“Declarar o quê?” A expressão facial de Abdul Vakil é um grande ponto de interrogação. Por momentos, fica a olhar para o jornalista, como se a pergunta com que tinha sido confrontado não fizesse qualquer sentido, desconfiado. Há cinco anos que Abdul, em conjunto com mais dois familiares, explora uma pequena mercearia, no bairro da Bica, em Lisboa, mas ainda tem algumas dificuldades em entender a língua portuguesa, quando alguém fala muito rápido. Mas este não é o caso.

A taxa sobre os sacos de plástico leve entra em vigor no domingo. O comum saco de alças que é possível encontrar em qualquer supermercado, passar a custar 10 cêntimos, mas Abdul nunca tinha ouvido falar de tal coisa. (O que é um saco “leve”? Define-se como saco de plástico leve aquele cuja espessura é inferior ou igual a 50 microns, explica a Agência Portuguesa do Ambiente (APA).)

Parte da culpa de Abdul não saber da chegada da nova taxa deve-se a não acompanhar as notícias do país, confessa, mas, mesmo assim, não parece muito convencido da veracidade do que estamos a falar. Quando precisa, compra aos molhos de 500 sacos de plástico, o que chega a durar para três meses na sua pequena mercearia. “Muitos dos clientes, principalmente os moradores, nem pedem saco. Levam nas mãos”, diz. Outros levam as compras nos sacos “transparentes da fruta” – estes sacos não vão ser taxados, de acordo com a nova lei.

Das grandes cadeias de supermercados aos pequenos comerciantes, todos tinham de declarar, até ao final do mês de janeiro, a quantidade de sacos plástico que tinham em stock e pagar o novo imposto (os 10 cêntimos) que vai entrar em vigor ou devolver ao fornecedor – o que ia implicar perder dinheiro -, segundo um despacho do Governo. Abdul não tinha ouvido falar do preço que terá de cobrar e, muito menos, da obrigação de declarar do stock obrigatório. Daí a interjeição, “Declarar o quê?”, quando faltam três dias para a lei entrar em vigor.

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As grandes cadeias de supermercados estão numa posição muito diferente dos pequenos comerciantes como Abdul. Há meses que se estão a preparar para a entrada em vigor desta lei e já têm estratégias montadas. “Grande parte das cadeias [de supermercados] já cobrava pelos sacos de plástico”, lembra Ana Isabel Trigo de Morais, secretária-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED), ao Observador. Mas com a entrada em vigor da nova lei para os sacos de plástico, muitos portugueses vão mesmo alterar os seus hábitos de consumo, lembra.

Porém, não existe razão para alarme social: os portugueses podem continuar a ir à sua farmácia local ou loja de roupas sem medo de lhe pedirem para pagar mais 10 cêntimos no final. Nem quando quiser ajudar o Banco Alimentar. “As instituições de solidariedade estão isentas desta taxa. Mas, de qualquer maneira, o Banco Alimentar já se tinha antecipado a esta medida e estamos a implementar os sacos de papel”, esclareceu Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar contra a Fome, ao Observador.

Não muito longe da mercearia de Abdul, o supermercado Minipreço, no cimo da calçada do Combro, estava apinhado de clientes. Na maioria, turistas. Clementina Lopes, 69 anos, estava de saída. Tinha ido buscar “dois pacotes de arroz” para fazer o almoço, e, como é hábito, comprou um saco plástico com alças por dois cêntimos para “não os levar nas mãos”. (O que se consideram sacos com alças? Para o âmbito da nova portaria, explica a APA, são considerados sacos com alças sacos com asa/pega flexível; sacos com asa/pega rígida;  sacos com corte de feijão (asa vazada); sacos com corte de banana.)

“Dois [cêntimos] não é dez”, diz Clementina, indignada. “A minha reforma não é muito, mas gastar dois cêntimos num saco não é nada de especial. Depois, até os posso utilizar para o lixo”, acrescenta a moradora do bairro de Santos. Corre uma leve brisa e alguns fios de cabelo caem-lhe para a cara. Com a mão esquerda, faz um movimento ríspido para os afastar. E diz:“Não andamos aqui a sustentar burros a pão-de-ló.”

Clementina já tinha ouvido falar “pela televisão” do aumento do preço dos sacos de plástico, mas ainda não sai à rua preparada para esse cenário. “Lá vou ter de dar uso ao trolley outra vez”, diz, ao despedir-se.

