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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Linda Martini e The Legendary Tigerman: isto é amor combate

Estivemos no centro do ringue do primeiro round. Rumble in the Jungle é a digressão que junta as duas bandas num só palco. Cascais recebeu o assalto inaugural e deu em KO.

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Precisamos de uma dose de rock’n’roll. O dealer, Paulo Furtado, conhecido nas ruas por The Legendary Tigerman, vende o produto numa cave tenebrosa, todo de preto, de bigode malandrinho, rodeado pelos capangas, um saxofonista a soprar esbugalhado, o rufia Hélio Morais na pandeireta, numa ponta André Henriques a olhar de lado, na outra o baterista do tigre lendário e atrás a furtiva Cláudia Guerreiro, acompanhada por Pedro Geraldes, sentado de perna para o ar, lesão no treino antes do combate. “We need a fix of rock n’ roll”, rosnam as duas bandas espremidas em palco, a inaugurar um dos rounds que quer deixar Portugal numa espécie de knockout, derrotado no chão a pedir mais uma dose.

“Fix of Rock’n’Roll”, novo single de The Legendary Tigerman, marca o final do combate Rumble In The Jungle, a digressão conjunta da banda de Paulo Furtado com os Linda Martini, e o gongo marcou o primeiro round na noite de quarta, em Cascais, no Stairway. “A ideia reflete-se não exatamente no combate de uns contra os outros, mas como combate associado ao rock’n’roll”, explica ao Observador Paulo Furtado. “Mas amizades à parte, toda gente quer fazer um bom concerto”. Pode dar em pancada, mas sempre entre amigos, ou melhor, é amor combate. “No fundo é uma disputa, a banda que vem depois pode ser lixado, se a banda der um bom espetáculo”, confessa Cláudia, baixista dos Linda Martini. “Quando toco depois e a primeira banda deu um concerto de caraças”, continua Hélio, baterista, “dá uma grande pica para dar um concerto tão bom como acabei de ver”.

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Rumble In The Jungle foi o nome a mítica luta de boxe entre Muhammad Ali e George Foreman, no Zaire, aqui recriada por dois pesos pesados portugueses, os miúdos de força bruta contra o veterano estratega, que flutua como uma borboleta e pica como uma abelha. A troca final de socos em guitarrada acontece no Coliseu dos Recreios, dia 21 de dezembro, mas para essa luta final, os dois lados ainda têm de treinar muita porrada no saco, preparação crucial para não estarem duas bandas no palco tudo ao molho e fé em Deus. “Querem ver como tocamos juntos?”, pergunta Paulo Furtado para os adversários, que reagem desinteressados em frente ao soundcheck de The Legendary Tigerman, antiga one-man band, agora com o saxofonista João Cabrita e o baterista Paulo Segadães. “Ou vai à maluca?”. Vai à maluca.

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“Não sei se vem alguém”

O cartaz na entrada de Stairway promete o combate do século, que se cuidem os piegas do Mayweather e McGregor. O cenário é apocalíptico, pelo menos num sentido estético, com o pinball do Star Wars ao lado do altar com galhardetes de bandas com nomes impercetíveis, com destaque para um CD com o grande sucesso “Tasca de Bigode”, ou uns tipos de leste com o single “Escumalha”. “Procura-se baixista com menos de 18 anos para integrar banda de rock/garagem”, ainda avisa no altar, qualquer coisa é só perguntar pelo Luís Salgado, barman e gerente que faz o contacto com os putos. “Isto é uma sala de música ao vivo, na tradição dos clubes nova iorquinos, o ideal é ter concertos todos os dias”, explica ao Observador o homem de barba rija, T-shirt com motosserra e frase pertinente de “Fuck the world”: “E gostamos de receber bandas que estão a começar, amanhã tem uma banda húngara na primeira tour.”

“Ganda cowboyada”, ouve-se, quando as duas bandas tentam entrar ao mesmo tempo no palco minúsculo, enquanto um tipo de havaianas decidiu que era hora certa para furar a parede com um Black & Decker. Se no set de The Legendary Tigerman vão tocar juntos “Fix of Rock N' Roll”, no de Linda Martini a solução é a mesma, partilhar o novo single, no caso “Gravidade”.

“Isto com pessoal vai ser muito mais fixe”, sugere Paulo Segadães a meio de soundcheck. “Não sei se vem alguém”, responde divertido o gerente, a saber de antemão que hoje é casa lotada, o que se traduz numas 500 pessoas em formato lata de sardinha. “Procuro sempre pretextos para tocar em sítios pequenos”, confessa Paulo. “Nós esperamos ter aquele feeling que vamos atrás”, diz-nos Hélio, “que é ter o público mesmo colado a ti, sentir as músicas com as pessoas mesmo perto”.

