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Esta não foi uma manifestação silenciosa. "Os portugueses não conseguem ficar calados"

Familiares de vítimas exibiram o nome de quem perderam estampado nas t-shirts. Outros chegaram como cidadãos envergonhados. Na manifestação que seria silenciosa, houve confrontos físicos e políticos.

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“Está tudo dito?”, perguntou ao apontar para a t-shirt que tinha vestida. Na frente, estava escrito um número: 64. Nas costas, lia-se “Pedrógão Grande” e uma lista com quatro nomes: Fernando Abreu, Arminda Abreu, Manuel Abreu e Aurora Abreu. Abraçava uma moldura com uma fotografia. Não era a única. Mais pessoas usavam a mesma t-shirt com os mesmos nomes e número e seguravam uma moldura, mas com uma fotografia diferente. Eram familiares de algumas das 64 vítimas do incêndio de Pedrógão Grande. Deslocaram-se a Lisboa para se manifestarem no Terreiro do Paço pela família que perderam, “pelos restantes que ficaram em Pedrógão, por mais este grupo enorme que se perdeu e que se está a perder, pelo país, pelo futuro”.

Com os incêndios do “pior dia do ano” — quatro meses depois do incêndio em Pedrógão, a 17 de junho de 2017 — a “ferida” destes familiares “que estava a sarar” voltou a “abrir”. “Mais do que raiva, muita tristeza, muita desolação. É uma angústia, é um vazio”, explica um dos familiares.

Além da ferida que estava a sarar abrir, é ver meio Portugal ardido e centenas de vidas afetadas, destruídas: pessoas que ficaram sem nada, trabalho de uma vida inteira. A subsistência de uma vida é perdida e isto não pode continuar.
Familiar de algumas das vítimas do incêndio de Pedrógão Grande

Esteve em Lisboa e irá a “tudo o que haja de iniciativas pacíficas”, embora a manifestação deste sábado tenha estado longe de ser tranquila. Pouco depois da hora marcada para o início da manifestação, dezenas de polícias viram-se obrigados a intervir para travar confrontos entre manifestantes. Começaram quando um grupo desenrolou uma faixa onde se lia “os culpados são os governos PS e PSD/CDS”. Outros manifestantes tentaram impedi-los, recorrendo à violência.

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A manifestação “Portugal Contra os Incêndios” foi organizada por Rui Pêgo

“Lamento que usem a dor das pessoas para se manifestarem politicamente”

Também esteve longe de ser uma manifestação silenciosa. “Os portugueses não conseguem ficar calados”, disse uma familiar das vítimas de Pedrógão. O clima era tenso. Ouviam-se discussões entre os próprios manifestantes, que se exaltavam a trocar opiniões.

— Está ali um senhor a dizer que não se pode falar dos responsáveis? Há responsáveis!

“Não estou revoltado”, garante António, cuja barba já branca, conta, esteve a combater as chamas. Não é bombeiro, é “lesado dos fogos”. “A situação que agora se passou, podia-me ter acontecido”, revela, relembrado um fogo que atingiu a sua habitação em agosto.

A verdade é que o Terreiro do Paço estava cheio de pessoas que se manifestaram politicamente. Ora se ouvia o hino ora se ouvia: “Costa, rua!”. Nos cartazes, eram vários os apelos para a demissão do primeiro-ministro. Um dos familiares das vítimas de Pedrógão lamentou haver manifestantes que usavam “a dor das pessoas para se manifestarem politicamente”. “Todos nós sabemos o que se passa, não é preciso estar aqui a exaltar essas situações. Respeitem quem cá está, respeitem quem perdeu as pessoas. Lutem, sim, mas sem violências”, apelou ainda. Reconhece que os incêndios estão relacionados com política, mas defende que estão mais relacionados com “sentimentos”.

Telma Antunes e o filho na manifestação no Terreiro do Paço, sentados no chão.

Mas não só de política foi feita esta manifestação, que também não mobilizou apenas pessoas afetadas pelos incêndios. Ainda não eram 16h00 — hora marcada para o início da manifestação. Telma Antunes sentou-se no chão ao lado do filho com uma bandeira de Portugal. “Não sou de me manifestar muito”, revelou. Foi, aliás, a primeira vez que participou numa manifestação. “Não quero que o governo caia, não tenho razões políticas”, explica. Aderiu porque se sente revoltada. “Sinto que poderia ter sido eu”, disse.

Miguel Carmona sente “vergonha pelo país todo”. Defende que “é um caso que tem que ver com todos. Não é uma questão de direita ou de esquerda. Não é uma questão de política, mas de sociedade”. Miguel e a mulher, Rita Coutinho, foram afetados pelos incêndios de agosto na Serra da Gardunha, em Castelo Branco. Uma “mancha de cinza”, como lhe chama Rita.

