776kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

i

HUGO AMARAL/OBSERVADOR

HUGO AMARAL/OBSERVADOR

"Não é chamando Isabel dos Santos que resolvemos o problema da espanholização"

Mariana Mortágua acredita que António Costa tem "o dever" de intervir na economia, mas também acha que chamar Angola para resolver presença excessiva de Espanha na banca, agrava o problema principal.

    Índice

    Índice

A “deputada estrela” do Bloco de Esquerda chega à redação do Observador de capacete de mota debaixo do braço, acelerada para uma entrevista onde fala da atualidade, ultimamente tão dominada pela área onde mais se destacou nos últimos anos no Parlamento: a banca e a sua fiscalização. Foi aí que se fez notar, na comissão de inquérito ao BES, tinha 28 anos. Tornou-se na voz mais autorizada no BE para falar nestes temas e não critica o primeiro-ministro por chamar uma empresária para falar de um negócio privado (a troca da posição no BPI pela entrada no BCP), mas tem dúvidas que a empresária em causa possa resolver um problema que diz ser maior: “O país está a perder o controlo do sistema bancário”. Mariana Mortágua ataca a venda do Banif, clama pela nacionalização do Novo Banco – mas admite que não é uma linha vermelha -, quer o Estado a intervir e faz frente às instituições europeias cheias de “técnicos que nunca saíram do seu gabinete em Bruxelas e nunca foram a eleições”.

Fala das negociações do Orçamento, e mostra até onde o BE é capaz de ir para manter o Governo do PS em funções. Nega que exista um plano B, com mais cortes e austeridade, havendo apenas um plano A que “pode ser aprofundado”. Isto desde que o Governo não ultrapasse as condições de princípio: não baixar salários nem pensões, e não aumentar impostos sobre o rendimento e bens essenciais. A máxima vai continuar a valer para o OE 2017. Sobre a dívida, Mariana Mortágua diz que “há outras formas de reestruturar sem que haja um haircut” e sobre a oposição à Europa fala com mais cautelas. “É preciso ver como essa oposição é feita”. Mas nega que o partido se esteja a tornar suave à medida das necessidades atuais e da proximidade ao Governo. Elogia q.b. António Costa e conta como é diariamente reconhecida na rua.

“Portugal está a perder o controlo do seu sistema bancário e é preciso arranjar uma forma de resolver isto”

O primeiro-ministro deve receber uma empresária a propósito de um negócio privado da banca?

Um primeiro-ministro tem o dever de intervir na economia quando é necessário. Veja-se o caso da PT, o anterior Governo poderia ter evitado a venda à Altice que se veio verificar ser o fim da PT que hoje está a despedir e a perder todo o seu potencial estratégico. Essa venda, que era claramente prejudicial, poderia ter sido travada pelo Governo, da mesma forma que em todos os Estados da Europa os governos intervêm quando há risco de se perder empresas que são estratégicas, à custa de um mau negócio privado. Por isso acho que sim: os governos devem intervir em momentos-chave na economia. Só que as intervenções que temos visto não têm sido para defender setores estratégicos, mas para distribuir poder ou favorecer determinados grupos económicos e empresas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

E onde coloca esta intervenção específica, em que António Costa recebe em São Bento Isabel dos Santos?

Acho que foi feita para tentar encontrar um equilíbrio entre a espanholização e o poder angolano na economia portuguesa. Mas eu acho que ambos são o mesmo problema e não é chamando Isabel dos Santos para a economia e para a banca portuguesa, que vamos resolver o problema da espanholização. O problema de fundo é que Portugal está a perder o controlo do seu sistema bancário e é preciso arranjar uma forma de resolver isto.

"A sociedade portuguesa e a estrutura capitalista portuguesa não têm o capital nem a capacidade para ter um sistema financeiro"

Como se resolve?

