“Pais, obrigada por tudo o que fizeram mas não aguento mais tempo isto longe do Marco. Não venho para Portugal e vocês não deixam ele ir para a Suíça, por isso o que decidimos juntos foi fugir de tudo. Já temos emprego e casa. Por favor não chamem a polícia, senão podemos passar fome, frio por vossa causa… Não contem que voltemos antes de 2019, se não chamarem a polícia pode ser que vos dê notícias. A polícia nunca nos vai encontrar, não percam tempo!! Quando lerem isto já estamos longe. Amo-vos… Percebam o meu lado e o do Marco… ADEUS.”
Juliana Ribeiro, 14 anos, e Marco Santos, 16, fugiram de casa por amor. Fizeram as malas em segredo, reuniram dinheiro dado pelos avós e pela família, pensaram em todas as mentiras para ninguém desconfiar, estudaram meticulosamente os horários de comboios e o sítio para onde iam. Duas semanas para construírem um plano. Só queriam “ter uma vida juntos”, justifica Marco ao Observador.
Fugiram de Paredes, no norte do país, na noite de sexta-feira para sábado da semana passada. Foram encontrados por um agente da PSP na segunda-feira seguinte, na Nazaré, quando tentavam pedir emprego num restaurante.
O casal de menores começou a namorar em janeiro de 2015. Conheceram-se através de amigos, em Paços de Ferreira, e o Facebook foi o motor que acelerou a química. De conversa em conversa, Marco e Juliana apaixonavam-se e começava aí o primeiro amor da vida deles. Em outubro, cai a bomba: os pais de Juliana decidem emigrar para a Suíça e a filha, claro, ia com eles. Juliana quis ficar em Portugal, os pais não deixaram. Marco quis ir para a Suíça com Juliana, os pais de Marco não deixaram. A distância começou a cortar-lhes a respiração e por isso começaram a preparar um plano que se colocou em marcha quando Marlene Couto, mãe de Juliana, veio a Portugal quatro dias tratar de assuntos pessoais e trouxe a filha consigo. Era a oportunidade ideal para o casal fugir.
Sexta-feira, 15 de abril. Dia de começar uma nova vida. Era o aniversário do pai de Marco. Juliana e a mãe, Marlene, tinham ido jantar a casa de uma amiga. Juliana começou a pedir insistentemente à mãe para ir a casa do pai do namorado, já que era dia de festa. A mãe disse que não. Juliana pressionou a mãe, porque aquele era o último dia em que a rapariga podia estar com Marco. Afinal, a família tinha voo marcado de volta para terras suíças já no domingo. Era a última oportunidade para Juliana se despedir. Era o último abraço, o último beijo, para mais uns meses de separação. O argumento pesou e Marlene autorizou.
Juliana e a mãe ainda foram a casa, a rapariga trocou de roupa e levou uma mala consigo. “Eu achei estranho, porque a mala era pequena mas estava muito cheia. Perguntei-lhe porquê, mas ela disse que era um pijama que o Marco lhe tinha emprestado. Nunca me passou pela cabeça que ela fosse fazer isto”, conta Marlene ao Observador. Depois da celebração do aniversário, Juliana iria dormir a casa de Cristiana, uma prima da mãe. “Eu perguntei: ‘E quem te leva a casa da Cristiana?’ e ela respondeu: ‘O pai do Marco’. E eu disse: ‘Está bem'”.
Mas a mãe não ficou descansada. Invoca o “coração de mãe” para justificar o “aperto” que não a deixava tranquila. Passava já da meia-noite, quando Marlene mandou uma mensagem escrita à prima Cristiana. Perguntava se a filha já lá estava. Nada de resposta. Ligava para a filha, telemóvel desligado. Ligava para o genro, telemóvel desligado. O cenário ficava cada vez mais negro. “Já não consegui dormir”, lembra Marlene.
