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HUGO AMARAL/OBSERVADOR

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Expo Funerária. A morte fica-lhes tão bem

Carrinhas funerárias com luzes LED e cortinas automáticas, urnas e workshops de maquilhagem. Durante três dias, a Batalha recebeu a Expo Funerária. Fomos conhecer o negócio.

Entre 15 e 17 de abril, o Exposalão, na Batalha, acolheu pela primeira vez uma feira dedicada exclusivamente aos profissionais do setor funerário. Ao todo, estiveram presentes na Expo Funerária 11 fábricas de urnas portuguesas, algumas com mais de 20 anos de experiência, e muitas outras empresas de revenda de produtos e acessórios, que fornecem as agências funerárias.

Quem por ali passasse podia ver um pouco de tudo — urnas de cinzas de inox, madeira, alumínio, em forma de bola ou em forma de caixa, macas de transporte, mesas de preparação, um forno de cremação, produtos para preservação de cadáveres e ainda assistir a workshops de maquilhagem, um debate com várias associações ligadas ao setor, uma conferência com José Eduardo L. Pinto da Costa, que viajou até à Batalha para falar da importância da tanatopraxia na prevenção do luto, e outra com a médica de medicina legal Ana Sofia Coelho e o tanoprator João Paulo Nunes.

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“Isto é um bocado soturno”, ouviu-se alguém sussurrar. “Tem muitos anjinhos!” Para quem está habituado a outras andanças, um salão repleto de urnas, estatuetas e carrinhas funerárias pode ser uma imagem aterradora. De dar arrepios na espinha, até. Mas para quem cresceu entre caixões e trabalha no meio há décadas, falar de urnas, albas com cetim, folhos ou da conservação de cadáveres, é o pão nosso de cada dia. Literalmente, porque é disso que vivem.

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Um negócio de família

Quando era pequeno, Diogo Baldaia costumava brincar dentro das urnas que o pai fabricava e que a mãe costumava estofar. Habituado a correr entre os caixões e a esconder-se dentro deles, decidiu aos 19 anos seguir os passos do pai e do avô que há muito abriu a primeira fábrica de urnas da família Baldaia na garagem lá de casa. Hoje, aos 20 anos, é um dos responsáveis pelo Grupo Baldaia e tem a seu cargo uma fábrica de onde saem mensalmente 1.500 urnas. Quando questionado sobre se gostaria de trabalhar noutra área, não hesita: “Não me imagino a fazer outra coisa.”

Desde que o avô Baldaia fundou a primeira fábrica de urnas em Marco de Canaveses, no distrito do Porto, muita coisa mudou. “Trabalhava na garagem com os filhos. Faziam cinco urnas por semana”, contou Diogo. O lucro não era muito, “mas dava para pagar as contas”. “Para sobreviver.” O pai estava fora do mercado funerário há dez anos quando decidiu retomar o negócio da família e abrir o Grupo Baldaia. A empresa começou por dedicar-se exclusivamente à revenda de artigos funerários, mas o vício estava lá e Agostinho depressa tomou a decisão de abrir uma nova fábrica Baldaia. “Ele ainda tinha a maquinaria que era do meu avô.” Estávamos em 1996.

Diogo Baldaia, de 20 anos, trabalha há um ano na empresa da família, a fábrica de urnas Baldaia

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Desde então, o Grupo Baldaia não tem parado de crescer. À fábrica de Marco de Canaveses juntou-se uma outra, ainda por abrir. Os três funcionários iniciais tornaram-se em 60. Mas os Baldaia não querem parar por aí. No início de abril, a empresa participou pela primeira vez na Tanexpo, a maior feira europeia dedicada ao setor funerário, em Bolonha. “Foi a nossa primeira vez em Itália”, contou Diogo. “É um mundo completamente diferente do português, abrimos novos caminhos.” Na semana seguinte, rumaram à Batalha.

Diogo juntou-se há empresa há um ano apesar de, como ele diz, nunca ter saído de lá. Apesar do curso de técnico administrativo, admite que, muito provavelmente, não era capaz de fazer outra coisa. E isso nota-se na maneira como fala. “Adoro isto, adoro o stress do dia-a-dia.” Adora que o incomodem a meio da noite porque falta alguma coisa, adora certificar-se de que está tudo bem, que os clientes estão satisfeitos. Adora o que faz.

