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Emanuel: "Sou a prova viva de que tudo é possível"

Emanuel, então Américo, tinha dez anos quando deixou Covas do Douro para ser padeiro em Lisboa. Tinha sede de mundo. Numa entrevista de vida, conta como tudo começou — a música e o "Pimba Pimba".

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Quando lhe perguntam porque é que aos 59 anos quis contar a sua história, Emanuel responde com a maior simplicidade do mundo: “Porque um dia tinha de ser”. Como um dia tinha de pegar numa guitarra, tocar umas notas e perceber que tinha de estudar música na escola que ficava do outro lado da rua onde trabalhava. Porque o seu destino estava ali e não atrás de um balcão de um bar lisboeta.

Emanuel nasceu Américo Pinto da Silva Monteiro a 25 de março de 1957, em Covas do Douro, uma pequena aldeia no Alto Douro. Apesar de ter crescido no seio de uma família onde nunca faltou nada, teve de trabalhar desde muito cedo. Mas nunca pôs isso em causa, porque era “normal”. Mudou-se para Lisboa com apenas dez anos porque as montanhas de Covas do Douro já não lhe chegavam — queria conhecer o mundo e ver o mar que só conhecia da televisão a preto e branco e cheia de “chuva” da Casa do Povo da aldeia. Queria mais.

Começou por trabalhar como pasteleiro, depois como barman. Foi no Paris-Orly, um bar da Avenida de Roma, que pegou pela primeira vez numa guitarra. “Aquilo soava tão bem!”, lembrou em conversa com o Observador. Tão bem, tão bem, que acabou por atravessar a rua e inscrever-se na escola de música Duarte Costa, que ficava mesmo ali ao lado. Quando acabou a formação, foi convidado para dar aulas numa escola em Odivelas. Percebeu ao trabalhar com Marco Paulo nos anos 80 que havia espaço para ele em Portugal. Tornou-se conhecido com o álbum Rapaziada Vamos Dançar (1994), mas foi com Pimba Pimba, de 1995, que se afirmou definitivamente com um dos grandes nomes da música popular portuguesa.

Aos 59 anos, Emanuel tem muitos motivos para se gabar, mas não o faz. Tem quatro caixotes de discos de ouro e platina guardados no estúdio na Pontinha — o AM Produções –, mas não é da fama que gosta de falar. Na biografia Nascemos para Ser Felizes, publicada em outubro pela editora Guerra e Paz, Elizabete Agostinho serviu-se das palavras do músico para contar a história de um homem que é igual a tantos outros nascidos na década de 50. Só que a sorte bateu-lhe à porta e Emanuel tornou-se Emanuel. “Sou a prova viva de que tudo é possível”.

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O cantor tem um estúdio de gravações na pontinha, o AM Produções

HUGO AMARAL/OBSERVADOR

A história de uma vida e de uma geração. Uma biografia porque “tinha de ser”

Porque é que decidiu agora, aos 59 anos, contar a sua história?
Tinha de acontecer, tinha de um dia deixar registado quem é Emanuel, o homem, como é que cheguei aqui. Fazia todo o sentido, até porque tenho essa oportunidade e muitas das pessoas da minha geração não a têm. Acho que os homens e as mulheres que nasceram na década de 50 — aliás, eu explico isso no meu livro — merecem isso porque foi uma década muito interessante. Os nossos pais tinham conhecido a fome, quase a miséria, porque Portugal era um país sem nada. O pouco que havia tinha de ir para os Aliados… Parece um pouco irónico, mas era de facto assim.

Ou seja, este país não tinha nada para dar aos seus cidadãos. A geração que nasce em 55, 56, 57, etc., etc. — dez anos depois da Segunda Guerra Mundial –, nasce de homens e mulheres jovens que viveram a infância e adolescência na fome. No caso dos meus pais, e de quase todos os outros, a principal preocupação era dar o melhor aos filhos. Não os deixar passar fome e ter roupa para os vestir e botas para os calçar.

Achou que ao lançar este livro também estava a contar a história da sua geração?
Sim, e é também por isso que o livro é tão transparente e tão aberto. Para alguém que não fazia questão de expor a sua vida privada, não havia necessidade de o fazer. Sou um músico formado e, portanto, sempre achei que se ia triunfar na música seria pelos meus conhecimentos enquanto operário da música e não pela minha vida privada.

Até porque, como disse, não é uma pessoa que goste de se expor. Algumas pessoas devem ter achado um pouco estranho que tenha decidido lançar uma biografia.
Não gosto. Até porque isto agora é por causa do livro e depois volta tudo ao mesmo. Mas o que eu quero dizer com não gostar de me expor é que não tenho vaidade nenhuma em ver-me nas capas das revistas. Não me diz nada. Poderá dizer aos outros. Não estou a criticar os outros, cada um faz o que quer, mas a mim não me fascina. Para alguém que tinha essa postura e que agora decide escrever um livro sem filtros, onde conta a verdade, há pessoas que acham isso um bocado estranho. Mas não tem nada de estranho, eu sou mesmo um homem verdadeiro. Quem me conhece acha isto natural. A maioria é que não estava habituada a esta forma de ser.

"Não tenho vaidade nenhuma em ver-me nas capas das revistas. Não me diz nada. Poderá dizer aos outros (não estou a criticar os outros, cada um faz o que quer), mas a mim não me fascina."