A sociedade portuguesa e a estrutura capitalista portuguesa não têm o capital nem a capacidade para ter um sistema financeiro. E, diga-se de passagem, a estrangeira também não tem: o Santander vem comprar o Banif porque precisa de se recapitalizar, tal como todos os bancos da Europa e do mundo. O dinheiro que o Estado já pagou pelo sistema financeiro é de tal forma volumoso, que o mínimo que temos de exigir é que, no momento em que ele se torna um risco para a estabilidade económica, seja o Estado a assumir a responsabilidade de gerir esse sistema. Teoricamente defendo que o Estado deve ter um papel de grande intervenção na banca sempre, e isso foi muito útil em países em desenvolvimento e em países que se industrializaram. Mas agora, além de razões ideológicas, junta-se a razão do momento. Neste momento, o capital privado não tem forma de gerir a banca de maneira a que corresponda aos interesses do país. Portanto, acho que o Estado deve intervir e guardar a propriedade da banca. No caso do Novo Banco é mais fácil porque basta não vender. Tal como não se devia ter vendido o Banif à pressa.

Isso vai esbarrar nas instituições europeias. O BCE e Comissão já disseram que a nacionalização exige uma resolução.

Ao que parece, o interesse do nosso país vai esbarrar sempre nas instituições europeias. Temos de, enquanto país com alguma autonomia, pensar se o que as instituições europeias nos estão a exigir faz sentido e se é bom para o país. O tempo em que engolíamos acriticamente tudo o que vinha das instituições europeias tem de acabar.

Parece-lhe que este Governo do PS pode ter esta capacidade?

O BE tem uma diferença relativamente ao PS nas instituições europeias, que acha que o Tratado Orçamental faz sentido, que a configuração institucional da União Europeia, com pequenos ajustes, pode funcionar. O BE tem uma posição radicalmente diferente e acha que estas instituições não têm servido bem a Europa ou a zona euro. Há que respeitar a forma que o Governo de António Costa escolheu, porque o PS é o partido mais votado e é o que está no Governo. Eu acho que qualquer Governo que queira defender o interesse do país terá cada vez mais de ter uma posição mais musculada com Bruxelas, porque Bruxelas está cada vez mais a exigir coisas que fazem cada vez menos sentido.

"Eu não defendo rutura com a UE, quem a defende é quem está do lado de lá e não aceita negociar nada"

Não há o risco de acontecer o mesmo que aconteceu ao Syriza?

O Syriza fez uma opção de negociação. A direita tenta muito utilizar o Syriza para envergonhar a esquerda. O que aconteceu ao Syriza não envergonha mais ninguém a não ser a direita. Quem apoiou uma chantagem daquelas, o esmagamento de um povo daquela forma e quem está a apoiar um plano de austeridade que ninguém se atreve a dizer que faça bem à Grécia, é que deve ter vergonha daquilo que defendeu. Se o Syriza tomou a posição certa ao negociar daquela forma… não sei. Mas uma coisa sabemos: quando um país parte para esse tipo de negociação tão dura tem de estar disposto a aceitar as consequências. Esse trabalho não foi suficientemente feito, mas também é verdade que as instituições europeias deram zero de margem manobra para a Grécia implementar um plano que tinha sido democraticamente escrutinado e escolhido.

Quando fala em “opção de negociação”, qual a alternativa? A rutura?

Eu não defendo a rutura, quem a defende é quem está do lado de lá e não aceita negociar nada. Nunca defendi a rutura com as instituições europeias, o problema é o que faz um país que, para se defender, tem de contrariar imposições externas. E isso não diz respeito a um partido, mas ao país. Enquanto país temos de encontrar uma solução para isto. Sistematicamente estamos a ser obrigados a tomar más decisões por uma configuração europeia e por técnicos que nunca foram a eleições na sua vida. A Comissão Europeia que vem exigir que vendamos o Banif e paguemos 3 mil milhões de euros, ou que vem exigir que não podemos pôr dinheiro na TAP ou que temos de vender o Novo Banco, é feita de técnicos que nunca saíram do seu gabinete em Bruxelas e nunca foram a eleições. Não conhecem a realidade portuguesa nem estão dependentes do voto dos portugueses e isso é inaceitável para uma democracia. Quem tem a ideia da UE, da solidariedade, da democracia, do Estado social havia de se encher de vergonha daquilo em que a UE se tornou.

O Governo vai iniciar o roadshow para o processo de venda do Novo Banco. O que acontece se vender mesmo?

É mau. É mau para o país, para o Governo, para todos nós.

Então o BE deixa de apoiar o Governo?