A história dos Baldaia não é muito diferente da de muitas empresas portuguesas ligadas ao setor funerário. A grande parte pertence há várias gerações à mesma família. É um negócio familiar, como muitos outros. “O mercado nacional caracteriza-se largamente por ser de âmbito familiar, quer se trate de agências funerárias ou fábricas de fabricação de urnas”, explicou ao Observador Paulo Moniz Carreira, presidente da Associação Portuguesa dos Profissionais do Setor Funerário (APPSF). De acordo com o presidente, as empresas são sobretudo PME ou micro-empresas.

“Adoro isto, adoro o stress do dia-a-dia.” Adora que o incomodem a meio da noite porque falta alguma coisa, adora certificar-se de que está tudo bem, que os clientes estão satisfeitos. Adora o que faz.

A Madifoz, uma fábrica de urnas de Paião, na Figueira da Foz, é uma delas. A empresa foi criada em agosto de 1980 pelo pai e hoje pertence ao filho, Luís Mendes, que atualmente tem a seu cargo 30 trabalhadores. Mais recentemente, em 2014, a família Mendes deu o passo seguinte e criou a Funerexpress, uma empresa de comércio de artigos complementares à atividade funerária, como mesas de autópsias, macas de transporte, frigoríficos e produtos de tanatopraxia.

A tanatopraxia é um procedimento de preparação de cadáveres para o velório ou funeral que pretende retardar ou impedir o processo de decomposição durante um determinado tempo. Apesar de os velórios em Portugal serem relativamente curtos quando comparados com outros países europeus (em França dura, em média, cinco dias e em Inglaterra cerca de 30), a tanatopraxia é importante quando é necessário transportar um corpo entre longas distâncias. Para além disso, também serve para prevenir que o cadáver se torne um perigo para a saúde pública.

Tanatopraxia e tanatoestética. O que é isso?

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A tanatopraxia é um procedimento de preparação de cadáveres para o velório ou funeral que pretende retardar ou impedir o processo de decomposição durante um determinado tempo.

A tanatoestética trata-se da preparação estética do cadáver, através do uso de maquilhagem específica que visa apresentar o defunto com uma aparência natural, disfarçando marcas, manchas nódoas negras e outras alterações provocadas por doenças ou acidentes.

De acordo com os profissionais do setor, é um serviço em clara expansão. “Este serviço permite fazer o velório de acordo com as tradições portuguesas e com maior segurança e higiene”, explicou Paulo Moniz Carreira. “O ritual fúnebre português passa pela colocação do falecido em velório numa sala ou capela com a urna aberta. O velório, nalguns casos, pode ter alguns constrangimentos especialmente em casas cujo falecido não esteja nas melhores condições de velamento. Com recurso à tanatopraxia, esta situação fica salvaguardada.”

Para garantir as condições de velório, os profissionais podem também recorrer à tanatoestética, isto é, ao uso de maquilhagem específica, que visa apresentar o defunto com uma aparência natural, disfarçando as marcas da morte, por vezes causadas por doenças ou por acidentes. O grande objetivo da tanatoestética é apresentar o defunto com uma aparência o mais natural possível, semelhante à que tinha em vida, de modo a que os seus familiares se possam despedir dele de forma digna e com uma imagem fidedigna. É por esse motivo que muitos profissionais defendem que a tanatoestética pode ajudar na prevenção do luto.

“Uma vez que é devolvida ao falecido a sua aparência normal, torna menos doloroso o processo do luto”, garantiu o presidente da APPSF. Carlos Almeida, presidente da Associação Nacional de Empresas Lutuosas (ANEL), explicou ao Observador que a ideia é também transmitir “um ambiente calmo”, fugindo ao sofrimento que muitas vezes está associado aos últimos anos de vida do defunto. “Veem-no na urna e ele transmite uma ideia de paz que não viam antes e que os incomodava. Veem-no como era. ‘Estava mais bonito do que era!’, às vezes ouvimos esse comentário.”

"Veem-no na urna e ele transmite uma ideia de paz que não viam antes e que os incomodava. Veem-no como era. 'Estava mais bonito do que era!', às vezes ouvimos esse comentário."

