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Moda, feminismo e bom sexo: uma história das primeiras revistas femininas

Chegaram nos anos 80 para mostrar que sexo e amor não são a mesma coisa, falar de violência doméstica e mostrar a moda nacional. Curta história da imprensa feminina em Portugal e do que nos ensinou.

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40 coisas íntimas para fazer com o seu marido

Fátima Cotta foi a Nova Iorque conhecer a histórica editora da revista Cosmopolitan. “Deram-me vários avisos: não vás de calças, não vás de gola alta. Tinham de usar-se rachas e decotes.” Gurley Brown foi a mulher que escreveu Sex and a Single Girl (Sexo e uma Rapariga Solteira) em 1962, ainda antes de o movimento feminista dos Estados Unidos se adensar. Pôs nas capas da Cosmopolitan norte-americana o sexo para a mulher, com prazer, sem culpa e a par de uma carreira profissional — tudo isto nos anos 60. Fátima Cotta reuniu com ela para trazer a revista para Portugal em 1992. “A Cosmopolitan não se assume como uma revista de moda, é uma revista de comportamento que tem de ter sempre na capa — isto foi o que os americanos me ensinaram quando estive lá a estagiar com eles — uma chamada de sexo. É para uma mulher que quer ser bem sucedida, que quer ter bom sexo, bom trabalho, e está à procura do príncipe encantado”, conta ao Observador a fundadora da revista em Portugal.

As primeiras reações a essas chamadas de capa foram de choque: o artigo sobre sexo oral escrito por João Paulo Cotrim e Maria João Guardão foi um escândalo. Com arrojo, a revista introduziu o sexo e todas as palavras da sua família na linguagem das revistas femininas portuguesas, assim como as imagens ousadas em produções como “40 coisas íntimas para fazer com um homem”. O caminho para a sexualidade e os temas de comportamento, mas também para as produções de moda e os hábitos de consumo tinha sido aberto há bem pouco tempo na imprensa portuguesa, com a importação para Portugal, em 1988, da Elle e da Marie Claire, e ainda com a fundação da Máxima, inspirada na Madame Figaro. Em 1991 chega a Activa, para uma mulher “mais portuguesa”, define Paula Ribeiro, que trabalhou na sua criação, e em 1992 a norte-americana Cosmopolitan conquista a última fronteira: a conversa sem tabus sobre sexo, que contamina a restante imprensa. A história fulgurante das revistas femininas em Portugal está por contar, mas quem a viu acontecer garante que mudou tudo.

O artigo "explosivo" da Cosmopolitan ocupava várias páginas. Afinal, eram 40 coisas para fazer.

“Essas cinco revistas juntas é que mudam tudo: mudam o comportamento, mudam a atitude, mudam o consumo”, declara Paula Ribeiro, que dirigiu também a Cosmopolitan e alimenta o desejo de vir a escrever um livro que reúna a história destas cinco publicações — “Revista: Substantivo Feminino”, será o título. Paula escrevia no seu primeiro editorial para a Cosmopolitan, em 1995, que era plano da equipa ter uma peça com um questionário feito aos quatro candidatos às legislativas desse ano — António Guterres, Carlos Carvalhas, Manuel Monteiro e Fernando Nogueira. Eram 21 perguntas “para conhecer um pouco mais o coração de cada um deles”, mas todos declinaram à ultima hora. “Parece que não aguentaram a delicadeza das nossas questões”, comenta Paula nesse editorial, “e, sem dúvida, desprezam o potencial das nossas cerca de 150 mil leitoras. É uma pena! Será que este espírito de mudança solto no ar não seria capaz de mudar também a maneira como os donos do poder veem o universo feminino?”

