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João Seguro/Observador

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Manson, o construtor de guitarras dos Led Zeppelin que vive numa aldeia beirã

Jimmy Page, o guitarrista dos Led Zepellin, usava uma guitarra feita por ele. O que pouca gente saberá é que Andy Manson as constrói na aldeia da Ribeira, em Mortágua, um lugar perfeito para o ofício.

Final da tarde. É inverno na aldeia da Ribeira, em Mortágua, distrito de Viseu. A pacatez é interrompida de quando em quando por um chilrear de ave ou automóvel que atravessa a serra. Mas é coisa rara, o silêncio é quase perpétuo. Logo à entrada, numa das primeiras casas, térrea mas ampla, rural como todas em volta, rodeada por oliveiras e de onde se avista um vale onde os incêndios do verão passado deixaram vazio e fuligem, a chaminé fumega, cobrindo o ar de branco e com um travo de madeira. Na portada estão gravadas as iniciais AM, de Andy Manson, o luthier inglês (Manson é reconhecido como um dos construtores de guitarras mais importantes das últimas décadas) que com a mulher e o enteado trocou o Reino Unido por Portugal há sete anos. Tem hoje sessenta e oito.

Mas porquê Ribeira? O luthier, melenas longas e grisalhas, óculos redondos em rosto de ancião mas “pinta” de rockstar do passado no trajar e atitude – nunca o foi mas privaria de perto com os que “cintilavam” então –, passo curvado e calmo, explica o porquê: “A primeira vez que visitei Portugal foi a convite de amigos que viviam cá. Foi acidental. Não pensava na mudança, confesso. Mas gostei dos costumes da gente de cá. E o sítio é pacífico, sossegado, o lugar ideal para construir guitarras. É isso, yeah, é isso. A mudança foi rápida, estivemos uma semana a procurar casas, encontrámos esta e não hesitámos. Era aqui que queríamos viver”.

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Na oficina de Manson há guitarras de todos os tipos, elétricas, acústicas, bandoloncelos e bandolins, suspensas nas paredes. Outras há por terminar, peça a peça dispostas nas bancadas. Sobre o chão, um “tapete” de aparas e poeira da madeira. Tudo cheira a madeira. Os instrumentos são todos, ou praticamente todos, manuais. E computador só o de Seth, o enteado de Andy Manson, aberto ao lado de projetos traçados à mão. “É quase tudo manual, é. E não utilizo o computador. Não cresci com computadores, sou bastante old school. A tecnologia não é para mim; gosto mesmo de desenhar uma guitarra à mão, pronto. Quantas faço? Agora, tenho aqui preparados seis braços para seis guitarras. Hmmmmm… mas devo ter feito mais de mil ao longo dos anos. Agora faço apenas doze durante o ano. Estou mais velho, demoro mais”, graceja.

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Foi em 1967, então com somente dezoito anos, que construiu a primeira, por “necessidade”. E garante que o que realmente ambicionava não era ser construtor, mas guitarrista: “E cheguei a ser guitarrista, ainda que nunca guitarrista profissional. Toquei muito em Londres, Paris, na Côte d’Azur, quase sempre em bares. A minha primeira construí-a porque não tinha nenhuma. That’s it. Nem tinha dinheiro então para comprar uma. Mas o meu pai tinha madeiras, ferramentas, e resolvi fazer a minha, muito amadora, mas o importante é que funcionava. Acho que a utilizei uns dois, três anos. Depois emprestei-a a alguém e perdeu-se. É vergonhoso não ter a primeira guitarra que fiz, não é? Enfim… A certa altura pensei que chegava de sonhar ser um grande músico e o que tinha é que fazer alguma coisa séria, ter uma profissão, e assentar.”

"É claro que me sinto feliz quando vejo 'rockstars' a tocar guitarras minhas. Mas sinto-me feliz esteja quem esteja a tocar. Sei que há até quem colecione guitarras minhas, só colecione. Mas pergunto-me: ‘Para que é que as querem ter se não as vão tocar?’ O único propósito de as fazer é para serem tocadas."

E assentou. Entrou para a London College of Furniture e, terminado o curso, foi aprender, ganhando “calo” nas mãos, o ofício de luthier com um mestre londrino. “Ele ajudou-me muito no começo. Estava na oficina dele alguns dias por semana e aprendi muito. E desde então que não faço outra coisa, pronto. Sou luthier desde os vinte e um ou vinte e dois anos. Faço guitarras, ainda faço, porque não sei fazer outra coisa. E preciso de dinheiro, claro. [Risos] Mas já não é como no início, não. No início trabalhava loucamente até de madrugada, dia e noite sem ir à cama. Se queria afirmar-me tinha que ser. Hoje é diferente. Estou mais relaxado. A minha atitude é a de um jovem, mas o corpo não é”, lembra.

Pouco a pouco foi ganhando notoriedade com as guitarras que construía. “Mas no começo os meus pais achavam que eu deveria ter um emprego ‘a sério’. Contudo, lá perceberam que nunca fui mainstream. E reconheceram ao longo dos anos o valor do que fazia.” Mas o construtor ainda tem mais incertezas do que certezas quando termina uma guitarra. “Se sei que sou bom? Bom, esse pensamento não importa muito a quem faz coisas, tu sabes. Parte de fazer isto é ser auto-crítico. É uma batalha constante entre ser confiante e, por vezes, desesperar. Conforme vais evoluindo, na tua destreza manual, no conhecimento, também a tua perceção quanto àquilo que fazes vai aumentar. E há sempre um horizonte ao qual nunca chegas. Não há segredos, apenas mistérios. Sempre que termino de fazer uma guitarra há uma mistura entre ‘isto é interessante e funciona’ e ‘para a próxima posso fazer melhor’. Construir uma guitarra é uma cerimónia, um ritual. Percebes?”

