão e baseia-se na documentação então revelada.

[Veja aqui a reportagem da TVI]

O que é o plasma?

Antes de fazermos um historial dos momentos mais importantes que estão na origem da detenção de Cunha Ribeiro e Lalanda de Castro, é fundamental perceber um conceito muito falado nos últimos dias: o plasma sanguíneo, a matéria-prima que está no centro do negócio escrutinado na “Operação O – “:

  • O que é o plasma sanguíneo? É a parte líquida do sangue. Numa bolsa hospitalar de sangue, corresponde a cerca de 55% da composição total. O remanescente divide-se entre glóbulos vermelhos, brancos e plaquetas. Caracteriza-se por ter uma cor amarela e é essencial para o organismo humano. Pormenor muito importante: não se consegue reproduzir em laboratório.
  • O que se pode fazer com o plasma? Depois de devidamente autonomizado e tratado, pode ser vendido enquanto tal para utilização, por exemplo, em transfusões. Chama-se a isso plasma inativado.
  • Pode servir para criar medicamentos? Sim. O plasma pode ser fracionado. Isto é, as proteínas do plasma são separadas, purificadas e transformadas em produtos farmacêuticas que servem para combater de forma eficaz doenças muito graves como a hemofilia, o cancro ou a sida, por exemplo. Chamam-se a estes medicamentos hemoderivados.

Estas características e potencialidades terapêuticas do plasma sanguíneo fazem com que seja uma matéria-prima muito disputada pelas maiores multinacionais do sector farmacêutico. Muitos chamam-lhe mesmo o “petróleo amarelo”.

As características e potencialidades terapêuticas do plasma sanguíneo fazem com que seja uma matéria-prima muito disputada pelas maiores multinacionais do sector farmacêutico. Muitos chamam-lhe mesmo o "petróleo amarelo".

Segunda contextualização:

  • Portugal era um dos poucos países europeus que até há pouco não armazenava o seu plasma sanguíneo. E mesmo hoje está longe de ser auto-suficiente. O que significa que parte do sangue recolhido através de campanhas nacionais, locais e hospitalares acaba por ser desperdiçado.
  • Tal como qualquer país que tenha um sistema institucionalizado de recolha de sangue, Portugal podia (e devia) tratar o sangue recolhido junto dos cidadãos (muitas vezes, em campanhas gratuitas) de forma a ser auto-suficiente em termos de plasma, promovendo igualmente o fracionamento para diminuir a fatura anual que paga em medicamentos hemoderivados. Mas não o faz, sendo dos poucos países europeus com essa prática.
  • Resultado? Portugal é obrigado a importar uma esmagadora maioria do plasma inativado e a totalidade dos hemoderivados que o Serviço Nacional de Saúde necessita. Dito de outra forma: Portugal tem a matéria-prima mas desperdiça-a, preferindo importar. O que custa muito mais dinheiro.

Álvaro Beleza, médico do Hospital de Santa Maria que foi presidente do Instituto Português de Sangue em 2011 e dirigente nacional do PS de António José Seguro, afirmou à TVI que o Instituto Portugês de Sangue tem capacidade para fornecer todo o plasma inativado de que Portugal necessita — sem ter que recorrer à Octapharma. Política pública do maior interesse dos contribuintes que nunca foi posta em prática.

Portugal podia tratar o sangue recolhido junto dos cidadãos (muitas vezes, em campanhas gratuitas) de forma a ser auto-suficiente em termos de plasma, promovendo igualmente o fracionamento para diminuir a fatura anual que paga em medicamentos hemoderivados. Mas é um dos poucos países europeus que não o faz.

Hoje em dia existem, contudo, hospitais que não importam plasma inativado. Quais? O Hospital de Santa Maria (Lisboa) e o Hospital Espírito Santo (Évora). Aliás, este último hospital não só é auto-suficiente, como fornece plasma para os restantes hospitais alentejanos.

Há também o caso do Hospital de São João (Porto), mas que oferece particularidades que envolvem a Octapharma e que serão desenvolvidas mais abaixo.

Para se perceber como o plasma é uma matéria-prima fundamental: há países como os Estados Unidos que proibiram a exportação de plasma por ser uma matéria-prima de reserva nacional, explica a TVI.

