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RAQUEL SÁ MARTINS/OBSERVADOR

RAQUEL SÁ MARTINS/OBSERVADOR

Na rodagem de "1986", a série que é uma viagem no tempo

“1986” é a primeira série escrita por Nuno Markl e é uma história com 30 anos, “oitentista e urbana” mas sem DeLoreans. Nos bastidores há muitas calças de bombazina, Heróis do Mar e "Soares é fixe".

Para começar, um teste:

“Só gosto de ti, porquê, não sei…”

Se a sua memória já foi buscar a batida da música dos Heróis do Mar só a partir destas palavras, e se está neste preciso momento a completar o verso com o “mas” que lhe dá continuidade, então é provável que se lembre dos anos 80, e que reconheça o contexto de “1986”, a primeira série televisiva escrita por Nuno Markl, que está agora em rodagem e vai estrear-se ainda este ano na RTP.

Talvez não saiba exatamente o que estava a fazer em Fevereiro de 1986 (pode ajudar pensar que foi a altura das presidenciais entre Mário Soares – quando nasceu o slogan “Soares é fixe” – e Freitas do Amaral, com a mítica segunda volta a acontecer dia 16 de Fevereiro nas eleições mais concorridas de sempre), mas sabe que era tudo muito diferente de Julho de 2017: em particular entre os adolescentes, naquela escola onde Nuno Markl estudou e que podia ser muitas outras escolas citadinas, o universo onde o humorista foi buscar a inspiração para criar Tiago, Sérgio e Patrícia, o grupo dos excluídos, e Marta e Gonçalo, os populares.

“Tem sido uma viagem no tempo ver a equipa recriar, com incrível rigor e detalhe, aquela época. Pela minha parte, este foi o meu projeto mais obsessivo-compulsivo: juntei aos guiões listas detalhadas de tudo o que estas personagens tinham nas casas, nos quartos, nos posters colados nas paredes, fiz esboços desenhados de cada uma delas, fui envolvido no casting… Foi maravilhoso. Acho que nunca fui tão bem tratado como argumentista na minha vida”, contou Nuno Markl ao Observador.

Laura Dutra interpreta "Marta" e recebe indicações durante a rodagem

RAQUEL SÁ MARTINS/OBSERVADOR

Na escrita, contou com a ajuda da irmã, Ana Markl, e do guionista Filipe Homem Fonseca, além da consultoria de época de Joana Stichini Vilela, que acabou por ajudar também com a trama, e é por haver tantas misturas de referências que não se pode dizer que “1986” seja uma autobiografia pura. “Mas sim, tem toneladas de coisas muito pessoais de todos nós. E sim, há um caixa de óculos geek chamado Tiago que tem um pai comunista chamado Eduardo que está irritado porque vai ter de engolir o sapo de votar Soares. Há muito do meu pai na personagem do Eduardo e na relação dele com o filho. Há coisas que entram diretamente para a lendária categoria ‘it’s funny because it’s true’, como o facto de ele tentar catequizar para o comunismo todos os meus colegas de escola que iam lá a casa e o quanto eu desejava que ele não o fizesse. Mas também há coisas que me aconteceram e dei a outras personagens, como o melhor a amigo dele: a dada altura o Sérgio, que é fã de heavy metal, tenta começar a gostar de Supertramp para engatar uma miúda. Eu comprei um best of dos Supertramp para esse efeito. Infelizmente, nada aconteceu.”

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Agora é altura de clicar no play da lista musical de Spotify que foi criada para orientar a equipa toda, entrar no espírito da época e atravessar os portões da Escola Secundária José Gomes Ferreira como quem dá um salto no tempo, sem precisar de DeLoreans.

Calças de bombazina largas e os conselhos do mestre Yoda

Lá ao fundo, nas escadas à entrada da escola, há raparigas com tranças e saias plissadas, os rapazes têm calças de bombazina bastante largas e usam-se às costas aquelas pastas de cabedal castanho que tanto têm a pega de cima para levar na mão como têm as alças de mochila. Em simultâneo, uma rapariga que não faz parte da figuração e que provavelmente está ali só para tratar da matrícula para o próximo ano, entra na escola a vestir, por contraste, os calções curtos que se usam em 2017.