Não, o acordo do BE como Governo está bem escrito e essa é a vantagem das negociações às claras. Há um acordo, tem condições e enquanto elas forem cumpridas, isso é para valer. E isso não quer dizer que não possamos ter posições contrárias em muitos pontos do caminho. O BE não votou o retificativo, que permitiria pagar para vender o Banif, achávamos uma decisão profundamente errada e toda agente achou, na verdade. Votou o retificativo quem achou que, mesmo sendo uma decisão errada, devia obedecer às ordens de Bruxelas. E agora estamos numa situação muito semelhante, com o Novo Banco. Não sabemos quanto vale, mas quem o comprar vai levar para casa, tal como no Banif, um banco comprado a preço de saldo. E depois vai chegar a casa e registar um ganho, só pela valorização imediata dos ativos, de várias de centenas de milhões de euros. Acresce a isso que vai ter o domínio do mercado português. Isto é mau para a economia, mas é mau até para os outros bancos portugueses. Enquanto estes devem e puseram dinheiro no fundo de recapitalização da banca, aparece um banco espanhol que vem comprar um banco a preço de saldo, fica com o domínio do mercado e faz concorrência à banca portuguesa a preços mais baixos. Isto desestrutura o mercado e sobretudo faz com que percamos o controlo. Com uma agravante: não é um bom momento para vender banco.

Se o Governo vender o Novo Banco o BE deixa de apoiar? "Não, o acordo do BE como Governo está bem escrito e essa é a vantagem das negociações às claras"

Agora é pior do que noutros momentos?

Para mim nunca é um bom momento para vender bancos, mas mesmo quem defende a privatização tem de admitir que a estratégia de “o banco tem de ser vendido em dois anos” corre contra o banco e desvaloriza-o. Para já não há capital suficiente na Europa, o que há são fundos de investimento ou os mega bancos que estão à procura de compras baratas para se recapitalizarem com o apoio – e nem é tácito, é explícito – das instituições europeias. Portanto, o que vamos ter é sempre um mau negócio.

O Governo atuou bem no caso Banif?

Não sei se naquela altura teria muitas soluções. Acho que o grande erro do Banif é mesmo vender, porque resolver acaba por ser a solução que é posta aos governos. Não há milagres: um banco está em crise, ou se liquida ou se resolve ou se recapitaliza. O Banif já se tinha recapitalizado, agora havia que resolvê-lo. O arrastar do problema acabou por deixar muito pouca margem de manobra para quem tinha de tomar uma decisão em poucos dias. Recapitalizar, pôr lá três mil milhões e depois vender, isso é que não é aceitável.

Tem ideia de quem é a responsabilidade maior no caso Banif?

A Comissão de Inquérito ainda agora começou e seria errado dizer quem é o responsável já. No limite há uma coisa que sabemos: houve uma posição política tomada que foi errada. A decisão política de vender é errada. Essa decisão pertence ao Governo que a tomou e aos partidos que votaram o retificativo na Assembleia da República. Mas para trás disso há um passado que levou a que a decisão tivesse sido tomada nestas circunstâncias e quem estava ao controlo do leme nessa altura tem muitas responsabilidades.

E o governador do Banco de Portugal tem coisas a explicar?

Muitas, o governador esteve também ao leme da instituição durante todo o período em que isto foi acontecendo.

"O governador não tem nenhuma condição para se manter à frente do Banco de Portugal"

As conclusões da Comissão de Inquérito vão poder facilitar as condições de justa causa para o governador se demitir?

A justa causa já existe! Há todos os problemas identificados no BES, há todos os problemas identificados no Banif e a cereja no topo do bolo é o Banco de Portugal considerar um homem não idóneo para gerir um banco e depois vender-lhe esse banco. Há falha mais grave do que isso? Vender um banco a uma pessoa de quem já se tinha dito que não podia ter bancos… não há ninguém que defenda o governador neste momento. Acho que o governador não tem nenhuma condição para se manter à frente do Banco de Portugal.

Mas também não há nada que se possa fazer para o tirar de lá…

Há a porta da falha grave, mas muitas das críticas que fazemos ao governador já cá estavam quando ele foi reconduzido. Porque é que ele foi reconduzido? Não foi há quatro anos, foi no ano passado. Teria sido tão simples afastar o governador nessa altura, quando já havia resultados da comissão de inquérito ao BES.

