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Dragões, rainhas ou polícias? Estas foram as melhores (e as piores) séries de 2017

Uma lista de utilidade pública. Em dias de banda larga e streaming em barda é possível recuperar o que não vimos. E o que se segue é o melhor que a televisão nos deu neste ano que termina.

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Primeiro que tudo, os esclarecimentos: este é um tema sensível. Nunca vamos estar todos de acordo quando chega a hora de escolher as séries de que realmente gostamos. Sim, uns vão defender “Black Mirror” com todas as forças, outros vão afirmar que os episódios são demasiado longos. E este conflito acontece com muitas outras produções, é daquelas guerras saudáveis que pode dar muito jeito quando já não há conversa em cima da mesa.

Para que não lhe falte nada — nem informação nem tema para o debate — o Observador faz o balanço do 2017 televisivo. As melhores séries, as piores, as personagens e os episódios que interessam e aquela série que não é de 2017 mas só agora é que a conseguimos ver. Está tudo aqui. As escolhas são do argumentistas Alexandre Borges, Ana Markl, Pedro Vieira e Susana Romana e do colaborador habitual do Observador, André Almeida Santos.

Alexandre Borges

Melhor série: “Guerra dos Tronos” (SyFy)

Isto é mais ou menos como o Messi e o Ronaldo: enquanto Starks e Lannisters andarem por aí, mais ninguém tem hipótese. Pelo menos para mim, que nestas coisas das séries de televisão sou anacronicamente monogâmico. A sétima temporada teve os seus momentos baixos, mas que casamento não tem?

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Pior série: “A Criação” (RTP)

A RTP tem feito um esforço meritório por tentar que haja vida para a ficção televisiva portuguesa além da telenovela; o processo, contudo, não se faz sem dores de parto. Uma série sobre uma agência de publicidade em que toda a gente é um animal – um urso, um leão, uma galinha, uma rata, um cão – é daquelas ideias que deve ter parecido genial e, como agora toda a gente diz em toda a parte, “disruptiva”, mas digamos que há uma boa razão para que, todas estas décadas, a televisão tenha sido feita com actores. Gente. Pessoas com rosto, olhar, expressão, emoções. E não com vozes inexpressivas dentro de bonecos inertes. Admitindo que ainda estamos a trabalhar para adultos, claro.

Melhor personagem: Tyrion Lannister

Numa série em que aprendemos a perder – perder os heróis, as ilusões, o tapete – e em que dançam cavaleiros gigantes, lobos e dragões, acabamos a pôr todo o nosso coração nas mãos de Tyrion Lannister. Para quem vê a “Guerra dos Tronos”, não é preciso dizer mais; para quem não vê, fica a nota de que nos referimos a um anão, alcoólico, céptico e cínico, menino rico, detestado pela família, tagarela e grande apreciador de bordéis. Começou como vilão; tornou-se herói e sabe-se lá se não completará o seu extraordinário arco novamente como vilão. Entre os muitos ensinamentos que nos tem deixado, fiquemos hoje por este: “Depois de pores uma coroa num cão, é difícil pôr-lhe uma trela.”

Melhor episódio: “The Dragon and the Wolf”, de “Guerra dos Tronos” (SyFy)

Não foi só o último episódio da penúltima temporada; foi o último episódio antes de dois anos de paragem. E foi um episódio de hora e meia que consagra aquele caminho da televisão de grande orçamento como indústria capaz de fazer filmes melhores e em menos tempo do que o cinema. E foi a reviravolta de qualidade num jogo que ameaçara perder-se no episódio anterior. E foi ainda o dia em que vimos um dragão morto a voar – o que, convenhamos, tem a sua magia.