Os números do negócio

Só para dar uma ideia dos números em jogo:

  • Nos últimos 20 anos, segundo contas apresentadas pela TVI na sua investigação, a Octapharma vendeu a Portugal cerca de 1,4 milhões de bolsas de plasma sanguíneo por cerca de 124 milhões de euros. No mesmo período, Portugal terá conseguido recolher cerca de 6 milhões de bolsas de sangue das quais não aproveitou o plasma e que poderiam valer cerca de 120 milhões de euros no mercado internacional. Mas os decisores políticos preferiram importar a tratar devidamente o plasma recolhido.
  • Cada bolsa de plasma comprada à Octapharma custa 87,5 euros — enquanto no mercado internacional, uma bolsa de plasma pode chegar a valer 125 euros. Um exemplo da utilização diária do plasma sanguíneo: um doente que necessitava de substituir o seu plasma de três em três semanas gastava 8 unidades em cada sessão, isto é, um total de cerca de 700 euros, segundo a reportagem da TVI.
  • O Instituto Português de Sangue (IPS) destrói todos anos milhares de bolsas. Só em 2014, desperdiçou mais de 30 mil bolsas de sangue que valeriam no mercado internacional de plasma mais de 600 mil euros. Pior: o IPS ainda tem de pagar cerca de 100 mil euros anuais para concretizar tal processo de destruição.
Nos últimos 20 anos, segundo contas apresentadas pela TVI na sua investigação, a Octapharma vendeu a Portugal cerca de 1,4 milhões de bolsas de plasma sanguíneo a troco de cerca de 124 milhões de euros. No mesmo período, Portugal terá conseguido recolher cerca de 6 milhões de bolsas de sangue das quais não aproveitou o plasma.

Qual a posição da Octapharma?

Na prática, a Octapharma tem uma situação de monopólio do mercado de plasma inativado e tem uma posição dominante como fornecedor de medicamentos de hemoderivados da esmagadora maioria dos hospitais públicos. São os concursos relacionados com a prestação destes serviços que estão em causa na investigação da “Operação O -“.

Essa posição começou a ser construída nos anos 90, poucos anos depois de a farmacêutica suíça ter criado uma filial no nosso país, liderada por Paulo Lalanda de Castro. Aliás, Portugal terá sido o primeiro mercado de exportação da multinacional. O sucesso que obteve fez com que passasse a ocupar um lugar na administração da casa-mãe, conseguindo igualmente mais tarde deter o cargo de diretor para o mercado da América Latina.

O primeiro concurso público para a inativação do plasma recolhido em Portugal terá sido ganho em 1999 pela Octapharma pelo valor base de cerca de 2 milhões de euros. A TVI tentou ter acesso aos documentos desse concurso, mas o Ministério da Saúde não conseguiu localizá-los no seu arquivo.

Além de importar e vender plasma inativado aos hospitais públicos através da marca Octaplas desde essa altura, o que lhe garantirá hoje em dia uma receita anual de cerca de 7 milhões de euros, a Octapharma está igualmente na primeira linha das tentativas de aproveitamento do plasma dos dadores de sangue português. Tal aproveitamento tem sempre duas vertentes:

  1. Tratamento, inativação e armazenamento do plasma dos dadores portugueses;
  2. Fracionamento e produção de medicamentos hemoderivados.
Na prática, a Octapharma tem uma situação de monopólio do mercado de plasma inativado e tem uma posição dominante como fornecedor de medicamentos de hemoderivados da esmagadora maioria dos hospitais públicos.

O concurso dos hemoderivados, a sua validade e os hemofílicos

Os primeiros concursos desta segunda vertente é datado de 2000. Tinham um valor base de cerca de 60 milhões de euros e recolheram o interesse de diversas empresas farmacêuticas internacionais, entre as quais a Octapharma.

Depois de já terem sido apresentadas as propostas, contudo, o júri do concurso terá acrescentado um critério de avaliação que viria a revelar-se decisivo: a experiência dos concorrentes no mercado português.

Na reportagem da TVI, diversos responsáveis da industria farmacêutica e juristas consideraram que esse novo critério foi feito à medida da Octapharma, visto que a empresa de capitais suíços era a única farmacêutica internacional produtora de hemoderivados que estava presente em Portugal. O certo é que a Octapharma foi, de facto, a vencedora do concurso para o fornecimento de imunoglobulina humana em forma de medicamento, ganhando uma quota de mercado de 95%.