Por que isso não foi feito?

A relação entre Banco de Portugal (BdP) e Ministério das Finanças não é pacífica e já não era na altura. O Banco de Portugal atirava responsabilidades para as Finanças e o anterior Ministério dizia que o BdP é que mandava. Ninguém queria ter a responsabilidade política do processo. O anterior Governo, na sua senda liberal, encontrou uma escapatória muito fácil para os problemas do sistema financeiro que foi dizer que o responsável era o Banco de Portugal. Eu acho que o Governador é reconduzido como troca de ter dado, de alguma forma, gás a esta estratégia política. Ficou com as culpas de uma série de decisões que não tomou sozinho e, tendo alinhado nessa estratégia, foi recompensado sendo reconduzido.

“O Orçamento nunca deveria ter tido esse aumento de impostos [sobre combustíveis]”

Ficaram convencidos com o PS na negociação do Orçamento do Estado?

O PS não tem de nos convencer, mas de aplicar as políticas que nós acordámos. O acordo é simples. Há apoio nas grandes linhas do Governo, sobretudo as orçamentais. A estratégia de rompimento com a austeridade tem sobressaltos no caminho, mas se não aumentar impostos sobre salários, sobre bens essenciais, e não cortarem em pensões e salários, temos condições para apoiar o Governo.

Já abririam exceções. Depois de ter sido revisto em Bruxelas, o OE passou a incluir aumentos de impostos, caso dos combustíveis. Foi uma adaptação que fizeram?

É uma novidade e é errado. O Orçamento nunca deveria ter tido esse aumento de impostos.

E é contra uma linha vermelha vossa, isso é claro…

Com isso discordo. Eu acho muito diferente aumentar o IVA da eletricidade e o IVA dos produtos essenciais e aumentar um imposto sobre o tabaco ou sobre os combustíveis, quando está no nível mais baixo de sempre.

Mas a imagem que fica não é que a austeridade continua?

Não é verdade. Só a sobretaxa de IRS, que vai descer, vale mais do que o aumento do IVA do petróleo. O total de medidas para repor rendimentos vale 1300 milhões de euros, e as medidas que vão buscar dinheiro à economia valem 600 milhões. Entre estas há o imposto sobre o tabaco e não me venham dizer que é indiferente cortar salários e aumentar o imposto sobre o tabaco. Há o imposto sobre o crédito ao consumo, e não me venham dizer que é indiferente aumentar o imposto ao crédito ao consumo — das Cofidis, das Cetelems, empresas que fazem crédito abutre, — ou aumentar impostos sobre bens essenciais. O que é reposto é muito mais; a quem se vai pedir é muito diferente de aqueles a quem se vai repor. O Orçamento tem muitas coisas em que o podemos criticar e nós criticamos, não precisamos é de inventar coisas que não existem.

"Não existe um plano B, ele é uma invenção. Há um plano A que pode ser aprofundado"

Existe margem de manobra se for preciso fazer cortes no futuro?

Eu diria que não, as linhas mantêm-se. Não existe um plano B, ele é uma invenção. Há um plano A que pode ser aprofundado. É possível ir buscar dinheiro de onde não está a vir; há uma reforma fiscal que importa fazer no país. Continuamos a ter demasiados buracos legais que fazem com que percamos receita fiscal de quem deveria estar a pagar muitos milhares de milhões de euros em impostos. Não se compreende como encaramos mais facilmente cortar salários à função pública ou aumentar impostos aos cidadãos, mas quando queremos ir atrás do sistema fiscal, que horror… Além disso, o mundo está num risco brutal de estagnação económica e esse é um dos grandes riscos para este Orçamento. Se não temos o crescimento que devíamos por causa da estagnação, o OE vai ficar aquém do desejado e temos de tomar mais medidas. Como se tem combatido isto? Com mais austeridade… A política de austeridade é economicamente idiota e tem causado todos os problemas económicos. Não podemos andar sempre todos malucos a ver onde vamos cortar mais uns euros por causa de 0,2 pontos de défice estrutural com que a Europa está obcecada, ao mesmo tempo que tem milhões de pessoas a morrerem nas suas fronteiras. É um grau de loucura e de obsessão tal, que está a começar a atingir níveis de psiquiatria.

