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Joachim Cohen, sociólogo da saúde: “A eutanásia é um fim possível para os cuidados paliativos"

Não são as pessoas mais vulneráveis que procuram a eutanásia, mas as que estão mais bem informadas, que são relativamente novas, de personalidade forte e que tiveram acesso a bons cuidados paliativos.

Joachim Cohen é sociólogo da saúde. O seu trabalho é feito na área em que a sociologia e a medicina se encontram e dedica-se, em particular, aos cuidados de saúde no fim da vida. O seu objetivo é analisar se as pessoas estão a receber os melhores cuidados disponíveis, se isso está de acordo com a sua vontade e se está garantida a melhor qualidade de vida possível. Tudo isto sem perder de vista a relação custo-benefício dos cuidados prestados.

O investigador defende os cuidados paliativos, mas não no modelo em que só são prestados quando o doente está à beira da morte. Devem acompanhar os tratamentos que visam curar ou prolongar a vida, porque o objetivo principal é aumentar a qualidade dos últimos tempos dos pacientes. Do doente e da família, porque os cuidados paliativos também devem ter em consideração os cuidadores.

A sociedade belga está muito preocupada com este tipo de cuidados especializados, na opinião de Joachim Cohen, o que justifica a existência de um Grupo de Investigação em Cuidados de Fim de Vida (End-of-life Care Research Group). Este grupo conta já com 50 investigadores de áreas tão diversas como sociologia, psicologia, medicina ou economia. Mas o investigador sente que ainda é preciso sensibilizar médicos, doentes e famílias para o que é e qual a importância dos cuidados paliativos.

Joachim Cohen diz que a situação, na Bélgica, a eutanásia acontece depois de os doentes terem acesso a bons cuidados paliativos - João Porfírio/Observador

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Trabalha num grupo de investigação dedicado aos cuidados de saúde no fim da vida. Qual a importância de ter um centro dedicado a uma fase tão específica?
É importante porque requer dados empíricos específicos. Se acharmos que o fim de vida e os cuidados em fim de vida requerem uma atenção especial na medicina, nos cuidados de saúde, se considerarmos que têm problemas específicos e soluções específicas, então também devem ter uma área de investigação específica.

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Pode argumentar-se que é suficiente ter investigação em saúde pública ou ter investigadores em medicina que também estudam o fim de vida, mas, se olharmos para a realidade, o fim de vida tem sido ignorado pela saúde pública, porque estão mais interessados em evitar a mortalidade e reduzir a morbilidade. Mesmo na sociologia médica, estavam interessados na iniquidade social na mortalidade, não estavam interessados em melhorar os aspetos de saúde das pessoas que estão no final da vida. Mas acho que esta é a maior contribuição das ciências sociais na investigação sobre os cuidados de saúde em fim de vida: a melhoria das condições de saúde das pessoas que estão a morrer. Fazer a diferença entre ter uma morte horrível — com sofrimento que podia ter sido evitado, com problemas que podiam ter sido evitados, com cuidados de saúde inapropriados — ou garantir que as pessoas se mantém o mais saudáveis possível e que têm uma boa qualidade de vida.

É por causa desta especificidade que precisa de existir uma área de investigação própria. É isto que estamos a fazer: analisar em que circunstâncias as pessoas morrem, que tipo de cuidados de saúde recebem, se os cuidados são apropriados ou não, se conseguem aceder aos serviços corretos. Depois desenvolver intervenções para melhorar a situação e avaliar essas intervenções em termos da eficácia. Isto é específico dos cuidados em fim de vida.

“O fim de vida tem sido ignorado pela saúde pública, porque estão mais interessados em evitar a mortalidade e reduzir a morbilidade.”

Além do vosso centro de investigação na Bélgica, existem outros grupos na Europa a trabalhar na mesma área?
Existe um ou dois na Holanda, um grande no Reino Unido — Kings College London — e um centro grande na Noruega, mas este está mais orientado para a prática clínica e o cancro. Na Bélgica somos uma equipa interdisciplinar: sociólogos, psicólogos, sociólogos da saúde, mas também médicos e economistas da saúde — que avaliam os aspetos económicos dos cuidados em fim de vida. Assume-se que uma grande parte dos custos com os cuidados de saúde acontece no fim de vida, sendo o último ano de vida muito caro para as pessoas em termos de cuidados de saúde. Também aí, com a intervenção apropriada pode conseguir-se uma maior viabilidade económica.

