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Dimas Ardian/Getty Images

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Diagnosticar a doença. Vigiar o dengue deixou escapar o zika

A vigilância centrada no dengue não permitiu detetar o zika no início do surto. Diagnosticar corretamente a doença é importante para perceber que impacto terá. Há já seis casos importados em Portugal.

O vírus zika já era conhecido, mas pouco. Com sintomas tão ligeiros e sem estar associado a problemas de saúde mais graves, nunca lhe foi dada muita atenção. Até que, com o surto na América do Sul, os casos de microcefalia começaram a aumentar ao mesmo tempo que aumentavam o número de casos de infeção por zika. O aumento do número de casos de deficiências congénitas e de problemas neurológicos, como a síndrome Guillan-Barre, levou a Organização Mundial de Saúde (OMS) a declarar a possível associação entre o vírus zika e estes problemas uma emergência de saúde pública de interesse internacional.

Mirocefalia

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Quando o perímetro do crânio no recém-nascido, medido 24 horas depois do nascimento, é menor do que o normal, o bebé tem microcefalia.

Pode ser causada por um desenvolvimento anormal do cérebro do feto e como consequência a criança pode vir a ter convulsões, sofrer de problemas físicos e dificuldades de aprendizagem.

Desde 2015, o Brasil já registou mais de quatro mil casos possíveis de microcefalia, dos quais 404 estão confirmados como microcefalia e 17 destes foram atribuídos à infeção da mãe com o vírus zika. No Brasil, cientistas e Ministério da Saúde afirmam que o vírus causa microcefalia, mas a comunidade científica internacional e as organizações de saúde, incluindo a OMS, lembraram que a relação ainda não foi inequivocamente estabelecida pela ciência.

“O Brasil foi pioneiro na identificação da relação do zika com casos de microcefalia e coloca-se à disposição para a troca de conhecimentos”, respondeu ao Observador o Ministério da Saúde brasileiro.

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Como reforçaram a diretora-geral da OMS, Margaret Chan, e os especialistas que fazem parte do Comité de Emergência, é preciso apostar em medidas concertadas a nível internacional, sobretudo no que diz respeito à investigação. É preciso conhecer melhor o vírus e perceber se está associado à microcefalia, desenvolver vacinas que permitam imunizar a população contra o zika (como estas possibilidades em estudo), implementar formas de controlar o mosquito, arranjar tratamentos específicos e melhorar os meios de diagnóstico.

Como é feito o diagnóstico do zika?

Se o doente vai ao médico com febre baixa e manchas no corpo, determinar se é zika ou não pode não ser relevante para o tratamento do doente, porque não existem terapias específicas para o vírus. Mas identificar o vírus pode ajudar a conhecer melhor o surto e a prevenir a infeção de outras pessoas, incluindo no caso das mulheres que pretendem engravidar.

Pedro Vasconcelos, investigador na Seção de Arbovirologia do Instituto Evandro Chagas (Brasil), explicou ao Observador que existem dois tipos de testes para identificar a infeção: os exames virológicos, que pretendem identificar o material genético do vírus, e os exames sorológicos, que detetam os anticorpos produzidos pelo sistema imunitário contra o vírus.

Em Portugal, estes dois tipos de exames são efetuados no Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa), o laboratório nacional de referência para esta infeção desde 2007. O vírus pode ser detetado no sangue desde o início dos sintomas — e até cinco dias depois disso — e na urina até 10 dias depois do início dos sintomas, explicou ao Observador Maria João Alves, responsável pelo Laboratório de Virologia do Centro de Estudos de Vetores e Doenças Infeciosas do Insa.

“[Mas] a única forma de se fazer o diagnóstico com certeza é através da detecção do agente [neste caso, o vírus]”, disse ao Observador Maurício Nogueira, sub-chefe do Departamento de Doenças Dermatológicas, Infecciosas e Parasitárias, da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Brasil). “Os métodos sorológicos são muito problemáticos devido à reação cruzada com outros vírus da família (como dengue e febre amarela).” Isto quer dizer que os anticorpos contra vírus da mesma família podem dar falsos positivos.

