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Maria de Lourdes Modesto. "Cozinhados era uma coisa a que eu não achava graça nenhuma"

A cozinha não foi a primeira paixão da maior gastrónoma portuguesa. Foi um acaso. Um feliz acaso, que Maria de Lourdes Modesto recordou, entre muitas outras histórias, nesta entrevista de vida.

[esta entrevista foi originalmente publicada em julho de 2016 e republicada a propósito da morte de Maria de Lourdes Modesto, a 19 de julho de 2022]

Recebe-nos em sua casa, perto do Estoril, de sorriso aberto. Pelo menos até perceber que a entrevista vai ser filmada. “Vão filmar? Mas eu não fui ao cabeleireiro nem nada!” Não precisava. Aos 86 anos, Maria de Lourdes Modesto continua a exibir a naturalidade e a telegenia que fizeram dela uma estrela nos primórdios da televisão portuguesa.

Nasceu em Beja, em 1930. Estudou para ser professora e foi. “É como eu gostava de ser lembrada”, diz-nos a certa altura. A verdade é que nunca deixou de ensinar. Só mudaram os alunos: a RTP descobriu-a durante a representação de uma peça de Moliére no Liceu Francês, onde dava aulas, e ofereceu-lhe um espaço no pequeno ecrã. O programa “Culinária”, que apresentou ao longo de 12 anos, em horário nobre, foi um enorme sucesso, muito por culpa da sua figura desempoeirada e da forma como falava não para as câmaras, mas antes para quem a via, com uma espontaneidade invulgar para a época.

As milhares de receitas — “milhares, sem exagero, não há aqui aldrabice nenhuma”, garante — que recebeu, de todos os pontos do país, durante esses anos foram a base para o livro “Cozinha Tradicional Portuguesa”, lançado no início dos anos 80. A bíblia da cozinha portuguesa, como é tão frequente chamarem-lhe. Que até podia nem ter acontecido, não fosse, certo dia, um médico ter-lhe diagnosticado um tumor inexistente. Um engano duplamente feliz.

Foi uma daquelas crianças que andava sempre de volta da cozinha?
Não, de maneira nenhuma. Nasci em Beja e cozinhados era uma coisa que eu não achava graça nenhuma. Comia aquilo que me punham à frente.

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Não gostava de cozinhar, então. O que é que gostava de fazer?
Não. Houve uma coisa em que fui um bocadinho precoce, que foi nos trabalhos manuais. Porque com cinco anos eu fazia uma coisa que você não sabe o que é: o ponto ajour. É uma coisa em que era preciso tirar fios e depois fazer um ponto que era um bocadinho complicado. Toda a gente se admirava — era objeto de muito interesse verem-me fazer ponto ajour com cinco anos.

Descobriu cedo esse talento, portanto.
Jeito, que herdei da minha mãe.

Mas cozinhavam bem na sua família, lembra-se?
Não, a cozinha apareceu na minha vida muito mais tarde. Eu fiz um curso de Educadora de Economia Doméstica. Tinha 17 anos, se nasci em 1930, foi em 1947. Da curricula fazia parte culinária. Portanto, foi aí que eu vi que cozinhar era uma coisa que se aprendia e até podia ser interessante. Não quer dizer que eu tenha sido uma muito boa aluna. Era uma pessoa curiosa, tinha muito jeito para ornamentar os pratos e assim, mas tinha colegas de curso que eram muito melhores do que eu. De maneira que eu lavei alguma loiça, decorei alguns pratos mas não se pode dizer que tenha cozinhado muito.

Tirou esse curso com intenção de ser professora?
E fui. E é como eu gostava de ser lembrada, como professora. Porque ainda hoje, se me surge a oportunidade, gosto de ensinar. Quando me pedem, não ensino sem me pedirem.

Gostava de dar aulas?
Sim, muito. Dei aulas em vários sítios e devo dizer que em todos fui muito feliz. Mas houve um deles a que fiquei muito presa sentimentalmente: o Liceu Francês Charles Lepierre. Pelo ambiente, pela disciplina, por tudo. Pelas pessoas com quem me encontrei lá, tanto portugueses como franceses, foi um momento feliz da minha vida. Foram oito anos. Ainda dei aulas na escola velha, como lhe chamam, no Pátio do Tijolo e depois fui para o liceu novo onde estive mais seis anos.

Aos 86 anos, Maria de Lourdes Modesto continua a escrever. "Mas menos do que o meu editor gostaria", confessa entre sorrisos. (foto: HUGO AMARAL/OBSERVADOR)

HUGO AMARAL/OBSERVADOR

Como era a relação com as suas alunas?
Tratavam-me só por Maria de Lourdes. Porque eu era solteira e portanto a Mademoiselle Modesto. Só que eu não achava graça nenhuma à Mademoiselle Modesto, por isso pedi licença ao diretor da parte portuguesa e disse às alunas para me tratarem apenas por Maria de Lourdes. A coisa pegou de tal maneira que ainda hoje toda a gente me trata por Maria de Lourdes.