É esse o foco do seu grupo?
O nosso foco é, de facto, analisar os aspetos gerais relacionados com o fim de vida, mas diria que em comparação com os restantes grupos europeus, temos uma orientação mais para a saúde pública — olhamos para as populações para perceber como podemos melhorar os cuidados de saúde em fim de vida ao nível da população e um pouco ao nível dos serviços.

Um dos vossos projetos está relacionado com as perspetivas que o público tem dos cuidados em fim de vida. Quais as principais conclusões a que chegaram?
Fizemos vários estudos que olharam para as atitudes da população em relação aos aspetos relacionados com o fim de vida. A maior parte deles foram sobre a atitude em relação à eutanásia — onde comparámos os diferentes países europeus e qual a aceitação média em cada país —, outra parte foi sobre preferências — como perguntar às pessoas onde gostariam de morrer num cenário de doença grave, se em casa ou no hospital.

Sobre as preferências, uma grande maioria disse que preferia morrer em casa. E isto deve ser um grande foco para os cuidados paliativos — permitir que as pessoas morram em casa se assim o desejarem. No entanto, se a maioria das pessoas o deseja, é estranho ver que não são esses os números reais. Claro que há situações reais que nos fazem mudar de opinião, mas acho que é uma informação importante para a saúde pública saber que a maioria das pessoas gostariam de morrer em casa. Por razões diferentes as pessoas não o estão a conseguir fazer. Portanto talvez devêssemos investir mais em tornar esse desejo possível.

Sabe quais são as razões para as pessoas não morrerem em casa como desejam?
Algumas são puramente médicas: há situações agudas de doença que fazem com que a pessoa seja hospitalizada, em que é apropriado que assim seja, e depois o doente acaba por morrer no hospital. Mas muitas das razões para haver hospitalizações pouco tempo antes da morte estão relacionadas com o facto de as pessoas não reconhecerem que o doente está na iminência de morrer [e a hospitalização já não vai resolver a situação] ou, por vezes, de a família entrar em pânico, porque parece estar a acontecer uma crise aguda e porque não sabem o que fazer.

O que falta, com frequência, são os cuidados e apoios necessários para que haja um planeamento da permanência do doente em casa — para que receba os cuidados adequados em casa, para que a família se prepare para a morte e para que haja uma tomada de consciência sobre a situação. Se olharmos para as comparações europeias ou internacionais vemos que a quantidade de pessoas que morre em casa é muito superior em alguns países quando comparados com outros. Isto quer dizer que o sistema de saúde e que os serviços de saúde são muito diferentes entre países.

Cuidados paliativos

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Os cuidados paliativos pretendem aumentar a qualidade de vida dos doentes e das suas famílias, através da prevenção e alívio do sofrimento.

As causas do sofrimento devem ser identificadas precocemente e deve ser providenciado um tratamento para as dores e para outros problemas físicos, psicossociais e espirituais.

Os pacientes com doenças que colocam a vida em risco, mas também os doentes com doenças crónicas ou que estão a ser sujeitos a tratamentos agressivos, devem ter acesso a cuidados paliativos.

Organização Mundial de Saúde

O que pode ser feito para que as pessoas se prepararem para morrer em casa? E como se pode ajudar as famílias a perceberem que a pessoa está a morrer e que não precisa de ir para o hospital?

Os cuidadores mais importantes para uma pessoa à beira da morte não são os profissionais de saúde, mas a família. Temos de preparar, até mesmo dar formação, à família para que possa tratar de uma pessoa que está a morrer e dizer claramente aos familiares o que podem esperar, que tipo de situações podem acontecer, como devem reagir. Mais: as equipas de cuidados paliativos que vão a casa do doente devem ser especializadas em fazer o planeamento dos cuidados para ajudarem a família a organizar-se. Garantir que existem os materiais necessários, que o banho está adaptado, verificar a forma como as mobílias estão organizadas. Assim, o doente pode estar em casa, num ambiente conhecido e de confiança, e continuar a ter bons cuidados de saúde. Há também um papel a ser desempenhado pelo médico de família que têm de falar abertamente sobre isto com o doente e a família, sobre o que podem esperar, o que vão fazer no caso de uma crise aguda — se vão hospitalizar ou não. Esta é uma conversa que é preciso ter de forma a serem evitadas hospitalizações desnecessárias.

