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Há 15 anos que temos dúvidas do futuro

O 11 de Setembro será sempre o de 2001. Nesse dia não enterrámos o passado. Enterrámos, talvez, uma optimista noção, muito espalhada, pueril e perigosa, das promessas.

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No dia 11 de Setembro de 2001, faz quinze anos, o mundo não mudou. O mundo, aliás, muda muito pouco. O que muda com uma frequência cada vez maior é a percepção que temos dele – e essa percepção, às vezes, parece mudar catastroficamente, de repente, como aconteceu nesse dia, fatídico para uns quantos milhares de pessoas e também para um certo número de ilusões.

O dia 11 de Setembro de 2001 tornou-se instantaneamente – como é excessivamente próprio da banalidade retórica do nosso tempo – “uma data histórica”. Neste caso, no entanto, a data merece provavelmente ficar como o dia em que no mundo inteiro tomámos consciência do nosso assustador futuro – um futuro bastante mais tenebroso e incerto do que julgávamos uns segundos antes de vermos na televisão, em directo, o brutal atentado de Nova Iorque.

A Al Qaeda tinha compreendido o mundo moderno em que nos anos 70 a televisão “co-produziu” os sequestros palestinianos de aviões: “se o terrorismo não existisse a televisão tinha-o inventado” – ou vice-versa, se os terroristas inventassem alguma coisa. Mais poeticamente, Maurice G. Dantec escreveu no seu thriller futurista Babylon Babies: “Era preciso que a roda da história continuasse a triturar existências se o resto do mundo queria continuar a alimentar-se de imagens de televisão”.

Nas ruínas do futuro

Já se disse que nesse dia começou a primeira guerra do século XXI. Essa “guerra” já tinha começado muitos anos antes – e a bem dizer em quase nada, excepto no número de vítimas por segundo, os acontecimentos do 9/11 foram uma novidade.

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O terrorismo político não é uma invenção dos nossos dias. Os movimentos terroristas que se manifestam na actualidade aparecem contudo num determinado contexto que é o da chamada "globalização" e da crise do Estado-Nação como instância "perfeita" do poder político.

Não foi a primeira vez que um acto de terrorismo estrangeiro atingiu os Estados Unidos no seu próprio território, real ou figurado (o próprio World Trade Center já fora alvo de um violento atentado dos terroristas islâmicos em 1993, duas embaixadas americanas foram pelos ares anos antes, em Nairobi e Dar-es-Salam, etc.); não foi a primeira vez que um grupo terrorista tomou meios de transporte civis como objectivo ou instrumento das suas acções (não têm conta as aeronaves da aviação comercial sequestradas, desviadas, feitas explodir, com os passageiros e a tripulação a bordo, e já se tinha tentado ‘bombardear’ uma capital europeia com um avião de carreira – em França, em 1994 – sem falar dos transportes marítimos); não foi no dia 11/9 que se descobriu a existência de terroristas dispostos a imolar-se pela sua causa (os atentados suicidas, além de já serem uma pavorosa rotina em Israel, tinham antecedentes noutros quadrantes como o Líbano, o Iémen, etc).

NEW YORK, UNITED STATES: Brian Rolchford stands outside the World Trade Center after walking down from the 105th floor. Smoke swept through the 110-story building after an explosion caused the ceiling of a train station to collapse 26 February 1993. The explosion set off a fire below the twin towers. (Photo credit should read TIM CLARY/AFP/Getty Images)

Em Fevereiro de 1993 já o World Trade Center tinha sido alvo de um atentado (foto: Tim Clary/AFP/Getty Images)

Já se sabia “que era possível a um pequeno grupo de conspiradores bem organizados causar dezenas de vítimas no território da única superpotência”. Não foi só a 11 de Setembro de 2001 que ficou demonstrado. Mas a partir desse negríssimo Setembro deixou foi de ser possível a quem quer que seja furtar-se a essa evidência. Nesse dia não enterrámos o passado. Enterrámos, talvez, uma optimista noção, muito espalhada, pueril e perigosa, das promessas do futuro.

A Guerra Fria fora uma “longa paz” de cinquenta anos (de 1918 a 1939 tinham passado pouco mais de vinte). Na esteira dos Acordos de Ialta e Potsdam, e à luz do aterrador clarão das bombas atómicas norte-americanas (Little Boy e Fat Man, foi assim que foram baptizadas carinhosamente: “O Menino” e “Gordo”), nasceu uma “nova ordem mundial” que durou até ao princípio dos anos noventa. O mundo inteiro organizou-se durante esse quase meio século em torno das duas grandes potências militares (as duas que dispuseram durante muito tempo de um duopólio nuclear) que se equilibravam mutuamente pelo recíproco poder de destruição maciça.

O “equilíbrio do poder” era um “equilíbrio de terror” – na fórmula que fez furor de um primeiro-ministro canadiano. Com a queda da União Soviética, augurava-se sob a batuta poderosa e benigna da única superpotência sobrevivente uma final “paz perpétua” num mundo capitalista e democrático que crescia a olhos vistos e um dia cobriria todo o planeta.

“Nas ruínas do futuro” foi o título sentido que o escritor americano Don De Lillo deu a um ensaio sobre o 9/11. Num outro artigo desse mesmo ano, intitulado “O mundo de Aquiles”, Robert D. Kaplan escrevia que “a natureza terrorista de futuros ataques, o colapso da distinção entre decisões civis e militares, as restrições à deliberação democrática sobre o uso da força e a viciação das leis da guerra, tudo isto em conjunto promete fazer a guerra do futuro muito mais parecida com a guerra antiga do que com qualquer outra coisa que americanos e europeus tenham testemunhado nos últimos séculos.” As ruínas do futuro parecem-se muito com um regresso ao passado.