Foi no Liceu Francês que a RTP a descobriu, durante uma peça de Moliére, não foi? Conte-me essa história.
Exatamente. Foi no “Monsieur de Pourceaugnac”. O objetivo não era fazer um espetáculo para os portugueses porque nós não éramos profissionais. O objetivo era o estudo: a representação da peça fazia parte da cadeira de Literatura Francesa. E era para os alunos estudarem e discutirem, porque é uma peça que tem pano para mangas.

E como é que repararam em si?
Acontece que eu era a única portuguesa em cena e a peça era representada em francês. O papel que eu tinha era um papel que me dava muita possibilidade, era muito interessante. Era o papel de uma intrigante. É a única peça de Moliére que não tem a figura da soubrette. Tinha duas intrigantes e eu era uma delas. Portanto, era uma mulher um bocado regateira e assim.

Quando a convidaram para fazer um programa na televisão aceitou logo ou ainda hesitou?
Não, não aceitei porque isto passou-se em 1958. A televisão tinha começado em 1957 e eu tinha a minha vida muito bem arranjada. Quer dizer, do ponto de vista material, profissional, estava tudo muito certinho. E não se sabia muito bem o que é que era a televisão e como é que iria ser aceite uma professora estar na televisão. De maneira que resisti 15 dias e durante esses 15 dias houve uma insistência grande da RTP para eu ir trabalhar para lá.

"[No Liceu Francês] Eu era solteira e portanto a Mademoiselle Modesto. Só que eu não achava graça nenhuma à Mademoiselle Modesto, por isso pedi licença ao diretor da parte portuguesa e disse às alunas para me tratarem apenas por Maria de Lourdes. A coisa pegou de tal maneira que ainda hoje toda a gente me trata por Maria de Lourdes."
Maria de Lourdes Modesto

Como é que a conseguiram convencer?
Porque eu comecei a ir à televisão, a um pequeno restaurante — nós chamávamos restaurante mas aquilo era só uma salinha onde havia umas coisas para comer e para beber e onde as pessoas estavam todas juntas –, e foi aí, na televisão, que eu vi televisão pela primeira vez.

Pensou algo como “se calhar gostava de estar ali”?
Pensei que era um ótimo meio para a divulgação de conhecimentos. Achei que era boa para isso e que eu sabia algumas coisas que podia transmitir através dela.

E a ideia de um programa relacionado com culinária partiu de quem?
A pessoa que me convidou para ir para a televisão era da área da cultura, porque foi ver um espetáculo de teatro, portanto era cultura. Convidaram-me para eu entrar em programas culturais e eu disse que não tinha bagagem para uma coisa dessas. Mas como insistiam eu disse-lhes: “Só se for uma coisa para as mulheres.” Porque o meu curso era de Economia Doméstica, portanto estava mais preparada nessa área. E fui eu que escolhi ensinar a preparar alcachofras na televisão.

Porque é que se lembrou das alcachofras para esse primeiro programa?
Primeiro porque gosto muito. Segundo porque os portugueses não conheciam e por isso contemplava aquela única justificação que eu encontrava para ir para a televisão que era a difusão de conhecimentos.

Quando começou, em 1958, o programa "Culinária" era transmitido no chamado horário nobre, logo a seguir ao telejornal. (fotografia cedida por Maria de Lourdes Modesto)

D.R.

Foi logo um sucesso muito grande, não foi?
Isso também foi tudo obra do acaso, sabe? Foi nitidamente obra do acaso. Eu tive uma branca porque me disseram que não olhasse para o monitor, porque se ficava a olhar de lado. Mas eu não resisti. Olhei para lá e não percebi, na prática, o que é que estava ali a fazer. E saí de campo. Só que o assistente do realizador, o Zeca Fernandes, como nós lhe chamávamos, tinha assistido ao ensaio e sabia que eu devia pegar num ovo. De maneira que ele disse “pegue no ovo, pegue no ovo”. Eu peguei no ovo, deu-me tempo para pensar que a minha mãe me estava a ver num café, porque eu tinha-lhe mandado um telegrama, e que os pais das minhas alunas já tinham televisão em casa e me viam — e tive tempo para pensar isto tudo! Então disse: eu posso não saber representar, mas vou mostrar que sei arranjar as alcachofras.

E arranjou-as.
Fui natural. Depois, o que fez a diferença daquilo que a televisão apresentava — que era só engravatados, muito à séria –, foi o facto de eu ter tirado uma pétala da alcachofra, esfregá-la no molho e chupar. Isso é que nunca se tinha visto na televisão, uma pessoa fazer “hmmm, é bom”. Isso é que nunca se tinha visto, isso é que foi a diferença. Mas foi por acaso.

"Convidaram-me para eu entrar em programas culturais e eu disse que não tinha bagagem para uma coisa dessas. Mas como insistiam eu disse-lhes: Só se for uma coisa para as mulheres."
Maria de Lourdes Modesto

No fundo, era uma extensão da sua profissão: continuava a ser uma professora mas na televisão.
Sim, mas penso que também como professora eu era, de certo modo, natural. Até por essa coisa das alunas me chamarem só Maria de Lourdes, havia uma proximidade grande. Portanto, devo ter feito o programa já com uma proximidade com os espetadores.

