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Danceterias, frutarias, e festas de aldeia. Estivemos atrás do palco com quatro artistas portugueses

É possível viver da música sem se chamar Tony Carreira? Para perceber, andámos com Augusto Canário, Jessica Portugal e Ricardo & Henrique na estrada. E na danceteria. E na frutaria.

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A dupla que Ediberto Lima juntou no Big Show Sic — e o Aníbal que passou a Henrique

Hey, passa a noite comigo
tira-me este castigo
e esta loucura que me invade
Hey, dá-me mais do que um beijo
mata-me este desejo
senão eu morro de vontade de ti

Chamavam-lhe Nibinho quando começou a cantar, na casa de fados O Cravo, na Venda do Pinheiro, tinha apenas 3 anos. Nascido em Lisboa, mas criado no Bairro do Zambujal, em Loures, diz que não foi por vontade própria que subiu ao palco: o pai cantava, a mãe também, até a avó, não tivesse tido o percurso travado por um repente durante uma entrevista, na Emissora Nacional, teria dedicado a vida à música. “O tipo pôs-lhe a mão na perna, por baixo da mesa, a minha avó deu-lhe com a mala na tromba e pronto, acabou-se ali a carreira”, conta o neto, que de Nibinho passou a Henrique e hoje, aos 41 e já de forma voluntária, em vez de fados canta “música romântica”.

“Nem nome de jeito para cantar tenho: Aníbal Henriques… Aníbal não dava, fiquei Henrique. Hoje já nem os meus amigos me chamam pelo meu nome. Assim que saio de casa sou um personagem. Estou um bocado cansado disto, farto desta exposição, a nossa vida é uma profissão a tempo inteiro. Não consigo ir descansado ao supermercado sem que haja alguém a olhar para mim e a cochichar. Tenho um sonho, formar-me em floricultura e jardinagem”, desabafa o artista, segunda metade de uma dupla prestes a comemorar 18 anos de carreira.

Henrique diz que não tem privacidade, porque todos o reconhecem na rua: "Estou um bocado cansado disto"

HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR

Ricardo Velho, 38 anos, é a parte que falta. Sentado ao lado do co-cantor, numa das salas de reuniões da Espacial, a maior editora de música popular portuguesa, teve mais sorte e pelo menos pôde manter o nome — Ricardo & Henrique foi como Ediberto Lima, em 1999, convencionou batizar a parelha, que reuniu no histórico Big Show SIC, e enviou depois para o Brasil, para gravar o primeiro disco.

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Apesar de ter crescido na Mouraria, Ricardo nunca ligou ao fado — o que não quer dizer que não se chateia quando Mariza, com quem andou na escola, supostamente vira a cara para outro lado quando passa por ele: “Finge que não me conhece!”. Começou a cantar aos 18 anos, em karaokes, por gosto e sem receber dinheiro. E nem sequer fazia grande alarde disso, garante na terceira pessoa do singular: “Os meus colegas nem imaginavam que o Ricardo cantava”.

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Nome Aníbal Henriques
Nome artístico Henrique
Idade 41

Nome Ricardo Velho
Nome artístico Ricardo
Idade 38

Álbuns 7
Editora Espacial
Facebook 3.085 seguidores
Maior êxito “Hey”

Foi num bar nas Docas, em Lisboa, que conheceu Aníbal, que na altura já tinha deixado a escola, com o 10.º ano a meio, e andava a “fazer bailaricos” com uma banda chamada Moídos e Enjoados: “Só sabíamos meia dúzia de acordes, tocávamos sempre o mesmo”. Em palco, lutaram por uma garrafa de whisky, Ricardo cantou “I believe I can fly”, de R. Kelly, Aníbal “Wonderful Tonight”, de Eric Clapton. Acabaram por ganhar os dois: um convite da produção do programa da SIC para participarem no concurso “Cantor Caloiro”, que todas as semanas dava 100 contos ao vencedor.

Uma novela portuguesa tem um casal gay chamado Ricardo e Henrique: "Estamos a pensar mudar de nome para RH"

HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR

Não se deram logo bem. “Quando vi o Ricardo pela primeira vez pensei logo que o gajo tinha a mania que era pintas. Agora ainda tem, só está mais sofisticado”, atira Aníbal. “Um gajo quando é artista tem de ser humilde, mas este gajo exagera”, devolve Ricardo.

Apesar de terem muitas semelhanças — cortes de cabelo da moda, jeans justos e rasgados, t-shirts coladas aos torsos desenvolvidos à custa de muito ginásio e de aulas de muay thai –, percebe-se rapidamente que o que os separa é muito. Aníbal conduz um Volkswagen Golf de 1990, daqueles que já nem podem circular no centro de Lisboa, Ricardo orgulha-se do seu BMW 320 descapotável: “Eu gosto de viver, se tiver de gastar dinheiro, gasto. O Henrique é mais poupado, mais discreto. Até em palco: eu sou mais tcharan, ele é mais calmo. Ele é mais terra, eu sou mais sonhador. E ainda bem que é assim, se fôssemos iguais já estávamos mortos”.

Em comum têm as origens humildes e o caminho que começaram a trilhar há quase 18 anos, quando o produtor do programa que juntava João Baião e macaco Adriano aos saltos nas tardes de sábado na SIC os contratou para formarem dupla.

Ricardo tinha 20 anos, Aníbal, rebatizado Henrique, 23. Nem um nem outro tinham posto um pé fora do país sequer, quanto mais andado de avião. Assim que Ediberto Lima lhes acenou com duas passagens para o Brasil e lhes disse que tinham de deixar de trabalhar, que iam ser artistas, demitiram-se (um era chefe de manutenções, outro estafeta) e puseram-se a caminho.

“A meio da viagem tive vontade de ir à casa de banho. Aquilo nos aviões é diferente, não há autoclismo, carrega-se num botão e a sanita abre. Quando ouvi aquele barulho todo comecei aos gritos, vieram os hospedeiros e tudo, achava que tinha aberto a porta do avião, passei cá uma vergonha”, recorda Ricardo.

Antes de jantar, a banda faz o check sound no palco principal de Tabuado

HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR

Do outro lado do Atlântico, onde foram jocosamente apelidados de “Manel e Joaquim”, aprenderam a cantar no modo sertanejo que ainda hoje os caracteriza, com muitos gritos de “tira o pé do chão” e a repetição dos próprios nomes no meio das músicas — “Ricardo & Henrique e você” –, e gravaram o primeiro álbum. “Chegámos a disco de platina, vendemos mais de 60 mil. Vimos a Xuxa, o Lenine, os Raimundos, o Gabriel o Pensador e o Alexandre Pires.”

Durante alguns anos, deram uma série de concertos, apareceram na televisão e receberam um salário mensal pago por Ediberto Lima. Depois, a lua de mel acabou e acabaram por afastar-se do produtor, em litígio: “Fomos feitos para durar três anos, não mais do que isso. Enganaram-se, ainda cá andamos. De uma coisa temos a certeza: toda a gente sabe quem é o Ricardo & Henrique! Abrimos Luan Santana no Coliseu do Porto. É milionário, tem um jato privado, disse-nos que se estivéssemos no Brasil éramos um fenómeno. Porque é que não somos aqui? Porque não conhecemos as pessoas certas”.