“Há formas de restruturar a dívida sem que isso implique um haircut direto no valor nominal da dívida”

O BE tem insistido com a restruturação da dívida. Em que ponto está o debate com o PS?

É sabido que há um grupo de trabalho que vai começar a funcionar e queremos que funcione e que esteja em prática tão depressa quanto possível. O problema tem de ser estudado. Não há só um problema de dívida pública, mas de dívida externa que está a condicionar o desenvolvimento do país. Hoje já é mais ou menos reconhecido que o excesso de endividamento, não só em Portugal, como em Espanha e Itália, está a condicionar o crescimento económico. Eu acho que qualquer estado responsável tem de estudar as hipóteses que têm para aliviar essa dívida.

O BE está interessado na restruturação da dívida total ou só na reestruturação da dívida às instituições internacionais?

Há muitas formas de o fazer e temos apresentado várias propostas. Uma restruturação da dívida devia cumprir alguns princípios: deixar de fora pequenos aforradores, certificados de aforro, segurança social e por aí adiante. Garantir já que essa dívida é segura. Idealmente devia começar-se por reestruturar a dívida com credores institucionais, porque é quem tem responsabilidade e tem de perceber melhor a necessidade de crescimento do país. Há formas de restruturar a dívida sem que isso implique um haircut direto no valor nominal da dívida. Basta que se transformem prazos de dez anos em 50 anos.

Não foi isso que fez o Governo anterior? Renegociar prazos?

Não, há diferentes formas técnicas de fazer uma restruturação, há muitos países que a fizeram e temos de estudar essas fórmulas. Primeiro, temos de calcular qual o nível de sustentabilidade da nossa dívida e qual o nível compatível com o crescimento que temos, a capacidade de financiamento interno e com o nível de gerar recursos. Pode haver substituição de obrigações por outras, ou indexar ao desempenho da economia. Há muitas formas. Ela tem é de ser estudada e pensada, o que foi feito até agora foram swaps de dívida, aproveitando-se o fato de o mercado ter melhores condições nessa altura do que no pico da especulação financeira e trocando dívida por dívida mais barata. Isto é reestruturar dívida, mas não é nas dimensões necessárias para o país ter a folga de que precisa para crescer.

É possível a convergência entre o que o PS defende e o que o BE quer?

O BE fica satisfeito com tudo o que melhore as condições do país. O PS tem dito que não pondera estes movimentos de restruturação da dívida sem ser no contexto europeu. Esse debate está a acontecer ao nível europeu e nacional, a primeira coisa a fazer é que ele exista e deixe de ser um tabu. Já tudo foi reestruturado, a lei do trabalho, os bancos, as empresas, os salários. Na dívida pública é que não se mexe porque não pode ser reestruturada. Vamos ter este debate agora. Se ele aparecer a nível europeu, melhor.

O que se tentar para a Grécia é importante para Portugal?

Queremos um nível de dívida compatível com o crescimento económico. Se isso é mais fácil havendo um processo na Grécia, muito bem. Mas o processo na Grécia também é macabro. Porque lá, o FMI diz que reestrutura dívida se houver reforma das pensões, e a Comissão Europeia diz que a reforma das pensões nunca está feita. A Grécia é como as bolas de malabarismo que as instituições europeias vão jogando.

“Seria ingénua se achasse que o Bloco Central acabou para sempre”

O acordo parlamentar que existe é suficiente para balizar o debate em torno do Plano Nacional de Reformas e do Programa de Estabilidade?

O acordo tem provado que tem balizado e protegido de alguma forma o essencial da política do Governo. Não torna este Governo num governo de esquerda, nem o programa num programa do Bloco, mas baliza e cria limites, e é sentido que o acordo tem protegido as pessoas e os rendimentos.

"Acho que os tempos do Bloco Central, não sei se acabaram, mas pelo menos estão em suspenso. E eu acho que isso tem feito bem à democracia e ao país."

Mas quais são os limites do BE para esta negociação que aí vem?