Melhor série que vi este ano, mas vai-se a ver, já não era deste ano: “Black Mirror” (Netflix)

As antologias – séries com episódios completamente fechados, histórias autónomas semanais com elenco e décor próprios, unidas apenas pelo género e atmosfera – estão a voltar, depois de muitos anos fora de moda, e muitos dos louros têm de ser atribuídos a “Black Mirror”. Verdadeiramente negra e verdadeiramente um espelho do tempo e do modo que vivemos. É difícil continuar a ver os talent shows da mesma forma depois de passar por “Black Mirror”. Ou assistir sem julgamento ao exercício cada vez mais frequente de se estar a olhar para as fotos ou vídeos do que acaba de se passar, em vez de se estar no presente. Ou olhar para um porco. Sobretudo, isso. Ficou difícil ver um porco.

Não há nada de mal - pelo contrário - nas séries com menos de 573 temporadas. As séries não servem para vos alimentar os vícios.

Ana Markl

Melhor Série: “Mindhunter” (T1, Netflix)

Quanto mais se agiganta a voracidade do público por twists e cliffhangers, melhor sabe degustar uma série como “Mindhunter”, em que a investigação académica é bem mais empolgante que a investigação policial. “Mindhunter” documenta os primórdios da psicologia criminal no FBI, nos anos 70, quando as noções de bem e mal foram esbatidas por nuances mais complexas. O melhor de David Fincher, produtor da série, perpassa por todos os episódios e a banda sonora, com canções da época, encaixa que é um primor.

https://www.youtube.com/watch?v=7gZCfRD_zWE

Melhor Episódio: “The Book of Nora”, de “The Leftovers” (T3, HBO/TV Series)

Uma das melhores e mais inquietantes séries dos últimos anos culmina com uma verdadeira obra-prima sobre amor, perda e contenção. Muitos dos que se desiludiram com o rumo de Lostrecearam aproximar-se de “The Leftovers” por ser do mesmo criador, Damian Lindelof. “Nunca veremos o fundo ao tacho”, diziam. Mas aqui não há tacho para rapar. E o facto de a série ser co-escrita pelo autor do livro em que se baseia, Tom Perrota, permitiu que fosse além da história original sem que a narrativa resvalasse em momento algum. Além disso, não há nada de mal — pelo contrário — nas séries com menos de 573 temporadas. As séries não servem para vos alimentar os vícios.

Pior Série: “Disjointed” (T1, Netflix)

Se esta série fosse um ser humano, era uma velha gaiteira bastante insuportável. É bafienta na sua forma e armada em moderna no seu conteúdo: tudo se passa numa farmácia de canabinóides gerida por Kathy Bates. Mas nem uma moca lhe dá graça.

https://www.youtube.com/watch?v=ly019ZF0lsk

Melhor série que vi este ano, mas vai-se a ver, já não era deste ano: “The Good Place” (T1 e T2, Netflix)

Este ano estreou a segunda temporada, o que me levou a conhecer a primeira, estreada em 2016. “The Good Place” parece uma comédia que se faz passar por tola mas é, na verdade, um portento de escrita que se atreve a rir de forma leviana da condição humana — sendo que a acção se passa depois da morte, ou seja, não há descanso.

Melhor Personagem: Holden Ford, “Mindhunter” (T1, Netflix)

É uma personagem que cresce em nós, este agente do FBI que se especializa em estudar a mente dos criminosos e, no processo, acaba por revelar lados bastante inquietantes da sua própria mente. O actor, Jonathan Groff, vem da Broadway e é um surpreendente actor dramático. Até ao final da temporada, não percebemos se é um panhonha ou um psicopata. Mas ia mais para a segunta hipótese.

Ao fim de quatro temporadas, "Halt and Catch Fire" disse tudo o que tinha para dizer. Redonda, perfeita, acaba com a felicidade de uma jornada completa, dever cumprido e sem lágrimas.

André Almeida Santos

Melhor série: “Halt And Catch Fire” (AMC)

Para dizer a verdade, as minhas melhores horas de televisão em 2017 foram aos domingos a ver o “NFL Red Zone”, programa da NFL Network que tornou uma dezena dos meus domingos, pelo menos, muito melhores. Das seis da tarde até às tantas da manhã a ver jogos de futebol americano, em que se salta constantemente de jogo para jogo para aquele em que está a acontecer algo realmente importante. No fundo, é um programa de “highlights” em directo. Durante horas. Uma pessoa até se esquece que tem de comer. E dava por mim a pensar “porque é a Sport TV não cria algo semelhante para as transmissões da Liga dos Campeões?”. Mas isso é outra história.

