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Pedro Dias à chegada ao Palácio da Justiça de São Pedro do Sul
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Pedro Dias à chegada ao Palácio da Justiça de São Pedro do Sul

NUNO ANDRÉ FERREIRA/LUSA

Pedro Dias à chegada ao Palácio da Justiça de São Pedro do Sul

NUNO ANDRÉ FERREIRA/LUSA

Julgamento de Pedro Dias junta uma centena de pessoas. "Quero ver a cara que ele traz"

Pedro Dias, o alegado homicida de Aguiar da Beira, foi julgado por um furto e apareceu em tribunal. O que acontece quando cem pessoas se juntam para ver um homem acusado de matar a sangue frio?

Pouco passava das nove da manhã desta sexta-feira e já cerca de uma dezena de pessoas aguardava a chegada de Pedro Dias na praça em frente ao Palácio da Justiça de São Pedro do Sul. O homem, que ficou conhecido pelos homicídios de Aguiar da Beira, foi levado do Estabelecimento Prisional de Monsanto, onde está preso preventivamente, até à cidade para ser julgado por um crime de furto de matrículas — que remonta a janeiro de 2012. Ainda assim, a única coisa de que se fala é dos crimes macabros pelos quais é suspeito que o deram a conhecer a todo o país.

O julgamento só está marcado para as 10h00, mas a GNR também já está no terreno. Três militares conversam com algumas pessoas que ali se juntaram perto de duas carrinhas, estacionadas à frente do quartel de bombeiros, enquanto outros atravessam a praça em direção ao edifício. Um dos agentes está acompanhado de um cão e dirige-se até à sala onde irá decorrer a audiência. Não está praticamente ninguém dentro do edifício na altura em que os agentes lá entram com o animal. A porta principal da sala é mesmo junto à entrada, mas os polícias e o cão entram por uma porta lateral e fecham-na atrás de si, não permitindo ver o que lá fazem.

Dezenas de pessoas aguardam a chegada de Pedro Dias. A GNR também fez questão de chegar mais cedo

Enquanto isso, cá fora, Raul está de braços cruzados, numa das escadarias de pedra que levam até ao edifício, a conversar com outras pessoas. Querem todos ver com os seus próprios olhos o homem que andou fugido durante 28 dias pela zona no inverno passado. “Quero ver a cara que ele traz”, afirma. Junto ao tribunal desde as oito da manhã, o reformado de 68 anos ainda tem gravado na memória os acontecimentos de outubro e novembro de 2016, quando um GNR e um jovem de 25 anos foram assassinados, alegadamente, por Pedro Dias — o único suspeito dos crimes. Assume ter ficado chocado com tudo o que aconteceu e garante que as pessoas ainda estão a recuperar de momentos de aflição que viveram nesta pacata região.

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“Ele perdeu a cabeça”

“O que ele fez não tem perdão”, diz Judite, de 54 anos, que se junta ao grupo onde se encontra Raul. É notória a revolta e indignação. “Tenho um filho GNR, ele também podia estar debaixo de terra a esta hora”, acrescenta. Militar da GNR em Sever de Vouga, o filho de Judite foi um dos muitos que bateu vários quilómetros à procura de Pedro Dias e ainda recorda as críticas de que os militares foram alvo por não encontrarem o fugitivo — Pedro Dias entregou-se às autoridades a 8 de novembro de 2016. O medo das populações vizinhas de Arouca, vila onde morava o suspeito, acabou por se dissipar com o tempo, bem como as conversas sobre o assunto, explica Judite. Apenas voltou a reacender-se quando se soube do regresso do alegado assassino a São Pedro do Sul.

Os minutos vão passando e aos poucos formam-se pequenos grupos, a maioria de idosos, junto aos bancos da praça e ao longo das escadarias circundantes ao edifício. Os temas de conversa pouco variam: o “assassino” Pedro Dias e os crimes de Aguiar da Beira. José Santos Carvalho é uma das muitas pessoas que se deslocou de propósito até São Pedro para ver “pessoalmente” o suspeito. Este antigo agricultor de Ribeira de Amarante mostra-se mais benevolente do que muitos que o rodeiam. “Ele perdeu a cabeça, estava 80% de juízo perdido. Se não, não faria uma coisa destas”, argumenta o aposentado de 67 anos, que não descarta a possibilidade de o alegado homicida ter sido provocado. “Era cortar-lhe o pescoço”, atira ao ar um outro idoso. “Isso não, o mal já está feito”, lamenta José.