Os médicos de família estão preparados para falar sobre este tema?
Acho que há um problema com a formação de base dos médicos. Os médicos mais velhos, em particular, não receberam treino sobre cuidados paliativos durante a sua formação. Acho que o treino em cuidados paliativos ou sobre como tratar um doente à beira da morte é uma coisa relativamente recente. Assim como fazer um plano que antecipe os cenários de fim de vida — é tudo muito recente e não o suficientemente adequado. Uma das medidas que pode melhorar os cuidados em fim de vida é investir mais na educação dos médicos em cuidados paliativos ou cuidados de saúde em fim de vida. O mesmo para os enfermeiros e para fisioterapeutas, que também têm um papel importante nos cuidados paliativos.

O problema é que o conceito de “cuidados paliativos” pode ser assustador para as famílias.
Acho que há um tabu sobre o assunto. Não creio que exista tabu, na sociedade, em falar sobre morte ou sobre os cuidados paliativos, mas entre o doente e o médico existe. Há uma perceção, por parte do médico, de que, se começar a falar de cuidados paliativos, o doente pode interpretar que o médico está a desistir dele porque vai morrer em breve. Os doentes também não gostam de tocar no assunto porque os cuidados paliativos estão muitas vezes associados aos cuidados numa fase terminal da doença — o que é um grande equívoco. Só depois de as pessoas receberem cuidados paliativos é que conseguem perceber que não vão, necessariamente, morrer em poucos dias. Também é importante que se mude a perceção da sociedade sobre o que são os cuidados paliativos, que não são só os cuidados no fim de vida.

Existem casos de pessoas que recorrem aos cuidados paliativos e que depois se curam da doença?
É possível em teoria. A abordagem clássica para recorrer aos cuidados paliativos implica uma doença com ameaça para a vida, mas existe sempre a possibilidade de que uma pessoa tenha uma cura milagrosa, mesmo uma pessoa que tenha uma doença em estado avançado. É raro, mas não é impossível. Portanto sim, haverá pessoas que recebem cuidados paliativos e que depois se curam. E está tudo bem. Esse é o equívoco de que temos de nos livrar: achar que os cuidados paliativos são um caminho para a morte.

Os cuidados paliativos não são apenas para os doentes, mas também para os cuidadores, certo?
Na definição da Organização Mundial de Saúde, os cuidados paliativos são uma abordagem focada nos doentes e nas famílias. As famílias, tal como já referi, têm um papel muito importante enquanto prestadores de cuidados de saúde e podem ser ajudados sobre como podem tratar melhor os doentes. Mas eles também são, de certa forma, pacientes, porque eles próprios vão sofrer com a responsabilidade que têm, vão viver o processo de morte de um ente querido e, depois da morte, terão o período de luto. Por isso, as famílias também são um alvo dos cuidados paliativos, porque estão de luto, porque viveram o processo de morte, há sintomas psicossociais associados a isso e os cuidados paliativos podem ajudar.

Acha que quando as pessoas morrem em casa como desejam e quando as famílias recebem este treino e apoio, o luto é mais fácil?
O que me parece, dos estudos que me lembro de ter visto sobre o lugar onde ocorre a morte, é que há uma série de experiências que são melhores quando a pessoa morre em casa — em termos de conforto, autonomia, privacidade. Acho que o luto também era um dos aspetos que melhorava para a família quando o doente morria em casa. De certa forma, há uma explicação razoável para isto: em casa há um maior controlo de quem está presente (sem estar dependente das horas de visita), há mais possibilidades de dizerem adeus e de se prepararem para o momento da morte. E as pessoas tiram proveito do facto de poderem estar com o familiar nestes últimos momentos e no seu próprio ambiente. Claro que isto é em geral. Também há casos de pessoas que sentem que é muito difícil continuar a viver naquela casa porque se lembram constantemente que a pessoa morreu numa determinada divisão.

“As pessoas tiram proveito do facto de poderem estar com o familiar nos últimos momentos e no seu próprio ambiente.”

Voltando ao trabalho sobre as atitudes das pessoas, um dos temas que analisaram estava relacionado com a eutanásia: o que é que concluíram?
Acho que uma das razões porque a Holanda, a Bélgica e o Luxemburgo conseguiram legalizar a eutanásia foi que as diferenças de opinião entre cidadãos e médicos — sobre se a eutanásia é aceitável ou não — não eram tão grandes como noutros países. Por exemplo, na Escandinávia e em França, os cidadãos são a favor, mas os médicos não são.

