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Andreia Reisinho Costa

Andreia Reisinho Costa

Lenine e Gagarine estão contra a "geringonça". Estaline e Vladimiro são a favor

O Observador falou com Lenine: acha que PCP e BE só se juntaram ao PS para derrubar a direita. Gagarine diz que "o PC já não é o que era". E Estaline acha a "geringonça" muito bem. Vladimiro aprova.

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Artigo originalmente publicado a 11 de agosto de 2016

“Houve sacrifícios, mas o país melhorou”, diz Lenine sobre o anterior Governo de direita. Vladimiro (adaptação portuguesa do nome verdadeiro de Lenine, Vladimir Ilitch) reconhece que “a pureza ideológica ou supremacia moral” da esquerda, lhe faz alguma confusão. Estaline concorda com esta opção de Governo, “porque os outros que lá estavam antes não fizeram nada”. Para Gagarine, “os indivíduos do Partido Comunista” que apoiam esta solução governativa são “microfascistas”. Nem mais nem menos. A linguagem de Gagarine é revolucionária.

Lenine e Estaline, Vladimiro ou Gagarine, são portugueses de carne e osso, que partilham os nomes com três “heróis” soviéticos, que o Observador ouviu sobre a solução governativa de esquerda, vulgo “geringonça”, que viabilizou o Governo do PS. Três deles nasceram em meados da década de 1970, no “caldo revolucionário” do 25 de abril e do PREC. O quarto nasceu pouco depois, nos anos 80. Nenhum subscreve “a revolução como ideologia” e todos reclamam para si posições mais moderadas. O Observador foi saber como é viver como um nome com uma carga ideológica tão vincada, num momento em que os comunistas apoiam, pela primeira vez na história da democracia portuguesa, um Governo constitucional.

“PCP e BE só se juntaram ao PS para derrubar o anterior Governo”, afirma Lenine

O Lenine português chama-se Lenine da Silva Cardoso. O seu pai inspirou-se na personagem histórica que liderou a revolução bolchevique, para o batizar (no sentido revolucionário, não religioso da palavra). “É a pessoa mais inteligente que conheci até hoje, apesar de só ter a quarta classe. Sempre foi uma pessoa que leu muito. Tem a ideia dele, mas nunca pertenceu a grupos”, conta.

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Sabe que o pai chegou sofrer represálias por ter escolhido homenagear o filho com o nome do fundador do marxismo-leninismo. “Eu nasci em 1975, um ano complicado, e ele teve a coragem de me pôr o nome e teve problemas”. Para além da inspiração onomástica, Lenine tem outras coisas em comum com Vladimiro (ver ponto 4 do índice). Ambos nasceram em meados dos anos 1970 e votam no mesmo quadrante político. “Sou eleitor do contínuo do PCP desde os 18 anos, mas não sou filiado no partido“, explica ao Observador.

"Tivemos medidas muito duras para a classe trabalhadora no Governo anterior."
Lenine

Mas as semelhanças terminam por aí. Ao contrário de Vladimiro, Lenine não concorda com esta solução de Governo. “Acho que o PCP e o Bloco de Esquerda só se juntaram ao PS para tirar o antigo primeiro-ministro de lá, para derrubar o anterior Governo“. Lenine da Silva Cardoso é de Fânzeres, em Gondomar, e instrumentista de profissão (faz instalação e calibração de instrumentos de precisão). Considera-se um cidadão informado, embora admita que não percebe muito de política para além do que acompanha pela televisão. No entanto, não deixa de exprimir a sua opinião sobre a mudança de um Governo centrista para um executivo mais à esquerda.

Quem foi Lenine?

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Vladimir Ilyich Ulyanov, também conhecido por Lenine, é o pai da União Soviética, herói da revolução bolchevique de 1917, na sequência da qual se tornou líder da Rússia e do Partido Comunista Soviético.

Levou a cabo nacionalizações em massa e reprimiu opositores com recurso a prisões e execuções em larga escala, uma campanha que ficou conhecida como Terror Vermelho. Morreu em 1922 e, contra a sua vontade, sucedeu-lhe Estaline.