Não será bem assim: com cerca de 3 mil seguidores na página oficial de Facebook e 839 subscritores no YouTube, a dupla, que chegou a parar entre 2006 e 2010 e tem sete álbuns editados, incluindo um best of e outro ao vivo, no Tivoli, nunca alcançou um sucesso viral — e tem noção disso.

Em novembro fazem 18 anos de carreira. E as frustrações vão-se acumulando, desabafam ao Observador. A culpa não é deles, muito menos da sua música, mas invariavelmente do establishment, feito de lobbies, compadrios e likes e visualizações comprados nas redes sociais: “Sei que 200 euros podem dar direito a 500 mil views. Olha, estás a ver aquela música ‘A seita tem um radar, que apanha tudo no ar, na seita não há papão, tudo tem explicação’? Essa música tem uma mensagem subliminar, é mesmo assim que funciona a música em Portugal, é uma seita”.

Não passam nas rádios nacionais? É porque não conhecem ninguém influente nem têm dinheiro para pagar a entrada: “Se o Diogo Piçarra, os Amor Electro e os HMB passam… à Ana Bacalhau ninguém chama pimba. Por que será?”

Nunca foram convidados a participar na banda sonora de uma telenovela? Preconceito puro: “Temos um tema que é idêntico ao do Salvador Sobral, o “Lua”. Porque é que nunca houve uma música de Ricardo & Henrique numa novela?! São sempre os mesmos a aparecer, há muitos lobbies, muitas cunhas. Nós, porque somos Ricardo & Henrique, somos pimba. Mas se nos chamássemos RH já não éramos! Estamos a pensar seriamente em mudar para RH”, escandaliza-se Ricardo.

Henrique confirma: estão mesmo. E muito por culpa de uma novela, atualmente a passar em horário nobre, que tem um casal homossexual com os seus nomes: “No ‘Amor Maior’, da SIC, há uma dupla gay em que eles se chamam Ricardo e Henrique! Estão a aproveitar-se do nosso nome e da nossa marca! Alguma vez viste personagens de novela com um site? Pois, eles têm! Não tem nada a ver com homofobia, só não é justo que se aproveitem assim”, desabafa Ricardo, sentado na parte traseira da carrinha Mercedes que os transportou, a eles e à banda que os acompanha na estrada, até Tabuado, Marco de Canaveses, onde daí a umas horas vão atuar nas festas em honra de Santo António. “Ainda agora fomos tocar aos Estados Unidos, a Newark, e toda a gente pensava que éramos gays!”, acrescenta Henrique.

"Tou Fora", "Hey" e "Tá Maluca" são os três maiores êxitos da dupla romântica

HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR

Lá fora, à mercê do calor abrasador da tarde, Pedro Teixeira (baixo), Rafael Lino (guitarra acústica), Miguel Marques (baterista), Cláudio Pina (teclas) e Pedro Moreira (guitarra solo e diretor musical) descarregam a carrinha de nove assentos estilo avião, com mesa ao meio e tomadas nas portas laterais. Ricardo e Henrique descansam e refrescam, com chá de gengibre para a garganta e ar condicionado no mínimo, para não dar cabo dela: “Se não ajudamos a levar as coisas para o palco? Não há muitos artistas que viajem com os músicos, posso garantir-te”.

Também não haverá muitos com fãs tão dedicadas como Conceição Serôdio, 53 anos, que há quatro marca férias no centro de saúde de Benfica onde trabalha em função das datas dos concertos da dupla — sem ganhar absolutamente nada por isso. “A São faz isto de coração. Decidimos convidá-la a ela por ser mais experiente, às vezes as fãs mais novas podem ser mais complicadas, podem ficar com ideias erradas”, tinha explicado horas antes Ricardo, durante uma paragem para cafés, gelados e cigarros na área de serviço da Mealhada.

Na estrada, São (“mami”, para Ricardo) é assistente e fotógrafa, fora dela gestora de redes sociais e presidente do clube de fãs. “Já temos quase 100 membros. A inscrição custa 10 euros e depois a quota é de 5 euros por ano. Costumo organizar jantares quando eles fazem anos, no concerto do Tivoli os sócios — que não são só mulheres, também há homens — tiveram direito a lugares lá à frente e a estar com eles no final; tento fazer sempre coisas diferentes”, explica. “As minhas amigas e a minha família acham bem, entretenho-me, é melhor do que estar em casa.”

É ela quem ajuda os artistas quando, por volta das 23h00 e depois de um jantar digno de estrelas da música popular portuguesa — grelhada mista da praxe para a banda, bife de vitela para os cantores: “Não como carne de porco, faz-me mal à pele”, explicou Ricardo –, começam a preparar-se para subir ao palco.

Henrique e Ricardo com a banda que os acompanha desde 2005

HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR

Antes, entre os músicos que os acompanham há 12 anos (Rafael Lino, de 24, é a excepção, foi contratado recentemente para substituir o anterior guitarra acústica, um sargento da brigada de trânsito da GNR que os deixou para integrar a banda da Igreja Maná), tinham estado a cantar à capela, para exemplificar a qualidade e o entrosamento vocal. “Eles são mesmo bons, cantam mesmo bem juntos, não é como muitos que aí andam. Em estúdio todo o cão ladra, todo o cão canta”, garantem os colegas, com quem ensaiam uma média de três vezes por ano e que só acompanham a dupla nos concertos maiores — ou contratados por comissões de festas mais abonadas.

“Muito poucas pessoas conseguem viver só da música em Portugal. E alguns conseguem, mas vivem mal. Dentro da banda temos um trio de jazz, um que é mais do rock, outro especialista em danças tradicionais europeias, estilo Andanças. Quase todos damos aulas em colégios, escolas de música, alguns também tocam com as Bombocas… Estamos com eles há 12 anos porque nos damos todos muito bem e pelo dinheiro, claro. Agora, este estilo não é a praia de ninguém.”

Nem sequer é a praia dos próprios artistas, que andam há anos a tentar convencer Francisco Carvalho, gerente da Espacial, a deixá-los enveredar por outras sonoridades: “Pimba não existe, existe música popular portuguesa — boa e má. As nossas músicas não são pimba, temos histórias muito bonitas, com poemas lindos. Queremos fazer outras coisas mas se a editora pegou em nós com um conceito, temos de o seguir. E fazer um pouco de tudo. Há um ano era kizomba, agora hip hop, qualquer dia volta a música romântica. O que está na moda é o que vende e se queremos ganhar dinheiro, fazemos”.