A eutanásia é compatível com os cuidados paliativos?
Há uma discussão, em muitos países e a nível europeu, sobre uma suposta oposição entre cuidados paliativos e eutanásia. Nos países onde a eutanásia é legal, como na Bélgica, a eutanásia é um fim possível para os cuidados paliativos. A Bélgica é, de facto, um país único nesse sentido, porque as federações de cuidados paliativos aceitam que a eutanásia aconteça no contexto de bons cuidados paliativos.

Já a Associação Europeia de Cuidados Paliativos diz que a eutanásia não deveria ser da responsabilidade dos cuidados paliativos porque as duas coisas são, na sua essência, diferentes. Alguns argumentos diziam que, caso se legalizasse a eutanásia, colocava-se em risco o destino dos doentes mais vulneráveis, como os mais idosos, que poderiam sentir-se empurrados a escolher a eutanásia. Outros diziam que legalizar a eutanásia iria comprometer o desenvolvimento dos cuidados paliativos, porque achavam que se o Governo disponibilizasse o acesso à eutanásia, não iria investir dinheiro nos cuidados paliativos.

Estes são os argumentos da associação, mas se olharmos para os dados baseados nas observações feitas não há, até agora, dados que confirmem esta hipótese. Não vemos que a eutanásia seja escolhida por doentes particularmente vulneráveis, como pessoas mais velhas, mulheres (por oposição aos homens), pessoas com um baixo nível de escolaridade, pessoas em lares. Não vemos isto, muito pelo contrário, estas são as pessoas que recebem menos eutanásia. O que vemos é que, quem mais recorre à eutanásia, são as pessoas mais bem informadas, relativamente mais novas, que estão a morrer de cancro, que querem receber os cuidados em casa, são as pessoas com personalidade forte, determinadas e autónomas.

Olhando para os dados, também não vemos que a legalização da eutanásia na Bélgica tenha dificultado o desenvolvimento dos cuidados paliativos. Parece-me até o contrário. Pouco tempo depois de promulgada a lei sobre a eutanásia na Bélgica, foi promulgada uma lei sobre cuidados paliativos. Esta lei decretava que todas as pessoas tinham direito aos cuidados paliativos, o que significa que tinha de ser universalmente acessível, ou seja, teriam de existir serviços de cuidados paliativos em todo o país. Por isso, o financiamento para os cuidados paliativos aumentou substancialmente depois dessa lei. E a formação também aumentou.

Se olharmos para a prática clínica vemos que a maioria das pessoas que escolhe ser eutanasiado, está a receber cuidados paliativos especializados. Também vemos que os cuidados paliativos estão muitas vezes envolvidos no processo de decisão e na realização da eutanásia. Esta é a situação na Bélgica: a eutanásia acontece depois de os doentes terem acesso a bons cuidados paliativos.

Escolher morrer pode ser assustador. Os cuidados paliativos podem dar o apoio de que o doente e a família precisam nesta decisão?
A eutanásia requer um apoio e orientação contínuos para o doente e para a família. Os profissionais de saúde têm a responsabilidade de continuar a dar esse apoio ao doente até ao fim. Uma vez que o Governo decida legalizar a eutanásia, os movimentos de cuidados paliativos são confrontados com essa escolha: têm de decidir como é que vão lidar com os doentes que mantém a ideia de ser eutanasiados, mesmo depois de receberem cuidados paliativos.

As pessoas também podem mudar de ideias depois de receberem cuidados paliativos, uma vez que podem deixar de ter os sintomas que os levaram a requerer a eutanásia. Mas, como vimos na Bélgica, há muitas pessoas que não mudam de opinião [mesmo depois de receberem os cuidados paliativos].

Podemos dividir os dois serviços nos sistemas de saúde: de um lado, os cuidados paliativos e, do outro, os médicos que realizam a eutanásia. Mas, nesta situação, quem quer ser eutanasiado tem se sair dos cuidados paliativos, o que significa que estas pessoas não vão ter acesso aos melhores cuidados de saúde e significa também que os médicos se vão especializar em eutanásia, mas não em cuidados paliativos. Intuitivamente, parece-me que o melhor para os doentes é que os dois serviços estejam integrados.