Depois de já terem sido apresentadas as propostas, o júri do concurso de 2000 terá acrescentado um critério de avaliação que viria a revelar-se decisivo: a experiência dos concorrentes no mercado português. Só a Octapharma cumpria esse critério e, por isso, ganhou 95% da quota de mercado.

Houve igualmente concorrentes excluídos, como foi o caso dos franceses da LFB — uma empresa estatal francesa que era representada por João Cordeiro, ex-presidente da Associação Nacional de Farmácias. Tal exclusão teve o apoio da Associação Portuguesa dos Hemofílicos (APH).

Pequeno parêntesis para explicar como é que uma associação privada representativa de uma parte dos hemofílicos pode ter importância na adjudicação de serviços públicos. Desde o caso da contaminação do plasma sanguíneo importado da Áustria nos anos 90 que a APH faz parte das comissões de escolha dos produtos hemoderivados depois da contaminação de plasma sanguíneo com plasma infetado nos anos 90. Os seus pareceres não são vinculativos mas a opinião de que os franceses da LFB deveriam ser excluídos para acautelar as consequências da doença das vacas loucas valeu mais do que a do INFARMED, por exemplo.

Um pormenor: a APH recebeu entre 2012 e 2013, segundo a TVI, cerca de 80 mil euros da Octapharma a título de patrocínio. Os suíços ocupam destacados o primeiro lugar do ranking dos financiadores da associação, visto que aquele valor corresponde a dez vez mais do que a APH recebe dos seus associados e o dobro do que recebe dos restantes patrocinadores.

Voltando ao concurso, eis um detalhe decisivo para o futuro desta história: a validade do prazo dos serviços que seriam fornecidos após a ajudicação. O vencedor do concurso forneceria os produtos hemoderivados até à realização de um novo procedimento concursal. Isto é, se o Estado nunca chegasse a avançar para outro concurso público internacional, o vencedor (a Octapharma) ganhava o direito legal de ser o fornecedor eterno e exclusivo de hemoderivador para os hospitais públicos portugueses.

Foi isso que se verificou entre 2000 e 2012, período durante o qual a farmacêutica suíça deteve o monopólio do mercado. Como vai perceber de seguida.

Um pormenor decisivo para a Octapharma: o vencedor do concurso de 2000 forneceria os produtos hemoderivados até à realização de um novo concurso. Isto é, se o Estado nunca chegasse a avançar para outro concurso público internacional, o vencedor (a Octapharma) ganhava o direito legal de ser o fornecedor eterno e exclusivo de hemoderivados para os hospitais públicos portugueses.

A entrada em cena de Luís Cunha Ribeiro

Luís Cunha Ribeiro terá feito parte de um concurso realizado em 1999 para o fornecimento de plasma inativado e importado ganho pela Octapharma, mas, mais importante, fez igualmente parte do júri do concurso lançado pelo Ministério da Saúde em 2000 para a compra de produtos hemoderivados — e é aqui que começam as suspeitas de corrupção do Ministério Público (MP) e da Polícia Judiciária (PJ) que está na origem da detenção do ex-presidente do INEM e de Paulo Lalanda de Castro.

A fundamentação das suspeitas sobre o concurso dos hemoderivados tem, contudo, uma dificuldade à partida: o MP e a PJ vão ter de recolher prova que demonstre como foi possível Cunha Ribeiro ter sido decisivo num júri que tinha mais 13 elementos.

Por outro lado, as autoridades têm indícios de que Paulo Lalanda de Castro terá entregue alegadas contrapartidas ao ex-presidente do INEM para conseguir o seu alegado favorecimento. Daí a imputação de um crime de corrupção activa para acto ilícito a Lalanda de Castro e de corrupção passiva a Cunha Ribeiro.

Tais contrapartidas baseiam-se no seguinte:

  • A utilização alegadamente gratuita por parte de Cunha Ribeiro de um apartamento de luxo no empreendimento Heron Castilho, no centro de Lisboa, propriedade do homem-forte da Octapharma em Portugal. Enquanto viveu em Lisboa para desempenhar as funções de líder do INEM (funções que desempenhou entre 2003 e 2008), consultor do Ministério da Saúde (2008 e 2011) e da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (2011 e 2015), Cunha Ribeiro terá sido vizinho de José Sócrates durante a maior parte do tempo;
  • E a venda a um preço abaixo do mercado de dois apartamentos na Alameda Eça de Queiroz, no Porto, que era propriedade de uma empresa de Lalanda de Castro. Segundo garantiu Cunha Ribeiro ao Correio da Manhã, terá sido efetuada uma permuta entre esses imóveis de Lalanda (um oitavo e um nono andar) com outro que era propriedade da família do ex-líder do INEM. O negócio terá ocorrido em 2003, três anos depois de Cunha Ribeiro ter feito parte do júri do concurso dos hemoderivados ganho pela Octapharma.
Luís Cunha Ribeiro fez parte do júri do concurso dos hemoderivados e o MP e a PJ suspeitam que terá recebido contrapartidas (um aluguer alegadamente gratuito de um apartamento de luxo e a alegada venda de uma segundo imóvel por um valor abaixo do mercado) para beneficiar a Octapharma.

Os imóveis em Lisboa e no Porto cedidos a Cunha Ribeiro pertenciam à sociedade Convida – Investimentos Imobiliários e Turísticos, que, por sua vez, é detida por uma sociedade offshore chamada Ruby Capital Corporation. Paulo Lalanda de Castro é benefíciário desta empresa com sede nas Ilhas Virgens Britânicas.

Segundo a TVI, Cunha Ribeiro terá sido igualmente indicado como testemunha da Octapharma no processo judicial da “Mafia dos Vampiros”, no Brasil, onde Lalanda de Castro terá sido constituído arguido enquanto representante da farmacêutica suíça.

Esta proximidade explicar-se-á, segundo um amigo comum garantiu ao Observador, pela amizade que dura desde a infância, no Porto. A mãe de Lalanda de Castro, que foi médica e diretora de serviço no Hospital de São João do Porto, terá chegado a trabalhar com Cunha Ribeiro. Enquanto presidente do INEM, Cunha Ribeiro trabalhou ainda com a irmã de Paulo Lalanda de Castro que já se encontrava naquele instituto público.

Apesar de a reportagem da TVI ser de junho de 2015, as suspeitas sobre um alegado favorecimento do Ministério da Saúde à Octapharma são antigas.

Por isso mesmo, Cunha Ribeiro e Lalanda de Castro terão tentado chegar a um acordo durante o ano de 2014 sobre o valor justo pelo aluguer do apartamento de luxo no Heron Castilho, situado no centro de Lisboa. Terão sido emitidos recibos, foram envolvidos advogados para mediar a negociação, mas os dois amigos não terão conseguido chegar a um acordo final.

Ao que o Observador apurou, foi precisamente esta documentação que o MP e a PJ apreenderam no escritório PLMJ, tendo para o efeito constituído arguido o advogado Paulo Farinha Alves. Este criminalista não é suspeito de nenhum crime económico, tendo sido constituído arguido por uma razão instrumental: as autoridades só podem fazer buscas em escritórios de advogados se tiverem suspeitas fundadas de que um causídico terá cometido algum crime.

Cunha Ribeiro e Lalanda de Castro terão tentado chegar a um acordo durante o ano de 2014 sobre o valor justo pelo aluguer do apartamento de luxo situado no centro de Lisboa. Terão sido emitidos recibos, foram envolvidos advogados para mediar a negociação, mas os dois amigos não terão conseguido chegar a um acordo final.

O concurso que durou 12 anos

Lembra-se que o prazo de validade da adjudicação do concurso de 2000 para o fornecimento de hemoderivados duraria até ao lançamento de outro concurso? Pois bem: 12 anos foi o tempo para um novo concurso. Isto é, a Octapharma vendeu os seus produtos ao Estado entre 2000 e 2012 (nomeadamente as marcas Octanate e Octaninef) sempre ao abrigo do concurso público internacional n.º 2000/9.

Segundo a TVI, terão sido realizadas quatro prorrogações do contrato de 2000. Algumas delas foram autorizadas por Francisco Ramos, secretário de Estado da Saúde do governo de José Sócrates (2005/2009) e actual presidente do Instituto Português de Oncologia de Lisboa.

A Octapharma vendeu os seus produtos hemoderivados ao Estado entre 2000 e 2012, sempre ao abrigo do concurso público internacional de 2000. Tudo porque foram realizadas quatro prorrogações do contrato que nasceu desse concurso. Algumas delas foram autorizadas por Francisco Ramos, secretário de Estado da Saúde do primeiro Governo de José Sócrates.