Nessa altura ganhou fama: era reconhecida na rua?
Sim, isso para mim foi também uma novidade. Lembro-me de uma vez ter entrado numa pastelaria, já eu estava também a escrever num jornal que agora não me lembro o nome — fazia umas receitas, tinha lá a minha cara — e de haver um arrastar de cadeiras. Quando olhei, vi que era para mim que as pessoas estavam a arrastar as cadeiras. Isso fez-me um bocado de impressão e meteu um bocadinho de medo, sabe?

Mas lidava bem com a fama?
Assim-assim.

Recebia muitas cartas enquanto esteve na televisão?
Caixotes. Recebia caixotes de correspondência e também muitos presentes. De uma maneira geral devo dizer que recebi pouquíssimas cartas desagradáveis. Recebi algumas brincadeiras porque eu era, como todas as raparigas nessa época eram, bastante ingénua. E portanto, às vezes dizia coisas que tinham um segundo sentido. E dizia aquilo com o ar mais natural deste mundo, que dava origem depois a brincadeiras que hoje acho muita graça. Às vezes nem sequer percebia, quando as recebia. E era o realizador que me dizia: “Então você foi dizer aquilo, não sabia?” Eu sabia lá…

Porque o programa era ao vivo, não era gravado.
O programa era em direto. De resto, eu só gostei de fazer televisão em direto. Não gostei de enlatados. Assim que começaram os enlatados estraguei-me completamente porque me podia ver. Não sei se alguém gosta de se ver — de uma maneira geral acho que ninguém gosta. Eu só encontrava defeitos. Fazia aquilo com um sacrifício enorme e obrigavam-me a fazer três programas de seguida, portanto não dava tempo para respirar, pensar no que ia dizer. Quer dizer, desagradou-me profundamente.

Foi por isso que deixou o programa, ao fim de 12 anos?
Sim, a situação da televisão não me deixar acabar e de eu não querer continuar resultou numa depressão nervosa de uma certa importância, de maneira que tive mesmo de deixar.

"Só gostei de fazer televisão em direto. Não gostei de enlatados. Assim que começaram os enlatados estraguei-me completamente porque me podia ver. Eu só encontrava defeitos. Fazia aquilo com um sacrifício enorme e obrigavam-me a fazer três programas de seguida, portanto não dava tempo para respirar, pensar no que ia dizer."
Maria de Lourdes Modesto

Ao longo de todo esse tempo também lhe iam enviando receitas, não era?
Sim. Isso das receitas tem a ver com um concurso de cozinha que organizei através da televisão. Não só eu, toda a cultura portuguesa da época era muito influenciada pela França. E eu ainda mais porque vivia entre franceses, levava muitas horas a falar francês, os meus amigos eram franceses, portanto estava muito influenciada. Além de que tenho uma grande admiração pela verdadeira cozinha francesa. Por isso fazia muita cozinha francesa e os espetadores começaram, e bem, a reclamar e a exigir-me que fizesse cozinha tradicional portuguesa. Só que cada vez que eu fazia uma coisa tradicional, vinha uma chuva de opiniões a dizer que a tia não fazia assim, que a avó não era assim que fazia, que a prima que não sei quantos, e eu pensei: “Não sei como é que vou resolver este problema. Se faço é porque faço, se não faço é porque não faço, como é que vou resolver isto?”

E como é que resolveu?
Um dia, numa insónia, a pensar como é que ia resolver o problema, resolvi fazer um concurso em que, a cada mês, os espetadores — que eram mais as senhoras, mas também havia muitos homens que colaboravam –, me mandavam as receitas da sua região, da sua casa, da sua família. E portanto eu pude receber milhares — sem exagero, não há aqui aldrabice nenhuma — milhares de receitas que já estão digitalizadas e estão na Associação de Cozinheiros [Profissionais Portugueses]. Foi nessa altura que me comecei a apaixonar pela cozinha portuguesa.

Mas não fazia só televisão, pois não?
Sim, e há aqui um dado muito importante para a minha vida: ao mesmo tempo que eu fui para a televisão, houve uma empresa que me convidou para trabalhar com eles. É que por causa dessa peça de teatro, nesse ano fui considerada a pessoa que mais tinha feito pela cultura francesa em Portugal. Então tive direito a uma bolsa de estudo e fui para Paris cumpri-la em Literatura Contemporânea Francesa, na Sorbonne. E comecei a ser convidada por umas pessoas, que me pareciam gente séria, para grandes almoços em restaurantes muito chiques e caros. E eu não conhecia aquela gente, não é? Mas quer dizer, vi que pertenciam a uma grande empresa que tinha também cá as suas dependências. Quando voltei para Portugal, achei que tinha de ir agradecer àqueles senhores porque me tinham proporcionado aquelas almoçaradas e jantaradas ótimas. Quando lhes fui agradecer eles convidaram-me para trabalhar com eles aqui em Portugal. Chamava-se Fima/Lever, hoje a Fima é a Jerónimo Martins. Também levei muito tempo a dizer que sim, outros 15 dias.