Quando uma pessoa entra nos cuidados paliativos deixa de receber tratamentos para a doença e passa a receber apenas tratamentos para o alívio dos sintomas?
Segundo o novo modelo de cuidados paliativos, que é realmente integrativo, podem continuar a existir tratamentos de cura. Um doente com cancro pode estar a receber quimioterapia e outros tratamentos para o aumento da sobrevivência, ao mesmo tempo que está a receber cuidados paliativos para aliviar os sintomas físicos e as necessidades psicossociais. Os cuidados paliativos não se preocupam com o prolongamento da vida, isso seria o trabalho do oncologista, mas as duas equipas podem trabalhar em conjunto.

Os cuidados paliativos pediátricos são diferentes?
Não estou muito familiarizado com os cuidados paliativos pediátricos, mas é claro que os problemas que as crianças enfrentam são diferentes dos problemas que afetam os adultos. Por exemplo, na oncologia pediátrica as crianças não são tratadas apenas para a doença oncológica. O mesmo deverá acontecer com os cuidados em fim de vida: são uma população diferente, com necessidades diferentes, e que requerem uma formação diferente dos profissionais de saúde.

Quais são as principais questões éticas que aborda no seu trabalho de investigação?
A missão de grande parte dos projetos de investigação que fazemos é recolher dados para responder a questões éticas. Uma das questões éticas mais difíceis, e que continua por responder, é se existe uma pressão social subtil para que as pessoas recorram à eutanásia [e deixem de ser um fardo]. Há discussões sobre o que significa morrer bem, o que significa envelhecer bem, há uma ideia construída na sociedade sobre o que é viver com um estado avançado de demência ou sobre o que significa viver num lar. E há a possibilidade de existirem pressões sociais subtis sobre as pessoas que estão numa determinada fase da doença ou que estão num lar para que escolham a eutanásia, não por questões pessoais, mas por motivos externos. É um medo real e é algo que temos de examinar. Esse é um dos desafios enquanto grupo de investigação, porque não fácil investigar quais são as motivações das pessoas para requisitar eutanásia. As pressões externas não precisam de ser da família, podem ser da sociedade. Há um problema na nossa visão social sobre as pessoas que vivem com demência nos lares, que é visto como uma coisa muito negativa. Uma das dificuldades é que as próprias pessoas podem não se aperceber que estão sujeitas a estas pressões.

Além da questão que referiu, que outros temas sente que ainda faltam investigar nesta área?
Temos falado sobretudo de eutanásia, mas acho que existem uma série de decisões médicas que também precisam de ser investigadas. Na Bélgica decorre agora um debate sobre sedação paliativa — usar fármacos para induzir o coma num doente em fase terminal — e existe um receio de que alguns médicos o estejam a fazer como uma forma encapotada de eutanásia. Por um lado, é mais fácil para os médicos em termos psicológicos, porque a morte não surge logo depois da administração do fármaco — é como se não houvesse relação direta. Por outro lado, não precisam de enfrentar um processo de escrutínio tão extenso, como acontece no caso da eutanásia. E a sedação paliativa acontece em todos os países, mesmo nos países onde a eutanásia não é permitida. É um bom motivo de investigação perceber se está a acontecer, em que doentes e com que motivação. Mas acho que só os países que legalizaram a eutanásia têm algum trabalho feito neste sentido.

Há um número de outros aspetos que precisam ser investigados em vários países mais relacionados com a componente de justiça em termos éticos. Será que pessoas diferentes estão a ter o mesmo tipo de acesso a bons cuidados no fim de vida ou a cuidados paliativos especializados? Porque não é justificável que dependendo da região onde uma pessoa viva ou dependendo do grau de escolaridade que tenha, haja maior ou menor probabilidade de conseguir bons cuidados de saúde. Um dos interesses da sociologia médica também é as diferenças sócio-económicas e a relação com os resultados obtidos nos cuidados de saúde, como os cuidados paliativos.

Como é que leva o resultado da sua investigação aos médicos, aos doentes e às suas famílias?
É preciso envolvê-los em todo o processo de investigação. A melhor forma é envolvê-los no início do estudo ou mesmo antes disso e ter interações repetidas com grupos de associações de doentes ou representantes dos médicos. Por um lado, podem participar na investigação, tendo uma responsabilidade partilhada. Por outro lado, vamos tendo conhecimento da perspetiva deles ao longo do processo, assegurando que a investigação vai de encontro às suas expectativas. Não fazemos investigação numa torre de marfim, tentamos, tanto quanto possível, ter situações reais.

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