A primeira das prorrogações de Francisco Ramos terá sido precedida de um novo concurso lançado em 2005 para compra de hemoderivados no valor de 70 milhões de euros. Apresentaram-se diversas empresas internacionais, entre as quais a espanhola Grifols, a americana Baxter e, claro, a Octapharma.

O júri do concurso aceitou várias propostas e distribuiu a adjudicação dos hemoderivados por diversos concorrentes. A Octapaharma perderia o monopólio caso os resultados tivessem sido adjudicados. Mas Francisco Ramos, secretário de Estado da Saúde, não adjudicou o concurso por alegadamente se ir avançar para o fracionamento do plasma português. Em 2007, o concurso de 2005 foi mesmo anulado por Francisco Ramos. Consequência? A Octapharma continuou a fornecer os medicamentos hemoderivados ao abrigo do concurso n.º 2000/9.

O procedimento para o fracionamento que permitiria produzir medicamentos hemoderivados com plasma português, contudo, não veio a ser aberto. Aliás, e de acordo com a documentação recolhida pela TVI, a Octapharma chegou mesmo a propor por escrito ao governo em novembro de 2007 a denúncia do contrato para o fornecimento de plasma inativado (no valor de cerca de 2 milhões de euros) e a sua substituição por uma posição no novo concurso para o fracionamento de plasma humano dos dadores portugueses.

O Governo de Sócrates lança um novo concurso em 2005, os concorrentes da Octapharma ganham mas o secretário de Estado Francisco Ramos não adjudica e anula o procedimento em 2007. Assim, a Octapharma continuou a fornecer os medicamentos hemoderivados ao abrigo do concurso de 2000.

O Ministério da Saúde abriu em janeiro de 2008 um novo concurso para o fornecimento de hemoderivados no valor de 75 milhões de euros. O resultado repetiu-se: a Octapharma volta a perder a posição dominante já que um seu concorrente ganha 60% dos serviços colocados a concurso mas o procedimento, como o anterior, não foi ajudicado.

Desta vez, o responsável por essa decisão foi Manuel Pizzaro, o novo secretário de Estado da Saúde do segundo governo Sócrates (2009/2011). Pior: o concurso não só não foi adjudicado, como também não foi anulado. Ficou suspenso ad aeternum.

Pizarro, por outro lado, tomou uma decisão relevante em 2009: a compra de hemoderivados deixa de ser descentralizada e será feita individualmente por cada hospital. Resultado: a Octapharma forneceu entre 2009 e 2012 mais de 152 milhões de euros em produtos hemoderivados, segundo dados do INEM citados pela TVI.

Nesse mesmo período, mais concretamente em 2010, a Octapharma teve de retirar em 2010 os seus produtos à base de imunoglobulina dos mercados internacionais devido a um conjunto significativo de reações adversas por parte dos pacientes. A suspensão durou vários meses, de acordo com a TVI.

O concurso 2 em 1

Manuel Pizzaro, entretanto, contratou Luís Cunha Ribeiro como consultor do seu gabinete e, em janeiro de 2009, lançou um novo concurso público internacional para a recolha, armazenamento e consequente fracionamento do plasma para a produção de medicamentos hemoderivados. Um concurso que tinha como objetivo substituir o de 2000 — que continuava em vigor.

O plasma dos dadores nacionais seria, assim, aproveitado, sendo transportado para uma fábrica internacional que o transformaria em medicamentos essenciais para o Serviço Nacional de Saúde.

O concurso teve o interesse, entre outros, da australiana CSL Plasma, da americana Baxter, da espanhola Grifols e dos suíços da Octapharma.

Manuel Pizarro lança um novo concurso em 2009 para a recolha, armazenamento e consequente fracionamento do plasma para a produção de medicamentos hemoderivados. Também este procedimento não foi adjudicado e foi mesmo suspenso depois da apresentação de uma reclamação da Octapharma.

A Octapharma, contudo, e enquanto decorria o período de apreciação das propostas por parte do júri do concurso, pediu a Manuel Pizarro, em março de 2009, o direito de opção no concurso em relação ao fracionamento de mais de 80 mil bolsas de plasma que vendeu a Portugal ao abrigo de um contrato de inativação viral.

Pizarro mandou analisar o pedido da Octapharma e os técnicos do Ministério da Saúde avisaram o secretário de Estado que a empresa de Lalanda de Castro estava a tentar trocar a posição no concurso de inativação (no valor de 2,3 milhões de euros) por outra no concurso de fracionamento (no valor de 24 milhões de euros), “violando princípios da igualdade e da concorrência”, lê-se no parecer divulgado pela TVI.