É lógico que agora os trabalhadores vão recuperar algumas coisas que perderam, mas vamos ver se a economia melhora ou se vai piorar. Quanto mais dinheiro as pessoas tiverem na mão, mais a economia rola”, considera. “Se eu ganho 500 euros compro uns sapatos de 10 euros, e se ganhar 1000 posso comprar uns de 20 ou dois pares. Para já, o Governo repôs alguma coisa.” Não embarca em grandes euforias acerca do comportamento da “geringonça” e tem o passado recente bem presente na memória. “Tivemos medidas muito duras para a classe trabalhadora no Governo anterior. Mas pelo que acompanhei da Grécia da Irlanda, acho que foram medidas que melhoraram o país. Houve sacrifício, mas o país melhorou.” Uma opinião que sabe que para muitos “pode parecer estranha”.

Lenine tem muito orgulho no seu nome e respeita as ideias do pai. Mas, “quando tinha 20 anos e queria saber mais”, foi ler. Descobriu a história de vida de quem lhe inspirou o nome, mas desconfiou da fonte: “Nos livros que li do Lenine, ele foi um herói. Mas os livros que li são suspeitos: são das Edições Avante“, admite. Nunca teve problemas em assumir que foi “um homem que marcou a história, com coisas boas e coisas más” e até pensou dá-lo ao filho. E uma das poucas mágoas que guarda sobre o assunto foi quando não lhe foi permitido fazê-lo. “O meu filho nasceu em 1998 e quando fui registá-lo ao Registo Civil de Matosinhos, disse que ele ia chamar-se Lenine Júnior“, mas não constava da lista de nomes aceites. “Ficou Tiago, não quis armar problemas.”

“Era preciso mudança para ver se as coisas mudam realmente”, proclama Estaline

Estaline. O nome próprio é sonante e os apelidos não ficam atrás. “Chamo-me Estaline Domingos Vinagre Inverno. Vinagre da parte da minha mãe e Inverno da parte do meu pai.” Uma combinação de palavras que faz sorrir e que leva a perguntar, podia repetir? “É verdade que tenho um nome diferente, até já fizeram uma piada com o meu nome. Dizem que nasci num domingo de inverno e azedo“, contou Estaline por telefone ao Observador. Consegue identificar de onde veem os apelidos, mas em relação a Estaline, não sabe onde é que o foram buscar.

"Concordo com esta opção de Governo porque os outros que lá estavam antes não fizeram nada."
Estaline

A escolha do nome não teve nenhuma razão relacionada com simpatias políticas. “Nada disso”, garante. Nasceu na Bélgica, em 1980, “já tinha sido o 25 de abril”. A opção por Estaline pertenceu à madrinha francesa, com queda para nomes diferentes, que tem um filho a quem chamou Charley, o nome de um dos personagens da peça “Morte de um Caixeiro Viajante” de Arthur Miller, em vez do mais tradicional Charlie. “Ela gostou do nome por ser diferente e não tem nada ver com o outro” — ou seja, o verdadeiro Estaline — “mas toda a gente confunde”.

Uma confusão que Estaline se apressa a explicar. Um detalhe que muda tudo: “O nome não é o mesmo, aqui escreve-se com ‘e’ no fim. O nome dele é [Joseph] Stalin“. Uma explicação que teve que repetir tantas vezes quantas lhe diziam que tinha o nome de um ditador. Uma personagem que faz parte da história da União Soviética e do comunismo pela qual nunca se interessou de forma particular.

Quem foi Estaline?

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Josef Stalin, também conhecido como “pai dos povos”, foi secretário-geral do Partido Comunista Russo e do líder Comité Central, a partir de 1922 e até a sua morte em 1953. Foi o líder da União Soviética, que desempenhou um papel fundamental na derrota da Alemanha Nazi na Segunda Guerra Mundial.

Ao mesmo tempo que transformou a URSS numa potência mundial — através de um processo rápido de industrialização e de expansão territorial — levou a cabo uma política de purgas, prisões, massacres e execuções sumárias que vitimou milhões de pessoas.

“Sobre ele sei o que aprendi nas nas aulas de História”. Na Bélgica, onde viveu até aos nove anos, nunca teve de explicar o porquê do seu nome. Sobre a madrinha Marie-Louise confessa que nem sabe qual é o partido político dela. Segurança de uma empresa privada, Estaline — que não Stalin — caracteriza-se como “neutro em termos políticos”. Uma posição que não o impede de dizer o que pensa sobre a “geringonça”.

