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GIUSEPPE LAMI/EPA

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Correr uma maratona faz mal à saúde?

Correr uma maratona é um desafio para o corpo, mas são muito raros os casos de morte súbita. O Observador falou com quatro médicos sobre as vantagens e os riscos de correr tantos quilómetros.

Ano 490 a.C.. O exército ateniense tinha acabado de derrotar os persas na Batalha de Maratona e Fidípides, a mando do general grego Milcíades, correu até à capital grega para anunciar a vitória. Chegado lá, 40 quilómetros depois, o soldado gritou “Alegrai-vos, atenienses, vencemos!”, para logo cair morto de exaustão. O mais certo é a história não passar de uma lenda, mas a verdade é que levou à criação da maratona como modalidade olímpica em 1896. E a emblemática prova está assim, desde as suas origens, associada a um desfecho trágico.

42.195 metros

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A maratona é disputada desde 1896, aquando da criação dos primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna. As primeiras provas não tinham distância fixa, variando de acordo com o traçado desenhado em cada cidade, sendo que rondavam sempre os 40km – a distância aproximada de Maratona a Atenas. A primeira vez que se correram 42.195 metros foi em 1908, em Londres. Só em 1921 a Federação Internacional de Atletismo oficializou esta distância.

Mais de um século desde os primeiros Jogos da Era Moderna e corridas um sem número de maratonas em todo o mundo desde então, outros atletas perderam a vida (durante ou no final destas corridas), tendo os casos sido sempre muito mediatizados — recorde-se, por exemplo, a morte de Francisco Lázaro, o primeiro maratonista português a participar nuns jogos olímpicos.

Francisco Lázaro. A morte ao sol do carpinteiro que se fez mito na maratona

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E a reboque disso têm-se multiplicado estudos sobre os riscos associados às corridas de longa distância, especificamente à maratona. Além disso, sempre que há notícia de uma morte, por mais raras que sejam, várias vozes se levantam para dizer que correr tantos quilómetros faz mal. Mas será correto afirmar que correr 42.195 metros é prejudicial à saúde?

Lázaro caiu antes do fim. Morreu horas depois

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Francisco Lázaro foi o melhor corredor do seu tempo, um verdadeiro ídolo desportivo. Aos 24 anos, no verão de 1912, integrou a primeira representação portuguesa nuns Jogos Olímpicos. Ao 25.º quilómetro estava em 18.º lugar, mas acabaria por não passar dos 30km. Caiu por terra e morreu já no hospital. O diagnóstico oficial foi meningite, provocada por insolação. Naquela altura, em que não havia controlo anti-doping, os atletas espalhavam uma espécie de sebo (emborcação) pelo corpo para não sentirem tanto o cansaço durante as provas. E consumiam estricnina — um dos estimulantes mais poderosos do sistema nervoso central, que pode levar à morte. Depois de Lázaro morrer, muito se falou do “vício” do atleta.

“Não podemos, na realidade, dizer que este tipo de exercício faz mal à saúde”, afirma o cardiologista Diogo Cavaco, acrescentando que “a probabilidade de haver eventos cardíacos – sobretudo morte súbita – durante uma maratona é muito baixa”. “Os estudos apontam para 0,5 episódios por 100 mil corredores ao ano. Os números absolutos são baixos. Na população em geral os números não fogem destes”, completa o médico do Hospital de Santa Cruz.

O também membro da direção da Sociedade Portuguesa de Cardiologia não nega, porém, que “os desafios para o aparelho cardiovascular são grandes” porque se “perde água e há lugar a desidratação, alteração de iões, aumento da temperatura corporal, aumento do batimento cardíaco, aumento da frequência respiratória, aumento de consumo de oxigénio e aumento de produção de produtos do metabolismo celular do músculo, como dióxido de carbono e lactato”. E a prova é que chegam cada vez mais corredores de longa distância à Unidade de Cuidados Intensivos do Hospital de Santa Cruz, vítimas de paragens cardíacas “já reanimados no local com desfibrilhador”. Um aumento que Diogo Cavaco atribui ao “número crescente de participantes nessas provas” e ao “maior apoio nos eventos, que tem permitido identificar melhor estas situações logo no local”.

