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Brent Stirton/Getty Images

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Mães a recibo verde. Ginástica pré-natal para sobreviver à licença

Todos os meses, milhares de trabalhadoras independentes pagam 30% do ordenado à Segurança Social. Mas o acesso ao apoio social nem sempre é fácil. No caso de gravidez, as coisas complicam-se.

Inês Lopes Gonçalves nunca pensou que seria tão difícil ter acesso ao subsídio parental. Trabalhadora independente desde 2010, Inês sempre tentou pagar o mínimo possível à Segurança Social. Porém, quando soube que estava grávida, apercebeu-se que um escalão alto era, afinal, uma vantagem.

Inês engravidou em outubro do ano passado, pouco tempo depois de lhe ter sido alterado o escalão contributivo. Na altura, “subi do quinto para o sexto escalão. Apesar de ser só um escalão, a diferença foi grande, de mais de 200 euros”, contou ao Observador.

A ex-jornalista freelancer que vive em Lisboa decidiu então avançar com um pedido de mudança de escalão, uma hipótese dada pela própria Segurança Social. Porém, antes de obter uma resposta, Inês apercebeu-se de que a alteração não seria benéfica. Antes pelo contrário.

De acordo com a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento e Estado para 2014, é agora possível alterar o enquadramento até dois escalões contributivos, abaixo ou acima do fixado. O ajustamento dos valores a pagar mensalmente à Segurança Social pode ser solicitado em fevereiro ou em julho de cada ano, produzindo efeitos a partir do mês seguinte.

A mesma lei revogou ainda a norma que permitia que o trabalhador pudesse pedir a revisão do seu enquadramento sempre que existisse uma diminuição abrupta dos rendimentos em três meses consecutivos.

Alertada pelo contabilista, começou a fazer contas. “Percebi que compensava continuar no sexto escalão, em vez de o baixar”. O subsídio que receberia durante a gravidez seria muito maior — superior ao próprio rendimento mensal.

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De baixa desde maio, Inês não se arrepende da decisão. “Andei em esforço durante seis meses. Fizemos um esforço extra para pagar duas Seguranças Sociais, porque o meu namorado também é trabalhador independente“. Grávida de gémeos, está a receber o subsídio por risco clínico, que lhe é pago a 100%. Admite que teve sorte, porque acabou “por tirar partido de uma situação que prejudica a maioria das pessoas”. Porém, não hesita em considerar que a taxa de contribuição devia ser “mais ajustada à realidade”.

Ao contrário da maioria das trabalhadoras a recibos verdes, Inês pretende gozar a licença de maternidade até ao fim. Mas admite que o tempo que ficará afastada do trabalho a preocupa. “Também tenho medo disso, mas tenho tanto direito a gozar a baixa como outra pessoa qualquer”, confessou.

"A taxa contributiva é baseada num ordenado hipotético e não naquilo que se ganha. Pago 500 euros à segurança social, mas não sou rica".
Inês Lopes Gonçalves, trabalhadora a recibos verdes

Apesar disso, admite que esta é uma opção que nem todas as futuras mães têm. Nem toda a gente “se pode dar ao luxo de estar cinco meses fora”, admite. A verdade, é que nem todas as trabalhadoras independentes têm a sorte de Inês. Lucinda Rossi é um desses casos.

Durante a gravidez, Lucinda não recebeu nenhum apoio do Estado. Nem poderia receber. Com menos de seis meses de descontos feitos para a Segurança Social, o único subsídio a que teve direito foi o abono pré-natal.

A situação, “complicada”, levou a professora de ginástica do Seixal a trabalhar quase até ao final da gravidez. Para além do abono pré-natal, apenas receberá o abono de família. “É complicado”, garantiu. “Situações como estas levam as pessoas a encontrarem alternativas” que, muitas vezes, não são legais. “Tentam ganhar por fora. Eu já estou a pensar em tudo”, desabafou.

O abono de família pré-natal é um apoio atribuído à mulher grávida por seis meses a partir da 13ª semana de gestação. Este só pode ser atribuído a trabalhadoras que tenham rendimentos iguais ou inferiores ao valor estabelecido para o terceiro escalão.