Como tenho de escolher séries, o prémio tem de ir para a quarta e última temporada de “Halt And Catch Fire”. Nem é a melhor temporada de “Halt” e até vi coisas melhores neste ano (“American Vandal”, “The Deuce”, “Big Little Lies”, “Master Of None” ou “Curb Your Enthusiasm), mas a série da AMC foi um cantinho de satisfação ao longo de quatro anos.

Sim, é uma série sobre computadores, videojogos e internet. Aliás, acompanha o avanço da tecnologia ao longo de duas décadas, através de um grupo de personagens que começam por prestar homenagem à história da Compaq (primeira temporada), aos criadores de “Wolfenstein” e “Doom” (segunda temporada) e ao nascimento da internet/redes sociais nas duas seguintes.

Só que também é uma série sobre relações, comportamentos, repetição, crescer e que a partir da segunda temporada meteu a unha na actualidade sem fazer disso uma bandeira. Querem uma série com personagens femininas fortes? Metam o resto na prateleira e comecem a ver “Halt And Catch Fire”. Querem uma sobre como é difícil vencer num mundo masculino, machista, etc.? Ora, façam o mesmo que disse há duas frases. E como nada disso é uma bandeira, é só algo que acontece na narrativa da série, há espaço para fazer algo realmente bem feito sem preocupações de agradar a X ou a Y.

Além disso, é muito bem escrita, realizada e tem uma banda-sonora magnífica, usada com o fulgor narrativo e o brio com que tudo acontece em “Halt And Catch Fire”. E ao fim de quatro temporadas disse tudo o que tinha para dizer. Redonda, perfeita, acaba com a felicidade de uma jornada completa, dever cumprido e sem lágrimas (excepto num episódio em particular nesta temporada). O que é triste é que tão pouca gente a tenha acompanhado.

Melhor episódio: “Chapter 7”, de “Legion” (Fox)

Quando se traz “Fargo” para o pequeno ecrã com a categoria com que Noah Hawley o fez, pode-se fazer mais ou menos o que se quiser. Adaptar “Legion”, uma personagem do universo de X-Men, era um risco, mesmo num mundo de adaptações em que a dualidade do significado de super-herói ou vilão é uma constante e que tem sido o ponto de partida para algumas adaptações, para cinema e televisão, nos últimos cinco anos. Em 2017, Hawley pôs cá fora a temporada menos boa de “Fargo” (a terceira) e deveria ser criticado por esse desleixo. Só que antes disso já tinha posto cá fora todos os episódios de “Legion”.

“Legion” é uma elaborada, confusa e inconclusiva viagem às doenças mentais, a patologias sociais e ao lado negro dessas coisas. Isso é evidente logo no primeiro episódio e uma das maiores vitórias de Hawley foi conseguir adensar isso nos episódios seguintes: na verdade, os oito episódios só lançam confusão e raramente dão respostas. O espectador sente-se perdido, por vezes nem sabe bem o que está a ver, se é algo sério ou intenso sobre o universo dos super-heróis, uma paródia ou qualquer coisa que ficou tão partida no processo de criação que é difícil juntas as peças.

As peças de “Legion” juntam-se sem a obediência de uma fórmula. Quando se aproxima do final o espectador já perdeu a crença nas respostas definitivas e abraçou o labiríntico processo que mistura tempo, espaço e esquizofrenia. E é no auge da confusão que acontece o capítulo 7, em particular aqui, em que o tapete é tirado de repente e as narrativas acontecem sem saber se está tudo realmente a acontecer, se é uma orquestração ou se é puramente um acto racional da mente e dos poderes do protagonista, David Haller (Dan Stevens).

Em cinco minutos, Noah Hawley mete o espectador dentro de “Legion”. É um actor dentro da miríade de situações que ocorrem naquele momento: fica parte de um universo paralelo das realidades de Haller. É um daqueles raros momentos em que se faz “uau” e se volta para trás imediatamente para perceber o que raio acabou de acontecer. E quando se volta à realidade, “Legion” ganha clareza, toda a complicação do que se passou nas horas anteriores fica palpável a quem acreditou e teve paciência para chegar a este momento.