Carlos Móia, presidente do Maratona Clube de Portugal, confirma que tem havido sempre “algumas situações gravosas por conta da desidratação e que é comum haver nas provas um caso ou outro do coração, mas raros”. De memória tem duas mortes nas provas que organiza em Lisboa: “Há uns 10 anos uma jovem que vestia uma camisola do Sporting e que exagerou brutalmente no ritmo de corrida, teve um ataque cardíaco. E, há uns oito anos, uma senhora, 200 ou 300 metros depois de ter começado a corrida, ainda em cima da Ponte, teve um ataque cardíaco. Já sofria do coração e estava tão excitada, tão contente, por participar na mini, que teve o ataque cardíaco”.

"Não podemos, na realidade, dizer que este tipo de exercício faz mal à saúde. A probabilidade de haver eventos cardíacos - sobretudo morte súbita - durante uma maratona é muito baixa."
Diogo Cavaco, cardiologista e membro da direção da Sociedade Portuguesa de Cardiologia

O interno de Medicina Física e Reabilitação, Miguel Reis Silva, não responde à pergunta sem antes definir a palavra saudável: “A definição de saudável é a de um completo bem-estar físico, mental e social e não a mera ausência de doença”. Enquadramento feito, afirma convicto: “Correr maratonas contribui de uma forma positiva para todos estes componentes de saúde”.

Apesar de também admitir “riscos”, Miguel Reis Silva acredita que “existe um alarmismo desnecessário relativamente ao assunto”. E para ajudar a colocar em perspetiva o risco de correr uma maratona, socorre-se dos números do National Safety Council americano que apontam para: “Uma morte em cada 100.000 pessoas que frequentam discotecas; uma morte por engasgamento em cada 100.000 pessoas e 16 mortes em acidentes de viação por cada 100.000 pessoas com carta de condução”. Refere ainda um outro estudo que concluiu que é mais alto o número de mortes por acidentes de viação que se previnem ao cortar estradas por causa das maratonas nos Estados Unidos, do que o número de mortes de atletas durante as mesmas.

"Definição de saudável é a de um completo bem-estar físico, mental e social e não a mera ausência de doença. Correr maratonas contribui de uma forma positiva para todos estes componentes de saúde."
Miguel Reis Silva, médico de Medicina Física e Reabilitação

Também o “Cardiac Risks Associated With Marathon Running“, de 2010, se refere ao aumento do risco de morte súbita durante uma maratona como “pequeno e transitório” — 120 vezes inferior ao risco que se vive durante uma vida em geral (no dia-a-dia). Mais: “Correr a Maratona de Londres em quatro horas tem um risco equivalente a conduzir uma mota durante duas horas, andar de bicicleta durante 10 horas ou estar dentro de um carro ou num voo durante 28 horas”, acrescentam os autores.

Já o grupo de investigadores que analisou os 10,9 milhões de corredores em meias maratonas e maratonas nos EUA entre 2000 e 2010 chegou a uma incidência de mortes por paragem cardíaca de 0,39 por cada 100.000 atletas (“Cardiac arrest during long-distance running races”). Outros estudos apontam entre 0,54 e 2,1 mortes súbitas por cada 100 mil atletas, no caso específico das maratonas.

Do coração para as pernas, mesmo ao nível das lesões, que é a sua área, Miguel Reis Silva afirma que “não são assim tão significativas”. O mais comum são tendinopatias — da rótula e do Tendão de Aquiles -, mas lesões mais graves como “meniscopatias e roturas de ligamentos não existem na corrida”.

Quem também parece não ter dúvidas das vantagens de correr uma maratona é Aníbal Ferreira, presidente da Sociedade Portuguesa de Nefrologia: “É claramente um objetivo saudável e bom”. “Correr uma maratona faz bem à saúde porque temos um objetivo e isso implica que haja pelo menos seis meses a um ano de preparação física e psicológica, de hábitos alimentares saudáveis e hidratação que levam a que a pessoa se sinta bem.”