Para praticar tanatoestética não basta perceber de maquilhagem. “É preciso saber utilizar os produtos que podem ser misturados”, referiu Carlos Almeida. “Temos de ser como um saltimbanco. Temos de andar com uma mala de apoio que tem sete bases com as quais temos de fazer todos os tons de pele. Os produtos têm de ser misturados e existem várias intensidades com as quais temos de trabalhar até acertar na que nos interessa.” Essa mala de “saltimbanco” pode custar cerca de quatro mil euros. Ou mais.

Para demonstrar o uso e as potencialidades dos produtos de tanoestética, os franceses Philippe e Patricia Dubresson deram um pequeno workshop de cerca de uma hora no primeiro dia da Expo Funerária. O casal, residente no Reino Unido, deslocou-se até à Batalha a convite da Madifoz, a representante em Portugal da EEP-CO (sigla para European Embalming Product Corporation), a empresa de produtos de tanatopraxia e tanatoestética que os dois fundaram em 2009.

Philippe Dubresson e a mulher, Patricia, deram um "workshop" de maquilhagem

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Para mostrar como, com os produtos certos, é possível disfarçar cicatrizes provocadas por acidentes, Philippe recorreu a um modelo de silicone. Passo a passo, explicou como, recorrendo a uma espécie de pasta cor de pele, é possível preencher concavidades e tornar o rosto uniforme. Para espalhar o produto, recorreu às suas próprias mãos, a um fio e até a um pente. A demonstração foi feita apenas numa pequena zona do rosto do modelo, e demorou cerca de meia hora. Uma reconstrução completa, com maquilhagem incluída, pode demorar várias horas, até para alguém com tantos anos de experiência como Philippe.

Patricia Dubresson, por sua vez, testou os produtos nas próprias mãos, explicando como é possível criar diferentes tonalidades, como aplicar o corretor ou o blush, no caso das senhoras. À medida que iam avançando no trabalho, o número de pessoas em torno do stand da Madifoz ia-se multiplicando. A curiosidade era muita, mas nem todos pareciam convencidos com a maquilhagem. Houve muito torcer de nariz.

Bolas de futebol e mesas de snooker

A empresa de Isabel Maria Torres, de Matosinhos, é uma das muitas em Portugal que se dedica à importação de todo o tipo de material, tal como a Madifor. Na Expo Funerária, porém, era uma das mais recentes. Isabel Torres começou a trabalhar no ramo há sete anos, depois de terminar a licenciatura em Engenharia Química e de ser contratada por uma empresa que produzia produtos para ajudar a decompor cadáveres. Mas a vida dá voltas, e a empresa acabou por fechar portas. Há três anos, Isabel Maria Torres abriu a Belartfune.

No stand que montou na Expo Funerária, entre dois fabricantes de urnas, Isabel tinha um bocadinho de tudo — tocheiras e outras peças de decoração para capelas, produtos de higiene e mesas de preparação –, um bom exemplo daquilo que é necessário para o exercício da profissão de agente funerário. Porém, era a urna de cinzas de alumínio, em forma de bola de futebol, a peça que mais chamava a atenção de quem passava. Branca e vermelha, com as cores do Benfica.

Diz-se caixão ou urna?

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Apesar de parecerem sinónimos, um caixão e uma urna não são a mesma coisa. Antigamente, os caixões eram fabricados manualmente (e por medida) por um carpinteiro. A tampa era arredondada e o seu interior decorado, geralmente por outra pessoa que não o carpinteiro (geralmente uma mulher), que o forrava com tecido e galões.

De acordo com Carlos Almeida, presidente da Associação Nacional de Empresas Lutuosas (ANEL), terá sido mais ou menos por volta dos anos 70 que os caixões começaram a ter um padrão em termos de medida, e ser manufaturados de uma forma mais industrial, complexa e sustentável (até já existe uma certificação ecológica). A estes caixões dos tempos modernos chama-se urnas.

A palavra “urna” é ainda usada para se referir aos recipientes onde são colocadas as cinzas depois da cremação.

Quando apontámos para a bola de futebol, colocada dentro de uma vitrina alta, Isabel Maria Torres riu-se. “Estou a ver que tenho de a chegar mais para a frente!” Não fomos os primeiros a questioná-la sobre a urna, e também não haveríamos de ser os últimos. Afinal de contas, ainda faltavam dois dias para o fim da feira. “Eu sou do Benfica, e o Benfica vai em primeiro lugar!”