Esta biografia inclui muitos pormenores da sua vida íntima, incluindo como perdeu a virgindade aos 13 anos com uma prostituta.
Tudo! Mas sabe porquê? Estive para apagar isso, deixe-me dizer-lhe. Quando a Elizabete [Agostinho] me mandou isso, sublinhei no computador para apagar. Mas depois pensei: “Mas vou apagar porquê?”. Para a maioria dos homens, aquilo era um ritual. Quando os pais, os amigos, achavam que estávamos a ficar uns homens, o ritual era ir às meninas. Era um ritual. Achei que devia por isso para as pessoas pensarem no que era o mundo de então. Eu sei que vocês jornalistas tentam logo esmiuçar. Toda a gente pegou nisso como se fosse uma coisa… Não. Era uma coisa natural.

Obviamente que eram 13 anos, era cedo, mas já viu o meu tamanho com 13 anos? Se me comparar com os meus irmãos, pode ver a diferença. Eu com 13 anos era um homem feito! Quer mentalmente, quer fisicamente. Era um calmeirão, sempre fui. Cresci muito depressa porque era o mais velho. Os meus amigos eram todos mais velhos do que eu e, por isso, acharam que tinham de levar o puto à “cerimónia”. Achei que tinha de ser dito porque, caso contrário, estaria a fugir aos hábitos daquela altura. O livro ganha importância por causa destes pormenores. Porque dizer: “Olha, eu tenho tanto sucesso! Olha tanta gente! Olha, quatro caixotes de discos de platina!”. Ehh. E…? Isso para mim não é novidade nenhuma. A maioria dos artistas de sucesso tem isso. Agora, estas vivências tão ricas e tão verdadeiras é que poucos têm.

No livro, conta que lá em casa, na aldeia de Covas do Douro, sempre tiveram uma mesa farta, mas que teve de trabalhar desde muito cedo.
Muito. Sempre me conheci a trabalhar, desde que me lembro. Mas era normal. Sei que isto faz confusão. Aos sete, oito anos, já estava habituado a levantar-me às seis da manhã, ir com a minha mãe para as hortas e depois ir para a escola. Depois vinha da escola e tínhamos de encher os depósitos da água, que íamos buscar ao fontanário, depois tínhamos de ir à montanha buscar lenha porque não havia fogões, não havia nada disso. Não havia frigoríficos… Aquilo era um mundo diferente. Trabalhava-se muito. O horário dependia da luz — de inverno trabalhava-se menos, de verão trabalhava-se mais. Em agosto, sobretudo, dormia-se a sesta porque no Alto Douro aquilo é um calor infernal. É 40 graus a sério! Portanto, o trabalho era normal para nós. Era como dizer ‘bom dia’ e ‘olá’. Ninguém se queixava.

Nunca pôs isso em causa?
Nunca. Toda a gente o fazia, porque toda a gente queria colaborar para que a família tivesse tudo. Era esse o espírito. Por isso é que eu tinha de contar isto — para as pessoas perceberem que era assim que nós vivíamos, de forma tão diferente do que é hoje. Gostava que vissem isto quase como um documento, que conta a história de um homem igual aos milhares que nasceram naquele tempo. Não é o livro do Emanuel, é o livro de uma geração.

"Gostava que vissem isto quase como um documento, que conta a história de um homem igual aos milhares que nasceram naquele tempo. Não é o livro do Emanuel, é o livro de uma geração." 

Sente que teve sorte? Nem todos tiveram as mesmas oportunidades que o Emanuel teve.
Sim, muita. E muitos nunca tiveram a vida que tenho. Repare, eu sou a prova de que tudo é possível. Um menino que faz a quarta classe, que vem para Lisboa trabalhar numa padaria, volta, três meses depois vem a família toda, fazem todo um percurso. E acabei por conseguir o meu El Dourado.

Mas o meu pai, por exemplo, veio para cá trabalhar para as obras mas foi estudar. Foi para a Caixa de Previdência e voltou a estudar com aquela idade para subir na hierarquia. É uma questão de vontade, de atitude e de exemplo, porque éramos todos assim. A minha mãe também foi trabalhar para a Caixa de Previdência, hoje chama-se Segurança Social. A família tinha como objetivo conseguir o melhor possível, e éramos todos muito unidos. Toda a gente trabalhava para o “bolo”. Quando eu comecei a trabalhar, o meu ordenado ia para casa. Não ficava com ele, como é agora. Não, ia tudo para casa.

Não guardava nada para si?
Tinha a minha mensalidade, para as minhas despesas. O que eu precisava, tinha. Mas o que é que eu precisava? De ir ao cinema, de dinheiro para os bilhetes do autocarro, e pouco mais do que isso. Nós também não tínhamos nada em que gastar dinheiro, não tínhamos telemóveis… [risos]. Quando os meus irmãos terminaram o nono ano e começaram a trabalhar, o ordenado também ia lá para casa. Nós só deixávamos de por dinheiro lá em casa quando nos casávamos, mas ninguém contestava isto. Isto era n-o-r-m-a-l.