“O processo acabou por ser um bocado parecido com o da rubrica que fiz há uns anos na Rádio Comercial, a 'Caderneta de Cromos': sou eu a tentar juntar o puzzle de referências que fez de mim o que sou. É capaz de ser uma maneira produtiva de lidar com a crise da meia-idade”, explica Nuno Markl, que começou a esboçar esta série em 2001. 

A roupa é mesmo a pista incontornável para se perceber que aquele grupo de pessoas carregado de câmaras, projetores e perches está ali no pátio da escola para lhe mudar um pouco o cenário – e a década. Na cena que se está a gravar, Tiago (Miguel Moura e Silva), com uma camisola de lã daquelas que as avós faziam aos netos, fala do seu entusiasmo amoroso a Patrícia (Eva Fisahn) – que está toda vestida de preto, cabelo muito esticado e com um guarda-chuva de rede preta em estilo gótico – e a Sérgio (Miguel Partidário) – que usa botas pretas de cabedal e T-shirts das bandas de heavy metal preferidas, mas de verdadeiro fã, não daquelas que se vendem agora na H&M.

A questão que os ocupa é que, agora que põe música numa estação de rádio, o protagonista Tiago tem esperança de chamar mais a atenção da sua amada, e escolhe músicas a pensar nela. “Só Gosto de Ti”, como não podia deixar de ser. Mas os atores estão agora, em 2017, na casa dos 16 anos, e por isso não têm como se lembrar de 1986. Quando tenta acertar na fala, o ator falha muitas vezes o nome da música.

“Lembra-te, é aquela música assim (e canta um bocado)”, diz Eva ao colega de gravação.

E ele repete.

“Pensa mais uma vez na música”, insiste ela.

E ele repete.

“Outra vez”… “outra vez”… “outra vez”.

Até que ele acerta.

A série está a ser rodada na Escola Secundária José Gomes Ferreira, em Lisboa

RAQUEL SÁ MARTINS/OBSERVADOR

A próxima referência à cultura popular da época vem logo na fala seguinte, quando a personagem de Eva se refere ao banho de sangue do filme “Carrie” para explicar o que se deve esperar dos mais populares da escola, e logo depois também, quando Sérgio fala dos valiosos conselhos do mestre Yoda – que, apesar da passagem do tempo, nem é preciso dizer que é uma personagem de “Star Wars”. É portanto natural que, no intervalo de uma gravação, quando tentam tirar os colares góticos e aproveitam para descansar um bocado no interior da escola, os atores estejam a falar de Spielberg ao mesmo tempo que batem texto com a ajuda dos smartphones, que era algo que não teriam como fazer em 1986.

“O processo acabou por ser um bocado parecido com o da rubrica que fiz há uns anos na Rádio Comercial, a ‘Caderneta de Cromos’: sou eu a tentar juntar o puzzle de referências que fez de mim o que sou. É capaz de ser uma maneira produtiva de lidar com a crise da meia-idade”, explica Nuno Markl, que começou a esboçar esta série em 2001 e a voltou a encontrar recentemente numa pasta perdida do computador. “Na altura era uma ideia para um argumento de longa metragem chamado ‘O Videoclube’ e não tinha um ano especificado. Enquadrar a história com a segunda volta das eleições presidenciais de 86, em que o país se dividiu entre esquerda e direita, ajudou a criar tensão nas vidas das personagens. E depois, a verdade é que já se fizeram séries sobre as mais variadas épocas, mas não sobre os anos 80. Teve esse lado de ‘já que ninguém faz, fazemos nós’.”

A minha Yamaha DT dá mais do que 50

“No hay que ser de los 80 para vivir los 80”.

É demasiado apropriado para parecer verdade, mas é mesmo uma frase que se lê na T-shirt de uma das assistentes de produção. Tal como a música dos Heróis do Mar, que naquele dia, depois da cena gravada, se vai ouvindo cantarolar um pouco por todo o lado, o espírito dos 80 parece contagiar (ou pelo menos afetar) a equipa toda da série.