A guerra do século XXI

Em Setembro de 2001, um actor diminuto à escala internacional atacou com êxito um Estado cuja preponderância militar, económica e política no concerto das nações era – e ainda é – esmagadora: os Estados Unidos tinham à época um orçamento militar que representava quase metade das despesas militares do mundo inteiro e era maior que a Rússia e da China todos juntos.

Na Europa é particularmente melindroso o ponto de transição e vacilação em que estamos. O Estado nacional é empurrado para a desaparição ou a desintegração em unidades políticas mais pequenas e mais egoístas – enquanto a União Europeia "em pouco se pode parecer com um Estado tal como hoje o entendemos".

O agressor estava armado principalmente da sua fé e da disposição dos seus “soldados” a morrerem todos no intento. Não tinha uma base territorial determinada. As suas forças, sofisticadas do ponto de vista intelectual e táctico, eram do ponto de vista convencional militarmente insubstanciais. Não havia oposição mais “assimétrica” — entre o descomunalmente grande e o incontrolavelmente pequeno.

Se tínhamos entrado, de facto, na “era dos conflitos e das ameaças assimétricas” caracterizada pela diferença de qualidade e quantidade entre os adversários – então o dia 11 de Setembro bem pode ficar como a data do seu nascimento oficial: um plano astutamente concebido e executado, ferramentas corriqueiras, economia de meios — e ambições planetárias, desde a desestabilização do regime político de vários países à conquista do controle de recursos naturais de que ainda depende em grande parte o funcionamento das economias industriais e pós-industriais, passando pela reorganização do próprio “equilíbrio de poder” internacional.

Muito antes dos atentados de Setembro já estavam catalogados os novos tipos de terrorismo. E já se falava, claro, na pertinência do conflito dito assimétrico, perante a invencível superioridade convencional das potências militares. O terrorismo – dizia-se, com toda a razão, como hoje claramente se pode ver – cada vez mais tem de se entender na lógica de um “paradigma de guerra”. Agora, nem é já uma “diplomacia coerciva” à maneira do terrorismo de certos grupos do passado recente, nem só o paradigma – milenarista – da criação à bomba de um “novo mundo”. O terrorismo político não é uma invenção dos nossos dias. Os movimentos terroristas que se manifestam na actualidade aparecem contudo num determinado contexto que é o da chamada “globalização” e da crise do Estado-Nação como instância “perfeita” do poder político.

Daesh

Combatentes do Daesh

“Desde o fim do conflito Leste-Oeste, assiste-se por um lado à globalização da comunicação e das finanças e por outro à fragmentação e à balcanização dos Estados através dos conflitos que estalam no mundo inteiro. (…) A globalização cultural insere-se doravante num contexto contraditório, com os Estados-Nação de um lado e do outro os processos supranacionais — económicos, políticos e tecnológicos”.

É esse Estado-Nação – que em muitos casos nasceu ontem, por assim dizer, e cujo declínio se anuncia – que está a ser minado também pelas sucessivas demonstrações da sua impotência para garantir a segurança e tranquilidade dos cidadãos, a primordial justificação do Leviathan nado e criado no Ocidente. É paradoxal, por sinal, que o Daesh, a forma actualmente mais virulenta do terrorismo anti-ocidental e de organização política mais primitiva, se arvore em Estado, com presunção, na porção de quilómetros quadrados de cujo domínio temporariamente se apossou.

O terrorismo funciona?

O 11 de Setembro de 2001 já vai longe. Já não somos todos americanos – mas espanhóis, ingleses, franceses – sobretudo franceses, ou belgas, nos últimos tempos. A primeira linha das selváticas guerras da paz, de que falava Kipling, deslocou-se para mais perto de nós, a favor da nossa proximidade – e velha relação – com o mundo árabe e africano e com a desintegração política do Médio Oriente.

A Al Qaeda não abandonou o campo de batalha mas é uma sombra do que era, dando fracos sinais de vida em África ou na Ásia, longe dos nossos holofotes, a não ser quando calha metralhar ou fazer explodir algum dos nossos “compatriotas”. Osama Bin Laden foi “brought to justice” – o inimigo feito fora-da-lei – um compromisso assumido pelo republicano Geoge W. Bush e cumprido pelo democrata Barack Obama.

O Daesh suplantou a Al Qaeda de que nasceu – e tem-se mostrado excepcionalmente hábil em “espalhar o terror” – e a nossa sociedade de instantânea e incontrolável comunicação global torna-lhe a vida muito fácil. Os movimentos terroristas nunca venceram. Mas podem satisfazer-se com as suas vitórias pírricas, mesmo que as perdas alheias – por mais gravosas que sejam – não sejam quase nunca, a prazo, ganhos próprios.

Na Europa é particularmente melindroso o ponto de transição e vacilação em que estamos. O Estado nacional é empurrado para a desaparição ou a desintegração em unidades políticas mais pequenas e mais egoístas – enquanto a União Europeia “em pouco se pode parecer com um Estado tal como hoje o entendemos”: “Uma comunidade à escala continental cujo único propósito na vida é o de aumentar o rendimento per capita e o Produto Interno Bruto dificilmente pode contar com a indefectível lealdade das suas populações”. Assim escreveu, antes do 11 de Setembro, Martin van Creveld, autor de The Transformation of War.

the transformation of war

“The Transformation of War” de Martin Van Creveld

Avisava também: “No mundo actual a principal ameaça a muitos Estados, incluindo particularmente os Estados Unidos, não provém já de outros Estados. Provém sim de pequenos grupos e outras organizações que não são Estados. Ou procedemos às mudanças necessárias e lhes fazemos frente hoje, ou aquilo que se costuma conhecer por mundo moderno perderá qualquer espécie de segurança e viverá com medo para sempre”.

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