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Parte do ritual é a escolha das madeiras a que Andy se propõe “dar voz”. Uma escolha menos simples do que antes. “A maioria das madeiras é importada. Nos últimos… don’t know, 300 ou 400 anos eram utilizadas madeiras tropicais. Utilizava-se palisandro, mogno, muita madeira da Amazónia. Mas agora há a desflorestação, right? E muitas das madeiras que tradicionalmente utilizava estão protegidas e algumas foram mesmo proibidas. Hoje compro madeira europeia — que vem de regiões frias da Europa, onde a madeira é mais densa, porque cresce mais devagar”, explica, garantindo depois: “As madeiras boas são importantes, mas também é verdade que podes fazer uma guitarra fraca com madeiras boas ou fazer uma guitarra realmente boa com madeiras fracas.”

Em criança, na escola, uma escola profundamente católica, Andy Manson aprendeu primeiro piano e órgão, chegou a cantar no coro, mas é quando primeiro descobre, “riscando-lhes” o vinil de tanto ouvir, guitarristas como Bert Jansch ou John Renbourn e cantautores como Bob Dylan e Donovan, que se enamora pelas guitarras. “No começo, como músico, até costumava cantar umas canções do Dylan nos cafés. Mas a partir do momento em que comecei a construir guitarras, isso tirou-me tanta energia e tempo, que me especializei mais em construir do que em tocar. Sempre toquei. Mas sou um amador completo. Ainda assim, divirto-me a tocar mais do que com qualquer outra coisa.”

Não importa se o cliente é Jimmy Page ou um amador; as guitarras Manson são para dedilhar

Andy não acredita que para se vir a ser um bom luthier tenha algum dia de se ser bom músico. “Há construtores de instrumentos, como os de violinos, por exemplo, que não sabem tocar nothing. Mas acho que deves saber tocar um pouco, sim. Hoje até toco bem mais do que antes. Aqui em Ribeira toco quase todas as noites. Até porque não vejo televisão e não tenho mais nada para fazer. [Risos] Também há amigos com quem toco regularmente aqui em Portugal, fazemos umas jams depois do jantar aqui em casa e duram a noite toda. Somos uns autênticos putos a divertirem-se!”

"A minha primeira construí-a porque não tinha nenhuma. Nem tinha dinheiro para comprar uma. Então, resolvi fazer, era muito amadora mas o importante é que funcionava. Acho que a utilizei dois, três anos. Depois emprestei-a a alguém e perdeu-se. É vergonhoso não ter a primeira guitarra que fiz, não é?"

Manson tornou-se tanto mais conhecido quanto clientes mais conhecidos foi tendo. Desde logo, Jimmy Page e John Paul Jones, dos Led Zeppelin. Mas há mais, bem mais. “O Ian Anderson [dos Jethro Tull] deve ter umas seis guitarras. Quem mais? O Mike Oldfield tem duas. O Matt Bellamy dos Muse também duas. O Andy Summers dos Police também. Não me lembro de todos… O Josh Homme, dos Queens of the Stone Age. Hmmmmm… O John Paul Jones tens umas 15. [Risos] O Jimmy Page tem uma…”

Mas a guitarra do lendário guitarrista dos Led Zeppelin não é uma guitarra qualquer. “O Jimmy queria uma triple-neck guitar. Porquê? Muitas vezes, nos concertos acústicos [da tournée do disco No Quarter, de 1994, em que Page actuava ao lado de Robert Plant, vocalista dos Led Zeppelin], ele tinha que tocar numa guitarra de seis cordas, outra de doze e um bandolim. That’s why. Mas antes de construir a guitarra ele experimentou os braços separadamente. Para sentir se tinham a forma que queria. Mas há gente, muitas vezes nem são rockstars, que têm uma longa, longa lista de detalhes. E muitas vezes tenho que recusar e dizer que algumas das coisas não são possíveis”, explica.

Uma guitarra sua começa nos seis mil euros e pode ultrapassar o dobro, “dependendo dos detalhes”. Mas ao luthier inglês não importa se os clientes são rockstars ou não. O que lhe importa é que as utilizem. “É claro que me sinto feliz quando vejo rockstars a tocar guitarras minhas. Mas sinto-me feliz esteja quem esteja a tocar. Mesmo que seja um amador, em casa. Não faz diferença nenhuma. Sei que há até quem colecione guitarras minhas, só colecione. É verdade que me pagam. Mas às vezes pergunto-me: ‘Para que é que as querem ter se não as vão tocar?’ O único propósito de as fazer é para serem tocadas. Normalmente, quando estão terminadas e antes mesmo de as entregar, sento-me e divirto-me a tocar. Às vezes gosto mesmo muito delas e penso que gostaria de as ter. Mas tenho tantas…”

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Umas das guitarras de que nunca se desprendeu foi uma tradicional guitarra portuguesa. Mas vai desprender-se em breve, por uma causa nobre. “Eu construí uma guitarra portuguesa em tempos, that’s true. Na verdade, até construí duas. Um cliente americano pediu-me para lhe construir uma. Expliquei-lhe que não me sentia qualificado para construir uma. Mas, depois, pensei no assunto, estudei algumas e respondi-lhe maybe. Se estivesse satisfeito, vendia-lha. Aos meus ouvidos soava bem. E nenhum guitarrista português ficou horrorizado. [Risos] Mas o cliente queria-a mais pequena, para um canhoto, e com madeiras diferentes — a primeira que fiz era em palisandro e a segunda em mogno. Ainda tenho a primeira guitarra portuguesa, não a sei tocar, e vou vendê-la. E entregar o dinheiro a quem perdeu tudo nos incêndios do verão.”

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