Mas, alerta o médico especialista em saúde dos rins, “o importante é dizer que não é saudável para toda a gente”. “As pessoas deviam fazer uma avaliação prévia cardíaca e de reserva renal (capacidade do rim funcionar em funções de stress) e perceber que representa um momento de grande stress para muitos órgãos que estão em situação de isquémia grave”. Ou seja, que estão com um fluxo de sangue e oxigénio inadequado.

"Correr uma maratona é claramente um objetivo saudável e bom. Há várias pessoas com insuficiência renal aguda ou crónica agudizada depois de maratonas. Mas, per si, uma corrida numa pessoa saudável permite uma recuperação integral."
Aníbal Ferreira, presidente da Sociedade Portuguesa de Nefrologia

Durante a prática da atividade física, neste caso da corrida, o débito cardíaco passa dos 5 litros por minuto (em repouso) para os 25 litros por minuto e os músculos roubam sangue aos outros órgãos, como se pode confirmar na imagem seguinte. No caso dos rins, por exemplo, durante o exercício esses recebem apenas três a quatro por cento do fluxo de sangue, enquanto que, em repouso, recebem 15%. Para quem já tem problemas de saúde (por vezes ocultos) pode trazer riscos graves.

Além disso, “se forem feitas análises aos maratonistas, no final da prova, mais de 90% têm níveis de CK (Creatina Quinase – uma enzima libertada pelo músculo esquelético) muito elevados e vão eliminá-la no rim. Associado a desidratação pode haver insuficiência renal aguda”, atesta o médico do Curry Cabral. “Há várias pessoas com insuficiência renal aguda ou crónica agudizada depois de maratonas. Mas, per si, uma corrida numa pessoa saudável permite uma recuperação integral, se não for diabético, hipertenso, nem tiver insuficiência renal e se não tomar analgésicos.”

Os níveis de CK não são os únicos a ficar alterados quando se corre uma maratona. Alguns estudos apontam para um aumento dos marcadores Tn I — uma proteína da célula muscular cardíaca cuja presença no sangue indica lesão celular com libertação para a corrente sanguínea — e BNP (Brain Natriuretic Peptide) — proteína que é libertada pelo coração como resposta a estiramento das células cardíacas (um marcador de insuficiência cardíaca). “A deteção destas substâncias (em pequeníssimas quantidades) em desportos de elevada intensidade tem significado duvidoso, mas pode apontar, de facto, para algum grau de sofrimento da célula muscular durante o exercício”, admite Diogo Cavaco.

Almeida Nunes, médico de medicina interna e ex-corredor de fundo, tem uma visão menos cor de rosa da corrida de fundo. Embora considere que a “preparação para a maratona já pressupõe algo benigno”, entende que “correr a maratona não é o ideal”. “É um desafio. Se o entendermos como tal, ótimo. São medalhas que as pessoas têm em casa e no seu percurso de vida. E têm o direito de o fazer. Mas se me perguntar: isto é saudável? Decisivamente não”, afirma o médico ex-praticante de corrida de fundo, revelando que ele próprio tem tido episódios de fibrilhação auricular (perda da função mecânica auricular que leva à estagnação do sangue e à formação de coágulos nas aurículas, responsável por 5% dos AVC), decorrentes da excessiva prática.

"A maratona não é o ideal. É um desafio. Se o entendermos como tal, óptimo. São medalhas que as pessoas têm em casa e no seu percurso de vida. Mas se me perguntar: isto é saudável? Decisivamente não."
José Carlos Almeida Nunes, médico de Medicina Interna

É que, fora o risco imediato de resposta hipertensiva desadequada ou arritmia durante a prova que pode conduzir à morte de quem não está tão preparado, há um “risco a la longue”. Segundo Almeida Nunes, o treino, sobretudo o cardiovascular, acumula-se ao longo dos anos e, “grosso modo, a partir das 20 mil horas de corrida há o risco de aparecerem determinado tipo de arritmias” em indivíduos predispostos geneticamente para tal, como a fibrilhação auricular, que é aquela que se sente em repouso. “A corrida é o principal fator porque é aquela que, durante mais tempo, leva o indivíduo a uma frequência cardíaca elevada e em que há uma ativação do sistema nervoso simpático de uma forma permanente.” O mesmo se aplica à natação e ao ciclismo, acrescenta.