São Serôdio gasta todos os dias de férias a acompanhar a dupla na estrada -- não ganha um cêntimo

HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR

Como o resto da banda, também Ricardo, pai de um rapaz de 8 anos, e Henrique, de uma rapariga de 13, recusam dizer quanto ganham ao certo com cada espetáculo — ao longo de 2017 vão dar 40, em Portugal e para comunidades de emigrantes no estrangeiro, mais sem banda do que com. “Não posso dizer que estou bem financeiramente, mas também não estou mal. Acordo todos os dias e agradeço a Deus. Muita gente com a nossa idade gostava de estar onde nós estamos”, diz Ricardo. “Tenho pena dos jovens que vêm para isto e acham que vão ficar ricos”, avisa Henrique.

Dizem que já ganharam bem mais, no tempo em que as presenças na televisão eram remuneradas e a venda de CD representava efectivamente uma fonte de rendimento. “Estamos desde o início no ‘Somos Portugal’, só pagam as despesas e mais nada. Mas agora já fazemos pré-fecho. Fazer a abertura é bom e a última meia hora também. Os que vão no período do fosso não vão lá fazer nada, nem sequer falam com os artistas, não acho isso bem”, diz Henrique. “O nosso sucesso é no palco, não é na televisão. Chegamos lá acima e damos tudo e é disso que o público gosta. Não somos grandes bailarinos mas temos feeling, é o que é preciso para dar espetáculo. Há uns anos, o Henrique tinha dois tijolos nos pés, agora está melhor”, espicaça Ricardo.

Garantem que, por mais uns trocos, não vale tudo: “Recusámos ir ao ‘Love on Top’. De resto, somos uma dupla versátil, fazemos tudo, desde música romântica a reggae, passando por country e arrochas [segundo a Wikipédia um género brasileiro que mistura a música brega com a romântica]”. E explicam que vão equilibrando as contas com os patrocínios diretos que têm conseguido angariar ao longo dos anos: fazem exercício e penteiam-se sem pagar num ginásio e num cabeleireiro, ambos na Póvoa de Santa Iria, e são vestidos também de forma gratuita por uma loja de roupa de Setúbal.

Antes de trocarem de roupa, os artistas perfumam-se e vaporizam os ténis com spray desodorizante

HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR

Há dois palcos montados no Largo Capelas, mesmo no centro de Tabuado, a freguesia de 1.375 habitantes onde Ricardo & Henrique vão atuar dentro de escassos minutos. É só acabar o “Despacito”, versão castelhano macarrónico, que decorre no palco número um; despachar os fogos de artifício, de acordo com a dupla, aquilo que as pessoas realmente anseiam por ver e ouvir em tudo o que são festas populares no norte do país; e então sim, já depois da meia-noite, será a vez de se ouvir “Façam Barulho”.

À vez, ainda antes de trocarem de roupa, fazem uma série de flexões no chão do camarim, de dois metros por cinco, mobilado com um espelho, um par de cadeiras e uma mesa, onde foram depositadas as “exigências” dos artistas: cesto com laranjas, maçãs e bananas; pacotes de sumo de tutti-frutti; garrafas de água e sanduíches embaladas em celofane. Depois, e como a única casa de banho disponível é uma daquelas portáteis, sem lavatório, lavam os dentes ao luar, com garrafas de água e a ajuda de São Serôdio; trocam de roupa e põem gel no cabelo, enquanto aquecem a voz com escalas de ah’s e oh’s.

Henrique e Ricardo não têm casa de banho no camarim e dividem quarto quando andam na estrada

HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR

Faltam poucos instantes para subirem ao palco e na linha da frente, além do bêbedo da aldeia, já estão duas adolescentes, de cachecóis Ricardo & Henrique ao pescoço, e uma série de outras fãs, trintonas, que provarão ao longo da hora e meia de concerto saber de cor quase todas as músicas da banda — e não apenas os grandes hits: “Hey”, “Tou Fora” e “Tá Maluca”.

É o momento de recolhimento: Henrique agarra no cordão com um crucifixo que traz ao pescoço e reza, de olhos fixos no céu; Ricardo espera que ele acabe para lhe poder dar as mãos e orarem juntos. “Há uns anos tive um grande acidente de mota e não morri para estar aqui hoje. Deus está lá em cima. Com a minha voz ajudo muita gente”, tinha dito dias antes ao Observador. “Nós vamos morrer, mas as músicas ficam e o nosso objetivo é que as músicas de Ricardo & Henrique fiquem. Ter pelo menos um tema que se continue a cantar 50 anos depois de morrermos, é isso que nós queremos.”

8 fotos

A irmã de Ruth Marlene e o primo stripper numa danceteria na Amadora

Leva-me ao castigo
(leva meu amor)
sei que no final
tudo é bem melhor,
Leva-me ao castigo
(não m’importo, não)
sei que no final
tenho o teu coração

São 19h50 de um sábado de fevereiro quando Jessica Alves, sobrenome artístico Portugal, estaciona o BMW série 1 à porta da danceteria Mundial Café, na Amadora. Está um frio de rachar, mas vem de micro-saia, meias pelo joelho, ténis e top de alças. “Agora que faço ginásio, tenho um bocado de vaidade no corpo, não tem mal nenhum, pois não, babe?”, já tinha justificado uns dias antes, clima e indumentária idêntica.

“Fartei-me de pensar sobre que estilo ia ter; cantoras de vestido e sapatinho é o que há para aí mais, queria distinguir-me. Como no swag não havia ninguém, virei-me para o swag. Ando sempre de cap [boné], é a minha imagem de marca, tenho uns 50.”

No quarto que ocupa, na casa da irmã. Costumam tirar os carros e ensaiar juntas na garagem

Luís Santos Ribeiro

Na mão direita, quase como extensão do braço, traz o telemóvel. A quantidade de vídeos e de fotografias que postou no Instagram e no Snapchat durante a viagem, primeiro desde os arredores de Palmela, onde vive maioritariamente, em casa da irmã, a cantora Ruth Marlene, e depois desde a Baixa da Banheira, onde tem apartamento e patrocínio no ginásio, ajudam a explicar não só os ésses no trajeto mas também as amolgadelas no carro.

É uma pena, dirá dentro de instantes em tom de graçola quebra-gelo à entrada da danceteria onde à meia-noite vai cantar, que Nélson Sousa, amigo, assistente, cozinheiro, cabeleireiro, maquilhador, personal stylist e MC, que há uns anos fechou o salão de beleza que tinha no Barreiro para cumprir o sonho de trabalhar no circo (foi relações públicas e apresentador do Victor Hugo Cardinalli), não a substitua também ao volante.

É o meu faz-tudo, só não faz duas coisas: conduzir e dormir comigo!”, diz ela. “Dormir contigo até posso, fazer outras coisas é que já não!”, responde ele, sobrancelhas impecavelmente arranjadas. Todos — proprietária da danceteria e respectivos familiares e trio Arte Música, ali residente às segundas-feiras para as matinés dançantes da casa — riem muito.

É o amigo Nelson Sousa, que já teve um salão de cabeleireiro no Barreiro, quem lhe trata do visual

Luís Santos Ribeiro

É a primeira vez que Jessica, último grande hit “Leva-me ao castigo”, actua no estabelecimento aberto há 11 anos por Cátia Ribeiro Lopes, emigrante regressada de França — conta a própria e grita a parede ao fundo com a torre Eiffel.