Apesar de ser bonita de se ver, a maioria das pessoas continua a preferir modelos mais tradicionais, como as de alumínio, inox ou de madeira. Questionada sobre preços, Isabel não quis avançar com valores “porque isto é uma feira para profissionais”, mas admitiu que uma urna pode custar “várias centenas de euros”. Nos últimos anos, as biodegradáveis têm também vindo a tornar-se cada vez mais populares, garante Isabel Torres. Dentro do género, já existe alguma variedade no mercado — umas, de barro cozido, desfazem-se em contacto com a água, e outras, se enterradas na terra, transformam-se num bonito pinheiro. Mas há sempre alguém à procura de algo completamente diferente, fora da caixa.

“A uma cliente de um cliente meu, morreu-lhe o coelho, e ela viu na net uma urna em forma de coração”, contou Isabel que, por mais que tentasse, não foi capaz de satisfazer o pedido da cliente do cliente. “Temos umas urnas em forma de coração, mas não nenhuma como a que ela queria.”

Mas no que diz respeito a originalidade, Rui Pina e Manuel Fonseca devem estar em primeiro lugar. No início de abril, os dois amigos abriram a Dear Memories, uma empresa de “caixões criativos”. Atualmente, têm disponível para compra através do site cerca de 30 modelos, que incluem padrões floridos, como rosas vermelhas, lírios num fundo cor-de-rosa e malmequeres, uma mesa de snooker e até um copo de cerveja. Para os mais patriotas, há uma bandeira de Portugal.

Tudo aconteceu mais ou menos por acaso, depois de Manuel, que sempre trabalhou por conta própria na área do gás, ter ficado desempregado. Sem nada para fazer, decidiu inscrever-se no curso de Marketing na Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Viseu, onde reside. Numa das disciplinas, Manuel foi desafiado a criar um projeto pensado para um suporte em madeira, e lembrou-se de criar um design diferente para urnas. “Mas longe de chegar a um negócio!”, admitiu em conversa com o Observador.

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Manuel Fonseca só se apercebeu que a urna que fez para a aula poderia dar um negócio sustentável quando a mãe lhe disse que até não tinha ficado nada chocada se o pai, que tinha morrido há pouco tempo, tivesse sido enterrado num daqueles caixões coloridos. O empresário de Viseu juntou-se então a Rui Pina, que sempre trabalhou na área da alimentação e, com o apoio incondicional da família e amigos, fundaram a Dear Memories. O negócio ainda vai no início, mas os dois acreditam que tem pés para andar. Afinal, o projeto é único em Portugal e, até ao momento, as reações foram as melhores.

“A mãe dele já disse que quer um com tulipas”, disse Manuel apontando para o sócio. “É verdade! E a minha avó quer um com rosas brancas.” Pelo menos, na família de Manuel Fonseca e de Rui Pina, não faltam interessados. “É certo”, disse Rui sobre a avó. “Já temos uma!”

“É verdade! E a minha avó quer um com rosas brancas.” Pelo menos, na família de Manuel Fonseca e de Rui Pina, não faltam interessados. “É certo”, disse Rui sobre a avó. “Já temos uma!”

Apesar de já terem 30 modelos disponíveis, os dois sócios admitem que a ideia é aumentar o número. “Já pedimos reuniões com os clubes para fazermos urnas com os símbolos do Benfica, Sporting e Porto”, explicou Manuel, que admitiu não se importar nada de um dia vir a ter um caixão com um design assinado pela Joana Vasconcelos. “O importante é termos os pés assentes na terra e não pararmos.”

Conservador? Talvez nem tanto

Apesar do setor funerário português ser muitas vezes descrito como conservador, na opinião de Paulo Moniz Carreira existem serviços, como a tanatopraxia, que estão em expansão. Isso deve-se ao facto de, nas últimas décadas, terem surgido novos produtos e soluções que se opõem ao “conservadorismo” criado “pelos agentes económicos que operam no nosso país”. “Como é óbvio, se não se propuserem serviços novos, inovadores, diferenciadores, as famílias ficam sem opções de escolha e os serviços tornam-se iguais e repetitivos. Basicamente, o setor estava perante um serviço standart e sem qualquer diferenciação”, referiu o diretor da APPSF.