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Em França, durante a época em que estudou na Sorbonne, a aprender como se faziam as batatas soufflé.
(fotografia cedida por Maria de Lourdes Modesto)

Leva sempre 15 dias a tomar decisões importantes?
[Risos] A minha meta são sempre duas semanas, é preciso insistir comigo duas semanas. Mas começou toda a gente a dizer-me: “Você está a dar um pontapé na sorte, está a fazer uma asneira enorme”. E eu com um grande desgosto deixei o Liceu Francês e fui para a Fima/Lever, onde fiquei 31 anos, onde também fui feliz e onde aprendi muita coisa. E penso que os portugueses — não sei se posso dizer isto, se é vaidade da minha parte — também beneficiaram dos conhecimentos que eu adquiri e que pude transmitir através da televisão e de outros meios.

Na Fima/Lever desempenhava que papel?
Era, vamos lá, o contacto com o consumidor. Dizia o que o consumidor queria. Bem, evidentemente que não dizia isto assim. Havia estudos de mercado, que era uma coisa que eu também não conhecia. Tive a possibilidade de entrar no marketing e na publicidade. O que não usava era o meu nome — foi uma coisa que foi combinada, que eu não usaria o nome Maria de Lourdes Modesto nos trabalhos dos produtos da casa. Tinha um pseudónimo francês, que não fui eu que inventei, que já era da casa, era o chamado nom de plume.

E qual era esse pseudónimo?
Francine Dupré. Fazia uns caderninhos de receitas, fazia umas coisas, e dava o apoio à publicidade, que foi uma coisa de que gostei muito. E gosto.

Fazia isso ao mesmo tempo que fazia o programa?
Sim, ao mesmo tempo. Foi uma das coisas que eu lhes perguntei, porque sempre considerei a televisão uma passagem. Nunca estive sempre só num sítio. A segurança material para mim foi sempre uma coisa muito importante. E continua a ser. Para as mulheres é importantíssima a segurança material. Para os homens penso que também, não é? Uma das coisas que eu perguntei ao pai do atual dono da Jerónimo Martins foi se quando eu saísse da televisão, porque admiti sempre sair, desde o primeiro programa, se continuavam interessados em mim. Porque eu deixava o Liceu Francês, que esperou por mim dois anos. E eles responderam que não tinha nada a ver uma coisa com a outra, que eles queriam era o meu trabalho. E cumpriram. Deixei a televisão e continuei a fazer o meu trabalho na Fima/Lever a fazer os meus livros, a fazer colaborações em revistas, etc.

Chegou também a fazer crítica gastronómica para uma revista que, curiosamente, se chamava Observador.
Sim, mas isso foi há muitos anos, muitos anos. Foi no Observador da época, que pertencia à editorial Verbo. Mas devo dizer que não foi uma coisa que me tivesse agradado muito. Já muito mais tarde, é uma coisa que agora lhe vou dizer que só algumas pessoas sabem, fiz crítica gastronómica com o Duarte Calvão [ex-jornalista na área de gastronomia, atual diretor do festival Peixe em Lisboa], com o pseudónimo de Guardanapus no Diário de Notícias. E ninguém sabia que éramos nós, porque apenas aqui em casa e apenas a mulher do Duarte sabiam. Nem os meus amigos sabiam que éramos nós. Às vezes diziam-me: “Quem será aquele Guardanapus que ninguém sabe quem é?!” E éramos nós os dois.

Mas reconheciam-na nos restaurantes, ou não?
Reconheciam-me como Maria de Lourdes Modesto, só que o Duarte Calvão tem ótima memória, por isso nós não tomávamos notas. Nós comíamos a nossa refeição, falávamos um com o outro, evidentemente acerca da refeição, e depois o Duarte ia para o jornal, escrevia imediatamente e portanto ninguém nos via tomar notas.

"Fiz crítica gastronómica com o Duarte Calvão com o pseudónimo de Guardanapus no Diário de Notícias. E ninguém sabia que éramos nós, porque apenas aqui em casa e a mulher do Duarte sabia. Nem os meus amigos sabiam que éramos nós. Às vezes diziam-me: 'Quem será aquele Guardanapus que ninguém sabe quem é?!' E éramos nós os dois."
Maria de Lourdes Modesto

Nunca foram apanhados?
Só uma vez fomos apanhados. Ou o Duarte foi apanhado, não sei se também fui apanhada como crítica. Foi no Gambrinus porque o Duarte deu o cartão para pagar. Essa crítica não saiu. Houve duas que nós não publicámos. Noutra, uns amigos nossos viram-nos a almoçar, num restaurante no Bairro Alto, e desconfiaram. Ninguém sabia que éramos nós. Imensa gente me perguntava: “Ó Maria de Lourdes, mas quem é aquele Guardanapus?” E eu dizia sempre “Não sei, ninguém sabe”.