Do pequeno mundo de Covas do Douro para Lisboa, a cidade grande

Saiu de Covas do Douro quando tinha dez anos para vir trabalhar para Lisboa como aprendiz de padeiro. Foi uma decisão difícil de tomar? Tinha uma ligação muito forte com a sua família.
Nada! Era um sonhador, ia para a montanha sozinho. Aquele mundo era muito pequeno para mim. Com dez anos, já sentia que tinha de partir para outras coisas. Parece que havia uma voz que me chamava. E é verdade, não estou a dizer isto por razões místicas. Não tem nada a ver com isso. Foi aquele sexto sentido, aquela voz interior, o cérebro a falar! E o cérebro dizia: “Esquece, isto não é para ti. Tens de ir para outro lado”. E eu adorava aquilo! O meu dia-a-dia era fantástico. Fazia papagaios, ia aos pessegueiros, tirava a cola, misturava aquilo com não sei quê…

Andava sempre a inventar.
Sempre! Devia ser hiperativo, olhando para trás. E era de certeza! Era uma vida fabulosa… Com muito trabalho, mas feliz. Cresci porque fui obrigado. Então, eu trabalhava tanto! O corpo adapta-se. Eu cresci mais do que os meus irmãos porque era o mais velho.

"Era um sonhador, ia para a montanha sozinho. Aquele mundo era muito pequeno para mim. Com dez anos, já sentia que tinha de partir para outras coisas."

Disse que era um sonhador. Sabia o que queria fazer quando chegasse a Lisboa? Tinha algum plano?
Queria ver o mundo, queria ver o mar, queria ver a cidade grande. Queria ver como era Lisboa. E volto outra vez ao mar: tinha um fascínio tão grande pelo Rio Douro que, se ele me dava aquele tipo de emoção, então quão bom devia ser o mar! Não se esqueça que estávamos a 500 quilómetros de Lisboa. Havia uma televisão na Casa do Povo e que estava sempre com “chuva”. O mar na televisão, a preto e branco e a apanhar mal, era uma coisa muito estranha. Mas aquilo criava um fascínio! Era uma coisa inexplicável. E, portanto, cá vim eu. E fiz muito bem.

16anos

Emanuel aos 16 anos, quando trabalhava como “barman” no Paris-Orly, no cruzamento da Avenida de Roma com a João XXI

Trabalhou em duas padarias mas, aos 14 anos, tornou-se aprendiz de barman no Paris-Orly, que ficava no cruzamento da Avenida de Roma com a João XXI. Foi essa mudança de profissão que lhe mudou a vida?
Sim, claro. Já estava com 14 anos — fisicamente devia ter uns 16 –, e mudou a minha vida. Primeiro porque a disciplina dos barmen era muito elevada. Era — e se calhar hoje também é — uma profissão muito orgulhosa. Gostavam daquilo tudo direitinho, tudo muito rigoroso, com muita disciplina. E isso foi muito importante para mim. E, por sorte, nem a 500 metros havia uma escola de música. Esses dois fatores mudaram a minha vida.

E foi no Paris-Orly que pegou pela primeira vez numa guitarra. O barman, o Mateus, tinha uma.
Exatamente. Tinha uma admiração enorme pelo meu chefe Mateus, que era também um homem excelente que me influenciou no bom sentido. As pessoas gostavam de passar valores, tinham vaidade nisso. Não havia a tendência de explorar (sobretudo naquela profissão), mas sim de passar o legado, que era importante para aquela gente adulta.

Lembra-se dessa primeira vez em que pegou numa guitarra?
Lembro! Aquilo soou tão bem, tão bem, tão bem! Uma coisa maravilhosa. Ainda por cima ele tinha acabado de a afinar. Epá… Aquilo soou… Enfim, pronto, fui estudar. Desisti dois meses depois, que eu ia só para aprender uns acordes.

Para engatar as miúdas?
Exatamente, nem mais! Ilusões da adolescência, todos nós passámos por isso. Mas a professora não me deixou desistir. Quer dizer, influenciou-me a não desistir. Mas ela tinha razão. E também me teceu alguns elogios e eu, pronto, dediquei-me à música. Comecei a estudar música clássica e fiz muito bem.

Nas horas vagas jogava de futebol.
Jogava com os amigos, naquela altura jogava-se em todo o lado. Jogava por divertimento porque adorava jogar e, ao que parece, era bom naquilo. Tem também a ver com a música, o que é curioso. Uma das coisas que descobri é que, quando a nossa parte psicomotora está desenvolvida (e eu comecei a desenvolvê-la muito cedo), conseguimos fazer tudo — chutar bem, fintar bem, conseguimos manobrar todos os elementos do corpo. E na música isso é fundamental. Tocar com dez dedos, individualizá-los à velocidade com que tocamos, exige muito do cérebro. Ou melhor, da parte psicomotora. E também tinha uma constituição física diferente. Era o único que chegava ao fim do jogo sem estar cansado. Depois levaram-me para o Cacém e houve alguém que me viu jogar e levaram-me para o Sporting. Supostamente ia fazer o campeonato no Atlético [do Cacém], que na altura estava na primeira divisão.

Acha que teria tido sucesso como futebolista?
Teria. De verdade. Porque eu chutava com os dois pés. Lembro-me que no Cacém jogava a defesa esquerdo porque era o único que chutava com o pé esquerdo. Quer dizer, na verdade chutava com o direito, mas também chutava com o esquerdo. Como não havia ninguém para aquele lugar. puseram-me a mim. Mas quando a equipa estava a perder, ia para a frente para tentar marcar. Jogava em qualquer sítio, qualquer posição, porque jogava futebol com o corpo todo. Era essa a diferença.