Uma série de estudos no passado também apontaram para o aumento das placas de arterosclerose nas artérias coronárias (calcificação coronária) nos corredores de fundo, mas entretanto outros investigadores dedicaram-se ao tema — investigadores da Radboud University na Holanda e cardiologistas da Universidade St George em Londres, por exemplo — e os resultados dos seus trabalhos apontam para uma morfologia das placas mais benigna do que as das pessoas que se exercitam menos, o que, segundo o líder do projeto no Centro Médico Universitário de Radboud, Vincent Aengevaeren, pode “explicar o típico aumento de longevidade dos atletas de resistência não obstante a presença de mais placas ateroscleróticas em coronárias”.

O que é morte súbita?

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Designa-se de morte súbita à morte por paragem cardíaca, por fibrilhação ventricular, que ocorre menos de uma hora depois do início de sintomas e de forma inesperada. Basicamente o coração fica a bater demasiado rápido — mais de 300 batimentos por minuto – e não tem contração eficaz, deixando de bombear sangue para o cérebro e para os órgãos, explica o cardiologista Diogo Cavaco. Se a pessoa for desfibrilhada logo nos primeiros minutos do episódio agudo consegue reverter a situação. A isso se chama morte cardíaca abortada.

E um estudo do final de 2017, publicado na Medicine & Science in Sports & Exercise, olhou para 50 homens experientes que correram maratonas durante 26 a 34 anos e completaram entre 27 e 171 maratonas, e chegou à conclusão que a calcificação das artérias coronárias está mais relacionada com os fatores de risco do que com o número de maratonas executadas ou os anos de corrida.

Foi também publicado em 2012 um outro estudo (“Marathon-related cardiac arrest”) cuja conclusão é a de que a incidência de paragens cardíacas e mortes súbitas por 100 mil horas de corrida era de 0.2 e 0.14, respetivamente. Sendo que os homens maratonistas são os que mais expostos estão ao risco de paragem cardíaca. E a morte súbita verifica-se mais em jovens e sem risco cardiovascular diagnosticado anteriormente. A principal explicação, segundo os autores do “Cardiac Risks Associated With Marathon Running”, terá que ver com o tipo de doença: no caso dos mais jovens normalmente a causa é miocardiopatia hipertrófica e nos mais velhos é doença coronária isquémica (enfarte), que responde melhor a tentativas de ressuscitação, reanimação.

Correr uma maratona ou ficar pelas corridas mais curtas?

E é a pensar nos riscos a longo prazo que Almeida Nunes apela ao “bom senso” e defende um “meio termo em relação à duração da corrida”. “Não sou um defensor da maratona. Para quem gosta de correr, os 10km são uma boa distância.”

Também Carlos Móia, presidente do Maratona Clube de Portugal, que herdou, do passado competitivo de maratonas, mazelas nos joelhos, acredita que “quem está habituado a correr não deveria fazer mais do que uma maratona por ano” e, “a certa altura, deve parar porque é um desgaste muito grande”. Por isso, a aposta de Móia vai para o ritmo mais lento e distâncias mais curtas: “O nosso lema é a longevidade. Venham caminhar”.

"Não sou um defensor da maratona. Para quem gosta de correr, os 10km são uma boa distância."
José Carlos Almeida Nunes, médico de Medicina Interna

Já o cardiologista Diogo Cavaco parece não ter dúvidas quanto aos benefícios do exercício em geral. “As pessoas que praticam desporto vivem mais anos e com mais saúde porque adotam todo um estilo de vida mais saudável e têm menos probabilidade de desenvolver uma série de problemas como hipertensão, colesterol, excesso de peso, que são fatores de risco” para a saúde cardiovascular.

E Diogo Cavaco garante que “isto [os benefícios] é verdade para desporto moderado, mas também para quem faz desporto de forma mais intensa”. Para suportar a afirmação, o especialista refere um estudo feito junto de corredores da Volta a França “que concluiu que os ciclistas profissionais vivem mais anos”, citou o cardiologista, sem deixar de alertar para o “enviesamento” de que deu nota: “Estes são os mais saudáveis dos mais saudáveis. São desportistas de elite”. Ainda que entenda que “quem não faz nem nunca fez nada não será a melhor das ideias fazer um destes desportos de maior intensidade”.

