Índice

    Índice

Se este foi um ano complicado para a União Europeia, 2016 não promete ser mais fácil. Bruxelas está confrontada com problemas nos seus Estados-membros, relações complicadas com países terceiros e ainda uma crise que atravessa fronteiras e promete continuar a trazer milhares de refugiados para a Europa. Oito especialistas aceitaram comentar os desafios escolhidos pelo Observador para 2016 e tentar antecipar o futuro da União.

Refugiados

desafiosUE_sepRefugiado

A vaga de refugiados que chegou à Europa no ano de 2015 em números sem precedentes tornou incontornável uma questão que não é nova e expôs uma população que é fundamentalmente invisível.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A experiência refugiada, de perseguição, medo, fuga, incerteza e sobrevivência, levou a que, em 2015, cerca de um milhão e meio de nacionais de países em guerra e vítimas de regimes opressivos arriscassem a vida para tentar entrar em espaço europeu em busca de paz, proteção e segurança. Para além dos fatores de impulso – violência e instabilidade continuadas nos países de origem, alterações geopolíticas na bacia do Mediterrâneo e deterioração das condições de acolhimento nos países de primeiro asilo, tais como a Turquia, Líbano ou Jordânia -, e dos fatores de atração de uma Europa segura, 2015 expôs as fragilidades do sistema europeu comum de asilo e uma falta de solidariedade intra-europeia que só a declaração histórica de Merkel de que a Alemanha estaria disposta a acolher todos os refugiados que necessitem de proteção, permitiu salvar a Europa e o projeto europeu.

2016 necessitará de uma resposta europeia concertada que permita controlar o caos nas fronteiras externas e os subsequentes movimentos secundários caóticos dentro do espaço europeu, para que possamos receber e acolher de forma responsável. Esta resposta deverá passar pelo estabelecimento e operacionalização de centros de processamento de refugiados ao longo das rotas migratórias europeias, parcerias responsáveis com países de fronteira, tais como a Turquia, para promoção da educação e empregabilidade dos refugiados que aí se encontrem, reforma da política de entradas e saídas de espaço europeu, e a reforma inevitável do regulamento de Dublin que passe pela inclusão de um mecanismo permanente de recolocação de refugiados semelhante ao que, apesar da frustração com a lentidão, começou a ser testado em outubro.

Porque no cerne dos números esmagadores, dos caprichos nacionais e da enorme burocracia europeia está o refugiado. Homem, mulher, criança com uma história, e com uma vida como as nossas, cidadãos europeus que somos.

*Especialista em migrações e refugiados

Rússia

desafiosUE_sepRussia (1)

O ano de 2016 pouco ou nada promete trazer de bom nas relações entre a Rússia e a União Europa, a não ser que aconteça algo de extraordinário. Não se prevê um alívio do regime de sanções e contra-sanções, pois o problema que esteve na sua origem continua a existir: o conflito na Ucrânia. A julgar pela forma como estão a decorrer as conversações no âmbito do Processo de Minsk, a paz e a integridade territorial da Ucrânia parecem ainda muito distantes.

Vamos assistir a disputas em torno do fornecimento de gás russo à Europa. Na UE não existe unanimidade sobre a construção do gasoduto North Stream-2: os países do Leste do continente protestam, mas os interesses das empresas alemãs, francesas e holandesas também são muito grandes. Por isso, a Ucrânia continua a ser crucial como país de passagem desse combustível. Um agravamento das já geladas relações entre Moscovo e Kiev poderá provocar novas “guerras de gás”.

Moscovo irá continuar a insistir na sua velha política de provocar divisões no interior da União Europeia, como tem feito com algum sucesso até agora. As relações entre a Rússia e a UE poderão deteriorar-se ainda mais se o conflito entre Moscovo e Ancara se agudizar. É verdade que a Turquia não é membro da UE, mas todos os países desta união são membros da NATO.

Moscovo e Bruxelas poderão colaborar no combate ao terrorismo e ao Estado Islâmico, mas não será um processo fácil tendo em conta as divergências entre as duas partes, nomeadamente no que respeita ao futuro político de Bashar Assad. Tendo ainda em conta a propaganda anti-europeia e anti-ocidental, bem como a crise económica na Rússia, é de esperar a continuação da queda brusca do fluxo de turistas russos para os países da UE. Este problema afeta também Portugal. Isto é válido para outros ramos da economia.