“Todo o diagnóstico laboratorial tem uma margem para resultados falsos positivos e falsos negativos, mas de um modo geral são exames sensíveis e específicos”, disse Pedro Vasconcelos, que confirma que o melhor método é o exame virológico. Maria João Alves lembrou que, mesmo no caso dos anticorpos, existem dois tipos diferentes: os que dizem respeito a uma infeção recente (IgM), e que portanto poderão ser mais específicos para a infeção, e os anticorpos de infeções antigas (IgG) – e, neste caso, a distinção é mais difícil.

“Quanto aos métodos sorológicos, existe uma busca por métodos que consigam discriminar entre zika e dengue, mas até o momento são infrutíferos.”
Maurício Nogueira, Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto

Existe ainda uma forma adicional de identificar a presença do vírus, lembrou Pedro Vasconcelos: nos casos de morte podem ser recolhidos e analisados tecidos e órgãos. Foi assim que se identificou a presença do vírus em algumas crianças que nasceram com microcefalia.

Por enquanto, os testes são efetuados apenas por laboratórios certificados porque, como os casos eram tão raros, a indústria farmacêutica ainda não tinha encontrado motivo para criar kits comerciais. “Desde a semana passada que estes kits comerciais começaram a ser desenvolvidos”, disse Maria João Alves.

Sistema de vigilância falhou

Os dois investigadores brasileiros, Pedro Vasconcelos e Maurício Nogueira, concordam que o Brasil falhou no controlo da população de mosquitos Aedes aegypti, mas discordam em relação ao desempenho do país na identificação dos surtos transmitidos por estes mosquitos.

“O Brasil tem um sistema de vigilância de doenças infecciosas muito bom, mas hoje em dia é difícil, quase impossível, deter ou impedir a entrada de qualquer agente infeccioso”, disse Pedro Vasconcelos. “A velocidade de deslocação humano, com as viagens transcontinentais, leva doentes de um continente para outro em menos de 24 horas – o que inviabiliza qualquer esforço para controlar as doenças infecciosas.”

Mas Maurício Nogueira considera que o sistema de vigilância do país falhou “de forma grave”, e não foi porque o vírus viaja facilmente. “O Brasil só detetou o vírus zika depois de milhares de casos.” O que, segundo o investigador, é uma prova de que um sistema de vigilância focado só no dengue não é suficiente. “Não se deve focar a vigilância destas doenças no dengue, mas sim na vigilância da síndrome febril agudo e testar todos os agentes que podem causar estas doenças [como dengue, zika ou febre amarela].”

Monitorizar zika, mesmo em quem não está doente

Neste momento, ainda não se sabe quantas pessoas, ou mesmo quantas grávidas, estarão infetadas. Por um lado, apenas um quinto das pessoas infetadas com zika apresentam sintomas. Por outro, mesmo as pessoas que apresentam sintomas, podem não ir ao médico. A doença tem normalmente sintomas fracos, que não carecem de tratamentos específicos.

Scott Weaver, investigador no Instituto de Infeções Humanas e Imunidade, da Universidade do Texas (Estados Unidos), disse ao Observador que “num mundo ideal se monitorizavam todas as pessoas”. Isso permitiria saber mais sobre o vírus, a forma de dispersão ou o impacto que tem na pessoa, mas teria certamente custos elevados e exigiria muitos recursos humanos.

“[O diagnóstico em pessoas sem sintomas] normalmente não se realiza. Deve dar-se prioridade, nos recursos laboratoriais, aos casos graves de pessoas com doenças debilitantes e com imunodeficiência e de gestantes.”
Pedro Vasconcelos, Instituto Evandro Chagas

Pode chegar-se mais perto do número real de pessoas infetadas “através de estudos prospetivos em populações definidas”, disse Maurício Nogueira, acrescentando que é exatamente isso que a universidade onde trabalha está a fazer. “Inquéritos epidemiológicos ou, preferencialmente, soro-epidemiológicos são os mais recomendados e com maior grau de certeza”, acrescentou Pedro Vasconcelos.