Pior série: “Room 104” (TV Series)

Há quem lhe chame perturbação obsessivo-compulsiva, eu acho que é só uma crença absoluta de que as coisas existem por causa de um sentido e eventualmente serão explicadas e ficarão melhores. Passo a explicar: se começo a ver uma série, vejo até ao fim. Boa, ou má, tenha tempo ou não, faço-o com teimosia. Não quero saber, fico ligado.

Tenho muito poucas razões de queixa desta minha atitude. Normalmente sou recompensado, até porque com a experiência um tipo convence-se que tem o tal “gut feeling” e que eventualmente algo acabará por lhe dar razão. Se eu não fosse assim nunca teria visto a segunda temporada de “Love”. Que gostei. E detestei a primeira. E teria falhado a febre de “Guerra dos Tronos”. Não gostei da primeira temporada. E continuo a não gostar. E já revi só para tirar as dúvidas.

“Room 104” foi tempo que deitei para o lixo em 2017. Comecei a ver porque gosto moderadamente do que Mark e Jay Duplass fazem. A premissa: cada episódio é independente e passa-se no mesmo quarto de hotel, em momentos diferentes, parecia engraçada. E ficou claro para mim, ao fim de dois episódios, que era mesmo uma série fraca. Claro que vi os doze episódios, claro que de vez em quando ia ao menu da minha box e tinha coisas mais interessantes para ver e olhava para o separador de “Room 104” e via que ainda tinha alguns episódios para ver e pensava “este aqui até pode ser bom”. E via. E detestava. Não é masoquismo, é só curiosidade. Às vezes, raramente, queimo-me.

E porque é que é má? Um vazio de lugares comuns de truques de argumentos e de abracinhos carinhosos de tributo a algum cinema de terror com aquela preguiça de que basta a honra e a nostalgia para dar valor a qualquer coisa. Gostava de desenvolver isto, mas não me quero maçar nem perder mais tempo. Já perdi seis horas da minha vida com “Room 104”.

Melhor personagem: Larry David, de “Curb Your Enthusiasm” (HBO)

Larry David e “Curb Your Enthusiasm” estiveram muito tempo ausentes do mundo. Seis anos separam a oitava temporada da nona que pudemos ver em 2017. O mundo mudou, Larry David não. Sendo eu grande apologista de que nos devemos rir de nós próprios para depois gozar com outros e com qualquer situação, com toda a liberdade (mais ou menos, mas podemos falar sobre isso noutra altura), Larry David é um dos maiores para mim (ao lado de Matt Stone e Trey Parker, criadores de “South Park”).

O seu regresso não foi fortíssimo, foi igual a si mesmo. Mais do que fortíssimo, portanto. Desligado das regras de higienização moral dos últimos anos e da preocupação em ofender. E na nona temporada volta a enfiar-se na espiral de “ele sabe disso mas não quer bem saber, mas afinal quer saber”. O mundo de “Curb Your Enthusiasm” alimenta-se do real e de si mesmo e há um brio e brilho nisso que só o Larry David que Larry David criou para a sua série consegue transmitir.

Melhor série que vi este ano, mas vai-se a ver, já não era deste ano: “30 for 30” (A Bola TV)

https://www.youtube.com/watch?v=0W-EE6W3C88

Antes da Netflix chegar a Portugal eu era daquelas pessoas que tinha uma conta norte-americana da Netflix e brincava aos DNS para conseguir ver as coisas por cá. Quando a Netflix chegou, apertou-se a segurança e deixei de conseguir fazer essa brincadeira e o que mais me partiu o coração foi não ter acesso aos documentários de desporto da ESPN, a maravilhosa série “30 for 30” (até são tramados de sacar, de apanhar em stream ou até de comprar noutro sítio para download, tipo iTunes (há em DVD, mas já me deixei disso). Por isso, uma das melhores notícias deste ano foi quando A Bola TV começou a transmitir alguns desses documentários (procurem por “Momento ESPN”). Claro que era porreiro ter os documentários todos acessíveis e não ver ou rever ao sabor da programação (trata lá disso Netflix), mas é o que se arranja.