Por isso, já será positivo se as relações políticas e económicas entre a UE e a Rússia não se deteriorarem, embora sejam negras as nuvens que pairam sobre elas.

*antigo correspondente da RTP na Rússia, colunista do Observador

Brexit

desafiosUE_seBrexit (1)

A relação entre o Reino Unido e a UE é uma história de desconfiança e resignação, alimentada por uma opinião pública, uma opinião publicada e uma opinião política cada vez mais vocais e eficazes, que colocam a saída do país da UE como objetivo declarado.

As razões para esta relação difícil são muitas e estão no Reino Unido como estão na UE, mas uma sublinha a incompreensão profunda e estrutural: em Londres foi sempre difícil aceitar a supremacia da legislação comunitária sobre a soberania do Parlamento – reafirmada contra reis, nobres e o Vaticano – e em Bruxelas existe uma tradição administrativa de origem napoleónica que serve a necessidade de aprovar soluções comuns que garantam a uniformidade da legislação da União.

E no entanto, esta incompreensão nunca foi suficiente para alterar as intenções de voto dos britânicos em sucessivas eleições legislativas que, sem gostarem da UE, focaram as suas escolhas em problemas mais próximos de casa, como a economia, o emprego ou o serviço nacional de saúde.

Esse “escudo de indiferença” que protegeu a UE nos últimos 50 anos será inútil no ano que vem, quando os eleitores britânicos tiverem que escolher entre ficar na UE ou partir, já que o processo lançado pelo primeiro-ministro Cameron na tentativa de controlar o seu próprio partido e limitar o crescimento eleitoral do partido anti-europeu permitirá aos britânicos pronunciarem-se apenas e só sobre a questão europeia.

Cameron comprometeu-se a defender a opção europeia se as negociações compostas por quatro grandes temas entre Londres e as restantes capitais chegarem a bom porto. Dessas negociações, três são pacíficas e não devem levantar problemas, mas a pretensão de Londres em limitar a imigração comunitária para o Reino Unido revela-se muitíssimo complexa e poderá impedir um acordo.

Para Portugal, o Brexit teria custos elevados, pois o centro de gravidade da União mover-se-ia mais para o centro do continente, fazendo de nós um Estado ainda mais periféricos e perderíamos um forte aliado de tradições atlânticas.
Resta-nos esperar que o tradicional pragmatismo britânico, aliado aos custos e complexidades das alternativas à UE, sejam suficientes para convencer os eleitores a engolirem o sapo e continuarem na União.

*Presidente da Portuguese Chamber no Reino Unido

França

desafiosUE_sepFranca

A situação política em França ameaça estilhaçar o já debilitado projeto europeu. Se é concebível a saída do Reino Unido da União Europeia (UE) na sequência do referendo que David Cameron se comprometeu a organizar, sem que isso represente necessariamente o fim da integração europeia como a conhecemos, o mesmo não se pode dizer da França.

Dividido entre uma direita com mil rostos, um partido socialista em crise profunda e as propostas radicais da Frente Nacional Le Penista, o país oscila entre uma normalidade malsã e a fuga em frente… ou para o abismo. Com a ferida aberta em Paris pelo Império do Mal jihadista, concentram-se hoje em França, de forma quase brutal, todas as interrogações que os últimos anos suscitaram na Europa: o dilema das identidades, com “cités” cheias de jovens desempregados revoltados de origem magrebina, médio-oriental ou da África sub-sahariana; a pressão imediata dos refugiados; a crise económica; o receio da irrelevância política, num Mundo em ebulição.

O ano de 2016 permitirá clarificar o quadro político francês na antecâmara das decisivas eleições presidenciais que terão lugar entre Abril e Maio de 2017: afirmar-se-á Nicolas Sarkozy como líder incontestado da direita francesa republicana? As primárias do partido Les Republicains são só em Novembro do próximo ano, no dia 20 (primeira volta) mas já se contam espingardas: Alain Juppé, “para tirar a França do marasmo”, François Fillon, antigo primeiro-ministro, que quer fazer do país em 10 anos a primeira potência europeia, Jean-Frédéric Poisson, presidente dos cristãos-democratas, Bruno Le Maire e, claro, Sarkozy, entre outros. O que dizem as sondagens? Talvez Juppé, talvez Nicolas… mas falta muito tempo.