No centro da Amadora, a danceteria Mundial Café funciona numa antiga garagem de dois pisos, separados por uma rampa em helicoide, a que foram acrescentados degraus, não vá alguém mais ébrio ou enferrujado (a proprietária diz que a clientela tem, em média, mais de 45 anos, mas com o avançar da noite perceber-se-á que o que não faltam são dançarinos acima dos 60) escorregar.

Lá em baixo, a pista de dança tem tudo aquilo a que deve ter direito: bolas estilo disco sound a pender do teto, colunas revestidas de espelhos e cadeiras em fila para o caso de ser preciso parar para descansar. Há um bar, com imperial a 90 cêntimos e whisky novo por 2,5 euros, uma zona vip, com um par de sofás e vista lateral para o palco, e umas 25 mesas, muitas tomadas de antemão: “Reservado”.

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Nome Jessica Alves
Nome artístico Jessica Portugal
Idade Desconhecida
Álbuns 4
Editora País Real
Facebook 4652 seguidores
Imagem de marca Cap
Maior êxito “Leva-me ao castigo”

No piso superior há outro balcão, estilo snack-bar, mais mesas e uma zona de fumo. À porta está um segurança: “Mal vestidos não entram! E as senhoras costumam ir ao cabeleireiro antes de vir”, vai avisando a proprietária. “É difícil de gerir. Se estiverem mais mulheres do que homens, as que não dançam, saem daqui e dizem às amigas que foi uma porcaria — e na próxima semana já não aparecem. Em compensação, vêm mais homens, porque os que cá estiveram disseram aos amigos que isto estava cheio de mulheres. É sempre um problema.”

Fecha à terça e ao domingo, de resto, todos os dias há eventos: às segundas bailes à tarde e noites românticas; às quartas ladies night; às quintas e sextas karaoke e aos sábados os espetáculos propriamente ditos. “Já cá esteve a Ágata e o Leandro. A seguir vem o Melão, o Eduardo Santana, o Alex, Mister Gay, e o Toy. É a única data que ainda não temos confirmada mas ele disse que vinha.”

Antes de se lançar a solo, Jessica fazia coros e dançava para a irmã, Ruth Marlene

Luís Santos Ribeiro

Não paga muito aos artistas, admite Cátia Ribeiro Lopes. Aliás, a muitos nem sequer paga. No fundo, admite Jessica Portugal, sempre sem falar em valores concretos (o dinheiro é um grande tabu, maior só mesmo a idade — a única coisa que acede em dizer é que é mais nova do que a irmã, que tem 39 anos), não é muito diferente do que acontece nos programas de domingo à tarde.

“A televisão não paga nada, só as despesas de viagem. Mas é promoção, aparecemos. E sempre dá para levar os meus CD e uns cachecóis que mandei fazer com o meu nome, para vender… Agora há muitos cantores, há pessoas que nunca fizeram um espetáculo na vida mas gravam um CD, vão à televisão e a seguir já estão a ser contratados, e a cobrar menos de metade do que eu cobraria. É difícil ter trabalho, por isso é que às vezes faço descontos nos cachets, não devia, mas para não ficar em casa…”

Esta noite o pagamento até pode ser uma ninharia mas, à conta da Danceteria Mundial Café, há jantar incluído de frango assado com arroz e batata frita à discrição para toda a gente. À mesa, os artistas vão trocando histórias de festas, espetáculos e bebedeiras, enquanto despejam copos de tinto de Pias, que vão enchendo da box colocada em cima da mesa. Jessica fica-se pela água: “Nunca bebo, as pessoas acham que sou uma seca”, explica.

Já David Mattos, vocalista do trio que daí a duas horas abrirá a pista de dança, com uma versão de “Cartas de Amor”, não se faz rogado. Entre goles, concorda: hoje já não se faz dinheiro na área como antigamente. “Em 2004, durante o verão, conseguia fazer uns 14 mil euros por mês, agora trabalha-se mais e ganha-se muito menos.”

Nunca larga o telemóvel nem as redes sociais: está no Facebook, no Instagram e no Snapchat

Luís Santos Ribeiro

Quem sai prejudicado é o público, que recebe um espetáculo menos aprimorado, diz Jessica: “Ultimamente tenho trabalhado sem banda, com playback instrumental. Com músicos o preço acresce, são mais pessoas para jantar, para dormir, e as comissões de festas não têm dinheiro para pagar. E eu não tenho status para me impor”.

As danceterias acabam por ser um ótimo nicho de mercado (ou tábua de salvação), sobretudo durante o inverno, quando não há festas de aldeia: “Se vêm pessoas aos bailes de segunda a tarde?! Claro que vêm! As danceterias são como motéis. Quem cá vem é o homem que tem a mulher em casa e anda com outra”, elucida David Mattos.

Apesar do negrume do cenário, Jessica garante que consegue viver apenas da música, desde que há uns 10 ou 11 anos, quando fazia coros e dançava para a irmã, um empresário do meio, que vive mais da imagem do que da voz, a desafiou: “Ó Jessica, tens um aspectozinho razoável, porque é que não começas a cantar sozinha?”.

Desde então, já lançou três álbuns (está agora a trabalhar no quarto) e fez dezenas de espetáculos. “O meu primeiro CD não funcionou. Na realidade, o segundo também não… Nem o terceiro, nem o quarto! Foram mais para cartão de visita, estás a perceber? Agora o próximo é que vai ser!”

Vai ao ginásio todos os dias e tem mais de 50 "caps"

Luís Santos Ribeiro

Também posou nua na edição portuguesa da Playboy, com a irmã: “Há pessoas que acham que não somos muito amigas e que há rivalidade, mas não é verdade. Até vamos de férias juntas, ainda agora estivemos em Punta Cana, é a terceira vez que lá vamos. Preocupo-me em guardar, mas também gosto de ir de férias, não faz mal nenhum, pois não, babe?”. Também já foram contratadas para fazerem espetáculos juntas e até têm uma música a meias – “É só blá blá blá” (“Quando chega a hora agá”).

Para trás ficou uma breve carreira como psicóloga num consultório no Montijo — não dava mesmo para conciliar, afiança a artista anteriormente conhecida como doutora Jessica Alves.

Durante outono, inverno e primavera até conseguia ser terapeuta barra artista: de segunda a sexta recebia pacientes adultos com males de amor ou aplicava testes de aptidão a jovens confusos com o futuro; ao fim-de-semana cantava e dançava. O problema era quando se aproximava o mês de junho e começava a ser solicitada para festas em aldeias de todo o país, que lhe rendiam bem mais do que as consultas que dava em troca de 50 ou 60 euros.

“Ano sim, ano não, tenho tido muito trabalho, 2016 foi muito bom. Ter, entre junho e setembro, espetáculos de sexta a domingo, todas as semanas, é o que todos queremos. Ficar em casa num domingo de agosto, para um artista, é péssimo. Não gosto de falar de dinheiro, mas imaginemos que recebo 2000 euros de cachet, de onde tenho de tirar para pagar aos bailarinos e a gasolina, e pago 500 de comissão ao agente que me contratou… No verão ganho um bolo grande que tem de dar para o inverno”.