A Octapharma volta ao ataque com um outro assunto: alega que, depois de um esclarecimento do júri a uma dúvida da empresa, concluiu que o que está em causa no concurso é uma venda encapotada de plasma português para o exterior e a sua troca pelo plasma com outra origem. Pizarro analisa e, com o apoio do Instituto Português de Sangue, suspende o concurso.

Este problema só fica resolvido quando os governos de Passos Coelho e de António Costa lançam em 2012 e em 2016 dois novos concursos para o fornecimento de produtos farmacêuticos hemoderivados que terão promovido uma maior concorrência ao permitir a escolha de fornecedores diferentes da Octapharma. A TVI diz que o produto vencedor de uma farmacêutica italiana, contudo, não está a ser consumido como seria expectável porque os médicos continuam a prescrever o produto da Octapharma.

São João e o actual secretário de Estado da Saúde

O Hospital de São João, aproveitando a descentralização autorizada por Manuel Pizarro, lançou em 2013 um concurso público para o armanezamento e fracionamento do plasma dos dadores daquela estrutura hospitalar, com um valor base superior a 1,7 milhão de euros.

O caderno de encargos do concurso, contudo, não separou as duas questões e exigiu que os concorrentes interessados tivessem o plasma inativado e os hemoderivados devidamente registados no Infarmed. Houve várias empresas internacionais interessadas no concurso mas apenas a Octapharma cumpria esse critério e, obviamente, ganhou o concurso. Aliás, foi o único concorrente que apresentou uma proposta.

Os especialistas do sector garantem que o registo como medicamento do plasma inativado será caso único na Europa. A Octapharma é a única empresa em Portugal que tem esse registo.

O Hospital de São João lançou em 2013 um concurso público para o armazenamento e fracionamento do plasma mas impôs um critério que só a Octapharma conseguia cumprir. Resultado? Apesar do interesse de várias empresas internacionais, só a farmacêutica suíça entregou uma proposta para o concurso com um valor base superior a 1,7 milhões de euros.

De acordo com a TVI, a Octapharma estará também a vender uma parte do plasma recolhido no Hospital de São João — quando isso não é permitido nem pelas regras do concurso nem pela lei portuguesa. Alegadamente, cerca de ⅓ do plasma recolhido em Portugal estará a ser comercializado no mercado internacional pela empresa suíça.

Segundo uma notícia desta quinta-feira da TVI, Fernando Araújo, actual secretário de Estado da Saúde, terá estado envolvido na análise deste concurso como chefe de serviço do Hospital do São João.

A Operação Marquês, Sócrates, Lula e Lalanda

Contratado em janeiro de 2013 e despedido em novembro de 2014 após a prisão preventiva decretada pelo juiz Carlos Alexandre por suspeitas de corrupção passiva, fraude fiscal e branqueamento de capitais, José Sócrates teve uma relação curta mas bastante intensa como consultor da Octapharma.

Formalmente, e de acordo com o comunicado da multinacional suíça emitido a 25 de novembro de 2014, Sócrates “integrou o Conselho Consultivo para a América Latina” pelo “conhecimento que tinha do referido mercado”.

Paulo Lalanda de Castro foi quem o contratou e era ele o seu único interlocutor na farmacêutica suíça — como as escutas telefónicas da Operação Marquês demonstram. O ex-homem-forte da Octapharma em Portugal acabou por ser constituído arguido neste processo por suspeitas de fraude fiscal e branqueamento de capitais por alegadamente ter contribuído para Sócrates receber mensalmente fundos que teriam origem no Grupo Lena.

Paulo Lalanda de Castro é arguido na Operação Marquês pelos alegados crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais porque, segundo os investigadores, terá estabelecido um contrato fictício com uma empresa de Carlos Santos Silva para fazer chegar a José Sócrates cerca de 12.500 euros mensais.

Além dos 12.500 euros que a Octapharma pagava a Sócrates pelos seus serviços, Lalanda de Castro terá acordado pagar-lhe uma segunda tranche de igual montante através de um alegado contrato fictício estabelecido entre o ex-primeiro-ministro e uma empresa pessoal do ex-gestor farmacêutico: a Dynamicpharma. Esta sociedade, por seu lado, terá estabelecido um segundo contrato com a XMI de Carlos Santos Silva (que prestava serviços ao Grupo Lena) através do qual esta última empresa pagava o mesmo valor mensal à Dynamicpharma por serviços fictícios, segundo o procurador Rosário Teixeira.