Do lado do partido socialista (PSF), vencido nas regionais e com o presidente (socialista) François Hollande a bater recordes de impopularidade – de que recuperou, veremos por quanto tempo, na sequência dos atentados de Paris -, as coisas não parecem mais fáceis. Hollande poderá ter de enfrentar primárias no partido, com a ala esquerda a agitar-se.

E Marine Le Pen? Transformada no alfa e ómega do próximo-futuro da política francesa, a sua presença na segunda volta das presidenciais parece adquirida. Ainda que a sua vitória não pareça fácil, não pode ser descartada: o que em 2016 suceder na frente do desemprego, da crise económica, da segurança, dos refugiados, será decisivo. Uma vitória da Frente Nacional com o seu programa nacionalista, protecionista, xenófobo, pode levar ao abandono do euro e talvez da UE, ou pelo menos a um referendo sobre o assunto.

Com o referendo britânico a ter lugar provavelmente em 2017 (pode ainda ser antes), estaríamos perante a tempestade perfeita. E a Europa nunca mais seria a mesma.

*Professor da Universidade Católica – Instituto de Estudos Políticos, colunista do Observador

Turquia

desafiosUE_sepTurquia

A Turquia será em 2016 um dos principais desafios para a União Europeia (UE). A importância geoestratégica deste candidato a estado-membro aumentou consideravelmente no no último ano à medida que milhares de refugiados provenientes do conflito sírio começaram a chegar, diariamente, às fronteiras europeias, muitos deles via Turquia. Numa tentativa de estancar esse fluxo, a UE realizou uma cimeira com a Turquia no passado dia 29 de Novembro onde se decidiu aumentar a ajuda financeira a Ancara (um pacote a rondar os €3 mil milhões) para assistência aos cerca de 2.2 milhões de refugiados atualmente a viver no país. Em troca, a Turquia compromete-se a conter o fluxo de refugiados para a União Europeia. Associado a esta ajuda está igualmente o compromisso europeu de reativar o processo de adesão da Turquia à UE.

Para o regime de Recep Tayyip Erdoğan esta reaproximação a Bruxelas é um importante sinal que a Turquia dá aos investidores estrangeiros, preocupados com os sinais negativos da economia turca e com o seu crescente isolamento regional. É também uma forma de legitimar a sua liderança num país politicamente dividido. Para a UE, este podia dificilmente ser um momento pior para reatar o processo de adesão da Turquia. Um pouco por toda a Europa movimentos eurocéticos vão ganhando força e o cenário de uma possível adesão da Turquia, com as suas fronteiras viradas para o Médio Oriente e o seu enorme peso demográfico, só contribuem para reforçar esses mesmos movimentos. Além do mais, a Turquia parece politicamente estar agora mais distante dos critérios de adesão do que estava em 2004, aquando da sua aceitação enquanto candidato a Estado-membro. O relatório anual da Comissão Europeia sobre o país, adiado para depois das eleições legislativas de novembro último, foi extremamente crítico sobre o respeito pelas liberdades civis e políticas no país.

A verdade é que a UE precisa de cooperar com a Turquia para conseguir lidar com a atual crise de refugiados, mas a única forma de colaborar é através da promessa do processo de adesão; promessa essa que nem os líderes europeus têm interesse em levar demasiado avante, nem a Turquia tem, atualmente capacidade (nem eventualmente interesse) em concretizar.

*Professor de Política e Relações Internacionais na Universidade de Canterbury Christ Church e Investigador no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra

Polónia

desafiosUE_sepPolonia

As eleições legislativas que tiveram lugar em outubro de 2015 na Polónia são de uma importância não negligenciável para a União Europeia. A derrota da “Plataforma Cívica” da ex-primeira-ministra Ewa Kopacz significa uma aparente alteração na política europeia de Varsóvia. De facto, após oito anos de governo daquele partido, a vitória do partido “Lei e Justiça”, de Jaroslaw Kaczynski representa a vitória de um partido político que não esconde o seu profundo euroceticismo. Tal não deixará de alarmar Bruxelas e vários Estados-membros da UE, já confrontados com a ascensão de movimentos semelhantes um pouco por todo o continente, denotando um regresso aos chamados valores tradicionais e, nalguns casos, um reforço do poder central.