E comia-se melhor nessa altura em Lisboa?
Não creio que tivéssemos assim tanta influência. Por exemplo, no Norte houve um homem, o Daniel Constant, que era um crítico de gastronomia que trazia ali os restaurantes do Porto e do Norte afinadinhos porque tinham muito medo dele. Mas eu não creio que nós tivéssemos essa importância. De qualquer forma, a página da Boa Vida do Duarte Calvão era muito lida. Eu escrevi aí também, durante quatro anos. E achava uma certa graça.

Nunca pensou abrir um restaurante seu?
Não. De maneira nenhuma. Bem, houve um único episódio que tem a ver com abertura de um restaurante. Salvo erro foi o Cunha Telles que teve a ideia de que seria muito bom um restaurante com a Amália e comigo. Aí eu embarquei, porque a Amália era, de facto, uma pessoa fascinante. Andámos a ver casas, convivemos um bocado — não lhe vou dizer que fui íntima, mas nessa altura talvez tenha sido porque ela era uma pessoa muito simples e muito aberta — mas o projeto não se concretizou por uma atitude muito bonita da Amália. E eu hoje estou-lhe muito agradecida pelo projeto não se ter concretizado porque não é a minha vocação. O restaurante não é a minha vocação.

O que aconteceu?
A Amália queria a Casa dos Bicos. Só que o França, [António Vitorino da França Borges], que era presidente da Câmara de Lisboa, queria-a para o Museu da Índia, portanto não nos deu a Casa dos Bicos. E depois apareceu uma hipótese de uma casa ali na Rua de São Pedro de Alcântara, que daria realmente um bom restaurante. Só que aí funcionava uma instituição da dona Fernanda Ferro, viúva de António Ferro, que tinha sido a pessoa que tinha lançado a Amália para o público como um elemento de cultura. A Amália disse imediatamente que nunca faria nada que pudesse prejudicar a senhora dona Fernanda Ferro. Acho que foi muito bonito da parte dela. E muito bom para mim [risos].

COZINHATRADICIONAL PORTUGUESA

Não há cozinha que se preze, seja de casa ou restaurante, onde não more uma cópia deste livro.
(foto: D.R)

Falemos do livro “Cozinha Tradicional Portuguesa”. Como foi compilar aquelas receitas todas?
Eu recebi aquele receituário ao longo do programa. Não me recordo se prometi que faria um livro, isso não me recordo. Sei que no SNI da época, o Secretariado Nacional de Informação — que era o Doutor Moreira Baptista, não sei se o título seria presidente –, queriam publicar o livro. Só que eu vi que era extraordinariamente difícil fazer aquele livro com aquele material. Porque sempre que eu procurava o fundamento das receitas, a carga emocional que as pessoas me transmitiam era de tal ordem que eu ganhei pavor de fazer aquele livro, de não ser capaz de o fazer.

Como é que ultrapassou isso?
Só porque tive a infelicidade de ter um problema de ouvidos. Não sei se repara ou sabe que eu sou completamente surda, estou é muito bem equipada. Houve um médico que disse que eu tinha um tumor. Quando ouvimos falar em tumor pensamos logo em morte, não é? Afinal o médico enganou-se. Eu tinha de facto um problema grave auditivo, que me ia tirando a audição, mas não é nada que mate, só mói. Mói muito.

"Sempre que eu procurava o fundamento das receitas, a carga emocional que as pessoas me transmitiam era de tal ordem que eu ganhei pavor de fazer aquele livro ["Cozinha Tradicional Portuguesa"], de não ser capaz de o fazer.
Maria de Lourdes Modesto

Esse diagnóstico errado é que a levou a fazer o livro?
Nessa altura eu disse que não tinha direito de me ir embora sem deixar o livro feito. E o editor ficou muito contente e deu-me as melhores colaborações possíveis na altura. Eu fiz o projeto do livro, o projeto é de facto meu: eu é que quis aquele livro com as pessoas lá dentro a fazerem coisas. Na época não havia nada daquilo. Mas era aquele livro que eu queria fazer. Ele deu-me como maquetista o Sebastião Rodrigues, que era o máximo da época, como fotógrafo o Augusto Cabrita, que também era um génio, e que trouxe consigo o Homem Cardoso. Alguns textos separadores das várias províncias que eu tive receio de escrever foram escritos pelo António Manuel Couto Viana, e são realmente de uma grande beleza e enriqueceram muito o livro. E depois pronto, foi a ajuda de toda a gente. Não houve ninguém que não me tivesse ajudado. Há uma página, nem sei quantos nomes lá estão. Um dia ainda me hei-de dar ao trabalho de os contar, porque foi tanta gente que me deu ajudas várias, com utensílios, com informações, com tudo.

Foi um projeto que demorou quantos anos a fazer?
Três anos. Mas há uma diferença de 20 anos entre a recolha [das receitas] e a saída do livro, foi o tempo que andei a namorar aquele material. Dizia “ai que engraçado, ai mas que giro, como isto se faz, que imaginação, que coisa extraordinária”. Levava a vida em admiração mas sem ser capaz de pegar, sem ser capaz de mexer. Porque depois começava a falar com as pessoas, às vezes por escrito: “A senhora mandou-me uma receita assim assim, importa-se de me dizer quanto é que punha de colorau ou quanto é que punha de fígado e tal?”. A maneira como me respondiam era sempre tão rica, tão emotiva, que cada vez me metia mais medo. Cada vez tinha mais medo.