O montante máximo que pode ser atribuído é de 168,91 euros mensais (terceiro escalão).

Uma parte do dinheiro que recebe mensalmente é usada para pagar a Segurança Social. Trabalhadora independente, Lucinda escolheu não fechar atividade nas Finanças. Não valia a pena. “Já passou o ano da isenção, então tenho de pagar Segurança Social. Recebo para lhes pagar”, admitiu.

Apesar do nascimento da filha, a professora de ginástica espera voltar ao trabalho o mais depressa possível. “O primeiro mês é garantido”, mas no mês seguinte “tenho mesmo de arrancar”, disse ao Observador. “Tenho de ter rendimentos. Até estou a pensar em levá-la comigo para as aulas”.

O medo de perder esses “rendimentos” é uma questão que preocupa a maioria das trabalhadoras independentes. A esse respeito, Joana Gíria, presidente da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), garantiu ao Observador que “efetuando descontos para a segurança social, uma trabalhadora independente está protegida durante a gravidez e após o parto, recebendo os respetivos subsídios, incluindo os subsídios sociais“.

"A gravidez não foi planeada", até porque "planear ter um filho numa situação destas é impensável". 
Lucinda Rossi, trabalhadora a recibos verde

No caso de rescisões ilegais dos contratos de prestação de serviços que celebraram, as trabalhadoras têm também “direito à respetiva indemnização”. “A confirmar esta afirmação, o artigo 10.º do Código do Trabalho refere que ‘as normas legais respeitantes a direitos de personalidade, igualdade e não discriminação e segurança e saúde no trabalho são aplicáveis a situações em que ocorra prestação de trabalho por uma pessoa a outra, sem subordinação jurídica, sempre que o prestador de trabalho deva considerar-se na dependência económica do beneficiário da atividade'”, acrescentou Joana Gíria.

No caso de um “falso” recibo verde, isto é, no caso de uma trabalhadora alegadamente independente ser reconhecida por um tribunal como trabalhadora por conta de outrem, “aí são-lhe reconhecidos todos os direitos das trabalhadoras em geral, incluindo a proteção durante a gravidez, no caso de despedimento a que se refere o artigo 63º do Código do Trabalho”, explicou a presidente da CITE. Este refere que uma trabalhadora em gozo de licença parental tem direito à proteção no despedimento e que só pode ser despedida depois da emissão de um parecer prévio pela CITE, num prazo de 30 dias.

Uma questão de escalão

Alexandra Lima, de Famalicão, só terá direito a baixa depois de os filhos nascerem. Grávida de gémeos, terá de esperar até agosto para poder receber o subsídio parental. A culpa, garante, é dos escalões.

No ano passado, Alexandra foi colocada no quarto escalão. Na altura, a nutricionista fez o mesmo que muitos outros contribuintes — solicitou a descida do escalão contributivo. O pedido foi aprovado e Alexandra voltou a ser colocada no segundo escalão, onde estava em 2014.

Quando soube que estava grávida, Alexandra voltou a pedir para mudar de escalão. Apercebendo-se que iria receber um valor muito inferior ao dos seus rendimentos mensais, a nutricionista pediu para voltar a ser colocada no quarto escalão. Porém, para que o novo escalão possa contar para o cálculo do subsídio, Alexandra tem de somar mais seis meses de descontos. Isto significa que terá de trabalhar até, pelo menos, agosto. O nascimento dos filhos está programado para setembro.

“Vou trabalhar enquanto conseguir. A minha médica já me disse que em julho vou ter de abrandar, mas só posso meter baixa depois de agosto”, contou ao Observador. “Espero que eles não nasçam antes de agosto”, disse em tom de brincadeira.