Apesar de as duas bandas lançarem novos álbuns no início do próximo ano, para Paulo Furtado a tour em salas pequenas é absolutamente primordial, sobretudo pela questão do pronome que antecede a banda — era “o”, e agora são “os” The Legendary Tigerman. “Cheguei a um grau de solidão nos ensaios, nos concertos, que já não me era interessante criativamente”, lembra sobre os bastidores de True, o último disco de originais em 2014. “É curioso, porque não foi uma coisa premeditada”, explica. “Durante o True entrou a bateria, depois teve uns espetáculos especiais com o Cabrita [saxofone], e de repente isso criou uma linguagem, uma sonoridade, os três a tocar juntos, isso fez-me compor de outra maneira”. A primeira amostra destas composições do tigre é aqui no Rumble In The Jungle, onde vão ter de domar em palco as gravações que fizeram no isolamento de Rancho De La Luna, em Joshua Tree, o mesmo deserto americano que inspirou tantas canções aos Queens of the Stone Age.

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“Ganda cowboyada”, ouve-se, quando as duas bandas tentam entrar ao mesmo tempo no palco minúsculo, enquanto um tipo de havaianas decidiu que era hora certa para furar a parede com um Black & Decker. Se no set de The Legendary Tigerman vão tocar juntos “Fix of Rock N’ Roll”, no de Linda Martini a solução é a mesma, partilhar o novo single, no caso “Gravidade”. “Só vos digo que vamos ter queixas de pessoal a sangrar dos ouvidos”, sugere Paulo ao road manager Vasco da Silva, herói que gere a banda, jornalistas, homem das limpezas, stand de venda, segurança, e responsável pelo jantar, que pergunta se queremos vegetariano ou massa com frango. As preocupações de Paulo não são descabidas, o membro mais nervoso das bandas é um PA que range de feedbacks esquisitos, espalhando um som metálico na sala, onde faltam pessoas para meter um tampão no ruído.

Aquela cave em Cascais

“Soltem os prisioneiros/ Por todo o mundo/ Há prisioneiros”, improvisa Hélio pelo soundcheck, homenageando os Delfins, melhor banda cascalense de todos os tempos. “Não brinques comigo”, responde mais tarde Cláudia ao baterista, com Pedro sentado, a perceber como vai ser este malabarismo de tocar com uma entorse no pé, e André cabisbaixo, talvez concentrado nas emoções que expele em palco. A tensão é o ADN desta banda, e depois de Cláudia discutir com Hélio, parecem estar renovados de raiva, que guardam para soltar no formato dinâmico “barulho/quieto/barulho”, ao bom estilo Pixies.

“Nós somos apenas um dado da equação, pode-nos correr bem a noite ou não, agora o público é que tem que fazer a festa connosco”, reflete André. “Uma das razões para que continuamos a gravar disco e tocar é porque temos a sorte de ter um trabalho que nos dá gozo, isto é o resultado de meses e meses de trabalho, e é aqui que nos sentimos bem”. Aqui, nesta cave em Cascais, vão mostrar um pouco desse trabalho, um disco novo, gravado em Espanha, e composto em duas residências, em Amares e Azeitão. Apesar de testarem algumas canções no ensaio, o vocalista esconde o jogo. “Não queremos avançar muito o que vai ser o disco”. “No estúdio Cal Pau [Olerdola, Barcelona] não havia distrações, acordas onde vais gravar”, revela Pedro, a demonstrar outro elo da banda com Tigerman, a solução de procurar um isolamento e lugar estranho para fazer surgir alguma coisa inesperada.

“Estamos em Cascais, por isso quando estás no carro na Boca de Inferno” -- começa Paulo a lembrar as visitas conjugais noturnas ao natural monumento -- “ou, como posso explicar, fazem como o João e tocam o saxofone, ou vão embora”.

A cave de ecos e cheiros peculiares começa a encher depois das nove horas da noite, uma massa de gente que disfarça qualquer incongruência que havia anteriormente, agora só mesmo a barulheira da luta de guitarras para cortar a conversa. “Sabem o filme ‘Este País Não É Para Velhos’, devia haver o ‘este concerto não é para baixos’”, sugere um vizinho, com os Linda Martini transformados numa nesga entre as cabeças de pessoas, e o teto baixo, depois de entrarem pela cozinha, backstage inglório de micro-ondas e produtos de limpeza.