"As pessoas que praticam desporto vivem mais anos e com mais saúde. Isto é verdade para desporto moderado, mas também para quem faz desporto de forma mais intensa."
Diogo Cavaco, cardiologista e membro da direção da Sociedade Portuguesa de Cardiologia

Quem também não tem dúvidas sobre a mais-valia da corrida e da adaptação do corpo humano à corrida, inclusive das provas de longa distância como a maratona, é o médico (e atleta) Miguel Reis Silva. “A espécie humana é fruto de milhões de anos de evolução e a caça por persistência, envolvendo esforço intenso e prolongado de perseguição em corrida, foi parte integrante dessa evolução. Não é fruto do acaso o facto de o ser humano ter excecionais adaptações anatómicas e fisiológicas à corrida.”

Benefícios genéricos do exercício à parte, quando questionado sobre a melhor opção em termos de saúde: correr maratonas e outras provas de longa distância ou correr distâncias menores, Miguel Reis Silva responde que “comparativamente a correr provas de 10.000 metros, correr a maratona provavelmente não traz benefícios em saúde adicionais nem riscos acrescidos, se cumpridas as regras de segurança”.

Deixando claro que “não existe um volume absoluto de corrida que a torne um risco. Não existe nenhum limite superior de exercício saudável definido”. O risco, acrescenta, aumenta não com a distância percorrida mas antes “com os incrementos súbitos de volume de treino”. “O que causa lesões não é a quantidade absoluta de exercício que se faz mas sim o quão abruptas são as transições de volume.”

"O que causa lesões não é a quantidade absoluta de exercício que se faz mas sim o quão abruptas são as transições de volume. Não existe nenhum limite superior de exercício saudável definido."
Miguel Reis Silva, médico de Medicina Física e Reabilitação

Também Pedro Teixeira, diretor do Programa Nacional para a Promoção da Atividade Física, da Direção Geral de Saúde, afirma que “do ponto de vista da evidência científica, não há diferenças substanciais quer nos riscos que nos benefícios”, quando se compara os 10km com a maratona, por exemplo. Sendo que, sublinha o mesmo dirigente, “do ponto de vista da saúde pública, é muito mais interessante ter pessoas a treinar regularmente, mesmo que isso implique uma lesão ou duas por ano, porque sabemos que vai passar meses e meses a treinar e a alimentar-se melhor”. E esta é a rotina de quem treina para correr maratonas, daí que o especialista defenda a ideia de que correr uma maratona “faz bem à saúde”.

"Temos benefícios em saúde pública inestimáveis. É por isso que fico reticente quando vejo o potencial para sobrevalorizar o risco destas provas, sobretudo por pessoas que não conhecem a atividade física."
Pedro Teixeira, diretor do Programa Nacional para a Promoção da Atividade Física

“Se multiplicarmos isso por milhões de pessoas em todo o mundo temos benefícios em saúde pública inestimáveis. É por isso que fico reticente quando vejo o potencial para sobrevalorizar o risco destas provas, sobretudo por pessoas que não conhecem a atividade física. Corremos o risco de deitar fora o bebé com a água e este bebé é muito importante. Não é fácil aumentar o nível de atividade física de uma população.”

Atenção às progressões abruptas, hidratar e parar, se for caso disso

E esse é precisamente um dos principais conselhos que os especialistas a quem pretende começar a correr provas de longa distância: não querer correr tudo de uma vez e de um dia para o outro. De acordo com o guia que será brevemente publicado pela Direção Geral da Saúde (DGS), precisamente focado na proteção da saúde do corredor recreativo — segundo um estudo recente da Faculdade de Motricidade Humana, os corredores recreativos são cerca de 10,6% dos inquiridos –, “a recomendação mais importante é que os estreantes, se forem geralmente saudáveis, iniciem a sua atividade física/prática de corrida através de exercício físico ligeiro a moderado (por exemplo, incluindo períodos de marcha entre a corrida) e progridam durante 2 a 3 meses para exercício/corrida vigoroso/a, se assim entenderem”.

