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ILGAR JAFAROV

ILGAR JAFAROV

Ela corre mundo para salvar presos políticos

São homens e mulheres que ousaram contestar o regime do país onde vivem e acabam condenados e torturados na prisão. Em pleno século XXI, a luta de Isabel Santos é libertar estes presos políticos.

– O que vais fazer?

– Vou visitar um preso que está em más condições.

– És advogada?

– Não.

– Assistente Social?

– Não. Sou deputada e trabalho para uma organização internacional.

 

As perguntas da passageira venezuelana assaltaram Isabel Santos em pleno aeroporto de Munique, quando fazia escala para visitar um opositor ao regime político do Cazaquistão, Vladimir Kozlov. Mas este episódio não foi o que mais lhe custou explicar. Naquele dia, 30 de dezembro de 2013, foi o filho de dez anos quem disparou as perguntas. Porque é que ela preparava as malas para sair na véspera da passagem de ano? “Tu tiveste o pai e a mãe em casa durante o natal, mas há meninos que, nestas alturas, não têm nem o pai nem a mãe, porque eles estão presos”, respondeu Isabel Santos. A criança compreendeu.

Reeleita presidente da Comissão da Democracia, Direitos Humanos da Assembleia Parlamentar da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), a deputada socialista tem de recorrer a uma cábula para contar todos os países por onde passou durante o ano passado. Áustria, Polónia, Macedónia, Cazaquistão, Dinamarca, Sérvia, Viena, Espanha e Ucrânia são alguns dos países onde esteve em tarefas tão diferentes como reuniões bilaterais, observação der eleições locais e aquela em que mais se empenha: prisioneiros de consciência conhecidos como presos políticos.

Isabel Santos tem travado uma longa batalha contra os presos políticos

Aos 46 anos, Isabel Santos recusa sentir medo. Chega a arriscar quando tem “convicção” do que quer e do que defende. “Tive mil situações em que, pela minha teimosia, fui além da marca. Mas nunca tive numa situação de medo”, revela. Um desses casos aconteceu em junho. Há muito que criticava o governo cazaque quando o ministro dos Negócios Estrangeiros, Erlan Idrissov, a contactou para lhe abrir as portas ao país e provar-lhe “que estava errada”. Disse-lhe, por carta, que ela “fazia um juízo preconceituoso” do país.

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A deputada socialista aceitou, mas com duas condições: tinha de visitar dois presos. Referia-se a Vladimir Kozlov e Roza Tuletaeva, detidos na sequência das manifestações de Zhanaozen, na província de Mangistau, a 16 de dezembro de 2011. Este era o dia da independência e foi o escolhido por mais de 3000 pessoas que se manifestaram e apoiaram as reivindicações dos trabalhadores do setor petrolífero, em greve desde maio, por melhores salários e condições laborais. A polícia anti-motim, como descreveu uma proposta de resolução do Parlamento Europeu, agrediu manifestantes, abriu fogo sobre civis causando a morte a, pelo menos, 16 pessoas e ferimentos a 500.

Isabel Santos conseguiu estar cara a cara com Kozlov. Já não viu Roza, sob o argumento de que teria mudado para uma prisão mais distante. Roza Tuletaeva é uma ativista dos direitos humanos. Acusada de organizar manifestações ilegais e tumultos. Foi condenada a sete anos de prisão e chegou a fazer uma greve de fome contra a falta de cuidados médicos na prisão. Vladimir Kozlov é um jornalista e político cazaque. Liderou o partido não registado de oposição, o ALMA, e  tentou chegar a Presidente, mas viu a sua candidatura ser rejeitada. Após ter regressado, em janeiro de 2013, de uma visita ao Parlamento Europeu, foi detido e condenado a seis anos e meio de prisão por incitação à violência durante os confrontos em Zhanaozen e por atuar em conluio com Mukhtar Ablyazov, outro líder da oposição.

Roza Tuletaeva é uma ativista cazaque condenada a sete anos de cadeia

O ministro do Interior tinha autorizado Isabel Santos a uma visita confidencial com Kozlov. E até lhe concedeu o direito a tirar uma fotografia do recluso. Mas, já na cadeia, o diretor e o vice-diretor da prisão, assim como o procurador, recusaram-se abandonar a sala. A deputada bateu com a mão na mesa e avisou que não começaria a conversa sem que eles abandonassem a sala. “Disseram-me que tinham de tomar nota da entrevista”.

A persistência de Isabel Santos ainda motivou um sorriso discreto de Kozlov. Mas foi assim que conseguiu a reunião privada, embora com a condição de deixar sempre a porta aberta. “A conversa decorreu de uma forma bastante mais resguardada e o Vladimir justificou o riso dele. Disse que as mulheres eram muito mais persistentes, porque se mantêm mais frias em situações mais extremas”.