“Como é que uma pessoa no seu perfeito juízo vestia isto?”, pergunta uma das figurantes enquanto tenta ajeitar uma daquelas saias com peito. Ao mesmo tempo, mais abaixo, já no portão da escola, o realizador da série, Henrique Oliveira, conta ao ator Henrique Gil (que na série é Gonçalo, o beto baldas de serviço) como tinha pelo menos dez calças de bombazina todas mais ou menos iguais – e é uma pessoa que não podia perceber mais do assunto, ou não fosse também um dos membros fundadores dos Táxi e a mente criadora por trás de “Chiclete”.

"Os anos 80, talvez por serem uma época que pode não ter tido grandes ideais mas foi alucinante, cativam gerações mais novas. É uma viagem ao bizarro planeta dos pais. A série tem tudo para falar a quem se lembra daqueles tempos, mas também a quem não os viveu."

“Isso das roupas iguais começou com o ‘Nove Semanas e Meia’, quando a Kim Bassinger foi lá ao armário dele e ele tinha montes de fatos mas todos repetidos”, acrescenta um dos técnicos que já está a tratar dos primeiros ensaios para a próxima cena: aquela em que a menina bonita da escola, Marta, que é a amada do protagonista, vai dizer a Gonçalo que quer faltar às aulas e andar de mota com ele. E ali, estacionada e pronta para filmar, como não podia deixar de ser – uma Yamaha DT.

“Encontrámos cinco pessoas perfeitas para as personagens jovens. Chega a ser chocante chamar-lhes miúdos: são atores, com talento, timing, carisma. Estou sempre a dizer que um dia vou olhar com orgulho para eles, já consagrados, e pensar, todo lamechas e empenado, ‘entraram no 1986…’. E todos eles são interessados por aquela época. Os anos 80, talvez por serem uma época que pode não ter tido grandes ideais mas foi alucinante, cativam gerações mais novas. É uma viagem ao bizarro planeta dos pais. A série tem tudo para falar a quem se lembra daqueles tempos, mas também a quem não os viveu: acaba por não ser um mundo assim tão distante, apesar de ausência de telemóveis, tablets e da existência de coisas como videogravadores, cassetes e discos de vinil. As emoções da história acabam por ser intemporais. Ao mesmo tempo, sinto que faltava na cultura portuguesa um ‘Pretty in Pink’, um ‘Breakfast Club’ ou um Ferris Bueller. Há momentos em que subimos o volume do espírito John Hughes até ao 11, sem nunca esquecer que estamos em Portugal. E sim, haverá um episódio sobre o ‘Duarte e Companhia’. E mais não digo”, conclui Nuno Markl.

“Como é que se chama aquela descida que vai dar ao Largo do Rato?”, pergunta Henrique Gil, que acabou de conhecer os “amigos” betos com quem vai estar a conversar no início da cena que se prepara para gravar.

“A Álvares Cabral?”, responde um assistente.

“Sim. Já existia nos anos 80, não já?”, brinca o ator.

Miguel e Eva, os protagonistas

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A ideia é usar a avenida só para explicar aos amigos como a sua DT dá mais do que 50, desde que ele vá a descer e se deite todo por cima do guiador. Entretanto, Laura Dutra, que dá vida a Marta, está a falar com o assistente de som sobre um amigo que já tem muitos cabelos brancos. “Eu também tenho, queres ver?”, pergunta ela. “Tens?” “Não, estava a brincar.” Os cabelos brancos não preocupam os adolescentes de 2017, tal como não preocupavam os adolescentes de 1986, que em algumas coisas, ao que parece, não deixam de ser iguais.

Chegou a altura de gravar, e Laura Dutra apercebe-se que Marta nem tem um apelido. “Acho que vou perguntar ao Markl”, diz. Está calor, hoje é verão no pátio da Escola Secundária José Gomes Ferreira, em Benfica, ali mesmo ao lado do Fonte Nova, mas em 1986 ainda era inverno, Portugal ainda não estava na CEE e Indiana Jones ainda não tinha chegado à “Última Cruzada”: é preciso vestir os casacos. “Podias começar a pô-los no frigorífico”, sugere Henrique à assistente de guarda-roupa, mas não há nada a fazer.

Antes de se bater a claquete, ouve-se ainda uma música a ser assobiada atrás das câmara – “Só Gosto de Ti”. Está tudo pronto. Ação.

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