“Concordo com esta opção de Governo porque os outros que lá estavam antes não fizeram nada”, desabafa. Estaline não sabe como vai correr a governação deste Executivo, nem quer fazer grandes previsões. A única certeza que tem é que era necessário agitar as águas, porque o país como estava não podia continuar. “Era preciso mudança para ver se as coisas mudam realmente”, conclui.

“Os comunistas são umas marionetas nas mãos dos outros”, considera Gagarine

Gargarine Valente Martins não tem nome de político, também nunca viajou no espaço, mas carrega desde sempre um nome político. Para este alentejano de Grândola, “o PC já não é o que era”. O partido está diferente do que foi, quando o pai “que era mesmo revolucionário contra o sistema e esteve preso duas vezes pela PIDE” lhe deu o nome. O registo foi feito em França onde nasceu em 1973, o país para onde o pai tinha fugido. “Ele não era político, mas era contra o sistema, era comunista e não tinha hipótese de viver mais em Portugal” narrou em conversa com o Observador.

O pai, “comunista ferrenho” escolheu o nome como “homenagem a Yuri Gagarin, o primeiro homem soviético a viajar no espaço”. Tem nome de cosmonauta — os russos não diziam astronauta — mas não é de aventuras políticas e diz que não é nada revolucionário. “Não perco um minuto da minha vida com política”, frisa. Apesar disso, afirma-se comunista “e cada vez mais, porque sou antifascista”. Usa palavras fortes, que para si ainda fazem sentido. “Isto é uma ditadura completa, em que o povo está a ser tratado como marionetas. Somos totalmente manipulados pelo Governo.”

"Gostava do PC na oposição porque estavam lá para criticar, para fazer barulho e para tentar dizer que não."
Gagarine

Agora, os comunistas até fazem parte da “geringonça” governativa, mas este comerciante de peixe fresco não se revê na solução. Fez a cruz no quadrado do PCP no boletim de voto, mas estava longe de querer ver os comunistas no Governo. Vota “num pequenino, seja o PC ou o BE” — com o objetivo principal de evitar a formação de governos maioritários. “Nunca voto para um primeiro-ministro ou um Governo, voto sempre na oposição para lhes dar lugares no Parlamento, para pôr lá mais uma cadeirinha do contra e para que haja discussão e não haver maiorias absolutas”, contou.

Apesar das simpatias comunistas, este Gagarine alentejano não vê com bons olhos que o partido tenha trocado a cadeira da oposição pelo apoio ao poder. “Gostava do PC na oposição porque estavam lá para criticar, para fazer barulho e para tentar dizer que não. Embora não conseguissem muita coisa, estavam lá sempre.” Não esconde uma certa deceção com o rumo dos comunistas e diz, com alguma mágoa, que “os indivíduos do Partido Comunista que estão lá no Governo são ‘microfascistas’ e são marionetas nas mãos dos outros [partidos]”. Não se revê nas posições de alguns deputados comunistas, “são fascistas alternativos”, acusa.

Quem foi Yuri Gagarin?

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Foi o primeiro ser humano a viajar no espaço, a 12 de abril de 1961. Yuri Gagarin era um dos 19 pilotos destacados para se tornar cosmonauta — porque os russos não dizem astronauta — do Programa Espacial Soviético. Viajou a bordo da nave espacial Vostok 1. A viagem aconteceu em plena Guerra Fria e representou uma vitória soviética face aos Estados Unidos, que só alcançaram o mesmo feito um mês depois. Para o regime, Gagarin passou a simbolizar o herói soviético.

Não tem uma visão idílica da revolução: “Temos que admitir que, quando o comunismo chegou ao poder no pós-25 de abril, estragou tudo. Porque os comunistas só destruíram: fechavam fábricas, fechavam tudo, aquilo era uma revolução, uma revolta. Uma revolta porquê? Revolta por não ter poder, e depois, por ter poder a mais“, critica o comerciante que possui várias peixarias no litoral alentejano.