Do lado de Rosa Machado, mãe de Marco, nada de estranho. O filho ia passar o fim de semana com o pai e seu ex-marido, que ia celebrar mais um ano de vida. Mal imaginavam que o aniversário do pai de Marco iria ser também o dia da fuga. Rosa estava descansada. Mas, por volta das 4h20 da manhã, o telefona toca e identifica Marlene do outro lado da linha. “Pedi desculpa pela hora, claro, e perguntei se a minha filha estava lá com o Marco”, conta Marlene. Rosa continua o enredo: “Eu disse à D. Marlene que eles estavam com o meu ex-marido. Mas depois liguei ao meu ex-marido para confirmar e ele disse-me que o Marco tinha dito que vinha dormir cá a casa e que depois a mãe da Juliana vinha cá buscá-la”.
Um imbróglio de explicações e de justificações. Cada pai e mãe “engoliram” a versão antes pensada pelo casal de namorados. Só eles sabiam de tudo e só eles sabiam, no fundo, o que estava a acontecer.
Fugir sobre carris, debaixo de chuva
Voltemos um pouco atrás no tempo daquela sexta-feira. Marco e Juliana estavam na festa de aniversário do pai de Marco, em casa da avó. O casal aproveitou o clima festivo para pedir ao aniversariante para ir a uma discoteca. Só os dois. O pai deixou. As rotas estavam definidas no mesmo perímetro, já que todas as casas estavam perto umas das outras, na zona de Paredes. A vontade dos adolescentes não levantou suspeitas. Esta viria a ser uma noite longa, passada entre a chuva e viagens de comboio.
O casal não foi a uma discoteca mas foi, sim, a casa de Marco. “A mãe dele estava na parte de baixo da casa, no salão de cabeleireiro, e nós estávamos lá em cima com o telemóvel que estava a carregar”, conta Juliana. “Quando a Dona Rosa foi para casa, nós fomos para o salão, porque estavam lá as malas.” Pegaram nas coisas e seguiram caminho.
Era noite de tempestade. O casal saiu de casa por volta das 2h00 da manhã. Malas às costas, chapéus-de-chuva na mão. Andaram a pé duas horas até chegarem à estação de comboios de Paredes. Chegaram encharcados. “Apanhámos o comboio às 4h51”, recorda Juliana, como quem estudou ao milímetro o plano e ainda o tem bem presente. De Paredes foram para Porto – Campanhã, de Campanhã foram para Avanca, de Avanca foram para Aveiro, de Aveiro para Coimbra, de Coimbra para Leiria e de Leiria para Valado. De Valado, foram a pé para a Nazaré. Andaram cerca de seis quilómetros e chegaram ao destino no sábado à tarde.
Porquê a Nazaré? “Tínhamos estado à procura de emprego no OLX e havia muitas ofertas de emprego para a Nazaré e Aveiro. Escolhemos a Nazaré porque era mais fácil de arranjar casa, porque há lá sempre aquelas senhoras a vender casas.” E havia mesmo. “Quando chegámos, uma senhora veio à nossa beira e deu 25 euros por noite pela casa. Perguntou se queríamos. Nós dissemos que não, ela fez 20. Nós dissemos que não, ela fez 15. Nós aceitámos.”
Lua de mel, lua de fel
A prima Cristina não sabia nada de Juliana, o pai de Marco nada sabia, a mãe de Marco e a mãe de Juliana tinham sido enganadas. Marlene revistou a casa toda à procura deles. Nada. Rosa também revistou a casa toda. Nada. Entretanto, já Rosa e Marlene estavam juntas e juntas aproveitaram para fazer uma segunda revista à casa de Rosa. Tudo virado ao contrário. Quando chegaram ao quarto, a realidade caiu-lhes em cima. Estavam duas cartas em cima da cama.
“Olhámos uma para a outra e começámos logo a chorar. Entrámos em pânico. Percebemos logo que eles tinham fugido”, recorda Rosa Machado. Pegaram nas cartas e arrancaram para o posto da GNR mais próximo. “Os senhores disseram que ‘isto foi uma fuga de livre vontade, vocês não têm culpa de nada’, mas nós estávamos desesperadas”, explica Rosa. Ela e Marlene estiveram até às 11h00 no posto da GNR. À espera de alguma pista, de alguma esperança. Depois, seguiram para a casa e para as redes sociais, com a partilha do desaparecimento oficial.