Já no Bairro Alto, visitamos outra pequena mercearia. Logo à entrada, encontramos maçãs, laranjas, morangos. E sacos de plástico transparentes – estes não vão ser taxados – para os clientes servirem-se e escolherem a fruta que querem levar. “Compro sacos de plástico quando preciso. Não dá para fazer empate de capital”, afirma Fernando Santos, o dono da mercearia, desde os anos 1980. Traz na mão uma chávena de café e vai até ao lavatório, ao mesmo tempo que conversa. “Isto é um absurdo. É mais um imposto que criaram”, diz, do nada.

A nova moda: sacos reutilizáveis 

Sacos de papel, sacos de pano, sacos reutilizáveis, com rodinhas ou não, vão tornar-se cada vez mais comuns. A partir de domingo, prevê-se uma mudança nos hábitos de consumo dos portugueses.

O que é que vão fazer as grandes cadeias de supermercados para se adaptarem à nova lei?

  • Continente vai “disponibilizar sacos de plásticos maiores, mais resistentes, de qualidade superior e que permitem a sua reutilização, a um preço de 10 cêntimos”, disse à Lusa fonte oficial da cadeia de hipermercados do grupo Sonae. Além disso, irá também reforçar a gama deste tipo de sacos, bem como de ‘trolleys’ para transporte de compras “a preços acessíveis”, acrescentou.
  • “O Pingo Doce introduziu recentemente sacos de papel que são mais uma alternativa aos sacos de plástico que, para já, vão continuar a existir. Neste caso, tal como os sacos de ráfia (desde 2008) e os ‘trolleys’ (desde 2011) à venda nas nossas lojas, a taxa sobre os sacos de plástico não se aplica”, disse fonte oficial do grupo Jerónimo Martins.
  • Auchan Portugal Hipermercados, que “nos últimos seis anos” reduziu “em média 30% de sacos plásticos por cliente”, reforçou toda a sua estratégia e, “como alternativa à compra do saco de plástico”, criou “outras soluções com melhor relação qualidade/preço”, adiantou fonte oficial.
  • El Corte Inglés vai “cobrar ao cliente final os 10 cêntimos que a lei determina que os comerciantes devem cobrar pelos sacos de plástico leves, continuando a assumir o custo dos mesmos, já que o que o cliente paga é, exclusivamente, o valor da contribuição que é entregue integralmente ao Estado”, disse fonte oficial. Sobre as alternativas, o El Corte Inglés “já disponibilizava, mesmo antes desta norma, opções reutilizáveis, designadamente os sacos de ráfia e os ‘trolleys’”, aos quais acrescentam agora “as opções em papel”.
  • Por sua vez, fonte oficial do Grupo Os Mosqueteiros disse que o “Intermarché não vai disponibilizar sacos de plástico leves” a partir do próximo domingo. “Em alternativa, a insígnia do Grupo Os Mosqueteiros apresenta três soluções diferentes, sendo que cada loja, por ser gerida de forma autónoma por empresários independentes, poderá adotar a solução que considerar mais adequada para responder de forma eficaz às necessidades dos clientes daquela localidade”, adiantou.
  • Já o Lidl Portugal adiantou que não vai passar a ter sacos de papel, apesar de continuar “a oferecer aos seus clientes soluções ambientalmente sustentáveis e que sejam compatíveis com a realidade económica vivida pelo país”.

Porém pode existir uma rasteira neste ponto. De acordo com o Diário Económico, esta sexta-feira, tanto o Intermarché como o Continente vão lançar sacos com espessura superior a 50 microns para ficarem isentos da taxa de dez cêntimos, logo o valor arrecadado não irá para os cofres do Estado, mas para a empresa. O governo prevê que a taxa renda 40 milhões de euros no primeiro ano.

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Para Jorge Moreira da Silva, ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, o objetivo desta reforma não é aumentar a receita com impostos, mas sim reorientar comportamentos. Por outras palavras, fazer educação ambiental. Se nada mudasse no consumo de sacos plásticos em Portugal, após a aplicação da nova taxa, a receita atingiria os 370 milhões de euros já em 2015, exemplificou o ministro do Ambiente, em outubro. Mas a do governo expectativa é que o consumo de 460 sacos por ano, que o ministro qualifica de “inaceitável” baixe para 50 sacos por consumidor.

