Mesmo que nós, os mortais, tenhamos tendência para colocar os artistas num Olimpo onde o seu talento é sinónimo de grandeza e sabedoria, a verdade é que os escritores, os poetas, são humanos. São até demasiado humanos. Quantos deles hiper-sensíveis, egocêntricos, neuróticos, psicopatas. Talvez por isso, as querelas acabam por ser inevitáveis e qualquer pequeno rastilho pode detonar uma guerra fraticida.

Como se a opinião que têm uns dos outros fosse, afinal, a mais importante de todas, eles não perdoaram críticas, esquecimentos, ou amores demasiado violentos. E há histórias para todos os gostos: murros, tiros, cartas abertas, mulheres, ciúmes…

Arthur Rimbaud e Paul-Marie Verlaine: uma temporada no inferno

Poucas paixões tempestuosas terão dado origem a tão grande literatura como a que uniu Rimbaud, aos 17 anos, e Verlaine, aos 26. Hoje seriam chamados de pedófilos, mas no século XIX causava mais desagrado as suas diatribes contra o que escreviam uns e outros do que propriamente a sua homossexualidade. Cesariny bem o sabia, e por isso traduziu Un Saison en Enfer, de Rimbaud — a criança prodígio que enlouqueceu Paul Verlaine –, por Uma Cerveja no Inferno. Mesmo que fosse absinto, e não cerveja, aquilo que os dois amantes bebiam pelos cafés de Paris.

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rimbaud

Arthur Rimbaud (1854-1891)

A história conta-se em poucas linhas: Rimbaud, génio precoce, que aos 14 anos já escrevia longos e belos poemas em latim, decide enviar as suas criações a Verlaine, já poeta consagrado. Este, mais velho, casado e com um filho, convida o jovem Rimbaud para ir para Paris e instalar-se na sua casa. Consta que entre ambos a paixão foi imediata e fulgurante. Em apenas três anos amaram-se, exilaram-se, escreveram-se, tentaram matar-se, separaram-se.

Verlaine, expoente do romantismo, era um homem brutal, uma personalidade doentia, que violentava a sua jovem mulher e o seu filho durante as suas crises alcoólicas. Quando se refugia com Rimbaud em Bruxelas tem nova crise depressiva e compra um revólver para se suicidar. As zangas com Arthur tinham-se tornado constantes, ambos viviam numa enorme precaridade financeira e o adolescente ameaçava abandoná-lo. Numa dessas discussões, Verlaine desferiu dois tiros em Rimbaud. Acertou-lhe no braço. Foi preso durante quase dois anos.

Paul Marie Verlaine (1844-1896)

Paul Verlaine (1844-1896)

Neste tempo, o jovem regressa a casa dos pais e afasta-se de Verlaine que, por sua vez, se converte ao catolicismo. Une Saison en Enfer, é a obra-prima que resulta desta quase tragédia. Depois, o jovem prodígio há-de abandonar a poesia, far-se-á viajante, mercenário, traficante de armas e morrerá com apenas 37 anos. Verlaine foi reabilitado no meio literário parisiense com a ajuda de Oscar Wilde e morreu alcoólico aos 52 anos, sem nunca ter deixado de promover a poesia de Rimbaud.

Jean-Paul Sartre e Albert Camus: um combate existencialista

Apesar da náusea existencial, da passagem pela Resistência francesa e da relação “aberta” com Simone de Beauvoir, o filósofo Jean-Paul Sartre, totalmente comprometido com o partido comunista francês, há-de calar-se acerca dos Gulag soviéticos e de todos os morticínios perpetrados em nome do comunismo. Albert Camus, pied noir, escritor e filósofo, preferiu a revolta das palavras ditas e as suas consequências. Foi uma amizade que se tornou símbolo de um combate que haveria de marcar a Europa da segunda metade do século XX.

Jean Paul Sartre (1905-1980) Albert Camus (1913-1960)

Jean Paul Sartre (1905-1980) e Albert Camus (1913-1960)

Camus e Sartre conheceram-se em 1943, numa França ainda ocupada pelos Nazis. O primeiro é editor do jornal da Resistência Combat. O segundo dirige a revista política e filosófica Les Temps Moderns. A amizade e a colaboração fazem deles dois ícones da França do pós-guerra, mas, apesar da proximidade intelectual, a sua relação acabará por se desfazer.

A forma como os livros de Camus desembocavam num absurdo sem redenção não agradava a muita da esquerda francesa, mais dada a sonhar com os amanhãs que cantam. O filosofo Merleau-Ponty foi o primeiro a escrever contra Camus… na revista dirigida por Sartre. Mas é no final dos anos 40 que a crise entre ambos eclode abertamente.

As deportações de dissidentes soviéticos para os campos de trabalho forçado tornam-se conhecidas no Ocidente. Sartre nada diz. Em 1951, Camus escreve O Homem Revoltado. A esquerda existencialista francesa purga-o com ataques quase sempre escritos na revista de Sartre. Isolado, Camus escreve uma carta ao director de Les Temps Moderns, onde diz: “Estou farto de ser criticado por pessoas que sempre se sentaram confortavelmente dentro da história.” Sartre responde que uma amizade “é sempre totalitária”. Afastam-se para sempre.