As negociações ainda agora começaram, não sabemos qual é o plano do Governo para elas nem as imposições europeias e a postura com que Bruxelas vai entrar neste debate. Vamos ter que ir vendo enquanto o debate decorrer. Temos que fazer finca-pé a todas as medidas que vão na direção que já se provou ser errada. Por exemplo, os níveis de precariedade no país são assustadores, temos que ter mecanismos institucionais para os combater e não para os aprofundar. A liberalização da economia e dos setores estratégicos atingiu níveis prejudiciais ao país, portanto temos de ter forma de a combater e não de a aprofundar. O mesmo para a liberalização do setor financeiro. Ou seja, há áreas em que temos ideias fortes e temos de lutar por elas, mas só quando olharmos e conseguirmos perceber o que é que está em cima da mesa, é que vamos conseguir ter uma opinião sobre isso.

Como é que assiste ao apelo do PS e do primeiro-ministro ao PSD para que se sente à mesa para preparar esta discussão? O PS deve procurar este amplo consenso?

Esse apelo, por enquanto, não é mais do que retórica política. Não tenho nenhuma fantasia por acordos de Bloco Central, e acho que eles têm feito mal ao país. Normalmente, quando PSD e PS estão de acordo temos de nos preocupar. Acho que os tempos do Bloco Central, não sei se acabaram, mas pelo menos estão em suspenso. E eu acho que isso tem feito bem à democracia e ao país. O PSD radicalizou-se tanto nestes tempos, no sentido liberal, que um acordo ao nível de reformas estruturais do país me parece um bocadinho complicado. Embora haja coisas que conseguem tocar vários pontos políticos: modernização do Estado, toda a gente concorda, simplificação dos procedimentos da administração pública, também toda a gente quer, desburocratização, todos concordam. Não vamos é fazer isso à conta de outsourcing ou despedimentos. Conseguimos acordar em grandes pontos, a forma como isso é feito é que depois vai depender do posicionamento de cada partido. E depois há outra coisa: o apelo do PS para que o PSD venha a debate também serve para evidenciar a postura deste novo PSD de birra permanente, de não fazer propostas. Por um lado, está a abrir um campo imenso ao CDS, que agradece a falta de habilidade política do PSD. E por outro lado, está a prestar um mau serviço ao país. Comporta-se de forma infantil, estão perdidos ideologicamente, o que é que se passa com este PSD?

Disse que o tempo do Bloco Central está em suspenso, isto não mostra que há ceticismo do BE relativamente a este acordo de esquerda? Parece que a qualquer momento o PS pode saltar fora…

A frase não pode ser tirada de contexto, o que eu disse foi que o tempo do Bloco Central acabou ou pelo menos está em suspenso. O Bloco Central é a realidade política portuguesa, da democracia dos últimos 40 anos. Seria ingénua se, ao analisar a realidade portuguesa, achasse que o Bloco Central acabou para sempre. Não acabou, até porque existem muitas pressões, inclusive do Presidente da República, para que o Bloco Central volte, para que se reinstale o regime do consenso podre que durante muito tempo foi o consenso da UE. Há sempre o risco do consenso do Bloco Central, porque o consenso do Bloco Central é o consenso da cedência a Bruxelas, da progressiva liberalização da economia. E o PS fez esse caminho durante muito tempo.

O que pode levar aí outra vez?

A história é a história, e a identidade dos partidos é a identidade dos partidos.

Então a vossa solução não é forte o suficiente para tornar esse um caminho sem retorno?

O caminho sem retorno existe ao nível das políticas, mas há riscos nesta política como há em todas. E há pressões para o Bloco Central. Cada vez que somos confrontados com situações em que o Governo tem de ceder a Bruxelas, cada vez que Bruxelas interfere e cada vez que há pressões para a austeridade ou para a privatização de mais um banco, há pressões para o Bloco Central. Cabe-nos evitar que isso aconteça e garantir que o caminho sólido de rutura com a austeridade é construído. Estamos no início desse caminho, que formas é que ele vai ter no futuro não sabemos. Por enquanto respira-se um bocadinho em Portugal, e é desejável que isso se mantenha.

“Temos de perder a ideia de que a cada negociação está em risco o Governo, porque não está”

Praticamente todas as medidas que constavam da posição conjunta assinada pelo PS e BE já estão em andamento ou já foram aprovadas, o que sobra para o OE 2017? Vai haver um novo acordo escrito?