A vitória do “Lei e Justiça” poderá ter várias consequências nas relações entre Varsóvia e as instituições europeias. A primeira tem a ver com a questão dos migrantes. Se o anterior governo tinha aceitado a proposta de cotas obrigatórias para a sua distribuição com muita relutância, o governo chefiado por Beata Szydlo não deixará de voltar a questioná-la. Tal poderá conduzir ao choque entre o novo governo polaco e os seus principais parceiros europeus, em especial a França e a Alemanha. Varsóvia continuará igualmente a lutar contra as políticas europeias de limitação das emissões de gases com efeitos de estufa dada a sua dependência em relação ao carvão, responsável por 90% da energia elétrica consumida no país.

O chamado Brexit estará também no centro das preocupações polacas. Membros do mesmo grupo parlamentar europeu que os Conservadores britânicos, é de crer que o “Lei e Justiça” será aliado dos mesmos quando forem debatidas questões de soberania nacional. Contudo, com mais de meio milhão de polacos a residir no Reino Unido, Varsóvia não verá com bons olhos as propostas do primeiro-ministro britânico David Cameron visando limitar a livre circulação de pessoas no espaço europeu ou os cortes aos benefícios sociais aos cidadãos não-britânicos.

Finalmente, não é crível qualquer alteração de fundo na política externa polaca, mantendo-se a priorização dos laços à NATO face à possível ameaça russa e o empenho na consolidação das suas relações com outros países da Europa central e de leste com o intuito de criar um bloco regional sob a sua liderança.

É importante ter presente que o euroceticismo do novo governo polaco será muito certamente mais visível no discurso do que na prática. Na verdade, e tendo presente o passado governativo do partido “Lei e Justiça”, este não conduzirá à tomada de posições radicais contra o processo de construção europeia por parte de Varsóvia, mas será antes percetível em processos negociais com Bruxelas, como seja o caso dos migrantes, da política ambiental europeia ou, inclusive, da adesão do país à zona euro.

*Professor Associado, IE University, Espanha; Chargé d’enseignement, HEC Paris, França; Investigador integrado, OBSERVARE, Universidade Autónoma de Lisboa, Portugal

Espanha

desafiosUE_sepEspanha

As recentes eleições espanholas confirmam o processo de mudança que tem caracterizado a evolução dos sistemas partidários na Europa. Por um lado, assistimos a uma crescente fragmentação dos sistemas políticos com a crise dos principais partidos de governo e o sucesso de novos actores. Por outro lado, os escândalos de corrupção e a crescente desafeição dos cidadãos proporcionaram condições favoráveis para uma maior volatilidade e uma diminuição da lealdade dos eleitores em relação aos partidos mainstream.

A combinação destas duas tendências produziu uma dinâmica de institucionalização dos sistemas partidários. Isto significa que os resultados eleitorais tornaram-se cada vez mais imprevisíveis e as dinâmicas de governo cada vez mais flexíveis e instáveis. Este processo não é novo nas democracias europeias mais maduras, com a irrupção de novos partidos a partir da década de 70.

Pelo contrário, nas democracias mais recentes – como no caso da Espanha -, a consolidação democrática caracterizou-se pela prevalência dos principais partidos moderados (de centro-esquerda ou de centro-direita). Há, portanto, necessidade de repensar as interações entre os partidos e as soluções governamentais, como já as eleições autárquicas de maio demonstraram.

Se, por um lado, estas dinâmicas evidenciam uma situação de crise permanente, por outro podem também levar a uma regeneração do sistema político e uma maior capacidade de representação por parte das instituições democráticas. No caso espanhol a dimensão europeia não parece ter desempenhado um papel tão relevante como no caso da Grécia, quer pela importância da questão nacional, quer pelo impacto mais suave das políticas de austeridade.

No entanto, a União Europeia contribuiu para uma maior polarização e pela maior difusão de posições eurocéticas mesmo dentro do eleitorado moderado, tradicionalmente mais favorável à integração europeia. Terá sido também por isso que as questões europeias durante a campanha tiveram uma visibilidade muito reduzida, com os principais partidos (PP e PSOE) a “mitigar” o seu apoio incondicional às linhas decididas por Bruxelas. Mais importante ainda, a dimensão europeia contribuiu para criar uma nova linha de divisão entre partidos “credíveis” – que aceitam as regras definidas pelas instituições europeias -, e os partidos anti-sistema ou “populistas”, que desafiam o statu quo através de uma alternativa radical baseada na contraposição entre o verdadeiro povo e as velhas elites políticas.

*Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, FCSH-Universidade Nova de Lisboa

TTIP

desafiosUE_sepTTIP

O que está na base deste Acordo? A Declaração Transatlântica de novembro de 1990 estabeleceu os objetivos comuns dos Estados Unidos da América (EUA) e da União Europeia (UE) e os princípios da sua parceria política e económica. Cinco anos mais tarde, os dois blocos definiram na Nova Agenda Transatlântica quatro objetivos fundamentais da sua ação conjunta: (1) promover a paz, a estabilidade, a democracia e o desenvolvimento em todo o mundo, (2) responder aos desafios globais, (3) contribuir para a expansão do comércio mundial e para o estreitamento das relações económicas e (4) fomentar o diálogo transatlântico.

No quadro desta Agenda, foi lançada em 1998 a Parceria Económica Transatlântica que, com o objetivo de reforçar as relações de comércio e investimento entre os dois lados do Atlântico, criou em 2007 o Conselho Económico Transatlântico. Este Conselho estabeleceu em 2011 um Grupo de Trabalho para avaliar as relações de crescimento e emprego existentes entre os dois blocos e, depois de concluir pelos benefícios do aprofundamento das relações económicas e comerciais para o crescimento e emprego na UE e nos EUA, recomendou a celebração de um acordo de comércio e investimento transatlântico que mitigasse barreiras tarifárias e não tarifárias, fomentando uma convergência regulatória. Estavam assim lançadas as sementes para o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento entre os EUA e a UE (ou TTIP, na sigla inglesa).

O Acordo, que a Comissão Europeia começou a negociar com a contraparte norte-americana com base no mandato conferido pelos 28 Estados-membros da UE, assenta em três eixos fundamentais: acesso ao mercado, cooperação regulamentar e convergência de regras e standards. Nesta fase, todos os capítulos foram abertos à negociação, embora em estádios diferentes de progresso. As matérias previsivelmente mais sensíveis e que marcarão as negociações em 2016 são fundamentalmente três: (1) regime de contratação pública (ponto crucial para os EUA, em que vigora o protecionista Buy American Act de 1933), (2) indicações geográficas (ponto essencial para a Europa que quer manter o regime de indicações geográficas que distinguem, comercial e historicamente, os seus produtos nos mercados internacionais), e (3) protecção do investimento através de um mecanismo de resolução de litígios entre Estados e investidores, Investment Court System, cujos contornos foram divulgados pela Comissão Europeia no passado mês de novembro e que serão discutidos na próxima ronda.

Este sistema poderá substituir o mecanismo não judicial de resolução de litígios inicialmente proposto e que tem sido objecto de forte oposição pela opinião pública. Por fim, importará obter dos EUA a garantia de que o TTIP vinculará quer o nível federal quer o estadual, ponto transversal a toda a negociação e essencial para a UE.

As negociações do TTIP iniciaram em 2013 com fim anunciado para 2015. Contudo, as eleições intercalares norte-americanas, a negociação da Parceria Transpacífica (prioritária para os EUA), as eleições para o Parlamento Europeu, o final do mandato da segunda Comissão Barroso e, consequentemente, a nomeação de uma nova Comissão contribuíram para o atraso das negociações. Foram 11 as rondas negociais realizadas até ao momento, tendo a última terminado no passado mês de outubro, em Miami.

A próxima ronda será em fevereiro de 2016, em Bruxelas, sendo esperadas reuniões intercalares para acelerar o processo. Depois de aprovado o Trade Promotion Authority (mandato conferido pelo Congresso norte-americano ao Presidente dos EUA para concluir tratados comerciais) e finalizada a Parceria Transpacífica, os EUA estão agora em condições de centrar a sua atenção no TTIP, como recentemente sublinhado pelo Embaixador Michael Froman, responsável pelas negociações do lado americano.

Do lado europeu, o Parlamento Europeu, comprometido com o processo, dirigiu à Comissão Europeia no passado mês de junho as suas recomendações e a Comissária responsável pelo Comércio, Cecilia Malmström, deixou bem claro na Comunicação Trade for All, documento da Comissão Europeia que apresenta a estratégia de comércio e investimento para a Europa, que o TTIP está no topo da agenda da União e que as negociações deverão estar concluídas durante a Administração Obama (as eleições presidenciais norte-americanas estão agendadas para Novembro de 2016). EUA e UE estão mais do que nunca comprometidos em fechar as negociações. 2016 pode ser, assim, o ano do TTIP.

*Advogada, especialista em mercados de capitais