Acabou por abandonar completamente a psicologia. Mas a falta de tempo, confessa, não foi o único motivo que a levou a isso: na mesma altura, começou a tatuar o corpo e teve medo de que tanta tinta lhe tirasse a credibilidade como terapeuta.

Teve medo que as tatuagens a prejudicassem, por isso abandonou a carreira de psicóloga

Luís Santos Ribeiro

Nas costas da mão esquerda tem uma rosa. Do mindinho ao indicador tem quatro letras: D I V A. Mais um trevo, uma coroa, um coração e o diamante: “A minha irmã tem uma igual”. Não é a única coisa que partilham: Ruth Marlene também terá, algures no corpo, tatuada a frase “O que não me mata me torna mais forte”, que Jessica ostenta numa das coxas.

Há mais: “I love you” num antebraço; “Born to be blessed” na barriga, com uma flor e uma borboleta; “Sopro de Deus” num ombro, com duas mãos unidas e um terço a acompanhar; um relógio parado na 1h20; mais os nomes do filho, Diogo, de 11 anos, e das sobrinhas, Luna e Morgana, sobre as respectivas datas de nascimento. “Nem sei dizer quantas tenho ao todo”, suspira.

Vive estilo formiga: amealha durante o verão para aguentar o inverno, durante o qual, além de espetáculos em danceterias como o Mundial Café ou aparições pontuais em programas estilo ‘Somos Portugal’, só pode contar com as comunidades emigrantes.

“Este fim de semana, por exemplo, não vou dormir. Atuo hoje aqui na Amadora e amanhã à tarde já vou estar na Suíça, tenho avião às 6h30. Vou cantar e no fim, claro, já sei que os emigrantes me vão querer levar a jantar. E depois, voo às 6h30 de segunda outra vez! Compensa: pagam a viagem, a dormida, a alimentação e ainda o cachet. Já fiz Luxemburgo, França, África do Sul, New Jersey e estive duas vezes na Califórnia, a convite de um núcleo do Sporting.”

O segredo é controlar as despesas: para além do ginásio, também tem solário de borla. Ensaia numa sala emprestada por uma associação cultural de Sarilhos Grandes, terra da País Real, a editora para onde se mudou recentemente, vinda da Espacial, ou na garagem da casa da irmã: “Tem espelhos, tiramos os carros e ficamos com espaço para treinar as coreografias. Não costumo ensaiar com banda, não quero pôr os músicos a darem-se a esse trabalho todo para depois darem três ou quatro espetáculos num ano”.

É a mãe, Fernanda Amaral, que em tempos chegou a ser sua agente, que lhe costura os outfits que usa em palco — “Já cantei de calças e de leggings, mas agora só uso roupas bem curtas. Demorei três anos a conseguir este corpo, sempre pesei 52 kg, agora tenho 61 kg [não, não é gralha, o objetivo de Jessica não é ser mais leve, é ter mais músculo], quero mostrá-lo!”

Por causa dele (do corpo), anda sempre com marmitas atrás, para não falhar uma só refeição — o que acaba por ajudar também a carteira. No sábado em que o Observador a acompanhou, saiu de casa da irmã com uma geleira com uma lata de atum, duas bananas, uma papaia, vários ovos cozidos e uma caixa plástica com batata doce, que cozinha no microondas, em apenas um minuto.

A preparar a marmita do dia: fruta, ovos, atum e batata doce cozida

Luís Santos Ribeiro

“A Ruth come hambúrgueres e pizzas, eu não posso, era a minha morte. Só como frango, peru ou bife de vaca, tudo grelhado, com arroz branco e salada. De três em três horas faço uma refeição. Vou ao ginásio todas as noites, janto antes de ir, quando volto como outra vez, tomo banho e, muitas vezes, às três da manhã ainda como uns ovinhos, antes de ir para a cama. Quanto mais comes, mais o corpo cresce e a massa muscular se mantém.”

Hão-de passar várias horas, depois do teste de som e do jantar, até Jessica Portugal subir ao palco, na Amadora. No verão, a artista atua com bailarinas, mas ali o espetáculo vai ser curto — “É um showcase, vou cantar seis ou sete músicas, umas kizombas, coisas para dançar agarrado” – e tão mal pago que não lhe compensa trazer mais gente.

A não ser, claro, Óscar Gonçalves, também conhecido como Hulk, o primo stripper que faz espargatas e acrobacias com fogo e — veremos no decorrer do espetáculo — é a perdição das mulheres dos 18 aos 81.

Óscar é primo de Jessica e seu bailarino ocasional: diz que trabalhar como stripper compensa mais

Luís Santos Ribeiro

Até há bem pouco tempo, era Ítalo Lima, então seu namorado, quem a acompanhava em palco. “Fazíamos umas coisas diferentes, tínhamos uma cama em palco, eu chegava, apanhava-o com outra, ia a roupa toda pelo ar”, recorda. Com o fim da relação, acabou-se a colaboração — e Óscar entrou em campo.

Não sei se é tudo grande, que ele é meu primo!”, vai avisar Jessica Portugal, numa das pausas do espetáculo, depois de se lhe pespegar no colo mais uma vez. Ela canta, ele dança, numa encenação de cumplicidade e ousadia brejeira que, a princípio, parece deixar a audiência, mais habituada ao modo baile, de pé atrás. “Quem está apaixonado grita!”, berra também ela ao microfone, enquanto sobe ao palco para cantar um dos seus maiores êxitos, uma versão de Show das Poderosas, da brasileira Anitta, depois de o primo, no chão, ter aberto o espetáculo com cuspidelas de fogo e piruetas.

Também a história de Óscar é pouco convencional: foi culturista, professor de kickboxe e segurança privado (é ainda, durante o dia). À noite, punha música no Status, restaurante, bar e karaoke, no Parque das Nações. Um amigo, “o Leo Caetano, um dos melhores strippers de todos os tempos”, estava farto de lhe perguntar se não queria despir-se. Sempre lhe disse que não, que tinha vergonha. Até perceber quanto poderia ganhar.

“Há três anos, no Dia da Mulher, ligou-me e disse-me que tinha 800 euros nessa noite para mim. Eu andava a pôr música por 75 euros a noite. Aceitei. Agora trabalho nisto todos os fins de semana, ganho 150 euros no mínimo, por 15 ou 20 minutos, em discotecas, despedidas de solteiro, festas de aniversário. Há noites em que faço cinco casas, são 150 euros vezes cinco. E não faço só strip, também faço presenças, empregado falso, festas em casa…” Parte de um colectivo de strippers, os Magic Boys, diz que gosta de dançar, mas que só está ali para fazer o jeito à prima: “Não me compensa, ocupa-me a noite inteira e ganho uns 50 euros”.