14%

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A taxa de cremação nacional situa-se, atualmente nos 14%. De acordo com Paulo Moniz Carreira, presidente da Associação Portuguesa dos Profissionais do Setor Funerário (APPSF), desde o início do milénio, a cremação aumentou 700% e, na última década, 67%.

Só em Lisboa, 53% das pessoas que morrem são cremadas, segundo Carlos Almeida, presidente da Associação Nacional de Empresas Lutuosas (ANEL).

Exemplo disso é a crescente popularidade da cremação. Desde o início do milénio, a prática cresceu mais de 700% e, na última década, 67%. “É preciso esclarecer que a procura pela cremação no nosso país era menor não por motivos culturais, mas por falta de oferta no país”, salientou Paulo Moniz Carreira. À medida que foram surgindo mais crematórios, naturalmente a procura foi acompanhando. É preciso reafirmar a importância do papel das agências funerárias nesta mudança de paradigma. Quem trabalha e conhece o setor tem o dever de informar os clientes das diversas opções disponíveis.”

Para além disso, as gerações mais novas não parecem ter a mesma relação afetiva com os cemitérios que os mais velhos. “Para além destes estarem cada vez mais lotados, a verdade é que vão deixando de exercer o papel de espaços de homenagem. A própria sociedade, com as famílias mais dispersas, contribui para este fenómeno.”

Para Carlos Moniz Carreira, o importante é que as “agências olhem para o mercado com uma visão económica e empreendedora”. “Tal como nos outros setores de atividade, a mudança é um importante fator de estímulo à inovação e evolução, e os serviços fúnebres devem reagir a esses estímulos de mercado para que deixemos de ter um setor vincadamente conservador.” É nesse sentido que feiras como a Expo Funerária são importantes, pois “permitem trocar conhecimentos e experiências, mostrar inovações e criar ações de de debate sobre temas relevantes para o setor”.

Expo Funerária, um projeto para continuar

Sentado no café do Exposalão, com vista para um conjunto de urnas de madeira estofadas a veludo bordeaux, Rogério Henriques, diretor comercial da Expo Funerária, explicou ao Observador que o evento surgiu da necessidade de colmatar uma falha — a de não existir nenhuma feira regular do género em Portugal.

“Vimos aqui uma oportunidade de negócio. Notámos que já não existia nenhuma feira do setor há quatro, cinco anos. Esta é a primeira que fazemos no Expo Salão, mas existiram outras feiras anteriormente, organizadas por outras entidades, mas que nunca tiveram continuidade.” Tomada a decisão, a organização entrou em contacto com várias empresas do setor que se mostraram recetivas a organização de uma feira.

Na Expo Funerária, participaram 11 fabricantes de urnas, os maiores em Portugal

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Em Portugal, existem cerca de mil agências funerárias, repartidas em cerca de 1.400 estabelecimentos. Os fabricantes de urnas são cerca de 30 e os transformadores de automóveis são sete ou oito. A maioria das empresas encontra-se no norte do país, principalmente na zona de Amarante, de onde vêm cerca de 80% das urnas fabricadas em Portugal. Isso deve-se ao facto de a localidade ficar próxima de Paços de Ferreira, a famosa capital do móvel. Foi aí que surgiram as duas primeiras grandes fábricas, a partir das quais surgiram muitas outras.

Todos estes subsetores estiveram representados no Expo Salão, como explicou Rogério Henriques. “A feira representa muito bem o setor e a sua realidade neste momento. As melhores empresas de qualquer subsetor desta atividade está aqui bem representado Estão aqui as empresas que são fornecedoras dos agentes funerários, mas também das juntas de freguesia. Há aqui algumas empresas da gestão de cemitérios, cremação. Por aquilo que me têm dito, a feira está muito bem representada. É o melhor produto que já se apresentou na modalidade feira.” A faltar, ficaram talvez as empresas de arranjos florais e de gestão de jazigos. “Mas a coluna dorsal é sempre as urnas e os carros funerários. É o que atrai mais pessoas”, garantiu o diretor comercial.