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Passados 20 anos, Paula considera que é “pretensioso” dizer que as revistas contribuíram para uma emancipação. Mas antes das primeiras Elle, Máxima e Marie Claire não tinha havido espaço para peças como “o dinheiro no feminino”, resultado de uma sondagem feita pela Norma para um dos primeiros números da Elle, em 1988: “Hoje elas trabalham 24 horas por dia, dispensam férias, põem a carreira acima de tudo e chegam aos 30 cansadas mas com uma impressionante conta bancária, um ótimo lote de ações e um cargo de prestígio”, escrevia a revista. Ao mesmo tempo afirmava que em Portugal já tinha começado uma era “pós-yuppie” de mulheres que queriam ter sucesso nas carreiras mas que tinham projetos para a família, concluindo: “volta-se a falar em amor”.

“Hoje elas trabalham 24 horas por dia, dispensam férias, põem a carreira acima de tudo e chegam aos 30 cansadas mas com uma impressionante conta bancária", escrevia a Elle em 1988.

Silhueta 88

“A Elle foi o desafio mais extraordinário”, diz Fátima Cotta que, depois da Máxima e da Cosmopolitan, foi convidada a relançar esse título. “Era uma revista de moda no sentido alargado, ou seja, moda aplicada ao estilo de vida. Isso numa altura em que não há internet é muito estimulante. Foi muito divertido, no tempo em que era divertido fazer revistas.”

A Máxima, a única que nessa década não importou uma marca já existente (foi uma evolução do suplemento Olá do jornal Semanário), apostava em afirmar-se como revista portuguesa e nesse mesmo ano lançava uma sondagem sobre os estado das famílias em Portugal: dois filhos era o ideal e por vezes nasciam para salvar os casamentos; os avós eram cuidadores essenciais. Foi para Madalena Fragoso, que fundou e dirigiu a revista, “um big bang que fará abanar o universo da mulher portuguesa”, escrevia no primeiro editorial. Definia logo nesse número inicial, com os editoriais de moda “talha de branca pedra” e “silhueta 88”, que a vocação da Máxima era afirmar a criação portuguesa sem ignorar o que se passa a nível internacional. Explica-se assim o investimento consistente que fez na procura de modelos, fotógrafos, designers de moda e produtores portugueses. E o mesmo para no caso das suas congéneres.

Logo no primeiro número a Máxima apostou em editoriais de moda.

Criou-se tudo do zero porque a indústria criativa da moda profissionalizada em Portugal estava à beira de nascer. Todos iam aprendendo a forma de fazer, entre os acontecimentos de moda de Ana Salazar, as Manobras de Maio de 1986 e a ModaLisboa quase a nascer em 1991, assim como as primeiras lojas de fast fashion. Todos foram motivo e consequência uns dos outros. “A Xana Nunes vestiu algumas peças minhas e usou coisas tão ridículas como umas argolas douradas minhas, porque não havia nada — showrooms, lojas… era muito difícil”, conta Fátima Cotta sobre o início da Máxima. “Também tinha uma vantagem: como a publicação era mais lenta, o facto de a pessoa ser bem informada e ter intuição ajudava. Os artigos que nós podíamos ler e achávamos interessantes, assim como as linhas que estavam a ser seguidas na América, chegavam cá um ano depois. Agora não se descobre nada novo em lado nenhum. Hoje quando olho para uma revista já sei o que lá está, porque com o Instagram e as newsletters já sabemos tudo, e todos os temas sexuais e comportamentais se esgotaram rapidamente.”

Para Maria Elisa Domingues, a primeira diretora da Marie Claire em Portugal, “mais do que outra coisa qualquer, a produção de moda mudou”, destaca ao Observador. “Mudou muito a imagem, fez com que as produções de moda passassem a ser frequentes até em jornais — o Expresso a certa altura teve páginas de moda. Acho que a Marie Claire criou uma escola em termos de produção de moda”, afirma relembrando fotógrafos como Inês Gonçalves ou Pedro Cláudio, e produtores de moda como Paulo Gomes, que ganharam fôlego nas revistas femininas. “Desde o princípio foi meu objetivo promover os criadores portugueses e fazer produções portuguesas.”