"Ele perdeu a cabeça, estava 80% de juízo perdido. Se não, não faria uma coisa destas”, argumenta José Santos Carvalho

“Se ele fizesse isso a uma filha minha, tirava-o deste mundo. Nem que fosse na cadeia”, afirma Jerónimo Figueiredo. Apesar de não ter vindo a São Pedro do Sul expressamente por causa do julgamento, o reformado de Rio de Mel decidiu matar a “curiosidade” e juntou-se, com a mulher, às várias dezenas de pessoas que já encontravam perto do tribunal. Ainda que não lhe faltem certezas neste momento, já houve um tempo em que Jerónimo acreditou na inocência de Pedro Dias. “No início duvidei muito. Ouvia na televisão que ele era filho de boa gente”, conta. Não demorou muito até mudar de ideias, especialmente quando conheceu o passado do suspeito. “Ele já era malandro”, acrescenta.

Algumas das pessoas que aguardavam a chegada de Pedro Dias

“Ninguém em Arouca tem medo do Pedro ou da família”

Os amigos de Pedro Dias queixam-se precisamente do que foi transmitido pelos media. “Ele já foi condenado pela comunicação social. A cabeça do juiz já está feita”, diz Artur Calçada. “O tribunal decide de acordo com o currículo”, acrescenta. O aposentado conhece o alegado homicida desde sempre – “vi-o nascer” – e é um dos sete habitantes de Arouca que vieram de propósito a São Pedro do Sul apoiar o amigo. Helena Dias Noites, amiga de infância do suspeito, fala “numa armadilha muito bem montada em Aguiar da Beira” e não duvida da sua inocência. “O Pedro João não é assim. Gostava que metade da população o conhecesse”. E deixa uma garantia: “Ninguém em Arouca tem medo do Pedro ou da família. Respeitamos e gostamos deles”.

Estes amigos estão em clara minoria, mas isso não os demove. Não têm receio de represálias, apesar de não ficarem indiferentes ao que ouvem. “Se a senhora tem tantas certezas devia ser testemunha no caso”, diz uma amiga, que não se quis identificar, ao ouvir alguém garantir que o Pedro Dias era certamente culpado.

“Ele já foi condenado pela comunicação social. A cabeça do juiz já está feita”, diz Artur Calçada, um dos amigos de Pedro Dias, que fez questão de ir até São Pedro para apoiar o arguido

Perto das dez manhã, os amigos do arguido vão-se aproximando da estrada ao lado do Palácio da Justiça, onde se situa um pequeno portão lateral e uma escadaria que dá acesso ao tribunal. É por lá que irá entrar Pedro Dias e querem que o amigo os veja para lhe dar alento e força.

A tarefa, porém, não é fácil. Por essa hora já estão pouco mais de uma centena de pessoas perto do edifício. Muitos estão na berma da estrada, com os olhos postos no início da Rua Serpa Pinto, enquanto comentam os vários contornos dos homicídios de Aguiar da Beira. Os carros tentam desviar-se das pessoas e circulam com dificuldade. A agitação é muita, especialmente de cada vez que se avista uma carrinha grande.

“É agora que ele aí vem”, ouve-se no meio da multidão. Uma carrinha verde escura e com sirenes está parada ao fundo da rua, mas é o suficiente para algumas pessoas tirarem o telemóvel para poder fotografar o suspeito de Arouca. Há mesmo quem se ponha em cima de muros da casa em frente ao tribunal para não perder o momento.

Muitas pessoas não conseguiram ver a chegada de Pedro Dias ao Palácio da Justiça de São Pedro do Sul

Quando a carrinha verde começa finalmente a subir a rua e, logo atrás, vem uma carrinha azul, começa a dar-se o alerta. “Ele vem na detrás”, afirma um idoso. A GNR começa a afastar a multidão para a carrinha verde da GNR passar e saírem meia dúzia de militares. A azul, na qual efetivamente está Pedro Dias, embarca na difícil tarefa de estacionar em cima do passeio e com a parte de trás junto do pequeno portão. As portas traseiras abrem-se. O arguido sai da carrinha algemado e acompanhado por dois elementos do Grupo de Intervenção e Segurança Prisional (GISP) do Corpo da Guarda Prisional Portuguesa. “Pedro, estamos contigo”, grita uma mulher, uma das amigas. O suspeito sorri e acena.

A entrada é feita de forma rápida e a multidão regressa à praça em frente ao Palácio da Justiça. Pouco depois chega a advogada, Mónica Quintela, acompanhada do marido e colega, Rui Leal da Silva. São os primeiros a entrar na pequena sala do tribunal, revestida de madeira, com uma tapeçaria e uma bandeira de Portugal no fundo, onde se irá sentar o juiz. Há apenas três bancos compridos para as pessoas assistirem ao julgamento, sendo que os curiosos, por questões de segurança, apenas podem ocupar duas delas – a primeira ficou apenas para os jornalistas.