“Foste sempre pouco”, começa um coro tímido em frente à banda, André com as veias a pulsar do pescoço, para ser visto, ouvido, como o Belarmino que cerra os dentes e vem jogar, pronto para a luta. A tensão, sempre a tensão. “Não sei se é por ser quarta-feira, mas está um pouco esquisito”, provoca Hélio para o público adormecido. Tocam as novas “Boca de Sal” e “Caretano”, esta última explicam ser sobre um tipo chamado Caetano que é careta. “Diz ao puto para estudar”, segundo coro da noite, em “Putos Bons”, canção que talvez explica a aparente amorfia na plateia, onde o protagonista também não dança e deixa crescer a pança, todos em volta do bar, “traz-me mais uma cerveja, por aqui”.

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“Amor Combate” e “Cem Metros Sereia” são os hits e “Gravidade” é o primeiro teste verdadeiro do combate Rumble In The Jungle, com Paulo Furtado a subir ao palco de preto, gel no vabelo e a fundamental camisa brilhante. O novo single com o homem tigre e o fim do set de Linda Martini. É um caos generalizado, de feedbacks para todas as direcções, que no Coliseu pode ter outras dimensões, ali naquela cave é recebido como ruído glorioso, estrondo que três guitarras ao mesmo tempo são capazes de fazer.

Um K.O. absoluto

Tenebroso, The Legendary Tigerman entra no ringue ao soar do segundo gongo, no canto esquerdo, com prováveis poucos quilos, peso reservado para os riffs da Gibson vermelha.

“And I’m just a wild creature
And I’m all alone
I’m driving roads of suburbia looking for a prey”

Começa a época da caça, e o tigre desafia as presas a sair detrás de arbusto. “Eu diria para virem mais perto, é possível?”, pergunta, antes de começar a serpentear por “Naked Blues”. Ao longo do concerto adivinha-se no inédito Misfit um belo disco, bem Morphine nas partes de saxofone rompante, e com qualquer coisa de terrível, assombroso, sobretudo na “Black Hole”, digressão musical sobre as profundezas da mente.

"O saxofone esgotado dá as últimas, Paulo anda de trás para a frente, aos rodopios, leve como uma borboleta, a picar o colega, aos gritos de “rock'n'roll", “rock'n'roll", “rock'n'roll". Desce entre a plateia e sobe ao balcão do bar, obriga os mansos a gritar no microfone depois de uma quarta-feira de trabalho."

“Estamos em Cascais, por isso quando estás no carro na Boca de Inferno” — começa Paulo a lembrar as visitas conjugais noturnas ao natural monumento — “ou, como posso explicar, fazem como o João e tocam o saxofone, ou vão embora”. A piada foi a melhor forma de tentar explicar à plateia que neste combate eles também devem mandar uns socos, sujar as mãos, em vez de ficarem na reserva das palmas. Felizmente, no último round estava na manga o glorioso “Fix of Rock N’ Roll” com os Linda Martini, e para fechar em knockout, a apoteose que é “21st Century Rock ‘N’ Roll”.

O saxofone esgotado dá as últimas, Paulo anda de trás para a frente, aos rodopios, leve como uma borboleta, a picar o colega, aos gritos de “rock’n’roll”, “rock’n’roll”, “rock’n’roll”. Desce entre a plateia e sobe ao balcão do bar, obriga os mansos a gritar no microfone depois de uma quarta-feira de trabalho. “Rock’n’roll”, respondem finalmente 500 almas. Começa a contagem final do combate. 10, 9, 8, 7, 6, 5… The Legendary Tigerman levanta-se de novo, nós só queremos esta outra dose, anestesiados com duas horas de atropelamento numa cave escura. “Rock’n’roll”, respondemos. 4, 3… Furtado dá o último grito de joelhos com o micro dentro da boca. 2… A banda se despede, promete nunca fugir ao combate, na próxima data são os miúdos a fechar, e o público agradece, saciado de sangue. 1… K.O.

[as datas de Rumble in the Jungle: dia 1, Viseu (Carmo 81); 2, Leiria (Texas Bar); 6, Porto (Maus Hábitos); 7, Coimbra (Salão Brazil); dia 8, Alpedrinha (Teatro); 9, Évora (Soir JAA); 10, Torres Vedras (Bang Venue)]

Texto de Luís Freitas Branco, fotografia de João Porfírio

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