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EDGAR CAETANO/OBSERVADOR

EDGAR CAETANO/OBSERVADOR

"Fui dormir migrante. Acordei imigrante. Não é o mesmo"

Incredulidade, deceção, resignação e revolta. Os expatriados europeus em Londres ainda não caíram em si. O que preocupa, tanto quanto a saída da UE, é quem fica a mandar. Leia a nossa reportagem.

Reportagem em Londres

O sexto sentido de Joanie não a deixou adormecer descansada na noite de quinta-feira, apesar de as sondagens que saíram com o fecho das urnas terem dado a continuidade do Reino Unido na União Europeia. Mesmo com essas projeções, não ficou tranquila — mas quando viu tweets de que o Sair tinha atirado a toalha ao chão e que as casas de apostas davam 93% de probabilidades de Remain, Joanie decidiu pousar o telemóvel. Quando acordou a meio da noite, e a curiosidade a levou a pegar no smartphone, já não voltou a dormir. “Fui dormir a sentir-me apenas uma migrante, mas hoje sinto-me, pela primeira vez, uma imigrante. Não é o mesmo“.

Incredulidade. Joanie é italiana, originalmente, mas está há seis anos em Londres e isso já foi suficiente para preferir ser conhecida por essa alcunha inglesada. Fala com a reportagem do Observador num autocarro entre Bethnal Green para Tottenham Court Road, onde vai ver a parada de orgulho gay que este sábado percorreu o centro da capital britânica. Diz que precisava de sair de casa para “sair deste funk” em que está desde a madrugada de sexta-feira — ainda não caiu em si.

Quando Joanie, de cabelo escuro e longo, riscado ao meio, chega a Piccadilly Circus, vai ao encontro de um grupo de manifestantes pró-UE. É um de vários que têm percorrido a cidade nos últimos dias, erguendo cartazes que recorrem a trocadilhos com títulos de músicas pop para demonstrar, com bom humor, que não gostaram do resultado do referendo de 23 de junho. Segundo as sondagens da YouGov, cerca de 75% dos jovens votaram pela permanência. “Levem-nos convosco, Europa“, dizem os cartazes; “leva-nos contigo para Lisboa”, dizem os manifestantes, ao Observador.

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Orgulho por (ainda) serem cidadãos da União Europeia. Manifestantes pró-Europa juntam-se a marcha de orgulho gay no centro de Londres. (EDGAR CAETANO/OBSERVADOR)

Deceção. Rania é grega e tem uma filha pequena com o seu companheiro, um francês. Dececionada e chocada com o resultado, diz-se preocupada com o que o acontecimento poderá significar não só para o Reino Unido como para o resto da Europa. “As pessoas esquecem-se que há 70 anos estávamos todos em guerra uns com os outros — foi há 70 anos, não foi na Idade Média”. Está, ainda, assim, mais resignada do que o seu companheiro, que nos é descrito como “um idealista”. Conversamos com ela na esplanada de um café perto de Shoreditch (gerido por portugueses) sobre a mensagem que o mayor (presidente da câmara) de Londres colocou no Facebook, dirigindo-se aos cidadãos europeus que vivem em Londres e que não puderam votar neste referendo, apesar de já terem podido votar, por exemplo, nas eleições para o Parlamento e, precisamente, para a câmara de Londres.

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Quero enviar uma mensagem clara para todos os cidadãos europeus a viver em Londres — vocês são muito bem-vindos aqui. Como cidade, estamos gratos pela contribuição enorme que vocês fazem e isso não irá mudar como consequência deste referendo. Há cerca de um milhão de cidadãos europeus a viver em Londres e eles trazem benefícios enormes para a nossa cidade — trabalhando com afinco, pagando impostos, trabalhando nos nossos serviços públicos e contribuindo para a nossa vida cívica e cultural. Todos temos uma responsabilidade, agora, para tentar sarar as divisões que emergiram durante esta campanha — e focarmo-nos naquilo que nos une e não naquilo que nos divide”.

Rania diz que “esta é uma boa mensagem — e acredito que Sadiq esteja a falar do coração — mas não sei se terá muito efeito prático. As pessoas estão muito amarguradas porque levaram a peito esta mensagem que foi dada pela maioria do povo britânico. Eu acabo por sentir menos porque vivo numa zona (Hackney) que votou, sobretudo, pela permanência. E há muitos imigrantes por aqui — Londres é uma cidade muito especial porque há muitas culturas misturadas mas não há guetos“.