Além desta dica, há quem também defenda um exame médico antes de se começar a praticar corrida e, sobretudo, antes de se participar em provas de maior exigência como uma maratona. Para o cardiologista Diogo Cavaco, “não deve ser iniciado um programa de atividade desportiva sem a pessoa ser avaliada por um médico que tenha alguma experiência em medicina desportiva ou cardiologista”. Isto porque, explica, a pessoa “pode ter alguma doença cardiovascular que não conhece e para a qual possa ser perigoso iniciar uma prática desportiva”. O médico de Santa Cruz recorda que “a partir dos 35 anos a causa mais frente de problemas do desporto é a doença coronária” e para quem fez os exames todos e é saudável o conselho que deixa é: “Começar lentamente”.

Também José Carlos Almeida Nunes entende que “ninguém com mais de 40 anos deve fazer uma prova de fundo sem ter feito um exame médico que deve englobar uma prova de esforço, porque permite perceber se há algum problema cardíaco e qual a tensão arterial que o indivíduo expressa durante o esforço”.

"Ninguém com mais de 40 anos deve fazer uma prova de fundo sem ter feito um exame médico que deve englobar uma prova de esforço porque permite perceber se há algum problema cardíaco e qual a tensão arterial que o indivíduo expressa durante o esforço."
José Carlos Almeida Nunes, médico de Medicina Interna

Porém, as recomendações atuais do American College of Sports Medicine, indicam que indivíduos sem doenças cardiovasculares, metabólicas ou renais conhecidas, e sem sintomas sugestivos destas patologias, não precisam de ser avaliados por um médico antes de se iniciarem num programa de exercício. E mesmo os que apresentam sintomas mas já costumam praticar exercício não têm de se submeter a exames.

E é exatamente para esse algoritmo atualmente seguido em todo o mundo que Pedro Teixeira aponta para sublinhar a importância de não serem adotadas “medidas preventivas desproporcionadas” sob risco de “criar barreiras e afastar pessoas da prática da atividade física”.

“Temos de encarar esses cuidados de uma forma relativamente liberal e menos conservadora porque as pessoas são as melhores conhecedoras do seu corpo e encontram o seu ritmo.”

Ainda na lista de conselhos numa fase pré-maratona o destaque vai para a hidratação (alimentação também é importante com reforço dos hidratos de carbono a começar um ou dois dias antes da prova). No dia anterior a uma prova deve haver uma hidratação mínima de dois a três litros de água.

E essa importância da hidratação estende-se para o período durante a prova e pós-maratona, enfatiza o nefrologista Aníbal Ferreira: “Durante a corrida os postos de abastecimento já estão preparados para dar cerca de um litro durante a corrida. Mas essa necessidade de hidratação não acaba com a corrida porque depois da corrida ficam em circulação proteínas que resultam da fusão muscular e que são eliminadas pelos rins e a água diminui a concentração urinaria desta enzima”. Por isso, remata o médico, “nas 48 horas a seguir a uma corrida o atleta deve beber, pelo menos, quatro litros de água por dia em cada um dos dois dias”.

"A necessidade de hidratação não acaba com a corrida porque depois da corrida ficam em circulação proteínas que resultam da fusão muscular e que são eliminadas pelos rins. Nas 48 horas a seguir a uma corrida o atleta deve beber, pelo menos, quatro litros de água por dia em cada um dos dois dias."
Aníbal Ferreira, presidente da Sociedade Portuguesa de Nefrologia

Carlos Móia, com experiência de corrida e de organização de corridas, garante que “as pessoas não têm a noção que em todos os pontos de abastecimento devem beber água, líquidos isotónicos, e até fruta. Muitas não consomem durante a corrida porque não estão habituadas. Sobretudo na mini-maratona, em que as pessoas não estão preparadas e vão andar e brincar, não bebem e acabam por se sentir mal“.

Mas não é só nas mini que ocorrem problemas desses. Muitas são as pessoas que acabam por sentir-se mal durante as provas de corrida mais longas — vómitos, desmaios, tonturas.