"São pessoas que estão condicionadas da liberdade por acusações que consideramos ter uma motivação politica por trás."
Isabel Santos

A deputada aproveitou, ainda, para reunir com vários ativistas de organizações não-governamentais. “No Cazaquistão temos muitos mais casos. São pessoas que estão condicionadas da liberdade por acusações que consideramos ter uma motivação politica por trás”, diz. Na verdade, estas acusações são sempre encapotadas noutro tipo de crime. “Questões económicas, desvio de fundos, terrorismo”. À exceção da Roza e de Vladimir onde foi alegado “incitamento à desordem social”. No caso de Kozlov, ele terá pedido aos manifestantes para não desmobilizarem. “Se isto é motivo para prender uma pessoa…”

Vladimir Kozlov é jornalista e político líder da oposição no Cazaquistão

Roza Tuletaeva e Vladimir Zozlov estão longe de ser casos únicos. Outra luta de Isabel Santos chama-se Aleksander Pavlov, um cazaque detido em Espanha e que ali pediu asilo ao mesmo tempo que o seu país de origem exigia a sua extradição. “Fiz várias declarações no sentido de mostrar o que lhe podia acontecer caso ele fosse extraditado para o Cazaquistão”, diz. Estes reclusos podem ser vítimas de maus-tratos e há registo de crimes de tortura nas prisões.

Isabel Santos andou meses a tentar ultrapassar barreiras burocráticas para conseguir visitar Pavlov na prisão. Em outubro chegou mesmo a fazer as malas e partir para Madrid, em jeito de ultimato, enquanto esperava a resposta das autoridades. Negaram-lhe o pedido porque entendiam que este devia ser feito ao próprio recluso, através da sua advogada. Cabia-lhe a ele aceitar. “Estávamos quase a chegar ao Natal quando me responderam. Fui visitá-lo dia 30 de dezembro”, conta ao Observador. “Ele fez-me sentir várias das suas preocupações com a família e com os filhos. Fui a única pessoa autorizada a visitá-lo, apesar de haver vários pedidos, além da mulher, filhos e advogada”, revela a deputada.

Aleksandr Pavlov foi chefe de segurança do milionário cazaque Mukhtar Ablyazov

Pavlov era segurança do milionário cazaque Muktar Ablyazov, cuja mulher e filha receberam estatuto de refugiadas em Itália, num processo que quase acabou em crise diplomática. E procurou encontrar ajuda numa embaixada espanhola. Foi detido ao chegar a uma estação de comboio. O Cazaquistão pediu que fosse extraditado, mas Pavlov pediu asilo a Espanha suspendendo a decisão da extradição.

Em fevereiro, o El Pais, noticiou que o pedido de asilo tinha sido recusado. Mais. Que havia já um helicóptero pronto a levar Pavlov para o Cazaquistão, ainda antes da decisão do conselho de ministros ser publicada. “Pavlov esteve a milímetros de ser levado para o Cazaquistão. Ele era somente o segurança do senhor Ablazov, ao que me é dado saber. As autoridades do Cazaquistão dizem que ele estava envolvido em desvio de fundos e destruição de documentos”, diz Isabel Santos. “Curiosamente, da recolha dos documentos traduzida pelos intérpretes depreende-se que há ainda uma acusação por terrorismo que só surge nas informações da Interpol depois da sua detenção”, revela a deputada.

Pavlov era procurado por falsificação e destruição de documentos. Já detido em Espanha passou a ser suspeito de terrorismo.

O caso do presidente da agência nuclear do Cazaquistão, Mukhtar Dzhakishev, é outro que preocupa a deputada. “Está preso e é reconhecido por vários ativistas por um caso politicamente motivado, mas o processo dele não está divulgado, correu debaixo do manto do segredo de estado. O próprio advogado tem muita dificuldade em aceder à informação”, diz Isabel Santos.  A filha já criou uma página na internet onde descreve o que conseguiu saber do processo do pai – que nem ela nem a mãe podem visitar.

Mukhtar Dzhakishev foi presidente da agência nuclear do Cazaquistão

Agora a luta da responsável pela comissão dedicada à liberdade e igualdade de todos os cidadãos do mundo passa por visitar a prisão de Guantánamo. “É um processo cujos contactos de visita iniciei em fevereiro. É uma situação que nos envergonha enquanto democratas e que tem de ser resolvida com outros estados”, diz a deputada. “Há presos que têm condições para sair em liberdade mas não podem ser levados para os seus países, nem para os EUA. É urgente encontrar soluções”.

Isabel Santos sente-se claustrofóbica a cada vez que entra numa prisão. Mas isso não a demove de visitar presos políticos.

Em Isabel Santos, esta mulher licenciada em Relações Internacionais e pós-graduada em Sociologia, há, no entanto um ponto importante. A de não conseguir conceber a ideia de estar presa. Cada vez que entra numa prisão, naqueles segundos em que uma porta se fecha para outra se abrir, ela tem que esforçar-se para não entrar em pânico. Foi essa sensação de claustrofobia que sentiu perante os testemunhos de várias mulheres ativistas que lutam diariamente pelos seus ideais políticos. “Eu tenho um passaporte diplomático. Vou e venho, elas ficam lá”.

A Comissão de Democracia, Direitos Humanos e Questões Humanitárias da Assembleia Parlamentar da OSCE é uma das três comissões permanentes. A OSCE, constituída por 57 países, tem como missão promover a segurança em matérias político-militares, humanas, económicas e ambientais. Na comissão a que preside já passaram casos como os da banda de Punk russa Pussy Riot ou do candidato à câmara de Moscovo, preso antes das eleições autárquicas, conhecido por caso Navalny. Todos eles, considera a deputada, são um atentado às liberdades e garantias de cada um.

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