A principal razão para contratar José Sócrates relacionou-se essencialmente com o Brasil. Lalanda de Castro queria aproveitar a relação especial que José Sócrates tinha desenvolvido com o ex-Presidente Lula da Silva para aumentar o negócio da Octapharma com os mesmos produtos que estão em causa na “Operação O -“: o plasma sanguíneo e a produção de hemoderivados.

Entre o verão de 2013 e praticamente o período que antecede a sua detenção no final de novembro de 2014, José Sócrates fez tudo para defender os interesses da Octapharma junto do Governo de Dilma Roussef. E o que pretendia Paulo Lalanda de Castro? Ter uma relação comercial com a Hemobrás – empresa pública tutelada pelo Ministério da Saúde do Governo Federal que tem como missão reduzir a dependência externa do Brasil em termos de derivados de sangue. E fazer com que esta empresa cumprisse um protocolo que tinha estabelecido em 2011 com o Butantan – instituto público, centro de pesquisa biomédica e produtor de vacinas tutelado pelo Governo Estadual de São Paulo. Existiam rumores de que esse protocolo poderia ser interrompido, sendo que um concorrente da Octapharma poderia assumir a posição do Butantan – cenário que Lalanda de Castro queria evitar, para impedir o crescimento da concorrência.

Foi assim que Sócrates, com a ajuda de Lula da Silva, arranjou uma reunião em fevereiro de 2013 entre Paulo Lalanda de Castro e Alexandre Padilha, então ministro da Saúde do Governo Federal, que decorreu em Brasília. O ex-primeiro-ministro português terá ainda promovido contactos com Artur Chiori, ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão, um dos antecessores de Chiori no cargo, Jorge Kalil, presidente do Butantan, e Celso Marcondes, diretor do Instituto Lula e homem da confiança do ex-Presidente brasileiro, para alegadamente promover uma intervenção junto da Hemobrás de acordo com os interesses comerciais da Octapharma.

A Líbia, Lalanda de Castro e os Vistos Gold

No caso dos Vistos Gold, Paulo Lalanda de Castro foi mesmo acusado de dois crimes de tráfico de influência e deverá ser julgado no início de 2017. Estão em causa duas situações:

  • Uma tentativa de influência junto do ex-ministro Miguel Macedo, através do seu amigo Jaime Couto Alves, para que aquele intercedesse junto do seu colega Paulo Núncio (ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais) a propósito de um processo de reembolso fiscal de cerca de um milhão de euros defendido por uma empresa de Lalanda de Castro: a Inteligente Life Solutions (ILS);
  • Um segunda tentativa de influência junto de Manuel Palos, ex-diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, para um alegado favorecimento na emissão de vistos para um grupo de cidadãos líbios com vista ao tratamento em Portugal como alegados refugiados de guerra. A ILS tinha um contrato com o Ministério de Saúde da Líbia para tratar feridos da guerra civil em Portugal e Jaime Couto Alves, que chegou a ser diretor da Octapharma no Brasil, era um dos operacionais desse acordo.

Foi precisamente este contrato estabelecido como o Governo da Líbia que fez com que Lalanda de Castro tivesse sido constituído arguido na Operação Marquês pelo alegado crime de corrupção activa no comércio internacional devido a alegados pagamentos ilícitos realizados a responsáveis políticos líbios. Esta situação acabou por levar à extração de uma certidão para o processo dos Vistos Gold mas nenhuma acusação foi produzida sobre este tema.

A suspeita da alegada corrupção, rejeitada por Paulo Lalanda de Castro, baseia-se no pagamento de um valor total de 2,6 milhões de euros. O MP entende que tais comissões estavam camufladas como pagamentos realizados a diversas sociedades líbias, como por exemplo a Altawed Medical Services e a OLA, que realizariam alegados serviços relacionados com a obtenção de vistos de saída da Líbia. O procurador Rosário Teixeira considerou, antes de emitir a extração de uma certidão para a sua colega Susana Figueiredo, que as transferências realizadas para contas no Libian Foreign Bank e em bancos suíços encontram-se alegadamente ligadas a responsáveis políticos daquele país.

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