"Houve um médico que disse que eu tinha um tumor. Quando ouvimos falar em tumor pensamos logo em morte, não é? Afinal o médico enganou-se. Eu tinha de facto um problema grave auditivo, que me ia tirando a audição, mas não é nada que mate, só mói. (...) Nessa altura, disse que não tinha direito de me ir embora sem deixar o livro feito."
Maria de Lourdes Modesto

Hoje em dia é considerado uma bíblia da cozinha portuguesa. Quando o lançou estava à espera que atingisse este estatuto?
Não, quando lancei houve uma festa lindíssima no Salão Nobre do Hotel Ritz em que havia uma mostra de produtos portugueses, de cozinhados, coisas portuguesas, e uma exposição das fotografias que não foram publicadas no livro. Devo dizer que até partilhei muito pouco dessa receção porque estive na cozinha do Ritz a fazer filhós de flor — os assistentes não eram capazes de fazer, por isso estive eu a fazê-las. Portanto, partilhei muito pouco dessa festa. Mas lembro-me de uma jornalista dizer que era a primeira festa depois do 25 de Abril em que as senhoras tinham posto as suas joias. Porque eu convidei aquelas senhoras da província, que me tinham ajudado de várias maneiras, para virem à festa do lançamento. Portanto as senhoras vieram, com toda a naturalidade, com as suas joias. Foi uma festa muito bonita.

Percebeu-se logo aí que ia ser um livro especial?
Durante, à vontade, uns seis meses, quando alguém me dizia que tinha comprado o livro, toda eu tremia. Porque estava sempre à espera que me dissessem: “Mas olhe que lá na minha casa não era assim.” Estava sempre à espera. “É agora, é agora.” Mas enfim, os portugueses gostaram do livro, continuam a gostar. Por mim acho que o livro já cumpriu, mas os portugueses gostam dele.

"Durante, à vontade, uns seis meses, quando alguém me dizia que tinha comprado o livro toda eu tremia. Porque estava sempre à espera que me dissessem: "Mas olhe que lá na minha casa não era assim." Estava sempre à espera. "É agora, é agora." Mas enfim, os portugueses gostaram do livro, continuam a gostar."
Maria de Lourdes Modesto

De todas as receitas no livro tem alguma favorita?
Não há nenhuma. Eu sou alentejana e acho que a cozinha alentejana é uma cozinha a valer, mas fiquei sempre muito tocada do ponto de vista da sensibilidade pela Beira Baixa. Tem coisas muito interessantes, muito trabalhosas, coisas em que as pessoas se empenharam muito, há muita imaginação, porque é uma zona muito pobre.

A cozinha portuguesa no geral também é muito imaginativa.
Sim. Mas nisso não somos caso único. Pomo-nos ali em frente do 24 Kitchen e vemos coisas verdadeiramente extraordinárias. Nós temos é uma cozinha que tem muito a ver connosco. Não há dúvida nenhuma, é muito identitária. É uma cozinha que tem muita identidade. Tem muito, muito, muito a ver connosco.

Será por isso que quando pessoas de fora vêm cá, uma das coisas que mais elogiam é precisamente a cozinha?
Às vezes é a primeira coisa de que falam.

Mas porquê?
Olhe, eu tenho impressão que tem muito a ver com uma coisa que os médicos perseguem que é a fritura. Nós somos muito hábeis a fritar. Um jaquinzinho frito é uma pequena maravilha. E fazemos bem a fritura. Infelizmente, como não somos ricos, nunca fomos e estamos habituados a não ser, não renovamos o banho de fritura tantas vezes quanto devíamos. Mas penso que um pastel de bacalhau é, de facto, um prodígio.

Por isso é que se chateou tanto quando inventaram aquele pastel de bacalhau com queijo da serra?
Aí há duas coisas. Eu não tenho nada a ver com o que as pessoas fazem. O que aconteceu foi que abri a televisão e vi um quadro, uma moldura muito rococó, romântica ou coisa que o valha, com uma imagem de um pastel de bacalhau a verter, sois disant, queijo da serra de entorna, que eu não aprecio, devo dizer, líquido. E que era uma imagem muito feia e que serviria para projetar o país. Com isso é que eu me revoltei, foi com a hipótese das pessoas pensarem que nós éramos aquilo. Que aquele pastel de bacalhau era representativo da nossa identidade. Aí é que foi a minha revolta. Talvez eu não tenha sabido escrever bem porque é que estava tão zangada, porque na sua casa cada um faz o que quer. Agora, o pastel de bacalhau é um prodígio e, de facto, é consensual: come-se na taberna, come-se no hotel de luxo e faz-se exatamente da mesma maneira. Molda-se e tudo e ainda nem descobriram uma máquina para os fazer, continua a ser artesanal. Quer dizer, é uma maravilha, por isso acho melhor não tocar, é melhor não mexer.