Então porque é que acabou por desistir?
Porque na altura não se ganhava o que se ganha agora, era outro mundo. Lembro-me que o Atlético tinha um treinador espanhol na altura e ele, coitadinho, esteve ali uma hora a tentar convencer-me a não desistir . Coitadinho do senhor, foi tão simpático. “Então pronto, agora ganha o dobro”, disse-me ele. E eu ganhava muito bem como barman. Só em gratificações ganhava mais do que o ordenado. “Recebes o ordenado mas não te preocupes: isto é uma ligação com o Sporting, depois vais ganhar muito melhor”, e tal. Mas eu tinha decidido. Tinha 18 anos e já tinha a mania que sabia tudo [risos]. Jogava aquilo por prazer, não estava a ver aquilo como profissão.

Nunca lhe passou pela cabeça levar aquilo a sério?
Naquela altura não. Mais tarde, aos 35, 40 anos, percebi que poderia ter feito as duas coisas. Mas será que teria feito? Será que me teria dedicado ao futebol e esquecido a música e jogava até aos 30 anos? Porque os jogadores aos 30 anos estavam arrumados, partidos.

Podia ter-se dedicado à música a partir dessa altura.
Duvido [risos]! Provavelmente tinha montado um restaurante e estava na indústria hoteleira [risos]. De facto, tinha sido possível fazer as duas coisas. Mas será que as tinha feito. Não sei… Se calhar agora era treinador, era o mais certo. Pela forma como via a vida e como me aplicava. Sou um homem que vai ao essencial, que não anda aí com 500 mil voltas. Na música sou assim. É bem provável que tivesse seguido a carreira de treinador e tivesse estudado tudo o que havia de estudar sobre futebol.

No Sporting?
Na altura fiquei fascinado com a ideia de ir para o Sporting. Isso era uma coisa! O meu pai era completamente marado pelo Sporting. Agora estamos no Ribatejo, mas quando ele morava em Alvalade tinha uma almofada e um lugar cativo no estádio. Todos os jogos em casa, o meu pai saía cedo e fazia aquilo tudo a pé. Curtia aquilo.

Como é que ele reagiu quando soube que havia uma possibilidade de o filho ir jogar para o clube do coração?
Ele nunca soube. Trabalhava 16 horas e, como na indústria hoteleira também se trabalha aos fins de semana, não nos víamos muito. As coisas aconteciam com naturalidade. Eu não via aquilo com tanto orgulho que achasse que era importante. Porque tudo era natural para mim. Olho para trás e digo “eu tinha razões para me orgulhar disto”.

Encarava tudo com muita naturalidade?
Sim, mesmo na música e assim. Quando eu comecei a ver multidões de 20, 30 mil pessoas à frente, ficava: “Mas isto é assim?”.

"Continuei sempre rigorosamente igual — sempre a ver a vida e os outros com muita nitidez. Nunca ninguém viu o Emanuel armado em vedeta. Aliás, acho que esse é o lado estúpido dos artistas."

Não ficava assustado?
Nervoso e ansioso, sim, ao princípio. Agora fico expectante, já não me enervo. Ficava nervoso se tivessem lá 500 pessoas [risos], mas felizmente nunca estão. A vida é muito natural. Costumo dizer que a humildade é um dos maiores sinónimos da inteligência. Sabe porquê? Porque assim estou sempre a apreender, sei que não sei tudo. Quem não tem essa noção, esta visão da vida, e atinge patamares como eu atingi de grande popularidade em que nos fazem tudo — repito, tudo –, pode ser levado para certos patamares e para coisas muito estranhas. Eu não, eu nunca saí do meu registo. Continuei sempre rigorosamente igual — sempre a ver a vida e os outros com muita nitidez. Nunca ninguém viu o Emanuel armado em vedeta. Aliás, acho que esse é o lado estúpido dos artistas. Quando atingimos estes patamares e achamos que somos especiais e superiores aos outros (que é o chamado vedetismo) — isso não é ser estrela, é ser vedeta, e isso é o lado estúpido da coisa.

Algum dia imaginou que fosse alcançar este sucesso todo?
Não. Mas sabia que as minhas músicas tinham qualidade, isso sabia. Não digam mal das minhas músicas, que aí explico porque é que estão errados — as pessoas não me explicam porque é que não estão bem feitas, mas eu explico-lhes porque é que estão.

Emanuel teve uma formação musical clássica e, além de guitarra, também sabe tocar piano

HUGO AMARAL/OBSERVADOR

O professor de música, ex-barman, que nasceu para ser cantor

Despediu-se do Paris-Orly em 1979 para se tornar professor de música numa escola em Odivelas. Enquanto dava aulas, ia compondo e começou a trabalhar como produtor. Como é que acabou a gravar as primeiras músicas?
As minhas aspirações eram de composição, produzir artistas, eventualmente retomar os estudos e passar a maestro. Esses eram os meus objetivos. Mas eu comecei a ver que as pessoas gostavam de mim. Ia subindo ao palco de vez em quando com os artistas para quem trabalhava e sentia um eco… Daquelas coisas que só algumas pessoas têm. Isso não se explica. Algumas pessoas vão para o palco, dão saltos, cambalhotas e o público não se mexe. Há alguns que levantam o dedo e, epá! O gajo levantou o dedo! E eu percebi que tinha essa luz. Isto não se explica — ou se tem ou não se tem. As pessoas gostavam e um dia… Gravei uma música, gravei um disco, gravei coisas e aquilo começou a dar resultado.