Apesar de a conversa com Rogério Henriques ter acontecido no primeiro dia da feira, o diretor comercial parecia otimista. “Pensava que o dia ia ser mais fraco, e já está aqui muita gente. Também é sinal que as pessoas estavam com um bocadinho de fome desta feira. Estamos contentes porque a economia não está a atravessar uma fase de grande pujança.” E isso, ao contrário do que muitas vezes se julga, afeta todos os setores. Até o funerário.

"O mercado doméstico está garantido, pode é crescer no internacional. [O objetivo] é cimentar o mercado interno que não estava servido e arranjar alternativas para vender o produto além-fronteiras."

Ao Observador, Rogério Henriques garantiu que a Expo Funerária é um projeto para continuar. “Até aqui não houve continuidade, e nós temos essa vontade. Não nos interessa ter só uma feira e depois ela desaparecer — interessa-nos dar continuidade ao projeto. E pelo feedback que já recebi, penso que será para continuar.” ” E também trabalhar no sentido de captar a atenção internacional, apesar de algumas empresas, como o Grupo Baldaia, já exportarem para outros países, principalmente em África. “O mercado doméstico está garantido, pode é crescer no internacional. [O objetivo] é cimentar o mercado interno que não estava servido e arranjar alternativas para vender o produto além-fronteiras.”

O setor funerário não é “a galinha dos ovos de ouro”

Apesar de Carlos Almeida ouvir todos os dias que o ramo funerário “é a galinha dos ovos de ouro”, o diretor da ANEL desvaloriza. “O que é que me adianta que haja muita matéria-prima, se não ganho nada com isso?” A frase pode parecer crua, mas olhando para os dados torna-se mais fácil de compreender.

Os dados compilados pelo Instituto Nacional de Estatística desde a década de 60 mostram que o número de óbitos em Portugal tem vindo a aumentar. Sobre os números mais recentes: em 2014 morreram 104.843 pessoas, em 2015, 108.511. À partida, um maior número de óbitos significa um maior número de funerais e um maior lucro para os fabricantes de urnas. Porém, não é bem isso que tem acontecido.

De acordo com Carlos Almeida, “em termos de volume de negócio, não veio fazer grande acréscimo”. Isto porque, desde que a crise abalou Portugal, “o valor da carga de urnas que vem de Amarante”, onde são produzidas cerca de 80% das urnas em Portugal, “é de menos 60%, 50%”. Ou seja, as urnas que são compradas são as mais baratas e a margem de lucro para os fabricantes é, obviamente, menor.

A crise tem motivado a procura de seguros ou planos de poupança por parte de muitos portugueses que procuram asseguram que, na altura do seu funeral, não haverá preocupações relativamente ao dinheiro. Isto tem a ver com a “precariedade com que as pessoas vivem”, garante o diretor da ANEL. “Muitos filhos estão a voltar a casa dos pais para comerem a sopa e os menos novos preocupam-se se vão deixar o seu funeral ao encargo daqueles que têm pouco. Começa a haver a preocupação em procurar um produto semelhante a um seguro.”

É por esse motivo que a ANEL está a desenvolver um plano poupança funeral. Ainda não existe data para o seu lançamento, mas Carlos Almeida garante que está para breve. A ideia do plano poupança é fugir ao circuito dos seguros e assegurar que as pessoas têm uma maior liberdade de escolha. “Podem fazer uma poupança de forma suave e até designar uma determinada funerária. Porém, se por qualquer motivo os filhos desconheciam a existência do produto, e entrarem em contacto com outra funerária, o plano é acionado na mesma, o que não acontece com uma companhia de seguro. Não vai haver uma intromissão na livre escolha das pessoas.”

Na Exo Funerária, participaram 11 empresas de fabricação de urnas

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Para quem não pertence ao setor e está do lado de fora, planear a compra de uma urna ou de um jazigo em vida pode parecer bizarro. Mas Carlos Almeida defende que é importante dizer aquilo que queremos. “Vejo isso todos os dias — as ansiedades de muitos filhos e netos que não sabem o que hão de fazer. Alguns dizem que até concordam com a cremação, mas que não sabe se era isso que a pessoa queria. Outros dizem: ‘Ele até queria ir para um jazigo, então vou pedir dinheiro emprestado para isso’. E isso faz toda a diferença.”

E para muitos, essa é a última homenagem.

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