Não é inédito andar um pouco desfasado dos tempos de estreia das séries, à semelhança do que acontece com suplementos atrasados dos jornais. Guardo-os para mais tarde, esperando que o tempo lhes dê uma patine especial.

Pedro Vieira

Pior série: “A Névoa” (Netflix)

Cheguei à série atraído como uma traça pela luz de Stephen King (curiosamente, um animal que tem alguma preponderância nesta produção da Netflix). Digamos que cedi à lógica do selo de qualidade do escritor, expressão que a editora de José Rodrigues dos Santos também já adoptou nas suas campanhas promocionais, mas a expectativa não se cumpre. Tudo começa com uma cidade do interior dos Estados Unidos invadida por um nevoeiro mortífero. E tudo se arrasta numa cidade do interior dos Estados Unidos invadida por um nevoeiro mortífero. Há núcleos de sobreviventes que se constituem no meio do horror, um dos quais barricado num centro comercial, e rapidamente damos por nós a pensar se será melhor ficar trancado no Colombo rodeados de gente alarmada, e.g., quando anda à procura da Primark, ou ser despedaçado por uma névoa assassina. A narrativa é mastigada, há um subtexto a roçar o New Age que alude a uma Natureza vingadora, há protagonistas com o carisma e o talento de um marco do correio. Resultado: a hipótese de uma segunda temporada mergulhou nas brumas e já não saiu de lá.

O melhor que vi este ano mas, vai-se a ver, não é deste ano: “Peaky Blinders”, temporada 3 (Netflix)

Não é inédito andar um pouco desfasado dos tempos de estreia das séries, à semelhança do que acontece com suplementos atrasados dos jornais. Guardo-os para mais tarde, esperando que o tempo lhes dê uma patine especial ou simplesmente ignorando-os durante demasiado tempo, para depois me aperceber de erros crassos fruto do laxismo. A terceira temporada de “Peaky Blinders” estreou e 2016 mas posso garantir que envelheceu pouco ou nada. Aliás, tendo em conta que parte dos protagonistas são aristocratas russos fugidos do bolchevismo, até fez sentido assistir à série no 2017 de todas as efemérides leninistas. Acontece que os argumentistas trocaram as voltas ao Vladimir e em vez de um passo à frente, dois passos atrás, resolveram dar um maoísta grande salto em frente. Sacrificando personagens de relevo (algo que a pressão comercial já não permite em “Game of Thrones”), aumentando a densidade e a presença dos elementos secundários da família Shelby, congeminando um final de temporada totalmente inesperado. Acresce a componente musical. Quantos produtores arriscam uma passagem dramática para televisão ao som dos Radiohead na fase Amnesiac? “By order of the Peaky Blinders”, esta é uma temporada para revisitar e saborear.

Melhor episódio: “Handmaid’s Tale”, Episódio 3

https://www.youtube.com/watch?v=PJTonrzXTJs&t=1s

Numa série recheada de passagens e alusões às escrituras, é natural que o episódio 3 – número bíblico por excelência – assuma alguma proeminência. É nessa altura que percebemos o crescendo da animosidade e do autoritarismo que irão redundar na distopia que conhecemos desde o arranque da série. Uma distopia profundamente original (cortesia de Margaret Atwood), na qual convivem personagens complexas que vão além da dicotomia bom/mau, herói solitário/sistema vilão absoluto. Ao terceiro episódio, somos brindados por flashbacks que ilustram o caminho percorrido até ali e as consequências reservadas aos dissidentes, depois de o sistema se instalar em pleno. E a música tem um papel fundamental no modo de contar. Quer nos flashbacks, quer no momento presente (que é um futuro próximo). O questionar e ilustrar da condição feminina, transversal a toda a série, ganha maior significado ao som de “Fuck The Pain Away”, numa sequência de corrida, e de um remix de “Heart of Glass”, num momento de repressão violenta de um protesto. Peaches e Blondie, mulheres de perfil vincado, sublinhando o desagregar de uma sociedade democrática. O final do episódio faz-se em modo punk ao som de Jay Reatard (“Waiting for Something”), antecipando um grito de uma mulher. Que é um grito geral de revolta contra a indecência. Touché.