"Vou trabalhar enquanto conseguir. A minha médica já me disse que em julho vou ter de abrandar, mas só posso meter baixa depois de agosto". 
Alexandra Lima, trabalhadora a recibos verdes

Apesar do esforço, Alexandra garante que será “muito prejudicada”. Aquilo que irá receber de subsídio parental será, ainda assim, “muito menos” do que os rendimentos mensais habituais. “Vou receber quase menos de metade do que costumo receber”, admitiu ao Observador. Por causa disso, a nutricionista pretende tirar uma licença de maternidade de apenas 120 dias, garantindo assim que receberá o subsídio na íntegra.

Apesar de o subsídio parental poder ser atribuído a trabalhadoras por conta de outrem (a contrato) e a trabalhadoras independentes,  o cálculo não é feito da mesma forma.

O subsídio parental é um apoio concedido ao pai ou à mãe pelo impedimento do exercício da atividade profissional pelo nascimento de um filho. Este pode ser concedido por um período de 120 ou 150 dias consecutivos, aos quais podem ser acrescidos 30 dias no caso de nascimento de gémeos. No caso dos 120 dias, a remuneração é paga a 100%, enquanto num período de 150 dias é paga a 80.

No caso das trabalhadoras a contrato, o cálculo é feito a partir da Remuneração de Referência (RR), ou seja, a partir da média das remunerações declaradas à Segurança Social “nos primeiros seis meses imediatamente anteriores ao segundo mês que antecede o início do impedimento para o trabalho”. Por outras palavras — a partir do salário mensal bruto dos primeiros seis meses dos últimos oito.

No caso das trabalhadores independentes, o RR é calculado com base no escalão contributivo, a partir do qual é determinada a taxa de contribuição. Isto significa que, quanto maior for a contribuição paga mensalmente à Segurança Social, maior será o subsídio a que a trabalhadora terá direito. Contudo, como a taxa é paga diretamente pelos próprios trabalhadores, estes tendem a manter-se no escalão mais baixo, uma opção que poderá ser prejudicial na altura de pedir o subsídio.

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© Milton Cappelletti

O escalão é calculado a partir do Indexante dos Apoios Sociais (IAS), o montante que serve de referência à Segurança Social no cálculo das contribuições. Nos casos em que a remuneração de referência é muito baixa, ou seja, se o trabalhador estiver num escalão inferior ao do primeiro, a Lei estabelece um limite mínimo de 11,18 euros por dia, que corresponde a 80% do IAS.

O subsídio parental pode ser concedido por um período de 120 ou 150 dias consecutivos. No caso de nascimento múltiplos, o período de licença acresce 30 dias por cada gémeo, além do primeiro. Tem-se direito ao subsídio a partir do primeiro dia de impedimento para o trabalho, que pode ser pago a 100 ou a 80%, respetivamente.

No caso das trabalhadoras independentes que descontem para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), a situação é um bocadinho diferente.

Todas a trabalhadoras inscritas na Caixa têm direito ao benefício de maternidade, ou seja, a um subsídio semelhante ao que é atribuído pela Segurança Social. Para que este seja atribuído, as trabalhadoras precisam de ter pelo menos dois anos de inscrição no CPAS e 24 meses de contribuições pagas (desde que não tenham contribuições em dívida há mais de 120 dias).

Ao contrário da Segurança Social, o pagamento do benefício não é feito mensalmente, mas de uma vez só. O cálculo do subsídio é feito a partir dos escalões contributivos, que são diferentes dos da Segurança Social. O subsídio final corresponde a dez vezes o valor da contribuição mensal, nunca podendo porém ultrapassar o limite mínimo e máximo.

O subsídio é atribuído independentemente do período de afastamento da atividade laboral, ficando ao critério da mãe a escolha da duração da “licença”. Foi exatamente isso que aconteceu com Inês Vidal, quando engravidou há dois anos.

Quando soube que estava grávida, a advogada de Aveiro decidiu ficar em casa apenas 42 dias, o período necessário para o marido ter acesso ao subsídio parental. “Tive de declarar à Segurança Social que estive 42 dias sem estar ao serviço, para que o meu marido pudesse ter direito ao subsídio”, contou ao Observador. Na altura, Inês estava ainda no primeiro escalão. Ao todo, recebeu 858,5 euros de benefício de maternidade.