Um carro de patrulha fez-se à estrada e a polícia pôs os telefones à escuta. Ainda desligados. Às 5h47, o telemóvel de Juliana deu sinal em Campanhã. “Foi para mandarmos uma mensagem à irmã do Marco a dizer que estava tudo bem”, explica Juliana. Depois, ligaram novamente o telemóvel por volta das 17h00 em Montemor-o-Velho. Ligaram novamente para a irmã para saberem se estavam à procura deles. A menina de 12 anos confirmou e avisou que estavam a ser controlados por telefone. Resultado: adeus cartões de telemóvel. Mandaram os dois para o lixo e, chegados à Nazaré, compraram cada um um novo cartão.
Foram três dias de verdadeira lua de mel: passearam pela praia, foram ao Sítio da Nazaré (um miradouro emblemático, com vista para a praia, acessível através de um elevador), tiraram muitas fotografias e namoraram muito. “Vimos coisas novas!”, conta o adolescente.
O dinheiro reunido pelos namorados pagou a fuga. Ela foi juntando o dinheiro dado pelos padrinhos e pelos tios nos aniversários. Ele também foi poupando o dinheiro dado nas festas e juntou-lhe alguns euros que estavam guardados para comprar uma mota. Alimentaram-se de pizzas, cachorros e febras com arroz, cozinhadas por Marco.
Devolução de dinheiro
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A senhora que alugou a casa foi depois obrigada pela PSP a devolver o montante cobrado a Marco e Juliana, por ter feito o aluguer a menores e não ter pedido o documento de identificação.
A casa era “mesmo à beira do mar”, aponta Juliana. Um cenário perfeito. Longe da Nazaré, as mães imaginavam os piores cenários: “Imaginava se eles estavam a passar frio ou a passar fome, se alguém os tinha levado, se lhes estavam a fazer mal. Foi horrível”, admite Marlene. Rosa alinha na mesma dor: “Foi um sofrimento que não desejo a ninguém”.
Rosa e Marlene passavam as horas a ligar para a GNR. Notícias nem vê-las. Os apelos boca a boca e no Facebook não tinham retorno. No domingo, as mães ligaram para o Correio da Manhã, para que o desaparecimento tivesse mais projeção. O jornal vai ao encontro das mães e dá a notícia do caso.
A fotografia do casal saiu para as bancas e logo circulou na internet. Acabaria por ser a salvação para os corações aflitos das mães. Ajudadas ainda pelo facto de o casal ser obrigado a ter uma vida para além da lua-de-mel. “A ideia de pedir emprego foi dos dois. O dinheiro estava a acabar, como é que comíamos?”, questiona Juliana.
Segunda-feira, dia 18. Marco e Juliana vão a um restaurante pedir emprego. A tentativa do sustento ditou o fim do conto de fadas. Alguém reconheceu o casal através das fotografias divulgadas pelo Correio da Manhã e chamaram a polícia. Quando saíram do restaurante, a PSP intercetou-os.
“Nós estávamos de costas e a polícia chamou ‘Ó Juliana!’. Nós virámo-nos e eles vieram falar connosco, perguntaram-nos os nomes e levaram-nos para a esquadra.” O comandante António Caroça recebeu o casal. “Foram miúdos espetaculares”, começa por revelar ao Observador. “Perguntei porque é que eles tinham feito aquilo e eles disseram que não queriam estar separados um do outro, queriam estar sempre juntos”, conta o comandante.
“Estivemos a falar sobre o que é isto do amor”, diz o responsável, com um sorriso na voz. “Expliquei-lhes que nem sempre temos o que queremos”. Pedagogia de polícia, pedagogia de vida. “Não quisemos criar revoltas, porque revolta já eles tinham dentro deles, por não poderem estar juntos. Dissemos que a vida tem patamares que devem ser respeitados. É preciso haver estabilidade na vida. Há fases para tudo.” Depois, havia que chamar as encarregadas de educação. Marco e Juliana colaboraram e validaram os números de telefone. Depois, jantaram com os polícias e ficaram a conversar e a ver televisão na esquadra, enquanto esperavam pelas mães.