Melhor série: “Alias Grace” (Netflix)

2017 é definitivamente o ano em que a realidade andou a reboque da ficção. Os escândalos de abusos, assédios e enxovalhos têm feito correr rios de tinta, isto depois da estreia de séries como “Handmaid’s Tale” ou “Alias Grace”, que questionam papéis de género e violências de todos os géneros sobre as mulheres. Se a série produzida a partir do romance de Margaret Atwood tem todo o potencial para conquistar plateias – entre elenco, meios de produção, banda sonora e charme distópico – a série produzida a partir do romance de Margaret Atwood aposta tudo na contenção. Confusos? A verdade é que duas das séries que marcaram o ano partem da obra da escritora canadiana, com vantagem para “Alias Grace”, na minha opinião. Nessa produção da Netflix, tudo se passa de uma forma mais localizada, mais contida, com recurso a mais subtexto. A protagonista tenta sobreviver a uma acusação de homicídio e conta a sua história povoada de abusos, antes e depois da detenção. E conta-a de um modo envolvente, subtil, em registo underacting e em diálogo com um médico psiquiatra, que vai sucumbindo à dúvida. Nada é claro, tudo é subentendido, mérito da actriz Sarah Gadon, da escrita sagaz e muito provavelmente da direcção de actores. Mais importante do que a autoria do crime é a descrição de uma atmosfera de sufoco e de indecência num século XIX onde a condição feminina está pejada de armadilhas, comunicando com um espírito do tempo actual que paulatinamente as vai desmontando (ou pelo menos tenta-o). Alias Grace é o triunfo da subtileza, da ambiguidade e até da luta de classes. De pé ó vítimas da televisão generalista?

Melhor personagem Commander Waterford, “The Handmaid’s Tale”

É um personagem de carácter intrigante, potenciado pelo comportamento sibilino e pelas ligações exteriores relativamente opacas. Percebe-se desde cedo que ocupa uma posição de relevo e no entanto revela fragilidades, parece ceder à solidão e à lisonja. E mostra implacabilidade e capacidade de arrependimento, se teme as consequências de uma tensão levada ao limite. O seu relacionamento com Offred, a serva protagonista, e mesmo com a mulher legítima está sujeito a mutações, a estados de alma, a caprichos e manipulações. Tem tudo para ser o vilão mas a série – centrada nas mulheres mas um personagem masculino forte – não é feita desses arquétipos.

“Narcos” tinha tudo para não sobreviver à falta de Pablo Escobar, mas apresenta a sua melhor temporada até agora, com um Pêpê Rapazote tão incrível que merece ir para o Panteão Nacional. Vivo. E sem jantar volante da Web Summit.

Susana Romana

Melhor série: “Master Of None” (Netflix)

A Netflix tinha este ano algumas bombas-relógio nas mãos: séries que tinham tido reacções apaixonadas por parte dos espectadores e sido premiadas por parte dos críticos iam regressar para novas temporadas. Todas as bandas se queixam das dificuldades do segundo álbum depois de encherem festivais com o primeiro, e aqui a pressão não era menor. “Stranger Things”, “Narcos”, “The Crown” e “Master Of None” iam todas ter de voltar a convencer ou passariam de bestial a besta, de maratona obsessiva a 100 metros barreiras com desistências. Num milagre (chamemos injustamente milagre ao colossal trabalho e empenho que a Netflix coloca nos seus conteúdos), todas regressaram tão boas ou melhores. “Narcos”, por exemplo, tinha tudo para não sobreviver à falta de Pablo Escobar, mas apresenta a sua melhor temporada até agora, com um Pêpê Rapazote tão incrível que merece ir para o Panteão Nacional. Vivo. E sem jantar volante da Web Summit.

