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"Girls": amo-vos porque vos odeio. Não é isso ser "milenial"?

Nesta série as amizades não são perfeitas e as personagens não são aspiracionais. Também graças a isso, "Girls" fez a diferença. E antes do início da última temporada, Susana Romana explica porquê.

Se retirarmos as tatuagens da equação, eu e a Lena Dunham somos muito parecidas nuas. Peço desculpa ao leitor pela explicitação deste arranque de texto, mas não se fala de uma série como “Girls” com pruridos e rodriguinhos. E cinco (a caminho de seis) temporadas depois eu acho que já vi o corpo desnudo de Hannah, a protagonista da série, de mais ângulos do que o meu próprio. Essa é uma das primeiras de muitas ousadias da série – não a nudez em si, mas o acto de mostrar corpos altamente imperfeitos, em actos sexuais mais realistas e menos oníricos e cinematográficos. Repetidamente.

Uma série sobre quatro amigas em Nova Iorque com a chancela da HBO estava obviamente a meter-se a jeito para ser comparada com o “Sexo e a Cidade”, esse momento de viragem no modo como as mulheres são representadas em ficção televisiva. E “Girls” sabe-o. Logo no primeiro episódio, uma personagem diz para a outra: “tu és como a Carrie com alguns traços da Samantha e o cabelo da Charlotte”. Estando o elefante na sala devidamente reconhecido, “Girls” prosseguiu o seu caminho, afastando-se cada vez mais da sombra da série de Candace Bushnell.

[o trailer da sexta e última temporada:]

https://www.youtube.com/watch?v=qSZ_ofVH-oE

O projecto de Dunham carrega mesmo uma tocha que “Sexo e a Cidade” já apagou em nome da estabilidade financeira do seu franchising. Os filmes (com a classificação de Maiores de 13) são uma versão cliché e estereotipada de mulheres quilometricamente mais desinteressante que as temporadas originais (para Maiores de 18). “Sexo e a Cidade” optou pelo mainstream para vender sapatos enquanto “Girls” optou pela crueza e até pelo desconfortável para não vender nada a uma geração que ainda anda pelos estágios não remunerados.

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“Girls” é um electrocardiograma de um dos sacos de pancada preferidos dos comediantes: os milenials, esse estranho bicho mimado que vive para o smartphone e para a angústia urbana de quem cresceu com a promessa que podia ser o que quisesse na vida que tudo acabaria por correr bem. Mas aos vintes chega a bofetada de que o mundo não é a sua ostra e afinal são a primeira geração em muito tempo condenada a viver com mais instabilidade que os seus progenitores. Se Carrie torrava dinheiro em sapatos, Hannah nem sempre tem que chegue para pagar a renda e ainda vive de cheques dos pais.

Lena Dunham é corajosa e isso ninguém lhe pode tirar. Expõe-se com uma devoção assustadora e deixa à mostra as costuras de uma rapariga em autodescoberta que muitas vezes vai parar ao absurdo. Mas na verdade é como se ela figurativamente morresse pelos nossos pecados.

Essa é, aliás, uma das características mais interessantes de “Girls” – a de que as suas personagens não são aspiracionais. Qualquer rapariga nascida antes dos anos 80 já deu por si em discussões sobre que personagem do “Sexo e A Cidade” seria. Já no caso de “Girls”, ninguém deseja de facto ser uma Hannah ou uma Marnie ou uma Jessa ou uma Shoshanna. São um turbilhão por vezes detestável de insegurança misturada com cagança e parece que só tomam péssimas decisões. Na verdade, isto torna-as muito mais relacionáveis do que Carrie e companhia, mas decididamente apetece-nos menos comparar os seus profundos defeitos com os nossos.

Esta escarpa consegue, muitas vezes, tornar as personagens profundamente irritáveis. Já acabei episódios de “Girls” furiosa, a pensar que não estava mais para aturar aquela gente e as suas psicoses (porque, claro está, já tenho as minhas próprias para me ralar). A minha relação de amor-ódio com a série é, na verdade, algo semelhante à relação amor-ódio que as personagens têm umas com as outras. A amizade delas não é perfeita. Não são um gang sempre unido, como (lá está outra vez a comparação) em “Sexo e a Cidade”. Discutem, odeiam-se, deixam-se de falar.

4 fotos

Aliás, nos 52 episódios que a série tem até ao momento, as quatro protagonistas só aparecem todas juntas em 10. Nada de brunchs fofinhos para meter a conversa em dia. No teaser para a sexta temporada, Hannah conversa com Elijah (ex-namorado tornado em BFF gay), queixando-se: “ainda não deixei a minha marca nesta cidade”. Elijah responde: “fizeste tantas amizades maravilhosas”. Silêncio. Gargalhadas de ambos. Elijah: “Ah, isso não existe!”. Quem precisa de amigas quando tem frenemies de categoria para amar e detestar em igual dose?

Lena Dunham (criadora, realizadora, argumentista e protagonista de “Girls”) iniciou as suas conversações com a HBO explicando que não se sentia representada nas séries que existiam até então. A verdade é que o risco corrido pela cadeia televisiva — conhecida por permitir cenas de sexo e todo o tipo de linguagem – compensou. Não só pelo sucesso de “Girls”, coroada desde o parto como a série que era a voz fresca de uma geração, mas por iniciar uma tendência: a de séries cruas, desconfortáveis, muitas vezes em registo de oversharing sobre o que é ter vinte e picos hoje em dia. “Love”, “Master Of None” e “Insecure” são apenas alguns exemplos, todos eles casos de sucesso de crítica e de culto.

Lena Dunham é corajosa e isso ninguém lhe pode tirar. Expõe-se com uma devoção assustadora. Por vezes corre-lhe mal. O livro Not That Kind Of Girl (em Portugal Não Sou Esse Tipo de Miúda, da Editorial Presença) e algumas das suas entrevistas são polémicos porque deixam à mostra as costuras de uma rapariga em autodescoberta que muitas vezes vai parar ao absurdo. Mas na verdade é como se ela figurativamente morresse pelos nossos pecados. Vós, milenials imperfeitos, vejam o que eu faço e finjam que não fazem igual.

[A sexta e última temporada de “Girls” começa na madrugada de domingo para segunda, dia 12 para 13, na TV Series, às 03h]

Susana Romana é argumentista e professora de escrita criativa

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