É a mãe da artista quem lhe costura as roupas que usa em palco, "para não ser igual a ninguém"

Luís Santos Ribeiro

O camarim dos artistas fica ao lado do palco, numa minúscula casa de banho fora de funcionamento, sem espelho mas com urinol na parede ao fundo. É só um, portanto, e apesar dos quatro metros quadrados, vai ter de chegar para os três — Jessica, Nélson, que tratou de se maquilhar meia hora antes, e Óscar.

Nada que atormente a artista, mais preocupada em conseguir apertar os colchetes do body preto a que a mãe coseu umas correntes de metal (“Para eu não ficar igual a ninguém”), que insistem em desapertar-se. Por um lado, é pouco exigente — “Só costumo pedir cadeiras, um espelho, águas e fruta da época ou uma sandes, para comer no final” —, por outro, já está mais do que habituada a trabalhar em condições extremas.

“Este ano, no Alentejo, tive de trocar de roupa numa vivenda em construção — mas que já tinha água, luz e um sofá, vá lá! É normal vestir-me em casa de pessoas da terra, ou nas igrejas, muitas vezes os palcos são montados no meio do nada, só têm uma barraquinha de febras ao lado. Já aconteceu estar aflita e ter de fazer 3 km de carro até encontrar uma casa de banho — e foi na casa de uma senhora da aldeia”, conta, descontraidamente. Não vamos ser nós a dar cabo da calma e a chamar a atenção para a barata de três centímetros no espaço de arrumos contíguo ao camarim. Já está morta, de qualquer forma — e o espetáculo tem de continuar.

Na pista, um casal de reformados rodopia como poucos de 30 e várias solteiras improvisam coreografias, sempre à espera que Óscar volte a descer do palco e agarre alguém para dançar: “Um grande aplauso aqui para o meu primo! Ele usa e abusa de mim aqui no palco mas é só porque é família!”

A danceteria Mundial Café funciona na Amadora, numa antiga garagem de dois pisos

Luís Santos Ribeiro

Encostados a uma das colunas espelhadas, dois quarentões de copo na mão olham para a artista como para um pedaço de carne. São fãs, vieram de propósito para a ver. Pela forma como ela os cumprimenta, não farão parte do rol de “fãs psicopatas” que se auto-intitulam seus namorados, se digladiam por isso nas redes sociais e lhe ligam a horas despropositadas só para ouvirem a sua voz (tem o número de telemóvel no Facebook).

“Gosto de provocar. Se posto uma foto mais ousada, recebo logo uma série de mensagens, muitas de homens casados. Tenho vários fãs psychos, um deles está a ligar-me agora, já conheço o número. Dizem que sou a princesa deles, escrevem-me todos os dias. De vez em quando, para não ficarem muito tristes, vou lá pôr um fixe“, já tinha confidenciado ao Observador dias antes do showcase na Amadora.

Insinuante, na pista da danceteria, segreda qualquer coisa ao ouvido de um dos tais fãs quarentões, solta uma gargalhada, dá meia volta e regressa ao palco. Nunca chegaremos a saber o que lhe disse. São quase 2h00 quando o espetáculo acaba na Amadora. Próxima paragem: Genebra.

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Inaugurações de frutarias, talhos e cemitérios? O cantor do chapéu amarelo faz

Eu meto a primeira – no popó da namorada
Eu meto a segunda – no popó da namorada
Meto a terceira e a quarta e até meto marcha-atrás
No popó da namorada eu assapo a todo o gás
No popó da namorada eu assapo a todo o gás

O negócio apalavrou-se em janeiro, quando Augusto Canário foi a Baguim do Monte, freguesia no concelho de Gondomar, entre Rio Tinto e Valongo, atuar nos festejos de aniversário do Talho do Povo. Pedro Sousa gostou tanto do espetáculo, uma desgarrada entre bifes e frangos do campo crus, mais um porco inteiro a rodar no espeto, que quis logo contratar o artista de Viana do Castelo para abrilhantar a inauguração da sua frutaria, em Vila do Conde.

Seis meses depois, enquanto a mulher distribui fatias de bolo por clientes carregados com sacos cheios de frutas e legumes (25 euros em compras dão direito a 20 quilos de batata branca), o empresário, da zona das Caldas da Rainha, explica ao Observador que ali no norte é mesmo assim: os negócios festejam-se com pompa e sem olhar a despesas.

O Mundo da Fruta 2 foi inaugurado como todos os negócios no norte: com festa

Luís Santos Ribeiro

Além do bolo, coberto de chantilly e decorado apropriadamente com pedaços de morango, ananás, manga e pêssego, há porco no espeto, bebidas e até um palhaço vestido, maquilhado e calçado a rigor, que se vai dividindo entre uma máquina de pipocas e uma série de miúdos que querem as caras pintadas de tigre ou balões em forma de espada. E há Augusto Canário, claro, de chapéu de feltro amarelo na cabeça, acordeão da mesma cor ao pescoço e bigode aparado numa linha estreita sobre o lábio superior, a cantar ao despique com Marta Azevedo, uma das “cantadeiras” que integram a sua banda de 14 (mais road manager, fotógrafo oficial e gestora de imagem), fundada já há 17 anos — Augusto Canário e Amigos.

Cartão de Cidadão

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Nome Augusto Gonçalves
Nome artístico Augusto Canário
Idade 57
Álbuns 24
Editora Espacial
Facebook 86.974 seguidores
Imagem de marca Chapéu amarelo
Maior êxito “O Popó da Namorada”

“A fruta é do melhor que há para fazer segundos sentidos”, tinha avisado o artista e compositor, de 57 anos, logo depois de explicar ao Observador que nas desgarradas que faz, ao despique com outro cantor, tem sempre o cuidado de manter os níveis de brejeirice em baixa para não chocar ninguém e adaptar o espetáculo a todas as idades. Acabou por surpreender duplamente: não só se aguentou a cantar de improviso durante mais de uma hora, acerca de e entre melancias, pêssegos, tomates, pepinos, courgettes e cenouras, como demonstrou ter afinal uma tolerância bem elevada ao picante.

Depois da apresentação da loja — “Digo aqui deste jeito, digo e vou dizer, que a fruta aqui é boa, dá saúde e dá prazer, e pelo que eu vi lá por dentro, tem muito onde escolher!” –, acompanhado por Rui Jaco no acordeão, dá largas à picardia com a cantadeira, ora ataca um, ora responde o outro, e não há fruto ou vegetal que lhes escape à rima, estilo “A minha [banana] é da Madeira, desculpai, ó pessoal, podes comer a vida inteira, que é produto nacional”.

O público exulta e os donos da loja também. Não temos medidor de aplausos mas é fácil perceber: quanto mais marotas são as rimas, mais os clientes gostam.

Marta Azevedo e Augusto Canário fartaram-se de fazer trocadilhos cantados com legumes

Luís Santos Ribeiro

“Abrir em grande é o importante!”, diz Pedro Sousa, orgulhoso do seu O Mundo da Fruta 2, prova de que o investimento feito desde o dia um na primeira loja da rede, no Picoto, lugar da vila de Argoncilhe, no concelho de Santa Maria da Feira, foi mais do que ganha.