https://www.youtube.com/watch?v=tGE-Mw-Yjsk

Mas “Master Of None”, o projecto de Aziz Ansari que chegou à segunda temporada em Maio deste ano, leva a taça por conseguir ser tanta coisa ao mesmo tempo. É cinematograficamente filmada, mas também é quase crua nos seus traços autobiográficos. Tem humor, mas tem melancolia a rodos. Tem a multiculturalidade dos novos Estados Unidos, mas também tem Itália a ser Itália. A série começa, aliás, com o protagonista, Dev, a viver em Modena e a aprender a fazer pasta como manda a lei. As piscadelas de olho ao cinema de Fellini são mais que muitas, mas o episódio mais marcante da temporada não podia ser mais Made In USA: Dev e a sua melhor amiga de infância recordam celebrações em família do Dia de Acção de Graças.

Com um final em aberto que deixou muitos à beira de um ataque de nervos (o Google apressa-se a sugerir links com teorias sobre o último episódio sempre que se pesquisa por “Master Of None”), Ansari tem sido muito pressionado com a questão “para quando uma terceira temporada?”. A resposta curta e grossa é: para daqui a muito tempo. “Preciso de me tornar num tipo diferente antes de escrever a terceira temporada. Casar-me ou ter um filho ou assim. Não tenho mais nada a dizer sobre ser um jovem solteiro em Nova Iorque a provar comida o tempo todo”. Arranjem uma noiva ao Aziz, por amor de Deus.

Pior série: “The Last Man On Earth” (Fox)

E à quarta temporada, o conceito esgotou-se. “Last Man On Earth”, a comédia do ex-SNL Will Forte, é uma série sobre um homem que acredita ser o último no planeta, após uma catástrofe ainda por explicar. Rapidamente o último deixa de ser o último, com um elenco fixo ao qual são volta e meia acrescentados actores de peso – deram-se ao luxo, por exemplo, de ter o Jon Hamm (protagonista de “Mad Men”) durante cerca de meia cena até levar um balázio.

O problema é que “Last Man On Earth” passou de surpreendente a confuso e sobretudo a aborrecido. Deu-se a “anatomiadegreyzação” da série: já não sabem que arcos inventar, que relações entre personagens criar, quem deve morrer, quem deve nascer. Arrastam-se apenas com aquele bafio a muito esforço e pouca uva. Não sei como vai esta série acabar e quando esse dia chegar provavelmente vou preferir estar a ver um programa do TLC sobre acumuladores de lixo.

Melhor episódio: “Terms Of Service”, de “Silicon Valley” (TV Series) e “Vergangenheit”, de “The Crown” (Netflix)

Vejo “Silicon Valley”, a comédia da HBO sobre um grupo de programadores da start up Pied Piper, partilhando o sofá com um informático. E por isso posso garantir que a série funciona a dois níveis: por um lado, está escrita com precisão de ourives do ponto de vista da realidade daquelas funções; por outro, tem graça mesmo para quem – como eu – mal sabe usar o Spotify. Humor inteligente misturado com referências algo bardajonas a genitália e personagens que me deixam com uma vaga curiosidade de ir à Web Summit ver se existem mesmo pessoas assim (spoiler: existem).

O episódio em causa faz-nos considerar a hipótese de que aquela coisa de ler os Termos e Condições de uma aplicação não ser assim uma ideia tão parva – e mostra como os jogos de poder são ainda mais absurdos quando ocorrem numa empresa que são basicamente cinco tipos com a noção empresarial de uma pevide e a venderem um produto que não sabem bem explicar.