Matei o meu marido

As produções de moda, as marcas e os anunciantes permitiam à Marie Claire concretizar a sua mais profunda vocação: uma linha editorial declaradamente feminista e comprometida com as causas e direitos das mulheres. “A Marie Claire quando apareceu vendia mais de 100 mil exemplares e até me vir embora [quatro anos depois] estávamos nos 80 mil. Tínhamos um impacto grande que nos deu uma certa liberdade porque, sem o dinheiro dos anunciantes, há coisas que não é possível fazer. Lembro-me de ir a Moçambique entrevistar a Graça Machel depois de ficar viúva, o que era considerado uma produção cara”, recorda a jornalista que abandonou o trabalho como conselheira de imprensa num ministério em Madrid para abraçar este projeto.

Ao lado de uma publicidade ao Ladycire — a “cera sem problemas da Philips” — aparece a tal entrevista a Graça Machel com uma citação em destaque: “A Organização da Mulher Moçambicana nasceu do conceito de que ninguém é libertado, todos têm de se libertar.” Páginas à frente está à esquerda a Avon, com a página inteira em rosa — ou como diria um dos editoriais da época, shocking pink –, e à direita o título “matei o meu marido”, uma peça feita de testemunhos de mulheres e crianças vítimas de violência doméstica e que mataram em legítima defesa. “Hoje podem parecer coisas um pouco corriqueiras, mas eu não me lembro de ver ninguém tratar a violência doméstica antes de nós tratarmos. Fizemos também temas sobre a interrupção da gravidez, a vida profissional das mulheres e as desigualdades, quer do ponto de vista de ascensão nas carreiras quer do ponto de vista salarial”, recorda Maria Elisa Domingues. Nos anos 1970, a revista Mulher— Modas e Bordados, herdeira da Modas e Bordados, já tratava temas como o aborto ou a contraceção e entrevistava mulheres da política nacional. Na Maire Claire estes temas brotavam muitas vezes da imensa correspondência que recebiam com histórias das mais quotidianas — as traições, as dúvidas sexuais — às mais sociais — o problema das mães solteiras, ou do assédio no trabalho. A secção “Eu, Leitora” dedicava, em cada edição, pelo menos duas páginas à abordagem jornalística e aprofundada de um desses casos.

A silhueta podia aplicar-se à moda ou à barriga. Mas os temas mais frívolos não eram os únicos destas revistas.

“O que é mais apaixonante nas revistas femininas é a capacidade de pouco a pouco, reportagem a reportagem, artigo a artigo, ir batalhando por todos os lados a questão dos direitos das mulheres, a questão da paridade, da igualdade de oportunidades”, considera a jornalista que garante que na época não se atreveria nunca a tratar um grande tema ou uma figura importante em menos de cinco ou seis páginas. “Onde é que as revistas têm esse espaço agora?”, pergunta.

Você é a mulher que ele procura?

Na Cosmopolitan (que foi também chamada Cosmo e que no passado mês de janeiro anunciou o seu encerramento) “as capas eram difíceis, tinha de escolher-se entre a Cindy Crawford e a Linda Evangelista, todas de vento nos cabelos e meias despidas, mesmo que estivéssemos em dezembro”, relembra Fátima Cotta, que na época assinava com o apelido Júdice. Se a imagem foi inovadora, pela ousadia mas também pela novidade gráfica e pela cor, a linguagem não ficou atrás. Os textos eram densos e frequentemente ultrapassavam as três páginas em qualquer uma das revistas e a maneira de interpelar o leitor tornou-se menos formal, até pela natureza dos temas. Se no editorial do primeiro número da Elle, Tereza Coelho, primeira diretora, diz que vai escrever para homens e mulheres portuguesas, mais tarde, com a Cosmo ou na Activa, perde-se o pudor em assumir claramente que o público é feminino. “No caso da Cosmopolitan, deixou de se escrever na terceira pessoa. Sem tratar a leitora por tu, a gente dizia: ‘Você tem de fazer isto, você deve…’. Isso foi um revolução”, diz Paula Ribeiro, hoje diretora da UP, revista da TAP.