Minutos depois chega Pedro Dias — entra pela porta lateral, tal como os seus advogados. De calças e casaco azul, de óculos e com a barba feita – ao contrário das primeiras imagens divulgadas após a sua entrega –, entra com os olhos pregados ao chão e ainda algemado. É encaminhado por um elemento do GISP até à cadeira do réu, no centro da sala e de costas para a audiência. As algemas são, pouco depois, retiradas pelo mesmo agente. A segurança foi pesada ao longo de toda a audiência: esteve sempre alguém do GISP de pé, atrás do arguido, e um outro junto às janelas, além de mais três militares da GNR.

Apenas uma das amigas de Pedro Dias conseguiu entrar na sala – foram muitos os que não conseguiram por falta de espaço. “Está ali alguém que o quer cumprimentar”, diz Mónica Quintela ao cliente. O suspeito tenta olhar para a audiência, mas é impedido pelo guarda. “Não me deixam olhar, Dra”, explica. Das janelas da sala vêem-se (e ouvem-se) as várias pessoas que permanecem na praça, uma dezena das quais não arredou pé até perto da hora de almoço.

Pedro Dias nega crime de furto

Foram pouco mais de duas horas de julgamento, que começou por volta das 11h00 com declarações do arguido. Numa voz calma e segura, Pedro Dias negou ter roubado as duas matrículas. Referiu terem acontecido “coisas estranhas”, na quinta do pai — onde foram encontrados os objetos roubados –, como por exemplo aparecerem “sacos de roupa” e desaparecerem “motosserras”, e pensou estarem relacionados com a ex-mulher e o processo litigioso da guarda da filha.

O arguido disse ainda ter estado na África do Sul na altura dos factos e que qualquer pessoa facilmente acedia à quinta, uma vez que uma parte do terreno não está vedado. Assumiu também ter contactado o proprietário das matrículas e a sua filha para perceber se algum deles conhecia a sua ex-mulher.

Depois de terem sido ouvidas seis testemunhas, entre elas um militar da GNR por videoconferência e uma ex-namorada do arguido, o Ministério Público pediu pena de multa para Pedro Dias por um crime que a procuradora diz não ter dúvidas que foi cometido pelo suspeito. Para a advogada Mónica Quintela, nenhum dos factos foi provado em tribunal, acrescentando que só compreende “as acusações” ao seu cliente “por contaminação provocada pela estigmatização que o arguido acarreta” com os crimes de Aguiar da Beira. A advogada disse acreditar mesmo que qualquer outro cidadão não seria condenado por este crime.

Mónica Quintela, advogada de Pedro Dias, diz só compreender “as acusações” do seu cliente “por contaminação provocada pela estigmatização que o arguido acarreta” com os crimes de Aguiar da Beira

O juiz marcou a leitura da sentença para o próximo dia 28, às 10h00. Pedro Dias, contudo, não estará presente, mas irá ouvir a leitura de sentença por videoconferência a partir do Estabelecimento Prisional de Monsanto.

“Vai ser absolvido de certeza”

Já passava da uma da tarde quando o juiz deu por encerrada a sessão. Pedro Dias foi novamente algemado e encaminhado pela porta lateral da sala. Quando se levantou conseguiu por fim ver a amiga na audiência, a quem sorriu.

Judite foi uma das cerca de trinta pessoas que conseguiram entrar na sala do tribunal. Cá fora contava às outras pessoas o que se tinha passado. “Vai ser absolvido de certeza”, afirma, indignada. Para Judite, o arguido foi caracterizado como sendo um “bom samaritano” e não como criminoso. “Quem mata gente à queima-roupa não pode ser boa pessoa”, argumenta.

Aos poucos, as pessoas vão descendo as escadarias em frente ao Palácio da Justiça. Maria Albertina, que esteve sentada ao lado da amiga de Pedro, não quis ir-se embora sem lhe dar uma palavra. “Eu acho que ele está inocente.” Esse tem sido o seu pressentimento desde o primeiro dia, sublinha a doméstica que não conhece pessoalmente Pedro Dias. “Tenho a impressão de que ele está inocente. Há qualquer coisa que não está bem”, continua.

Maria Albertina não conhece Pedro Dias pessoalmente, mas acredita na sua inocência: “Tenho a impressão de que ele está inocente. Há qualquer coisa que não está bem”

Na altura em que Pedro Dias estava a ser procurado, Maria Albertina chegou a ir a Arouca, com o filho de 21 anos, na tentativa de encontrar o suspeito. “Estava à espera de o ver, mesmo ele estando fugido”, conta esta habitante de São Pedro do Sul, explicando que quis falar com ele para perceber o que se tinha passado.

Não conseguiu na altura, nem esta sexta-feira. Pedro Dias voltou a sair pelo portão lateral e entrou na mesma carrinha azul de volta para Lisboa. Desta vez, ouviu-se uma mulher a gritar “Assassino!”, mas nada mais. “Pronto, está visto. Lá vai ele”, afirma uma mulher idosa, antes de virar costas e seguir a sua vida.

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