Em 83, gravei uma música [ainda como Américo Monteiro] que se chamava “Juro Que Te Amo” (compunha fundamentalmente músicas românticas. O Marcos Vidal, que era uma celebridade da rádio comercial, o suprassumo dos locutores em Portugal em termos de passagem de música popular (porque não havia estas divisões como existem hoje), tocou o meu disco durante seis meses. Era um sucesso nos discos pedidos por todo o lado e ninguém sabia quem eu era. Eu nem sequer sabia que tocava na rádio! Um dia descobriram que eu era professor de música em Odivelas e lá fui fazer uma entrevista com o senhor. Ele começou a tecer-me uma série de elogios e depois disse-lhe: “Fui eu que toquei viola-baixo e bateria”. “Você tocou isto tudo?!” “Tudo!” Um espanto, ali com os microfones abertos. E para mim, aquilo era tudo muito natural. Percebe a minha postura enquanto músico? A minha vida era aquilo. Depois, foi com naturalidade que percebi que tinha de cantar e escolhi o nome que o meu pai tinha escolhido — Emanuel era o nome que me estava destinado.

Sabia disso na altura? Que tinha sido o nome que o seu pai tinha escolhido mas que o pároco da aldeia não tinha deixado que ele o registasse por ser o nome de Jesus?
Escolhi-o sem saber disso. Só quando o meu pai viu o nome é que me disse. É muito curioso. É o meu nome. Eu ainda não mudei de nome porque já não merece a pena. Porque este é o meu nome.

Sente-se mais Emanuel do que Américo?
Sinto. Quando chegou a hora de escolher um pseudónimo — porque quase todos o fazíamos na altura — não houve hesitações. Foi o primeiro — Emanuel. O meu pai, quando viu o disco, disse-me: “Então, esse era o teu nome!”. Depois lá contou a história.

Chamou Emanuel a um dos seus filhos.
Exatamente. O primeiro chamou-se Samuel porque ele teve dificuldades em nascer — tinha o cordão umbilical enrolado ao pescoço. Na língua hebraica quer dizer “salvo por Deus”, então achei que esse seria o nome ideal para ele. O Emanuel tinha de ser… Ainda por cima com olhos azuis [como o pai]!

Nasce Emanuel, nasce o Pimba Pimba

Foi quando foi convidado para trabalhar na produção do single “Joana” [1988], de Marco Paulo, que se apercebeu que havia espaço para uma outra coisa na música portuguesa.
Sim, achei que era possível ter ali outro artista com essa dimensão. Porque o Marco era… Upa, upa! Na década de 80, era o [José] Cid e o Marco. Mas o Marco tinha a mulherada toda atrás dele. Aquilo era uma coisa… [risos]!

[Começa a cantar] Eu tenho dois amores…

E chamarem-me a mim para orquestrar aquilo? A mim?! “Sim, precisa de sangue novo e som novo, e você tem um som novo” e tal. E resultou, eles tinham razão.

Até porque já tinha trabalhado com outros artistas, como a Cândida Branca Flor e o Dino Meira.
Eu cresci muito depressa. Quando comecei a orquestrar e a compor, em quatro anos dei um pulo imenso. Isto ou se tem ou não se tem — ou se tem talento ou não se tem talento. Não há voltas a dar. Quando isso nos faz parte da alma — faz parte de nós — tudo acontece com naturalidade.

Lançou o Rapaziada Vamos Dançar em 1994 (já como Emanuel) mas foi com o Pimba Pimba, lançado um ano depois, que se afirmou verdadeiramente enquanto artista.
Foi a confirmação, porque o Rapaziada Vamos Dançar esteve seis meses no Top +. Um escândalo! Um cantor popular no Top +? Aquilo era só música estrangeira e um ou dois artistas dentro do pop. Levaram comigo seis meses. E quando pensavam que era mais um que vem e vai, levaram com o Pimba um ano no Top! Quinhentas e qualquer coisa mil cópias vendidas naquele verão. Não foi brincadeira. Portanto, essa foi a confirmação absoluta.

A minha música tinha muito de novo. Estudei a música tradicional — fui buscar todas as características da nossa música popular — e depois peguei na sua origem musical e transformei-a numa música muito mais dinâmica e com uma linguagem, embora brejeira, mais abrangente. Porque na altura, na música popular, a mulher era sempre o capacho. E eu não, eu digo: Rapazes da vida airada /Oiçam bem e com atenção / Todos temos o dever / de dar às nossas mulheres / Muito carinho e afeição. Por isso, se elas “querem um abraço ou um beijinho”, a gente dá! Mas “a gente dá” não tem piada nenhuma. Mas “pimba” tem!

Sabe que eu não sabia que “pimba” tinha uma conexão sexual?

Não? Só se apercebeu depois?
As pessoas dizem que eu criei o termo, não criei nada. Era um termo que se usava na minha aldeia quando eu era pequenino. Aquilo veio de Covas do Douro. E o “pimba” era um substantivo que confirmara o contexto. “O Manel foi à taberna pegou no copo, e pimba!” “Se elas querem um abraço ou um beijinho, nós…” Tem uma piada do caraças! E depois a forma como a música está construída — desde a primeira nota à última, tudo soa bem. Está tudo no sítio. Tudo bem coladinho. Em termos de música popular, é uma peça 100% corretíssima. Quer se goste ou não se goste — isso é outra história. Mas pelos vistos muita gente gosta. Há miúdos de seis, sete anos que cantam o “Pimba Pimba”, por isso tem de ter alguma coisa.