Sobra todo um novo Orçamento. O acordo foi construído com base no Orçamento do Estado. O que foi dito foi que há um apoio ao Governo e a este OE, mas mediante certas condições e medidas – negociámos essas medidas e estão a ser implementadas. Em 2017 o processo reabre-se. Tem de haver um acordo relativo a medidas para o Orçamento, tem que haver continuação de política, com uma vantagem: sabemos quais são as balizas. Foram determinadas na primeira negociação: não mexer em salários, nem em pensões, não aumentar impostos.

É como se fizesse um novo acordo a cada Orçamento?

Não é como se fizesse um novo acordo. Há um tronco comum que nos baliza a cada momento. Se vamos ter um OE para 2017, primeiro é preciso perceber se ele cumpre esse critério e tudo leva a crer que sim; e depois é preciso perceber como é que isto se materializa. Não é motivo para estarmos de novo a criar a histeria do acordo e da instabilidade do novo processo orçamental. Já conseguimos provar, ao longo destes meses, que a forma de governar mudou, é feita às claras, as pessoas sabem o que está a ser negociado. Temos de perder a ideia de que a cada negociação está em risco o Governo, porque não está. Está apenas em risco aquela negociação.

"Em 2017 o processo reabre-se. Tem de haver um acordo relativo a medidas para o Orçamento, tem que haver continuação de política, com uma vantagem: já sabemos quais são as balizas."

O OE 2016 é o vosso primeiro teste?

Cada vez que temos de tomar uma decisão e há uma votação é um teste, parece que este Governo tem de estar sempre em teste.

Mas a execução orçamental deste primeiro orçamento é importante também para a sobrevivência do acordo?

O OE é do Ministério das Finanças e do Governo, são eles que tem de garantir a sua execução.

Se houver uma derrapagem quer dizer que a culpa é do Governo?

Se houver uma derrapagem, a culpa até pode ser da estagnação económica ou de Bruxelas. Há muitas coisas que podem provocar uma derrapagem, não tenho essa visão obsessiva pela derrapagem e pela nova austeridade que vamos ter…

É o primeiro-ministro que diz que a execução orçamental é importante.

Claro, a execução orçamental é importantíssima, mas não vou antecipar coisas que não sei se vão acontecer. Acabámos de aprovar um Orçamento, há um plano, espero que seja cumprido. E quando chegar a altura de fazer um novo Orçamento, vamos ver qual é a margem e onde se pode chegar. Já não há o pacotinho com o pózinho que basta juntar água e temos um plano de reformas, temos um orçamento. Não, não vem tudo preparado, é preciso discutir, debater e isso torna os processos mais intensos, isso é bom.

“António Costa é um primeiro-ministro capaz de fazer pontes”

Está a gostar de ter esses processos ao lado do PS?

São mais trabalhosos, é uma fase diferente. Estou a gostar por um motivo, acho que a Assembleia da República reganhou um outro papel, as votações têm outra importância e é bom não ter um Governo na posição arrogante de ter uma maioria absoluta. Isso é uma coisa que não vamos ver neste Governo por um simples motivo: não pode. Não tem maioria absoluta, tem de negociar, convencer, ceder. Isso é importante para a democracia parlamentar, para os partidos sentirem que têm utilidade e poder de iniciativa.

António Costa é um bom primeiro-ministro?

Essa é uma pergunta de rasteira. António Costa é o primeiro-ministro que existe e que tem conseguido, da sua forma, gerir uma situação particular em que consegue uma maioria parlamentar e, com ela, fazer um Governo e um OE num momento particularmente difícil. Por isso é inegável que António Costa é um primeiro-ministro capaz de fazer pontes e isso não é de somenos importância.

Ainda assim custa-lhe elogiar um primeiro-ministro…

Não, há coisas menos boas, há coisas más, e há coisas que têm de ser melhoradas. Mas com este Governo há um encontro de linguagem que se tinha perdido com a direita. A mudança de linguagem tinha sido de tal forma que era difícil haver comunicação. Ter um governo que chega à Assembleia e diz “sim há precariedade no Estado e é mau” é uma coisa boa, porque ao menos não estão todos os dias a mentir e a dizer que não há precariedade no Estado. O facto de ter um Governo que é capaz de ter este discurso, é bom; depois se tem a vontade política e a capacidade de fazer todas essas alterações já é outra conversa. António Costa é um bom primeiro-ministro quando repõe apoios sociais e denuncia a precariedade, é menos bom quando não implementa todas as medidas que devia implementar para o fazer e será um mau primeiro-ministro quando cede a Bruxelas para vender o Banif. Toma boas e más decisões, mas até agora tem conseguido criar as pontes suficientes para conseguir uma maioria parlamentar que faz consensos políticos.