"O pastel de bacalhau é um prodígio e, de facto, é consensual: come-se na taberna, come-se no hotel de luxo e faz-se exatamente da mesma maneira. Molda-se e tudo e ainda nem descobriram uma máquina para os fazer, continua a ser artesanal."
Maria de Lourdes Modesto

Acha que as tradições devem ser preservadas?
Quando se justifica, quer dizer. Nós não comemos como se comia há 200 ou 300 anos. Não comemos da mesma maneira. Nem comemos as mesmas coisas, os alimentos confecionados, nem sequer os mesmos alimentos: houve muitos que caíram e que estão agora a ser recuperados. Portanto, tem que haver evolução. Mas essa evolução tem que ser do uso, nossa. Não pode ser uma coisa feita à bruta. Agora, eu aceito perfeitamente a cozinha contemporânea, porque compreendo que os cozinheiros de hoje têm muito pouco a ver com os cozinheiros que eu conheci há 50 anos, que eram pessoas muito respeitáveis, que trabalhavam muito bem, mas que a maior parte não tinha ido para cozinheiro por vocação: tinha ido para cozinheiro porque tinha sido aquilo que tinha conseguido. Ao passo que agora não, os cozinheiros de hoje são-no por vocação. Estudam, têm a sua preparação e depois escolhem a cozinha por ser uma ciência e uma arte interessante.

Também é diferente a forma como se olha para a cozinha hoje em dia. A quantidade de programas que há…
Uns melhores e outros piores.

Mas não só, o destaque que os restaurantes têm, entrevistas com chefs, há um certo glamour que se calhar nessa época não havia.
Pois. Mas acontece que a cozinha é extremamente telegénica. Em televisão, a cozinha é uma estrela. Porque é muito interessante você ter um monte de farinha, um bocado de manteiga, umas cerejas, e depois fazer daquilo uma tarte, uma coisa muito boa. Vai vendo construir, está sempre à espera do passo seguinte. “O que é que vem agora? O que é que ele vai juntar? Como é que ele vai fazer?” Foi o que me aconteceu ontem com um produto [no 24 Kitchen] que vi transformado em carne. Era um produto da terra que sofreu umas transformações e era comido como se fosse carne. Isto, de facto, fica muito bem em televisão.

Os chefs de hoje têm uma espécie de aura, alguns são figuras públicas, há muito interesse no seu trabalho: porque é que acha que isso aconteceu?
Porque justamente hoje são pessoas como vocês, que resolveram fazer cozinha. Portanto não a fazem de qualquer maneira, tentam imprimir a sua personalidade, o seu gosto, ao que fazem. E depois gostamos de ir ver e provar, para ver se é bom. Às vezes é, às vezes não é.

Tem uma relação muito boa com grande parte dos chefs portugueses, não é?
Graças a Deus. São muito carinhosos comigo, justamente porque os respeito e não lhes tento ensinar nada. Nenhum cozinheiro pode dizer que eu lhe tentei ensinar o que quer que seja.

Mas pedem-lhe conselhos?
Falamos. [Risos]

MLM CHEFS AGENCY

Em junho último, no dia do seu 86º aniversário, Maria de Lourdes Modesto foi presenteada com um almoço feito por alguns dos melhores chefs portugueses, cortesia da Chefs Agency. (foto: facebook.com/chefsagency)

É curioso isso porque tanto o seu programa como os seus livros sempre se dirigiram às cozinhas de casa e não às de restaurante.
Costumo dizer que o meu negócio é a família. O restaurante não é comigo, a cozinha comercial não é comigo. O meu negócio é a família, o meu trabalho é todo dirigido à família. É a minha preocupação.

Está muito mais associada à cozinha portuguesa mas também já escreveu sobre outras cozinhas.
Sim e gostava de saber mais e viajar mais, só que atualmente não tenho já estaleca para andar de um lado para o outro. Mas todos os países têm qualquer coisa interessante. Veja os espanhóis aqui ao lado que tinham uma cozinha muito pouco interessante — por onde se andava era sempre um cheiro a fritos –, e o que eles conseguiram: têm uma data de chefs estrelados, restaurantes importantes. Foi em muito pouco tempo que os espanhóis deram essa volta. Não é o nosso caso, que nós temos uma cozinha muito boa, muito variada.

Apesar da dimensão do país…
Sim, é curioso porque somos mais pequenos, mas não há dúvida nenhuma que a cozinha do Alentejo, por exemplo, tem um sabor bem diferente da cozinha do Minho. Repare nos enchidos. Dá impressão que é a mesma coisa, não é? Mas os enchidos do Norte têm vinho tinto, ou vinho verde, e os do Alentejo não têm.

"Todos os países têm qualquer coisa interessante. Veja os espanhóis aqui ao lado que tinham uma cozinha muito pouco interessante — por onde se andava era sempre um cheiro a fritos —, e o que eles conseguiram: têm uma data de chefs estrelados, restaurantes importantes. Foi em muito pouco tempo que os espanhóis deram essa volta."
Maria de Lourdes Modesto

Continua a gostar de investigar, pesquisar essas matérias?
Pesquisar é a palavra. Para mim a investigação é uma coisa muito séria e não terei pedalada para ela mas, felizmente, dou-me muito bem com pessoas que se dedicam à ciência da alimentação com quem tenho muito boas conversas, e com quem tenho aprendido muito. E que fazem o favor de respeitar também aquilo que eu sei. Foram essas cientistas da alimentação que me puseram ao computador por acharem que era pena eu não transmitir aquilo que sabia. Portanto, respeitamo-nos mutuamente e penso que trocamos saberes.