Os conselhos sobre o primeiro dia de trabalho ou a forma de pedir a alguém para pôr um preservativo vinham em textos que misturavam testemunhos com dicas da redação ou de especialistas. “As leitoras começaram a comunicar-se com as revistas e não era uma coisa de correio sentimental bobo. A gente reencaminhava para especialistas. Na Cosmopolitan, que era uma revista em que o sexo era muito importante, o nosso consultor era o presidente da Sociedade Portuguesa de Sexologia, o professor Allen Gomes. Não era aquela coisa de responder entre amigos”, especifica. Ainda assim, havia espaço para ideias criativas em que o jornalista era direto: “tente novas posições”, “encarne as fantasias dele”, “dê-lhe música bucal”. Ou, igualmente criativos, os testes que se tornaram de alguma forma símbolo destas marcas e que, com um conjunto de respostas de escolha múltipla dizia à leitora se “você é a mulher que ele procura”, se “vocês são o casal ideal ou infernal”, ou “qual é a sua personalidade no trabalho”.

Um dos muitos testes que se tornaram símbolo destas revistas. A leitora era tratada de forma familiar.

“Fez-se jornalismo muito sério”, diz Maria Elisa Domingues. “Tinham jornalistas maravilhosos, homens e mulheres”, frisa Paula Ribeiro. Nas fichas técnicas apareciam personalidades que, volvidos quase 30 anos, ninguém ignora: Eduardo Prado Coelho, Maria João Avillez, Fernanda Câncio, Vasco Graça Moura e António Mega Ferreira publicavam na Elle; este último colaborou também com a Cosmo, juntamente com Júlio Machado Vaz ou Inês Pedrosa e os jornalistas João Paulo Cotrim, Maria João Guardão ou Laurinda Alves; a Máxima era aberta em cada edição por uma personalidade diferente, como o historiador José Hermano Saraiva escrevendo sobre “a condição feminina” com o título “Cetim Amarelo”, António Alçada Baptista sobre “a ternura”, ou Miguel Sousa Tavares. “Ter o António Lobo Antunes ou a Agustina Bessa-Luís a escrever sobre os perfumes na edição de Natal foi uma coisa sublime de que me lembrarei toda a vida — um texto lindíssimo”, conta Maria Elisa sobre a Marie Claire.

“Ter o António Lobo Antunes ou a Agustina Bessa-Luís a escrever sobre os perfumes na edição de Natal foi uma coisa sublime de que me lembrarei toda a vida — um texto lindíssimo”, conta Maria Elisa sobre a Marie Claire.

Todo o sabor, metade das calorias

As revistas femininas dos anos 80 e início dos 90 provam que os carros não são um bem para homens. Estão cheias de anúncios a automóveis. Os cosméticos e a perfumaria digladiavam-se pelas duas páginas de publicidade, lutavam para serem os primeiros a aparecer. E algures no meio de tantas páginas de publicidade aparece a Línea, a margarina com sabor a manteiga que sabe interpretar tudo o que a mulher Máxima, ou Cosmo, Elle, Activa ou Marie Claire querem da vida: todo o sabor, metade das calorias.

O boom de revistas femininas que para Maria Elisa Domingues foram o ovo de Colombo — “quando o Carlos Barbosa [do grupo Correio da Manhã] me convidou, pensei: como é que eu não me lembrei disto antes?” — deve-se em boa parte ao movimento consumista que se vivia em Portugal: a entrada na então Comunidade Económica Europeia, os fundos europeus, a abertura de novas lojas e o consequente investimento em publicidade pagaram as revistas e deram-lhes público. Os números de vendas andavam facilmente, para qualquer um destes títulos, à volta dos 100 mil exemplares.