Acaba por ser uma música que passou de geração em geração. Dos mais velhos aos mais novos, toda a gente sabe o “Pimba Pimba” de cor.
Faço muitas queimas e receções ao caloiro, como deve imaginar, e os estudantes cantam o “Pimba Pimba” do princípio ao fim. E o “Pimba Pimba” tem mais idade do que eles. Porque a música está de facto muito bem feita. Aquilo demorou muito tempo a construir, teve várias versões, está tudo no sítio. Enfim, não é o sítio certo para estar a explicar o porquê de aquilo ser assim, mas é de facto uma excelente peça. Ao fim de 20, 21 anos, continua a ser um sucesso. É porque a música tem de continuar a ser boa.

"É uma peça 100% corretíssima. Quer se goste ou não se goste — isso é outra história. Mas pelos vistos muita gente gosta. Há miúdos de seis, sete anos que cantam o 'Pimba Pimba', por isso tem de ter alguma coisa." 

Mas na altura houve críticas não tão favoráveis. Chamaram-lhe música de três acordes.
E é música de três acordes! O que é um acorde? Um acorde é a junção de três notas, que são as notas que melhor soam numa escala. Nós trabalhamos em música tonal. Não existem sete notas como as pessoas dizem — existem 12. Só que, como trabalhamos em música tonal, temos de trabalhar num tom. Temos sete — podem ser maiores, menores, e depois há os derivados. Normalmente trabalha-se em menor ou maior, e portanto usamos os três acordes que melhor harmonizam essa escala ou essa tonalidade.

Na música popular, se fugirmos a isso, começamos a descaracterizar. No Alentejo, as casas são brancas e têm uma faixa azul ou não sei quê. Se começarmos a por-lhes faixas na diagonal ou na horizontal, isso vai descaracterizá-las completamente. Tem de ser respeitado. Além disso, para homens como eu, que estudaram orquestração, três acordes ou dez é igual. Harmonizar uma música com três, quatro ou cinco acordes não tem nada de especial. Colocar um acordo dissonante, ou seja, colocar uma nota além destas três é elementar.

Agora, aquela música só podia ter três acordes. Se tivesse mais, estragava tudo. Eu não tenho culpa que as pessoas não tenham este conhecimento. Alias, eu explico no livro — e peço desculpa a algumas pessoas — que a dada altura disse que se Deus perdoa os ignorantes, quem sou eu para não lhes perdoar? Era neste sentido. Eram as pessoas que não sabiam, que criticavam por não gostarem. Mas não gostar não é o mesmo que ter conhecimento técnico. Temos de ser um pouco mais ecléticos, respeitar o gosto dos outros. Mas pronto, eu peço desculpa. Usei a frase e foi forte de mais.

Arrependeu-se de a ter usado?
Não a devia ter dito porque alguma pessoas não o fizeram por pura maldade, era por falta de conhecimento. A ignorância é uma coisa, a falta de conhecimento é outra. Eu não devia ter usado o termo.

E não acha que também houve um certo preconceito?
Claro. Não era conhecimento, era puro preconceito. E também havia esta tendência que temos cá em Portugal de criticar tudo aquilo que tem muito sucesso.

E às vezes o que é português.
Como era essa música, e que combatia a música estrangeira. Aliás, recordo: foi depois do Rapaziada Vamos Dançar que nasceu a indústria da música portuguesa, a partir de 94, 95. Antes disso, o Marco Paulo gravava versões. O único que fazia grandes músicas era o [José] Cid, e pouco mais. Dentro da pop não, sempre fizeram música portuguesa, mas dentro da popular era o Dino Meira, o Quim Barreiros… Eram ali três ou quatro, e tudo muito no paralelo, nas cassetes piratas. Não tinham acesso à rádio, à televisão, etc. Vim trazer uma outra forma [de fazer as coisas]. Fui suficientemente corajoso para dizer: “Não, não digam mal, isto tem qualidade”. Não gostam? Isso é outra história. Mas há quem goste. E o povo também tem direito a gostar, certo? Não tem de ser sempre o secundário da coisa. A minha atitude é que fez a mudança. E as pessoas também não gostavam de ser confrontadas (ninguém gosta). Quando está uma verdade estabelecida, não gostam que venha aí um tipo de olhos azuis, que põe a malta a dançar (e que nem dançar sabe), dizer estas coisas.

E que não tem vergonha de admitir que não sabe dançar.
Mas eu admito! Era esta minha verdade que irritava! Fui a debates de televisão onde ficaram todos muito surpreendidos. “Onde é que está a má qualidade?” E depois não explicavam. “Isso é música de três acordes”, e depois explicava isto. Sabiam lá o que era música de três acordes! Essa era sempre a minha vantagem — porque sabia que estava a dizer a verdade. Mas isso desapareceu tudo, toda a gente percebeu que eu sei da quadra [risos]. Podem gostar ou não gostar, isso é normal. O que seria se toda a gente gostasse de toda a gente! Preferia que assim fosse, mas isso é pura utopia. Mas sinto-me um homem muito respeitado.