Gagarine não tem memórias diretas desse tempo, tinha apenas dois anos quando a família regressou a Portugal, após o 25 de abril. E também não se lembra, para além de ouvir contar, a primeira situação caricata relacionada com o seu nome. “Chegámos à fronteira e não me queriam deixar passar com o nome de Gagarine, um nome completamente comunista. Sabe o que o meu pai disse? ‘Então fiquem com ele, que eu vou para Portugal'”, relembrou a rir. Acabaram por deixá-lo passar com o compromisso de mudar de nome. O pai “adiou, adiou, adiou” e só aos dez anos voltou a ter problemas. “Quando foi para tirar o Bilhete de Identidade não me deixavam tirar por causa do nome”, mas a resposta paterna em relação à mudança do nome foi novamente “não, não, não”. Continuou a chamar-se Gagarine e hoje só lhe aponta um “defeito muito grave”.

“Gagarine há só um em Portugal, e automaticamente, sou conhecido como o Bocage. Quando se fala no meu nome, falam em mim. Sou muito conhecido e torna-se um bocado complicado, quando se quer passar desconhecido e não se consegue”. Mas ainda pode ser que venha a ser registado um segundo Gagarine em Portugal. O alentejano tem duas filhas “com nomes nacionais”, mas se tivesse tido um filho, a mulher queria que tivesse o mesmo nome do pai. “Se tivesse acontecido pelo menos dividíamos a meias, era o pai ou o filho, já não era só um”, afirmou, divertido, e sem descartar a hipótese disso vir a acontecer.

“Andei 18 anos a votar para isto”, diz Vladimiro

A afirmação é de Vladimiro, tradutor de profissão, cujo nome é uma adaptação do nome de batismo de Lenine (Vladimir Ilyich Ulyanov): “Andei 18 anos a votar para isto.” E explica porquê: “Fazia-me confusão que 15 a 17 por cento dos votos expressos nas urnas não servissem para mais nada a não ser como votos de protesto”.

Nas últimas eleições, votou a favor de um dos partidos que agora constituem o executivo, mas Vladimiro está apreensivo. “Não sei qual será o resultado disto, tenho muitas dúvidas, como toda a gente tem. Mesmo quem sempre gostou da ideia”, confessou. O tradutor, que vive em Lisboa, percebe que a política é a arte do compromisso e que, às vezes, é necessário “deixar cair algumas bandeiras para se poder segurar outras”.

"Sou mesmo filho do marxismo-leninismo, por assim dizer. Os meus pais eram simpatizantes do Partido Comunista."

Vladimiro, que prefere não revelar o seu sobrenome, deixou de segurar a bandeira que a conotação política do seu nome próprio denuncia. “Sou mesmo filho do marxismo-leninismo. Os meus pais eram simpatizantes do Partido Comunista, o meu pai era mesmo militante” explica ao Observador.

“À medida que fui ganhando a minha própria identidade política, fui percebendo que, se calhar, para mim não fazia muito sentido ter um nome tão marcado”. Admite que continua a sentir-se próximo dos valores de esquerda, “mas não com o mesmo empenho, nem na mesma linha”. O PS nem sempre é um partido tão à esquerda como Vladimiro gostaria, e, na sua opinião, “fazia sentido juntar-se [ao PCP e BE] para tentar influenciar o centro a ser um bocado mais de esquerda. Acreditei sempre nisso”, assegura.

Sem saber se a “gerigonça” terá pernas para andar até ao fim da legislatura, a única certeza que tem é a de que é uma vitória para a democracia. “Serve para as pessoas que votaram nesses dois partidos, quase um quinto dos eleitores, saberem que fazem parte de uma solução e que não são uma mera força de bloqueio e de oposição.”

"Imaginar viver numa sociedade igualitarista… É um bocado assustador."
Vladimiro

Depois de um período na adolescência em que sentia que o nome como um “ferrete ideológico” e que gera comentários do tipo “isso é nome que se ponha a alguém?”, habitou-se a viver com isso. Também se habitou a conviver com a descrença na “teoria da redistribuição de riqueza dos muitos ricos para os muitos pobres, já se percebeu que não funciona bem assim”. É-lhe difícil “imaginar viver numa sociedade igualitarista… É um bocado assustador”, diz.

Já consegue brincar com o facto de se chamar Vladimiro, mas não poria a um filho um nome que fosse “um peso pesado”. “Às vezes, digo isto ao meu pai: tive sorte em não ter nascido numa família de simpatizantes de extrema-direita, não é? Poderia ter-me chamado Adolfo…”

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