Houve portugueses que estiveram na praia enquanto Portugal ardeu que não perceberam bem as consequência deste último incêndio que foram iguais às de uma guerra.
Rita Moutinho, afetada pelo incêndio na Serra da Gardunha em agosto

Também não foram as ideologias políticas que mobilizaram Luísa Afonso e o marido. “Estamos na qualidade de cidadãos portugueses para mostrar que não estamos satisfeitos. Não é Zé?”, disse. O marido, José Azevedo, consentiu. Não sabe se a manifestação vai “mudar alguma coisa”, mas está seguro que deve “funcionar como um exemplo para todos”.

Houve exatamente um minuto — das duas horas que durou a manifestação — em que não houve barulho: o minuto em que Rui Pêgo, quem organizou a manifestação contra os incêndios, subiu ao palco e pediu silêncio em homenagem às mais de cem vítimas mortais. Subiram, também, ao palco manifestantes com cartazes que continham mensagens políticas. Rui Pêgo viu-se obrigado a pedir às pessoas que se retirassem do palco: “Mensagens políticas, não!”.

O minuto de silêncio foi cumprido. Depois, os cartazes deixaram de ser vistos e a população desmobilizou-se. No Terreiro do Paço, ficaram os turistas e alguns cartazes presos nas grades junto à estátua de D. José I.

Cartazes presos nas grades junto à estátua do Rei D. José I, no Terreiro do Paço

Terreiro do Paço meio cheio ou meio vazio? “Temos que abrir o olhos além da fronteira de Lisboa”

A revolta pelos espaços vazios, que mesmo depois das 16h00 persistiam no Terreiro do Paço, era transversal às ideologias políticas. Uma familiar das vítimas do incêndio de Pedrógão reconhece que o facto de terem decorrido outras manifestações noutras zonas do país possa ter contribuído para a falta de pessoas, mas “Lisboa e arredores é muito grande”. “Gostava de ver muito mais pessoas, que estivéssemos mais apertadinhos. [Os portugueses] são solidários mas é preciso mais”, lamentou.

Alguns manifestantes mostraram-se descontentes com a quantidade de pessoas que estavam no Terreiro do Paço

Rui Pêgo diz-se satisfeito só com o facto de as pessoas estarem “disponíveis para sair de casa, para marcar uma posição pública, quanto a uma coisa que é completamente absurda: a maneira como nas ultimas décadas temos tratado este tema”. Rui Pêgo — ou o “menino de Lisboa que nunca viu o fogo” a entrar-lhe “pela casa adentro”, como se descreve — defende que “não é preciso ser de uma zona afetada” para nos manifestarmos. “Hoje foi ali, amanhã pode ser aqui. Esta lógica de que nós estamos removidos por estar em Lisboa, é um erro”, alertou.

Cá as pessoas não sentem. Portugal não é Lisboa. Temos que abrir os olhos para além da fronteira do distrito de Lisboa.
Familiar de algumas das vítimas do incêndio de Pedrógão Grande

Telma Antunes alerta ainda para o facto de muitas pessoas se terem mudado “para criar turismo rural”, em zonas que agora foram afetadas pelos incêndios. “Muitas pessoas não conhecem a realidade do que se passa no interior e da batalha das pessoas”, defende.

“Sou engenheira florestal. Deem-me trabalho!”

“No domingo, não consegui dormir. Chorei a noite toda”, disse Sara Rocha, engenheira florestal que estava longe da zona onde deflagraram os incêndios e tinha os olhos abertos “além da fronteira do distrito de Lisboa”. Já nos incêndios de Pedrógão Grande, Sara esteve prestes a “arrancar de carro” e ir até lá, mesmo sabendo que “não ia poder fazer nada”. Sente-se impotente. “Queremos fazer alguma coisa”, disse, emocionada. Fala por si e pelo grupo de engenheiros florestais e investigadores que se juntou para se manifestar ao Terreiro do Paço.

Estive cinco anos a estudar. Temos uma bagagem brutal. Para mim, é frustrante que não possa pôr em prática aquilo que aprendi. Sinto-me limitada.
Sara Rocha, engenheira florestal

Nenhum deles exerce a profissão, mas queriam. “Deem-me trabalho”, pede Sara, em voz alta e por escrito no cartaz que carrega, relembrando que do ano do seu curso “se há dois ou três que estão a trabalhar na área, é muito”. Sara conta que há muita gente que lhe pergunta: “O que é que um engenheiro florestal faz”. E tem a resposta: “Faz falta”. Assim como, defende, fazem falta “guardas florestais, postos de vigia, sapadores florestais” e bombeiros — que, diz, “dão tudo por tudo” — com “formação específica”.

Sara Rocha com um cartaz onde se pode ler: “Sou engenheira florestal”

Na impossibilidade de exercer um trabalho na área em que dispõe de habilitações, resta-lhe manifestar-se. Sara não quer que “as mortes tenham sido em vão”, nem que “a floresta tenha sido queimada em vão”. “Gostamos de ir passear e ver a paisagem mas ninguém sabe o que está atrás daquilo”, revela, assegurando que ele sabe. Sara não tem ilusões: “O fogo faz parte do nosso clima. Sempre fez e vai sempre fazer parte”, admite. Mas reconhece: “O que não faz parte é a dimensão destes incêndios”.

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