Para lá do valor simbólico da medida, esta será também uma daquelas que deverá gerar mais receitas: uma fatia de 40 milhões de euros de um bolo que deverá subsidiar outra reforma fiscal, a do IRS mais amigo das famílias. Mas, para já, é disso que estamos a falar, uma perspetiva. Os resultados vão depender muito da resposta dos consumidores e até das empresas de distribuição e de comércio que são obrigadas a repercutir a contribuição no consumidor final.

Um processo “atropelado”

O processo legislativo da reforma da fiscalidade verde começou no primeiro semestre de 2014, mas foi no último dia do ano que a lei sobre a taxa dos sacos plásticos foi promulgada. Só depois da lei publicada é que pôde sair a portaria de regulamentação da medida. Na portaria estava previsto um período transitório de 30 dias durante o qual “a contribuição sobre os sacos plásticos não seria exigível”, de acordo com uma resposta da Agência Portuguesa do Ambiente sobre as implicações da nova taxa. A cobrança só passava a ser obrigatória 15 dias depois desde período de transição, ou seja, no domingo.

Este período também deveria ser utilizado para escoar stocks de sacos já existentes. Mas, neste ponto, surgiu um problema. Muitos comerciantes tinham milhares de sacos guardados. Outros compraram grandes quantidades antes do final de 2014. “Quando fazem uma compra é aos milhares ou milhões, o que pode chegar para um ou dois anos”, explica Ana Isabel Trigo de Morais, secretária-geral da APED, ao Observador.

Porém, como se veio a saber mais tarde, os operadores deveriam comunicar até ao final de janeiro à Autoridade Tributária os dados estatísticos sobre as quantidades de sacos em armazém. O que pode ser uma situação fácil de resolver para um pequeno comerciante, para uma grande empresa é um problema sério. Um processo aos “atropelos”, descreve Ana Isabel Trigo de Morais. Até ao último dia útil de fevereiro, os comerciantes podem declarar à Autoridade Tributária a quantidade de sacos a regularizar e liquidar a respetiva contribuição, segundo um comunicado do Governo, no dia 26 de janeiro.

Em declarações ao Observador, Ana Vieira, secretária-geral da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), conta que tem recebido muitas queixas de comerciantes que dizem não ter dinheiro para pagar às Finanças as taxas que vão ter de cobrar pelos sacos de plástico em stock. De acordo com a nova lei, quem deve pagar a nova taxa e imposto de 10 cêntimos é o fabricante. “Ao pedirem para pagarem os impostos estão a pedir para antecipar receitas para o Estado”, acusa Ana Vieira.

Do ponto de vista da Sociedade Ponto Verde (SPV), a taxa dos sacos plásticos pode ter um efeito contraproducente do ponto de vista ambiental nos níveis de reciclagem em PortugalO alerta é feito pelo diretor-geral da Sociedade Ponte Verde ao Observador. Luís Veiga Martins receia que possa haver um recuo nos hábitos de reciclagem. Segundo os dados da Ponto Verde, que é a empresa responsável pela reciclagem dos resíduos sólidos urbanos, a maioria dos portugueses faz a separação dos resíduos nos lares através da utilização dos comuns sacos de plástico com asas oferecidos nas compras.

Neste sentido, a Ponto Verde tem promovido desde dezembro uma campanha de sensibilização a alertar para existência de alternativas para separar os resíduos, tendo distribuído 230 ml ecobags desde o ano passado numa iniciativa que já passou por 17 distritos e 1,4 milhões de residências. A meta é chegar às 340 mil unidades no início deste ano. Sacos coloridos e caixas de madeira, são também alternativas.

E qual vai ser o impacto da nova taxa na quantidade de plástico para reciclar? A Ponto Verde não tem estimativas e o seu diretor geral desconhece qualquer estudo feito pelo governo para avaliar esse efeito. Admite que a quantidade de plástico que chega à reciclagem diminua, mas assinala que é muito difícil quantificar o peso dos sacos de plásticos leves no total do material que é recolhido e vai para reciclagem.

O plástico é o material mais caro tratado no sistema ponto verde: uma tonelada custa 750 a 800 euros, devido à sua diversidade e complexidade. Em 2014, a Sociedade Ponto Verde encaminhou para reciclagem 87.615 toneladas de plástico. Esta quantidade é equivalente a plástico suficiente para:

  • fazer 70 milhões de t-shirts;
  • fazer 118.399 quilómetros de tubo de rega;
  • mais de 525 mil mesas de plástico de piquenique;

Daqui a um ano, qual será o valor de plásticos recolhidos para reciclagem?