A PSP contactou Rosa e Marlene que, depois da euforia, arrancaram para a Nazaré. Foram três horas e meia de carro para voltarem a ver os filhos. Chegadas à PSP, o mesmo comandante conversou com as progenitoras: “Tentei acalmá-las. Tentei passar a mensagem de que, mesmo não sendo uma situação normal, não foi nenhum crime. Gostar das pessoas não é crime. Temos de entender“.
“Há quem entregue anéis de noivado à esquadra. E há quem se queira matar por amor”
Os casos de amor são várias vezes casos de polícia. Há os mais e menos felizes. Primeiro, os bons: há quem queira pedir a namorada ou o namorado em casamento mas não tenha coragem. Solução: entregar a tarefa a quem está habituado a situações de risco. “Já aconteceu virem aqui entregar anéis de noivado para nós entregarmos à noiva. Nós alinhamos. Ligamos para a noiva e dizemos que tem de vir aqui à esquadra para receber uma carta. E depois é um anel. Às vezes até se escondem aqui”, conta o comandante, entre sorrisos.
A felicidade bloqueia a ação de uns e a infelicidade torna-se insuportável para outros. O Sítio da Nazaré, a cerca de 100 metros de altitude, é um dos locais emblemáticos da terra. “Há pessoas que tentam atirar-se do Sítio porque a namorada ou o namorado deu-lhe com os pés. Ainda há quem se mate por amor. É verdade”, lamenta o comandante. A Nazaré é terra fértil para os apaixonados. “Nesta terra acontece tudo. Deve ser a inspiração da terra à beira mar, não sei”.
Depois do choro e da emoção do momento, Marco e Juliana voltaram cada um para sua casa. A aventura acabou mas, para o rapaz de 16 anos, valeu a pena. “Eu compreendo o lado delas, mas para mim foi bom, porque estivemos juntos.” O casal só planeava voltar a ver os pais em 2019 porque, aí, Juliana já tinha 18 anos. “E aí já podíamos fazer o que quiséssemos, esclarece. Em 2019, Juliana já podia ficar em Portugal, Marco já podia ir para a Suíça, o casal já podia seguir caminho.
Marco e Juliana namoram quase há um ano e meio e nunca disfarçaram as saudades. Segundo a mãe Rosa, Marco estava a sofrer por causa da distância. Refugiava-se muito no quarto, no Viber, no WhatsApp e nas videochamadas, para matar as saudades. “Às vezes até eu falava com ela e a irmã dele também”, aponta Rosa. A paixão não era desconhecida de ninguém. A intensidade, talvez fosse ignorada.
Em outubro do ano passado, as coisas complicaram-se. As saudades eram demasiadas e os pais de Juliana decidiram oferecer uma viagem ao namorado para dezembro. Marco lá foi e esteve na Suíça de 23 de dezembro a 4 de janeiro. De janeiro a abril passaram apenas três meses, mas Marco e Juliana já estavam decididos que não iriam ser novamente separados.
“O amor não se explica, só se sente. É uma coisa que me completa. Gosto muito dela. Quando estou separado dela, sinto um vazio muito grande. Fico triste.” Ela acrescenta: “O amor é como se não houvesse nada de mal no mundo. É quando se está com a pessoa e se está feliz, se dá carinho, apoio, quando se está lá nos momentos maus e bons. É como se fosse tudo bom. Tudo perfeito. Acho que não há nada mais forte”.
Por isso o plano estava bem definido. E o futuro traçado. “Era para ficarmos sempre juntos. Para termos a nossa vida. No futuro queremos ter uma casa na Suíça, outra cá, um carro bom e dois filhos: um menino e uma menina“, relata Marco, apaixonado e convicto. “Eu fugi porque queria passar mais tempo com ele. Não queria estar longe dele.”
Questionada pelo Observador sobre se ia deixar a filha despedir-se ou não do namorado, Marlene respondeu: “Vou deixar. Acho que proibir é pior, não é? Mas vai ser à minha beira! Comigo a ver! Que eu não vou deixá-la sozinha, pode crer que não”. Juliana voltou este sábado para a Suíça. Arrancou às 7h05 do Porto e chegou à Suíça às 10h30. Agora, o reencontro talvez só aconteça em agosto. Mas ainda sem certezas. “Sinto-me triste. Porque vou ficar outra vez sem ele.” Marco ficou em Paredes.