Continua a escrever?
Menos do que o meu editor gostaria [risos], bastante menos. Porque também gostaria de descansar um bocadinho e de estar um bocadinho comigo. Trabalhei sempre à pressão, sempre muitas horas, sempre com muitos compromissos e talvez me esteja a apetecer um bocadinho descansar.

E cozinhar? Ainda cozinha?
Ainda cozinho. Olhe, vou dizer-lhe o que é que fiz ontem: ontem preparei o tomate para fazer o doce. Pus o tomate no açúcar e deixei ficar. Fiz uma tortilha à espanhola e fiz uma ratatouille à francesa. Hoje, acabei o doce de tomate. Enfrasquei, agora estão os frascos na cozinha tapados para a luz não escurecer o doce.

Há algum produto que não goste especialmente de comer?
Olhe, eu tenho que reconhecer que acredito no ditado que diz que “todo o burro come palha, o que é preciso é saber dar-lhe”. Eu não gosto muito de lampreia, mas já comi no Minho feita por uma cozinheira que se chamava Clara Penha um arroz de lampreia que achei extraordinário.

E o que é que gosta mesmo de comer?
Olhe, depende das horas. Hoje, por exemplo, ao meu almoço houve uma senhora brasileira que fez uma sandwich club e teve a amabilidade de a mandar. Estava óptima. Havia um resto da minha tortilha de ontem, portanto  quer isto dizer que não me alimentei segundo as regras da alimentação saudável. Mas a alimentação saudável está a ser uma praga que não se pode já.

"Tenho que reconhecer que acredito no ditado que diz que 'todo o burro come palha o que é preciso é saber dar-lhe'. Eu não gosto muito de lampreia, mas já comi no Minho feita por uma cozinheira que se chamava Clara Penha um arroz de lampreia que achei extraordinário."
Maria de Lourdes Modesto

Há muita preocupação com o que se come, hoje em dia.
E há razão para isso, não é? Tem de se ter cuidado com a alimentação e eu trabalhei com a Fundação de Cardiologia do Professor Fernando Pádua, justamente na prevenção das doenças cardiovasculares. Eu acredito 100% na prevenção alimentar para a saúde. Só que agora é tudo alérgico ao leite, tudo alérgico ao glúten e assim. Nisso não alinho.

Mas, por exemplo, na cozinha portuguesa usa-se muito sal. Demasiado, até.
Sim, isso foi justamente o meu contributo, vamos lá, para a cardiologia — tentar levar as pessoas a substituir o sal pelo uso das ervas aromáticas. Até porque eu sou de uma região onde as ervas aromáticas têm um papel importante, por isso não me foi nada difícil encontrar o caminho.

Diga-me um instrumento que esteja sempre na sua cozinha, que ache indispensável.
Claro que a colher de pau é importante, não é? [risos] E é um objeto simpático.

Tem é associada uma carga negativa para algumas pessoas. Antigamente havia quem batesse nas crianças com a colher de pau…
Mas sabe, há um livro de que eu fiz a adaptação que se chama “A Colher de Pau”. Todas as criancinhas, todas as meninas, levaram com a colher de pau. Quando a Verbo passou para a Babel, a Babel lembrou-se de fazer um fac similado, e não é que a “A Colher de Pau” tem sucesso agora? Compram na Feira do Livro, farto-me de assinar o livro que é uma coisa para crianças.

Tem algum livro planeado para os próximos tempos?
Estou entre dois projetos. Um projeto que tem a ver, também, com ajudar a salvar a Terra. Umas cientistas que tencionam fazer um livro, onde eu terei também o meu papel, relacionado com as leguminosas. A ONU dedicou este ano às leguminosas porque a Terra está a esgotar-se e dentro de 50 anos não haverá carne para satisfazer esta fúria de comer carne que nós temos atualmente. Portanto, é preciso levar as pessoas a fazer o que se fazia no passado. Eu comi muito grão quando era miúda, no Alentejo, comi imenso grão. E tenho 86 anos e estou aqui a falar consigo.

E qual é o outro?
O outro? Bom, fala-se muito em cozinha portuguesa mas há uma coisa que é mais importante ainda que é a maneira de comer à portuguesa. Porque o livro “Cozinha Tradicional Portuguesa” contempla principalmente as diferenças de cada província e os pratos de festa mas depois há a nossa maneira de comer: o pequeno-almoço, o almoço, eventualmente a merenda, o jantar e eventualmente a ceia. Portanto esse modo de comer, as horas a que nós comemos, tudo isso tem que se lhe diga. E eu gostaria de dar às gerações vindouras, próximas, a possibilidade de comer como nós comemos.

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