As pessoas perceberam que faço musica popular, mas que podia fazer outras coisas. Fiz “O Ritmo do Amor”, que é uma fusão de kuduro com kizomba. É uma música fabulosa, 30 e não sei quantos mil CDs vendidos. Um sucesso em Espanha extraordinário! Toquei em Ibiza — tocar em Ibiza é um assunto muito sério! Em 2011, fui rei em Ibiza [risos]! Este é um episódio muito interessante. Um administrador de uma empresa qualquer contratou-me. Ele ia a uma festa porque tinha sido um ano fabuloso em termos comerciais e perguntou aos empregados qual era o artista que eles queriam. Os empregados queriam o Emanuel, e contrataram o Emanuel. Uma semana antes de ir à festa dele, telefona-lhe um amigo que era DJ em Ibiza. “Quem é este Emanuel, que é o rei aqui? Tenho de tocar o gajo três ou quatro vezes por dia! Quem é este português que ninguém conhece?”. Foi ele que me veio com esta conversa.

“O Ritmo do Amor” tinha esse condão, que tinha o “Pimba Pimba”. Agora, como é que se faz isso? Isso é outra história. A música é uma arte que comunica emoções e impressões através dos sons. Isto não é uma ciência de dois e dois são quatro, e quatro e quatro são oito. Nada disto. Nós temos de nos desprender da matemática e passar para a emoção. E só há uma forma de o fazer — ou se tem talento, ou não se tem. Não há volta a dar. O dom da composição é raríssimo. Quase todos os músicos fazem música, mas é quase tudo estéril.

Porque uma coisa é ser compositor outra coisa é ser intérprete.
Sim, isso é outra coisa. Há grandes maestros que admitem que são orquestradores mas que não pensam em fazer canções, porque não conseguem — eles gostam, mas os outros não. Têm consciência de que as músicas que fazem são estéreis, não passam emoções. Tecnicamente são iguais a outras, até muito mais sofisticadas, mas ninguém as compra. O verdadeiro compositor é aquele que se despega da matemática e consegue usar os sons para passar emoções puras. Por isso é que “O Ritmo do Amor” teve o sucesso que teve. O “Pimba Pimba” idem, e outras. Faço um concerto de hora e meia e as pessoas cantam as canções do princípio ao fim. Quer maior privilégio que este? Isto é um dom, não se explica. É por causa da minha voz? Não, as canções é que têm essa alma.

Falou da historia de Ibiza. No livro fala de outros episódios caricatos que lhe foram aconteceram ao longo dos anos. Conta, por exemplo, o caso das duas mulheres que o abordaram no Canadá e que lhe perguntaram se queria ser o pai do filho delas.
Eram duas mulheres que se amavam, que assumiram a sua vida e viviam juntas e a canadiana queria dar continuidade à família. Era filha única, o pai adorava-a e não tinha qualquer problema que a filha fosse homossexual ou vivesse com a mulher que amava. Mas não queria interromper a linhagem dele. Tiveram a inteligência e o bom senso de procurarem os bons genes. Ele era médico e ela também. Tinham consciência, senão tinham ido a um banco de sémen e resolviam o problema. Disse-lhes isso: “Mas porque é que precisam de mim?”. Naquela altura já existiam empresas especializadas. Mas não, o pai tinha olhos azuis (o meu olho azul também tinha importância), queriam alguém que estava longe (eu estava do outro lado do oceano) e a mulher que ela amava era portuguesa. Juntaram as coisas.

Elas tinham ido a um concerto meu no ano anterior — foi a portuguesa que a levou. E depois ficaram a germinar aquilo durante aquele ano e começaram a pesquisar a minha vida. E não havia internet! O que seria se houvesse! O pai envolveu-se nisso porque achou piada. Ele queria um neto — que a filha que ele tivesse, não por adoção. Não significava que não pudessem adotar a seguir, mas queria um neto que mantivesse a linhagem de sangue. E acharam que eu era a pessoa certo. Acho isto muito bonito. Tive de dizer que não, porque tenho princípios dos quais não abdico. Filhos é um assunto muito sério — crianças é um assunto muito sério. Transcende o meu raciocínio. Mas acredite que fiquei muito triste por elas. A cara delas, sobretudo da canadiana… Só vendo. Era indescritível a tristeza dela, não conseguiu falar mais. Muito triste, muito triste. Tive pena.

Nunca mais as vi, não sei como é que resolveram o assunto, mas era algo que me ultrapassava. Mas repito: contei porque acho muito bonito. É um fragmento de vida do qual nunca me vou esquecer.

Apesar do reconhecimento e da grande satisfação pessoal que o Pimba Pimba lhe trouxe, este acabou por prejudicar muito a sua vida familiar. Nem tudo foi bom.
Sim, claro que sim. Admito que tenha contribuído para que o meu primeiro casamento acabasse por findar. Porque aquilo era muito intenso. Fazia 200 espetáculos por ano, viajava por todo o mundo. Trabalhava todos os dias. Cheguei a fazer 35 espetáculos em agosto, porque depois ainda ia à tarde às fábricas.

"Aquilo era muito intenso. Fazia 200 espetáculos por ano, viajava por todo o mundo. Trabalhava todos os dias. Cheguei a fazer 35 espetáculos em agosto, porque depois ainda ia à tarde às fábricas."

Como é que conseguia gerir isso tudo?
Não sei, geria! Aquilo era tão bom… Era sempre a andar! Arranjei uma secretária que me tratava da agenda e os espectáculos não eram como os de hoje. Hoje tenho 28 pessoas na estrada, tem uma logística muito sofisticada. Na altura não era assim — era uma aparelhagem pequena chegava-se lá, cantava-se.