O admirável novo mundo do consumo.

“A publicidade muda tudo. É todo um universo e investimento brutal”, afirma Paula Ribeiro, para quem “a publicidade não era inimiga do editorial” e que diz ter sempre compreendido a importância de tratar bem os anunciantes, embora sejam mundos separados: “O anunciante não tem de se imiscuir no meu editorial. Ele tem de estar aqui porque o meu leitor lhe interessa. O Aquilino Ribeiro tem uma frase que diz: ‘A mão esquerda e a mão direita devem namorar, noivar e casar’. Eu aproprio-me da frase para dizer que a página da esquerda e a página da direita devem namorar, noivar e casar. A página de publicidade numa revista é tão importante como a página de editorial, desde que se deixe bem claro que editorial é editorial e publicidade é publicidade. O leitor não é idiota. Quem ache que o leitor é imbecil entra pelo cano.”

A revolução no consumo segue desenfreada com a abertura das primeiras lojas de grandes cadeias em Lisboa, como a Zara, a Benetton ou a Stefanel, e sobretudo com a sua proliferação por todo o país. É neste momento que entra em jogo a Activa, para uma mulher de classe média e que prometia “ser prática, bonita e com a máxima informação sobre todos os temas”, escrevia a primeira diretora, Fernanda Dias, no editorial em que explicava que esta revista se tinha inspirado na Essentials inglesa, então com três anos. A ligação à família e aos filhos é um tema essencial e a casa está muito presente na ideia de bricolage ou nas fichas de cozinha (que também se encontram na Máxima) e de tricô para colecionar. Para estas mulheres que vivem por todo o país e não viajam frequentemente a Lisboa, os editoriais de moda ganham ação. “Essas mulheres, que vivem em Leiria, Guimarães, Faro, Évora, também já podem comprar. Quando você diz para comprar a saia de cinco mil escudos elas têm como comprar isso, elas se reveem. A Activa é uma revolução. Quando eu fiz o projeto para a Activa, na pesquisa elas diziam ‘essa gente que faz revistas pensa que Portugal fica nas Amoreiras’. Realmente, a moda era Lisboa. A Activa chega nesse momento em que você já não tinha de vir a Lisboa à perfumaria para comprar o perfume da Dior, o baton, o rimel, porque a Perfumes e Companhia começa a abrir em todo o país.”

Um dos moldes da Activa, para recriar em casa.

Folheando rapidamente as primeiras revistas dos anos 80 não há como negar: a Máxima numa das capas atira “vamos às compras ao Chiado” e em outro número faz perfis de oito mulheres que “venceram nas Amoreiras”. Fátima Cotta vê na abertura destas lojas a grande influência para a atualização das mulheres de classe média, que não eram leitoras das revistas que dirigiu. Paula Ribeiro não tem uma posição tão cética. “Tinha uma campanha de mupis da Dove na cidade inteira, quando o sabonete foi lançado em Portugal, que dizia ‘repararam que as mulheres portuguesas estão mais bonitas?’. Eu via isso e pensava: as mulheres portuguesas estão mais bonitas graças às revistas femininas, porque passaram a ter um diálogo sério com as mulheres, um texto bem feito, uma coisa descomplexada.” Afirma que foram as revistas femininas que ensinaram as mulheres a vestirem-se para o dia-a-dia, a usarem todos os produtos de beleza e a mostrarem a variedade que existe, mas também informaram sobre sexualidade, temas políticos, indicaram livros, filmes. “Sobretudo, a coisa mais importante é a quantidade de informação em várias áreas. É uma coisa muito positiva que mostra que nada é mais importante que nada.”