"Sou muito reconhecida na rua"

O BE tem crescido muito eleitoralmente, há espaço para mais?

Há espaço por duas vias: há muita abstenção em Portugal e é importante resgatar essas pessoas para a política, e há espaço para uma força de esquerda que é séria e clara nas ideias, que não se rende às pressões e liberalização e que já compreendeu que ceder constantemente a Bruxelas não é o caminho. A clareza desta esquerda tem muito espaço para crescer porque vai tornar-se o espaço possível da esquerda.

O BE recusava aumentar impostos e acabou por aceitar aumentar impostos indiretos, na dívida afinal o haircut parece já não ser obrigatório, e na oposição a Bruxelas diz que tem de ser feita, mas que tem de se ver como. O Bloco tornou-se num partido suave?

Acho que não. O BE teve 10% dos votos, apoia o Governo, mas o Governo é o Governo. O BE não desiste do haircut da dívida, não desiste que é preciso dizer que não a Bruxelas, nem dizer que não quer aumento de impostos. Mas o BE tem um problema: não está no Governo. Quem teve os votos para estar no Governo foi o PS – o Bloco poderia ter ido, mas continuaria a não poder haver haircut da dívida. Independentemente do programa que tenho, e mantenho, não sou indiferente a relação de forças que existe na sociedade e tenho a humildade de perceber que o Bloco teve 10% dos votos e seria estranho que valessem a implementação do meu programa político. Não estando no Governo o que posso fazer é dizer que há condições na maioria parlamentar para seguir um caminho. Este Orçamento não é o nosso Orçamento, mas é melhor e isso é válido de se apoiar. Mesmo que não tenha todos os pontos do programa que o BE defende.

"Não ganho pontos por dizer que o Bloco nunca muda e que é um partido intransigente, adaptamo-nos às circunstâncias que temos e ao que é melhor para o país."

Antes o BE era acusado de ser partido de protesto, agora todo o discurso é de apoio e colaboração. Quer dizer que o partido mudou?

Não, houve uma conjugação muito importante de fatores: a radicalização da direita, a destruição que se estava a fazer. Quando queremos fazer um projeto político e reconstruir, também temos que ter em conta o que foi destruído antes, e quanto mais houver destruição mais difícil é reconstruir. É muito fácil privatizar, é muito fácil precarizar e é muito difícil fazer o processo contrário. O resultado das eleições, com o crescimento do BE nomeadamente, também permitiu ter esta maioria parlamentar e que ela dependesse de um equilíbrio de forças entre o PS, PCP, BE – a conjugação destas circunstâncias é que permitiu fazer um acordo de mudança. Não ganho pontos por dizer que o Bloco nunca muda e que é um partido intransigente, adaptamo-nos às circunstâncias que temos e ao que é melhor para o país. Não aceito que digam que o BE suavizou ou que deixou de querer reestruturar a dívida, ou cedeu. O BE está empenhadíssimo em fazê-lo, mas dentro da relação de forças de que dispõe. E não deixou de lutar por ela, nem deixou de ir a eleições com um programa próprio. Se houver eleições, o BE não deixará de propor isso à mesma.

Passou a ser a estrela parlamentar… Reconhecem-na na rua?

Sou muito reconhecida na rua, sim, mas a abordagem é sempre simpática. Há muitos casos de histórias difíceis de vida que as pessoas têm necessidade de contar, muitas vezes é só para dar apoio, raramente é negativo. E acho que com isto [de apoiar o Governo] vou continuar a ouvir coisas simpáticas.

Veja aqui a entrevista completa em vídeo

Assine a partir de 0,10€/ dia

Nesta Páscoa, torne-se assinante e poupe 42€.

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver oferta

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Assine a partir
de 0,10€ /dia

Nesta Páscoa, torne-se
assinante e poupe 42€.

Assinar agora