Que o diga o atleta federado de triatlo Fábio Pratas. As maratonas até já as corre bem, mas aos 30 anos dedicou-se ao triatlo longo e, nos últimos três anos, completou, a grande custo, seis provas do campeonato nacional e teve duas participações em provas na distância Ironman (1,9 km de natação, 90,1 km de bicicleta e 21,1 km de corrida). Não houve uma prova em que não tivesse ficado enjoado. Numa das provas Ironman desistiu. “Na segunda metade de prova comecei com vómitos, mas consegui gerir o esforço e terminar. Foram 15h de prova onde as últimas sete foram a seco, sem qualquer hidratação. Quando terminei eu próprio fui ao posto médico da prova, o enfermeiro de serviço queria-me encaminhar para um hospital mais próximo, mas eu recusei e foi-me sugerido administração de soro. No dia seguinte o corpo recuperou”, relata ao Observador.

"Foram 15h de prova onde as últimas sete foram a seco, sem qualquer hidratação. Quando terminei eu próprio fui ao posto médico da prova, o enfermeiro de serviço queria-me encaminhar para um hospital mais próximo, mas eu recusei e foi-me sugerido administração de soro. No dia seguinte o corpo recuperou."
Fábio Pratas, 33 anos, atleta de triatlo federado

O atleta de Almada fez o que os médicos desaconselham para um corredor comum. Almeida Nunes é claro: “Um indivíduo que está a correr, não por competição, e começa a ficar com náuseas deve fazer o resto a pé. Isso é sintoma de acidose láctea e se a pessoa não para pode haver lesão não regressiva de algum órgão”.

Para o nefrologista Aníbal Ferreira nem é preciso chegar ao ponto da náusea: “Para quem não está a competir, é aconselhável, seguramente, parar de 10 em 10 quilómetros para a irrigação sanguínea e oxigenação dos músculos”.

"Um indivíduo que está a correr, não por competição, e começa a ficar com náuseas deve fazer o resto a pé. Isso é sintoma de acidose láctea e se a pessoa não para pode haver lesão não regressiva de algum órgão".
José Carlos Almeida Nunes, médico de Medicina Interna

Mantendo a tónica nos rins, o nefrologista chama a atenção para a toma de anti-inflamatórios não esteróides (como diclofenac, ibuprofeno, naproxeno, nimesulida). “No pós-maratona, por vezes, as pessoas têm dores articulares e musculares e há muita tendência de tomar anti-inflamatórios e é muito trágico para os rins. O conselho é não fazer anti-inflamatórios nas 48 horas seguintes. No máximo podem fazer paracetamol.”

E ainda no campo da hidratação, um outro cuidado: o excesso de água. Já houve, aliás, maratonistas a morrerem de hiponatremia, situação em que o nível de sódio no sangue é muito baixo por causa de um excessivo consumo de líquidos, insuficiência renal, insuficiência cardíaca, cirrose e uso de diuréticos. E os sintomas resultam de disfunções cerebrais.

Dos rins para o coração, o cardiologista Diogo Cavaco alerta para os sinais a que se deve estar atento durante uma prova destas: “Cansaço extremo, dor no peito, sensação de desmaio, palpitações, deixar de ver, sensação de desfalecimento. Nesse caso deve-se parar, desistir e chamar ajuda. Muito, muito importante é que toda a população esteja alerta para esta situação e se alguém se sentir mal há muitas coisas que podem ser feitas: ativação dos serviços de emergência o mais rapidamente possível e o suporte básico de vida antes de chegar ajuda porque isso aumenta a sobrevida das pessoas em paragem cardíaca”.

Não fatais, mas também dolorosas são as lesões de sobreutilização (como a “canelite”, a tendinopatia do tendão de Aquiles, a fasceíte plantar e a tendinopatia do tendão rotuliano) e aí também se pode prevenir sendo, segundo a DGS, muito “importante o fortalecimento muscular específico dos músculos estabilizadores da anca (abdutores e rotadores externos) e do denominado core”. “O fortalecimento muscular excêntrico comprovadamente diminui a sintomatologia nos casos de tendinopatias dos tendões de Aquiles e rotuliano.”

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