Um problema de base

Tiago Gillot, da Associação de Combate à Precariedade, acredita que “existe um problema de base”. “O regime de contribuições foi desenhado para trabalhadores independentes” mas, a verdade, é que muitos deles não o são. “Muitos estão sujeitos a uma situação de subordinação e de grande precariedade. São facilmente descartáveis e têm direitos limitados”, disse ao Observador.

"A forma de funcionamento da contribuição é um obstáculo a um verdadeiro apoio".
Tiago Gillot, da Associação de Combate à Precariedade

Formalmente, acredita existir uma “disparidade muito vincada”, que o novo regime de contribuições não conseguiu alterar. É “um suposto novo regime”, que apenas alterou as contribuições de um “ponto de vista formal”. “Não reflete a relação laboral”, acrescentou.

Este “novo regime” entrou em vigor em 2011. Antes disso, os descontos para a Segurança Social podiam ser feitos em duas modalidades — através do regime mínimo obrigatório, com uma taxa contributiva de 25,4%, e do regime alargado com uma taxa de 32%. Apesar de os dois regimes cobrirem eventualidades como a paternidade ou a invalidez, apenas este último garantia o subsídio de doença.

Com a entrada do novo Código dos Regimes Contributivos, em 2011, passou a existir um único regime de contribuição, que cobre todas eventualidades. Apesar disso, a proteção a que têm direito os trabalhadores a recibos verdes não é a mesma a que têm acesso os trabalhadores por conta de outrem. Por exemplo, no caso de doença, o subsídio só é atribuído a partir do 31º dia de incapacidade, até ao limite de 365 dias.

“A forma de funcionamento da contribuição é um obstáculo a um verdadeiro apoio”, garante Tiago Gillot. “As pessoas estão a descontar um valor muito alto, mas estão a construir uma carreira contributiva muito baixa. O valor da proteção é baixíssima e o reconhecimento formal de alguns direitos não tem correspondência com a situação verdadeira das pessoas“, acrescentou.

Em 2014, existiam 630.500 trabalhadores a recibos verdes em Portugal. Destes, 243.100 são mulheres. Apesar destes números, divulgados pela Pordata, ao Observador o Instituto da Segurança Social referiu existirem “195.425 pessoas singulares com registo de contribuições pagas com qualificação de trabalhador independente, referentes a 2015”.

Em 2013, uma notícia do Correio da Manhã dava conta da existência de 17.035 trabalhadores independentes só na Administração Central, um aumento de 68,3% em relação a 2012. Segundo avançou o jornal, o número de contratos em regime de tarefa na função pública terá passado de 10.123, em dezembro de 2012, para 17.035, em junho de 2013. O maior aumento deu-se no Ministério da Economia, que no mesmo período registou um crescimento de 101,5%.

No que diz respeito ao subsídio parental, entre janeiro e maio deste ano, o Instituto da Segurança Social registou 3.237 beneficiários “com qualificação de trabalhador independente”.

O número de bebés em Portugal é cada vez menor. Em 2014, foram registados 82.367 nascimentos, menos 26.931 do que há dez anos.

O número de bebés em Portugal é cada vez menor. Em 2014, foram registados 82.367 nascimentos, menos 26.931 do que há dez anos. Face a 2013, a diminuição foi apenas de 0,5%, um abrandamento que se explica pelo aumento de nascimentos no segundo semestre de 2014 (mais 1.024). Mesmo assim, pelo sexto ano consecutivo, Portugal registou um saldo natural negativo, com mais 22.423 mortes do que nascimentos. Em 2013, Portugal foi o país da União Europeia com a taxa de natalidade mais baixa (7,9), seguido de Espanha (8,5) e Itália (8,5).

O cenário é negro, mas quando se trata de número de nascimentos há quem esteja pior. Portugal é o 19º país com menos nascimentos registados em 2013, de acordo com o Eurostat. Em primeiro lugar ficou a Islândia, com 4.326 nascimentos registados, seguida do Luxemburgo (6.115) e do Montenegro (7.475).

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