Albert Camus morre em 1960. No fim da vida, Sartre há-de dizer sobre ele, numa entrevista: “Foi o último dos meus melhores amigos.”

Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa: ménage à trois

Mario Vargas Lhosa e Gabo, no tempo em que eram amigos

Mario Vargas Llosa e Gabo, no tempo em que eram amigos

Nesta história há três nomes a reter: Mario, Gabriel e Patricia, e o que quer que seja que tenha ligado estas três pessoas é um segredo que não deve ser quebrado. García Márquez guardou sobre o episódio quase quatro décadas de silêncio e morreu sem nada dizer. Vargas Llosa também não parece inclinado a quebrar este acordo tácito. Embora actualmente esteja a viver com a rainha das revistas cor-de-rosa, Isabel Preysler, é duvidoso que o prémio Nobel peruano venha a fazer revelações indiscretas vestido de roupão num hotel de cinco estrelas do Caribe…

Llosa e Marques viviam com as respectivas famílias em Barcelona nos anos 70. Tinham casa lado a lado e carreiras promissoras, apesar de Mario começar a tomar um desvio à direita que não agradava a Márquez. Não se sabe se por ideologias políticas, se por razões sentimentais, as discussões entre Mario e Patricia eram constantes, e Gabo (Gabriel) era chamado a apaziguar os conflitos. Que meios utilizava para tal, ninguém sabe. A verdade é que no dia 14 de Fevereiro de 1976, num encontro de escritores no México, Gabo exclama, ao ver Llosa, “hermanito!”, ao que Mario lhe responde com um murro. A lenda reza que Llosa lhe terá dito “isto é pelo que fizeste a Patricia”, antes de disferir o soco em cheio no olho de Gabriel.

Gabriel Garcia Marquez (1927-2014), aqui ainda com as marcas do murro de Vargas Lhosa

Gabriel Garcia Marquez (1927-2014), aqui ainda com as marcas do murro de Vargas Llosa

O que Gabo fez a Patricia e por que raio terá ela ido queixar-se ao marido, é algo que não sabemos. Mas nunca mais Llosa e Márquez reataram relações.

A história deu origem a muitas anedotas no meio literário sul-americano, até porque Llosa acabaria por se tornar conhecido por se apaixonar por mulheres… da sua família. Primeiro, foi Júlia, 10 anos mais velha, mulher da irmã do seu tio, e que dá origem ao famoso romance Tia Júlia e o Escrevedor; depois foi Patricia Llosa, sua prima-irmã (e sobrinha de Júlia). Aguardamos saber que parentesco tem com Isabel Preysler.

Gore Vidal e Norman Mailer

No Alentejo há uma expressão que serve para designar pessoas irrequietas, excessivas e duvidosas: uma boa bisca. Ora, se há forma perfeita de descrever estes dois escritores norte-americanos é dizer que eles eram “duas boas biscas”.

Norman Mailer nasce como escritor dentro do chamado New Journalism, como Tom Wolf ou Truman Capote. As suas histórias partiam sempre de acontecimentos ou personagens reais, eram uma espécie de reportagem alargada. Mailer via-se a si próprio como um boxeur, um touro enraivecido sempre pronto para a violência.

Norman Mailer (1923-2007) e Gore Vidal (1925-2012). Após uma querela de décadas acabaram a organizar juntos acções de solidariedade social

Gore Vidal vinha de meios aristocratas, era neto de um antigo senador, parente de Jackie O., homossexual assumido, cujos romances chocaram a América conservadora dos anos 40. Homem com uma veia sarcástica genial, ficou mais conhecido pelas suas críticas demolidoras e pelas suas boutades do que pela sua obra literária. Escreveu sobre literatura em vários jornais nos anos 60 e 70 e consta que os seus textos eram mais temidos do que as crónicas de António Guerreiro no Público.

O seu inimigo de estimação era Truman Capote, mas foi com Norman Mailer que as coisas chegaram a vias de facto. Vidal detestava o género de romances realistas deste grupo de escritores e não perdia uma oportunidade de os satirizar com recurso à sua enorme erudição. Um debate televisivo entre ambos no famoso programa David Cavett Show ficou para a história, tal a acidez utilizada na troca de argumentos. Vidal, contudo, nunca perdeu a pose, enquanto Norman parecia explodir.

A propósito de um romance de Mailer sobre a temática feminista, Gore classifica-o de “uma mistura entre Marilyn Monroe e Charles Manson” (o assassino de Sharon Tate).

Por um acaso do destino, os dois acabam por se encontrar numa festa em Nova Iorque. Mailer não se controla e dá um murro a Gore, antes de lhe despejar um copo de gin tónico na cara. Ainda estremunhado, Gore ergue-se do chão e exclama: “Como sempre, faltaram-te as palavras.”