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Rania é grega. Está preocupada com o Reino Unido mas ainda está mais preocupada com a Europa. (EDGAR CAETANO/OBSERVADOR)

Percorrendo a caixa de comentários à declaração de Sadiq Khan, no Facebook, encontram-se muitos corações partidos. “É com muita pena que decidi ir-me embora depois de quase 10 anos fabulosos aqui. Talvez regresse um dia mas, agora, vou-me embora”, diz alguém. Outro alguém que comenta agradece a mensagem do mayor de Londres e diz que a declaração a faz sentir um pouco “menos mal-vinda”, depois de um resultado que — diz — poderá “arruinar” a sua vida.

Alguém que assina Savvas Ios diz, também em comentário no Facebook, que “considero Londres a minha segunda casa, mas já não me sinto bem-vindo neste país. Sou parte da razão porque o povo britânico votou pelo Brexit — vou sempre sentir-me um imigrante a partir de agora”. Josep Soldevila, presumivelmente um espanhol, diz que o milhão de cidadãos europeus a viver em Londres sentem uma “ferida terrível” que “vai levar tempo a sarar”. Um outro comentador, um francês, diz que vai ter um bebé, uma menina, dentro de três semanas e diz-se “incrédulo por saber que já não somos bem-vindos aqui e que os meus filhos não vão crescer neste país“.

Raiva. Mais revoltado e enfurecido está, contudo, um italiano chamado Roberto Caneparo, de 31 anos, que também comentou o post de Sadiq Khan e falou ao telefone com o Observador. O italiano está há oito anos em Londres e diz-nos que subiu na vida graças a muito trabalho, começando a trabalhar na restauração e agora tendo um bom cargo numa empresa de telecomunicações. “Nunca recebi um pence em apoios do Estado e sempre paguei os meus impostos. Não sei porque é que este país considera os meus impostos bem-vindos mas não o meu voto“.

"A geração que votou e levou a esta decisão está presa nos anos 50 e decidiu dar-nos esta prenda que é um futuro de incerteza, deixando-nos nas mãos de um palhaço como Boris Johnson e uma racista como Theresa May."
Roberto Caneparo, italiano de 30 anos a viver em Londres há oito.

Roberto Caneparo antecipa tempos muito difíceis para os imigrantes. “O processo de saída pode demorar dois anos, mas esta gente vai assumir o poder já [até outubro] e vai começar já a fazer leis à sua maneira. Estou com medo”. O italiano diz que vai “esperar para ver”, mas, mentalmente, já está noutra. “Consegui subir a pulso aqui, como imigrante — tenho a certeza de que consigo voltar a fazê-lo noutro local qualquer… Se consegui uma vez, consigo duas“, diz Roberto.

E Londres e a Inglaterra, como ficarão? “Provavelmente vai tornar-se um país parecido com Itália, dominado pelos velhos e com os jovens desempregados“. E vai ser “interessante”, diz Roberto, ver “o que acontecerá quando boa parte dos ingleses reformados que estão a viver noutros pontos da Europa voltarem” — veremos como o Serviço Nacional de Saúde (NHS) aguenta essa pressão, com menos imigrantes europeus para lá trabalhar, nota o italiano, criticando a campanha pelo Leave por já ter admitido (Nigel Farage, que não pertencia ao movimento legítimo) que foi um “erro” dizer que o NHS receberá 350 milhões de libras por ano a mais.

Resignação. É o que sente outra migrante — agora imigrante — que nasceu na Dinamarca mas está em Londres há cerca de 15 anos. Bronte Aurell emprega 25 pessoas e importa semanalmente vários produtos vindos do resto da Europa — produtos que, agora, ficarão muito mais caros devido à desvalorização da libra. Ao Observador, diz que “como a maior parte das pessoas aqui, sinto-me frustada e dececionada”. “Contudo, também acredito na democracia e temos de aceitar que a situação, agora, será esta — e teremos de trabalhar tendo em conta esta situação”.

A empresária, dona da loja/café ScandiKitchen, lamenta a “campanha mediática nojenta” que foi feita e, também, que esta tenha sido a decisão tomada por pessoas que, globalmente, tinham um “baixo nível de preparação” para a tomar. “O governo deveria ter investido muito mais nisto, em vez de passar a vida em braços de ferro políticos na imprensa. Penso que se as pessoas compreendessem melhor este assunto complexo, teriam votado de forma diferente. Acredito piamente nisso”.

Mas, agora, “pouco ajuda estar a chorar sobre leite derramado — não é uma boa situação mas temos de viver com ela“. Se ainda será uma #proudimmigrant em Londres daqui a cinco ou dez anos? “É a minha casa. Sou uma cidadã europeia e acredito numa Europa unida, mas não será por isto que deixarei de cá viver, a menos que a situação económica torne absolutamente impossível eu ficar. Só espero que se chegue a soluções sólidas e que sejam feitos novos acordos de comércio — o que, bem sei, demorará muito tempo“.

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