Relações perversas — outros caminhos para o amor

Uma das reportagens fundadoras da Marie Claire falava de “relações perversas —outros caminhos para o amor”, o termo que a “psiquiatria abandonou para definir praticamente todas as práticas de amor que ultrapassavam o conceito bíblico expresso desta forma singela: ‘E Adão conheceu Eva’.” Entre relatos de relações abertas ou sado-masoquismo, aparecem as ilustrações de Pinto Coelho e numa das páginas de publicidade o anúncio ao microondas da Miele que diz à cabeça: “Pese-lhe na consciência” — “mesmo ao mais perfeito dos maridos é possível fazer pesar algo na consciência: aquele esquecimento do aniversário de casamento, aqueles jantares de negócios (…). Nada como um microondas Miele para se redimir.”

Estas revistas permitiram às mulheres saber cuidar do corpo, usar as tendências e os produtos de beleza. Permitiu-lhes ficarem mais bonitas.

“As revistas tendem na generalidade a focar esses temas muito ligados à emancipação feminina, não só ao nível da sexualidade como também ao nível profissional, económico e até político. No entanto, fazendo uma análise mais aprofundada, apercebemo-nos de que esse discurso convive com uma outra faceta que tenta estabelecer aquelas que são as normas aceitáveis de comportamento numa sociedade em que as mulheres se tornam cada vez mais emancipadas”, diz a investigadora em Estudos Femininos Cláudia Alvares, da Universidade Lusófona. O seu estudo focou-se na análise de discursos de revistas femininas entre o ano 2008 e 2009 e revela o modelo para que estas revistas evoluíram.

Os discursos não abrangem uma grande variedade de mulheres — “o público que estas revistas têm em mente é caucasiano e heterossexual, muito normativo” —e definem modos de ser para as mulheres por oposição aos homens, cujos comportamentos também se esforçam por interpretar. “Acima de tudo serve para definir aquilo que é o comportamento feminino, aquilo que deve ser o comportamento feminino numa sociedade em que as diferenças entre géneros nem sempre são muitos visíveis.”

Uma das coisas que se podiam aprender: como lhe pedir para pôr um preservativo.

O consumo continua presente e cada vez mais. Paula Ribeiro lembra a pressão das administrações de hoje para que o espaço de texto seja cada vez menor, em detrimento das imagens. “Acabam por cumprir a função de apelar ao consumo, é uma lógica muito neo-liberal”, justifica Cláudia Alvares. “O discurso é extremamente individualista, é como se a mulher pudesse ou fosse responsável a título individual pela sua capacidade de melhorar a sua imagem consumindo os produtos adequados para esse efeito.”

A libertação pelos temas e pelo contacto com as novidades que o país ainda não conhecia bem parece ter ficado aquém. Fátima Cotta não hesita em dizer que “hoje em dia [as revistas femininas] não são relevantes, ponto”. “A moda conhece-se pelo Instagram e os temas de sexo já não são um tabu, estão sempre a repetir-se”, defende. Paula Ribeiro olha hoje “com péssimos olhos para estas revistas. Tenho uma dor, uma tristeza enorme”, porque ninguém investe em bons profissionais portugueses, quer fazer-se muito sem dinheiro. Maria Elisa Domingues tem pena que a Marie Claire tenha acabado porque não vê nenhuma outra com uma linha editorial semelhante.

Para já, para estas três jornalistas e diretoras de revistas femininas, fica a memória e uma história por contar fora do constrangimento de um artigo jornalístico para o qual o leitor tem um limite de paciência, como se diz. A memória parece não ser só de umas revistas mensais em papel, mas de um tempo em que se podiam fazer nascer três projetos jornalísticos no espaço de dois meses e os três serem blockbusters divertidos de fazer. Também memórias de uma Lisboa que era pequena: as festas de lançamento da Elle e da Máxima aconteceram uma num dia, outra no outro, as duas no mesmo sítio. E para os franceses que deram as concessões das revistas foi um quebra-cabeças perceber como é que Elle, Máxima e Marie Claire iam ser impressas todas na mesma gráfica.

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