“A primeira inauguração foi com o Quim Barreiros e com aquele tipo do Porto que imita o Roberto Carlos… como é que ele se chama?… é igual, a cantar, é igual… Mitó Ferreira! E o Tino de Rans também esteve lá, é muito meu amigo. Gasta-se um bocado… o Canário foi 600 euros, mais 350 ou 400 euros do porco, as bebidas e os bolos. Ainda é um bocado, mas vale a pena.”

Nesta altura, no passeio, à beira da estrada nacional que passa à porta do Mundo da Fruta 2 e atravessa Vila do Conde para a unir à vizinha (e rival) Póvoa de Varzim, já Augusto Canário trocou o acordeão pela caneta e dá autógrafos nos CD que acabou de vender e nos chapéus amarelos que são a sua imagem de marca.

O cantor, conhecido pelo chapéu amarelo, já inaugurou um cemitério, no distrito de Viseu

Luís Santos Ribeiro

Não sai de casa sem levar a caixa onde armazena pelo menos um exemplar de cada um dos 24 álbuns (oito deles ao vivo e também em versão DVD), que editou desde que fundou o grupo, em 2000.

“Fui o primeiro artista a gravar um DVD no Multiusos de Guimarães, eram 135 pessoas em palco! Agora vou gravar mais um, no São João, em Braga.”

Também anda sempre com uma sacada de chapéus, que manda fazer em feltro numa chapelaria em Oliveira de Azeméis, para vender a 5 euros cada, ou importa da China aos dez mil de cada vez, para oferecer com os álbuns. “Dez euros dão direito a um CD e dois chapéus”, vai explicando Kátia Leite, enfermeira em Santiago de Compostela durante a semana e gestora de imagem do artista no tempo que lhe sobra, a um casal que veio com o filho, de 15 anos, de Gião, freguesia ali ao lado, de propósito para “ver o Canário”.

No meio de tanta fruta, só falta mesmo a cereja no topo do bolo de chantilly: de t-shirt branca “Penafiel é top”, Vitorino Silva, aka Tino de Rans, irrompe pela loja e o palhaço, que afinal também é DJ, troca o “Popó da Namorada”, maior êxito de Canário, por “Pão-pão-pão-pão-pão-pão, com manteiga é tão bom, pão-pão-pão-pão-pão-pão, com fiambre ainda é melhor”, a música do calceteiro. “Não vim antes porque um artista não pinta na tela de outro artista. Só vim aqui pela fruta, pelas batatas, por aquilo que a terra dá, a terra é nossa amiga”, explica o candidato às Presidenciais de 2016 ao Observador.

Tino de Rans só apareceu no final da atuação: "Um artista não pinta na tela de outro artista"

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Augusto Canário, calças pretas com pesponto amarelo e polo da mesma cor com logótipo da banda (um cê com um bico e duas patinhas), aproveita o encontro e tenta o candidato à Câmara Municipal de Penafiel: “Nunca perdi umas eleições, vou lá cantar à tua campanha e tens maioria absoluta!”. Tino acusa o toque, não fecha a porta à parceria mas também não adianta conversa: “Eu também só perdi para o Marcelo, e não me candidatei contra ele, fui candidato COM ele!”.

Inaugurações, campanhas eleitorais, festas em lares de idosos, casamentos, batizados e comunhões — com ou sem o grupo que criou há 17 anos, Augusto Canário vai a todas. Afinal, até foi assim que começou. E não é por ter 95 espetáculos em agenda desde o último fim de semana de maio ao derradeiro de setembro, ou por o próximo sábado que tem livre ser o primeiro do mês de dezembro, que vai começar a recusar serviço.

Diz que já cantou no aniversário do comando da GNR de Viana do Castelo e durante a campanha eleitoral do atual presidente da Câmara Municipal de Baião; que já foi contratado pelas maiores farmacêuticas no país para abrilhantar eventos internos; que há uns anos até animou a inauguração de um cemitério, em Repeses, no distrito de Viseu.

“E este ano sou o presidente da comissão de honra das Festas da Senhora da Agonia, em Viana. Já foi a Amália Rodrigues e o Jorge Amado, agora sou eu. Cantamos música popular e brejeira, mas também cantamos música séria. Enchi o casino da Póvoa [de Varzim] duas vezes e não foi com convites! Sim, porque eu ando aqui há 35 anos, sei muito bem como se fazem as coisas”, insinua. “Cada um gosta da música que gosta, eu não ouço a música que faço, não estou em casa a ouvir os meus CD. Gosto de ouvir desde uma boa orquestra filarmónica a AC/DC, Guns ‘n Roses, Leonard Cohen, Beatles, Dire Straits. Dos portugueses gosto do Rui Veloso, do Fausto, sou fanático do Júlio Pereira. Agora, tocar, gosto de tocar isto.”

É o próprio cantor quem gere o negócio e faz a marcação de concertos

Luís Santos Ribeiro

Foi no Seminário de Nossa Senhora do Carmo, em Viana do Castelo, que frequentou entre os 11 e os 15, que deu os primeiros toques na viola e começou a cantar. Expulso em 1975, depois de uma noitada não autorizada que envolveu uma ida ao cinema para ver o proibido “O Último Tango em Paris” e a subtração, no regresso, de uma lata de salsichas e de uma barra de queijo da despensa, continuou a dar largas à voz, mas na igreja com o coro dos escuteiros.

Só em 1981, já maior de idade, é que se juntou ao seu primeiro grupo, o Rancho de Chafé, terra rival da sua Vila Nova de Anha, ambas no concelho de Viana do Castelo. A seguir, em 1984, esteve na fundação do Cantares do Minho, de onde sairia apenas 25 anos mais tarde. “Fazíamos recolha e divulgação de música tradicional do Alto Minho. No pós 25 de Abril, com o Zeca Afonso e a música de intervenção, estava na moda criar grupos tradicionais, como o Raízes, a Brigada Vítor Jara. O nosso era um grupo muito familiar, a minha mulher também fazia parte. Em 1985 conseguimos ir à televisão pela primeira vez. Achámos que íamos ter de pagar, mas saímos de lá com 80 contos de cachet”, recorda o artista, que é também animador sociocultural na Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental de Viana do Castelo.

Durante mais de uma hora, Canário tocou e cantou de improviso para os clientes da frutaria

Luís Santos Ribeiro

“Tenho um bacharelato em Animação Sociocultural, fiz a tese sobre Gestão das Artes na Cultura e na Educação. Fui pioneiro a construir cabeçudos, organizo cantares de Janeiras, um grupo de folclore, outro de bombos… Já estive na Casa Branca, nos Estados Unidos, com o George Bush pai, no primeiro encontro mundial de Arte e Criatividade, com aqueles que pintam com a boca e com os pés.”

Pai de duas filhas e avô de cinco netos, Augusto Canário diz que hoje, pelo menos no que toca à televisão, a realidade é completamente diferente. Como não há atuações pagas, faz questão de gerir bem os convites e, tirando ao programa de Fátima Lopes, na TVI, onde aparece sempre que é chamado, só vai aos programas de fim de semana nas fases de menos trabalho ou quando precisa de promover álbuns. E impõe condições: ou toca logo no início ou a fechar. “De preferência, abro, para a seguir me poder ir embora. A essa hora, que cola com o almoço, ainda está muita gente a ver, depois já não. Já tenho um certo estatuto, posso escolher”, garante o artista.