Já “Vergangenheit”, o sexto episódio da recém-estreada temporada de “The Crown”, mistura história mundial com trama familiar e com introspeção moral. O título remete para a palavra alemã para passado e relata a descoberta por parte da Rainha de que o seu tio não só era simpatizante de Hitler como tinha um plano em conjunto com este para recuperar a coroa britânica. Um episódio tenso, um maná para quem se interessa por aquele período histórico e uma lição de representação por parte de Claire Foy. Soberbo como uma personagem tão contida como Isabel II pode revelar tanta coisa com tanta subtileza. Acho que foi isto que Sofia Alves tentou fazer em “Olhos de Água” quando iniciou a escola Pessoas Que Representam Com As Sobrancelhas. Foy tem ligeiramente mais talento.

https://www.youtube.com/watch?v=ME2umFQ_xBA&t=4s

Melhor personagem: Chepe, “Narcos” (Netflix)

Tenho no meu Facebook um fã de “Narcos” que não fazia ideia de quem era Pêpê Rapazote. Ao ponto de ter ido tentar perceber quem era aquele actor, certamente um sul americano com um percurso riquíssimo de cinema. Ficou de queixo caído quando percebeu que era português e que na sua página de IMDB constavam obras menos galvanizadas mundialmente como “Bem Vindo A Beirais”.

Chepe, o personagem do portuga que um dia arriscou protagonizar uma telenovela erótica da SIC (chamava-se “Jura”), faz parte do núcleo duro do “Narcos” pós-Escobar. Com a morte do narcotraficante mais famoso do mundo e a passagem da história para o Cartel de Cali, o interesse narrativo da série da Netflix arriscava-se a minguar. Mas a terceira temporada é tão boa ou melhor que as anteriores, e em muito isso deve-se ao elemento do cartel que geria as operações em Nova Iorque.

Chepe, ou José Santacruz Londoño, é um dos mais sanguinários do grupo, mas consegue por vezes ser quase um comic relief, tal é o gozo e safadeza com que cumpre as suas funções. Sempre que aparece, rouba a cena – mérito de uma matéria prima de história real sumarenta, mas também mérito de um actor que consegue fazer com que se torça por um sacana. Alguém sabe se o Beirais saiu em DVD?

Melhor série que vai-se a ver e não era deste ano: “Catastrophe” (RTP)

Descobri esta série porque está a passar às quintas à noite na RTP com o penoso título em português “Amor A Quanto Obrigas” – na fabulosa senda de traduções de títulos de comédias para a língua de Camões e Emanuel, que geralmente descamba para coisas com “louca” ou “do pior” no nome. Emitida pelo canal britânico Channel 4 desde 2015 (e distribuída pela Amazon, aguardando-se a quarta temporada já para 2018), junta o talento para o detalhe e para a piada cirúrgica da irlandesa Sharon Horgan e do americano Rob Delaney. A precisão da escrita de diálogos – já reconhecida com um Emmy e uma nomeação para os Peabody — não é mera coincidência. É que a dupla conheceu-se no Twitter, entre punchlines de 140 caracteres (assim até vale a pena ter de aturar por lá os diminutos polegares de Donald Trump às três da manhã).

A catástrofe de “Catastrophe” explica-se em poucas cenas logo no primeiro episódio: um americano numa viagem de negócios a Inglaterra tem um one night stand com uma desconhecida que acaba por resultar numa gravidez, numa emigração e num casamento. O título que a RTP cilindrou vem aliás de uma citação do filme de 1964 “Zorba, O Grego”: “Sou um homem, por isso casei. Mulher, filhos, casa, tudo. A catástrofe completa”.

A Sharon e Rob (os protagonistas-guionistas mantiveram os seus primeiros nomes para os personagens) juntam-se um casal de amigos em vias de se divorciar, um outro amigo com um devorador apetite por cocaína e uma família irlandesa com aquela tensãozinha gostosa das famílias católicas (sim, também vou ter uma ceia de Natal dessas). Uma das minhas piadas preferidas decorre, aliás, quando o pai de Sharon regressa de Londres para Dublin e tem um AVC durante o voo – e a reacção do filho, ao saber, é gritar “oh, that fucking Ryanair”.

Se nada disto servir para vos convencer, resta-me este trunfo: a par do mais recente “Star Wars”, é o último trabalho onde podemos ver Carrie Fisher, aqui como a insuportável mãe de Rob. E sim, ela era uma inesquecível Princesa Leia, mas não deixem de a ver no igualmente saboroso registo de comédia.

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