Costumava viajar sozinho?
Sim, lá fora. E admito isso, não estou aqui com ilusões. Conto aí [no livro] o assunto de Paris. Fui para lá com um CD e duas bailarinas. Veio a polícia de choque francesa! Começaram a partir vidros porque toda a gente queria ver o Emanuel. Foi de loucos! Havia mais gente cá fora, porque a sala ficou completamente cheia e não permitiam que entrasse mais ninguém. Os de fora queriam ver o Emanuel… Esqueça! Veio a polícia. E alguns que estavam lá dentro ainda tiveram de sair. Enchi um bar em Kitchener, próximo de Toronto, [no Canadá,] onde iam vedetas americanas do rock. Atuei lá sozinho, num palco enorme, cheio de latas. O homem não queria acreditar — um homem sozinho, vestido de branco, encheu aquilo. Lembro-me de ele me dizer: “Mas o que é que tu és em Portugal? És um deus? Mas és o quê?”. “Não, isto é música portuguesa. Eles são portugueses, querem ver-me. Nós somos muito unidos, gostamos muito das nossa música. Não vejas isto como uma coisa estranha.”

A Elizabete [Agostinho] diz que eu tinha informação para uma trilogia. E tinha! Agora escrevíamos mais dois ou três livros. Comecei a lembrar-me de coisas das quais já não me lembrava. Até porque ela entrevistou-me a mim, os meus pais, o meu filho mais velho, a minha mulher, a Sónia. Entrevistou um ex-aluno meu. Isto é informação sem filtros. Disse-lhe que queria um livro transparente. Se houver consequências, paciência.

Não parece muito preocupado com isso.
Pois não [risos]. Sabe porquê? Porque não tenho telhados de vidro. Cometi alguns erros, claro, não sou perfeito. Mas no essencial, fui sempre um homem justo. Esse episódio do Canadá demonstra o meu carácter e a minha forma de ser.

O cantor quis escrever uma biografia honesta e transparente

HUGO AMARAL/OBSERVADOR

Das balandas românticas aos ritmos africanos

Falou há bocado na música “O Ritmo do Amor”, que lançou em 2011. Porque é decidiu virar-se para os ritmos mais africanos?
Em 2007, percebi que os meus ritmos estavam a atingir a exaustão. Sou um operário da música, a minha vida é continuar a alegrar as pessoas que gostam de mim, me sustentaram ao longo dos anos e me possibilitaram que chegasse aqui. Tendo os conhecimentos que tenho e o dom que Deus me deu da composição, não fazia sentido. Então, comecei a trabalhar naquilo que pensava que estava à frente e no que viria a seguir. Porque eu trabalho sempre cinco anos à frente — quero ser a máquina, não a carruagem que vai atrás.

A música popular ia chegar ao fim (eram tantos!), a música romântica estava no seu apogeu mas já estava estabelecida. O que é vinha aí? Calculei que vinha a música africana. “É kuduro que aí vem!” Só que o kuduro tradicional não ia funcionar porque, em 2007, gravei uma música a pensar nisso e não resultou. Comecei a fazer fusões. “O Ritmo do Amor” teve 12 versões, foi gravada 12 vezes — com coros, volta atrás, muda letra, muda tudo até chegar àquele ponto. Previa que era para ali que as coisas iriam, só que teria de fazer um som novo. Pus a entrada em espanhol — isso confesso que foi pensado! Foi para namorar os nossos companheiros espanhóis. E resultou, felizmente. Mas trabalhei muito a canção. Parece a coisa mais simples, não parece?

A música é uma arte de emoções. Ponha os auscultadores e oiça a música do princípio ao fim. Tome atenção à forma como a letra e o texto entram. Não queria um poema shakespeariano, porque isso nunca seria possível. Isto é música ligeira. As pessoas estão ali para se divertir, não estão para ali para pensar se és “a seiva do meu ser” ou o “sol que me aquece”. Às vezes usamos essa linguagem — obviamente que o simbólico é importante, mas não e relevante. Relevante é pôr o cérebro nas canções e as canções no cérebro — canções com cola. É fazer com que entre no cérebro e já não saia. É aí que está a arte, e “O Ritmo do Amor” tem isso.

Tem sempre essa preocupação? Em tentar perceber do que é que os seus fãs gostam e ir ao encontro disso?
Sim, claro, não posso dececionar. Repare: as pessoas vão a conduzir e a ouvir as minhas músicas e ficam mais bem dispostas; vão para o bailarico e ficam bem dispostas; a dona de casa está a lavar os pratos chateada por causa disto, ouve uma musica do Emanuel e fica bem disposta. Isto é um privilégio! Levo isso muito a sério.

Quer que as pessoas sejam felizes a ouvir a sua música?
Quero! A sério! Deus deu-me este dom e enquanto o tiver vou fazer isto. Posso fazer música romântica, musica instrumental, posso vir a fazer musica clássica ou idêntica a clássica — posso fazer mil coisas, mas música para os meus fãs vou fazer sempre. Só se deixar de ter o dom.

"Posso fazer música romântica, musica instrumental, posso vir a fazer musica clássica ou idêntica a clássica -- posso fazer mil coisas, mas música para os meus fãs vou fazer sempre."

E já sabe qual será a próxima tendência musical?
Estou a trabalhar nisso. Não digo o que é porque ainda não tenho certezas, mas estou a trabalhar nisso. E já teve quatro ou cinco versões, mas continua a não estar bem.

Retrato de Emanuel cedido pelo cantor.

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