É um homem à antiga que, apesar de fazer parte do catálogo de artistas da editora Espacial, faz questão de gerir o próprio negócio. Decide a agenda, trata de cenários, instrumentos e adereços e paga um salário fixo aos músicos que o acompanham — “Só dá para viver só disto se viverem em casa dos pais ou dividirem contas com alguém”, explicará Kátia Leite mais tarde, durante o concerto da noite. E um homem que, garante, prefere investir em calças, polos, camisas, coletes, casacos, parcas e até sapatos com a sua cor de marca e respetivo logótipo, para fardar toda a banda, do que em bailarinas: “Não precisamos de subir saias e de baixar decotes para mostrarmos o que fazemos”.

Os "Amigos" vão de carrinha, Augusto Canário segue de Mercedes

Luís Santos Ribeiro

Porque o concerto da frutaria foi apenas um aquecimento e o espetáculo tem de continuar, depois de se despedir dos vilacondenses, Augusto Canário mete-se no Mercedes híbrido preto que comprou em novembro de 2016, sinal de vitalidade do negócio, e segue para sul, em direção a Esmoriz, onde vai atuar nas Festas do Senhor das Febres.

Mesmo ao lado do palco montado no adro da igreja de Gondesende, entre duas barracas de farturas e no pré-fabricado que lhe vai servir de camarim (e ao resto da banda) nessa noite, aproveita para descansar e recapitular vida e carreira.

Começa pelo nome, artístico, mas que bem podia ter sido de registo, não fosse a mãe, que não suportava os engraçadinhos que andavam sempre de volta do marido — “Então? O Canário canta ou não canta?” –, ter decidido poupar os filhos. “O meu pai chamava-se Joaquim Gonçalves Canário, a minha mãe pôs-nos só Gonçalves.”

Autodidata, Augusto Canário nunca aprendeu música (tirando os três meses que passou na Academia de Música de Viana do Castelo a dar uns toques no violino), ainda assim toca cavaquinho, viola, gaita de foles, acordeão e concertina.

“Abri a primeira escola de concertinas em Portugal em 1992. Ensinei umas mil pessoas a tocar, ainda não era o festival que é hoje, agora até o Nel Monteiro tem concertinas”, tinha explicado horas antes, na garagem da casa de um amigo e membro da banda em Anha, onde montou armazém, estúdio e sala de estar, com centenas de instrumentos em exposição, e a que pomposamente chamou o “Cantinho do Canário”.

É no "Cantinho do Canário" que a banda ensaia e que o cantor guarda as suas dezenas de instrumentos

Luís Santos Ribeiro

É lá que a banda ensaia todas as terças e quintas e é de lá que os músicos arrancam, numa carrinha de nove lugares, em direção aos espetáculos que dão por todo o país. O artista segue no seu carro, ao volante ou no banco traseiro, a retemperar forças.

Faz questão de ir dormir sempre a casa, onde vive com a mulher, uma das filhas e um neto. Porque se assim não for nunca os vê, mas também porque as comissões de festas e as autarquias que o contratam têm orçamentos cada vez mais reduzidos e pagar quartos de hotel a quase 20 pessoas é impraticável. “Não cobro muito, por esta zona, o meu cachet anda entre os 5 mil e os 6 mil euros, com som incluído e 10% para o empresário. Trabalho muitas vezes com som residente mas também tenho o meu. Quando me pedem, que é praticamente sempre, faço um desconto de 500 ou 600 euros e trago o meu som.”

Managers e empresários

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Não é com as vendas de CD que fazem dinheiro, garantem os artistas. Mas como sem álbuns editados ninguém os contrata para atuarem em festas, não há como não continuar a gravar e a ir para estúdio. Há três editoras especializadas em música popular portuguesa: Espacial, País Real e Vidisco.

Cada artista trabalha com um manager, que negoceia contratos e cachets e trata de questões de logística diretamente com os empresários que o contratam.

Há atualmente uma centena de empresários no país, divididos por zonas, que trabalham para as comissões de festas ou autarquias e fazem a ponte com os artistas. Recebem à comissão: entre 5% a 10% do valor total do cachet. Os valores cobrados podem variar bastante consoante os artistas em questão, óbvio, e não só: espetáculos em playback instrumental são substancialmente mais baratos do que com banda.

Como dá para perceber pelo camarim — duas mesas, meia dúzia de cadeiras e um aparelho de ar condicionado que manda desligar imediatamente, para não prejudicar a voz, já de si rouca –, não é de fazer grandes exigências. Não que lhas satisfizessem se as fizesse: “Não há dinheiro! Por exemplo, quando o jantar está incluído é sempre a mesma coisa: ou grelhada mista ou filetes”.

Foi só fazer o teste de som — “Quem tem terra é feliz” — e seguir para o restaurante para o comprovar: calhou grelhada mista. Ainda assim, Canário só comeu sopa, salada e fruta e quase não tocou no vinho, para não atuar de barriga cheia: “Gosto de beber, mas tem de ser do bom! Às vezes excedo-me… Não sou viciado em bebidas alcoólicas, gosto de um bom gin, de um bom vinho maduro tinto… Na próxima quarta-feira, em Braga, depois de gravarmos o DVD, é garantido que vou beber uma garrafa de champanhe sozinho. É uma espécie de fetiche, no dia do espetáculo tenho necessidade de descarregar — e descarrego!”.

Há fardas para todos os elementos da banda, em tons de preto e amarelo canário

Luís Santos Ribeiro

Às 22h15, de camisa amarela com bolinhas brancas, colete e sapatos pretos — um com botões, os outros com atacadores amarelos –, chapéu da praxe na cabeça e toalha de turco em tom canário debaixo do braço, está pronto para subir ao palco. Entra a tocar gaita de foles, passa para a concertina, troca para a viola braguesa, desce para junto do público e canta à desgarrada com Cândido Miranda, volta lá para cima e faz o mesmo, à vez, com Marta Azevedo e com Vanessa Teixeira.

É uma banda a sério: bateria, baixo, concertinas, guitarras, cavaquinhos, bombos, violinos. As duas ou três centenas de pessoas presentes vão reagindo, pouco, alguns batem palmas, quase todos riem com os trocadilhos mais brejeiros, muito poucos dançam. É uma noite de de junho, mas está frio e humidade, com o avançar do concerto há quem debande, sobretudo depois do “Popó da Namorada”, o grande êxito desta e de todas as outras noites de Augusto Canário e Amigos.

Há públicos mais difíceis que outros, reconhece o artista, ofegante e a pingar suor, depois de duas horas intensas de atuação. Não que, ao fim de tantos anos, ainda perca noites de sono a torturar-se por isso: “Quando é assim, olho em frente e fixo o símbolo do euro. Faço o que tenho a fazer e levo o meu dinheiro para casa”.

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