Estudo prospetivo

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Um estudo epidemiológico pretende estudar a relação entre a causa da doença e as consequências da mesma.

Um estudo prospetivo é uma das formas de o fazer: acompanha os doentes ao longo do tempo e verifica como se desenvolve a doença.

Para Scott Weaver, seria bom que se pudessem testar todos os homens que têm companheiras que podem vir a engravidar ou e as mulheres que interessadas em ser mães. Com a possível ligação dos casos de zika aos casos de microcefalia, é importante testar as mulheres em idade fértil ou grávidas, para prevenir o contágio dos fetos. Os testes aos homens têm o mesmo objetivo. Mesmo sem estar demonstrado que o vírus se transmite por via sexual, as pessoas que partilham a habitação podem facilmente ser picadas pelos mesmos mosquitos infetados.

Sobre a transmissão por via sexual ainda não existem certezas, até porque numa casa onde existem mosquitos infetados é difícil determinar se o vírus foi transmitido pela picada do inseto ou pelo sémen. “A melhor forma de determinar se há transmissão sexual é através dos viajantes que foram infetados”, explicou Scott Weaver. Até ao momento foram identificados dois casos de transmissão por via sexual nos Estados Unidos e um homem no Taiti que teria o vírus no sémen – mas cujo sémen também tinha sangue.

Em 2008, o investigador Brian Foy regressou do Senegal com uma infeção com o vírus zika e transmitiu a doença à mulher. A transmissão por mosquito foi descartada, porque a mulher não tinha saído do Colorado e os filhos, a viver na mesma casa, não foram contaminados. Scott Weaver explicou que Brian Foy acusou a presença de sangue no sémen, mas que não foi feito nenhum teste neste sentido. Também não foi descartada a possibilidade de o vírus estar presente na saliva. De qualquer forma, mesmo que esteja na saliva ou no sémen, a frequência de infeção (a taxa a que há transmissão do vírus) pode ser muito baixa, referiu o virologista.

“Ainda que o risco potencial seja considerado raro, o aconselhamento atual no Reino Unido é que os indivíduos com infeções de zika devem usar preservativos durante seis meses depois de confirmada a infeção. Os adultos que potencialmente podem ter sido expostos (e não confirmados) devem usar preservativos durante um mês depois de regressarem de uma área afetada”, recomendou Luis Cuevas, professor na Escola Superior de Medicina Tropical de Liverpool e na Universidade Federal de Sergipe, no nordeste do Brasil.

Não há tratamento específico

O diagnóstico é importante para perceber a doença, mas neste momento, e sem tratamento específico para o vírus zika, os doentes são tratados para as queixas que têm, como febre, conjuntivites ou erupções cutâneas.

Pedro Vasconcelos não sabe se estão em desenvolvimento drogas antivirais específicas contra o zika, mas alerta que seria difícil conseguir testá-las. “É muito complicado, já que o alvo seriam as gestantes infectadas e muitas drogas têm elevado risco de teratogenicidade [afetam o desenvolvimento dos embriões e podem causar malformações].”

“A utilização de analgésicos e antipiréticos deve ser criteriosa, para se evitar a indução de efeitos adversos, como hepatopatia, alergias e nefropatia”, referem investigadores do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (Lisboa), num artigo de revisão publicado na Acta Médica Portuguesa. Não se devem usar aspirinas porque, no caso dos doentes com dengue que foram diagnosticados erroneamente como zika, podem provocar hemorragias.

Em relação às manifestações cutâneas, os médicos podem aconselhar que se evitem banhos quentes e que se use sabão em excesso, que se faça uma correta hidratação da pele ou até que se tomem anti-histamínicos – mais pela função sedativa do que pela ação no prurido. “Os corticosteroides não devem ser utilizados, por se desconhecer a sua eficácia na regressão deste sintoma”, referem os autores do artigo.

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