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ALEJANDRO BOLIVAR/EPA

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Não há vontade política para acabar com "offshores", diz Richard Murphy

Richard Murphy diz que os cidadãos não acreditam que os políticos querem, mesmo, acabar com offshores. Em "O Livro Negro dos Offshores", defende que as nossas sociedades estão em risco. Pré-publicação

Há uma “crença enraizada de que não existe realmente vontade política” para acabar com o problema das offshores, diz Richard Murphy, no seu novo livro, que acaba de ser traduzido e vai para as bancas esta sexta-feira, 19 de maio. Em O Livro Negro dos Offshores, o autor diz que “é, de facto, possível gerar uma vontade política que promova as mudanças necessárias”, caso contrário as nossas sociedades democráticas estão em risco.

Richard Murphy é um economista e especialista em impostos, professor de Prática em Economia Política Internacional na City University, em Londres. É, também, diretor técnico da Fair Tax Mark e da Tax Research UK. O livro foi traduzido para português e editado pela Clube do Autor. O Observador pré-publica o capítulo inicial da obra.

…..

A existência de paraísos fiscais não vem acrescentar nada à riqueza global nem ao bem‐estar de todos; não servem qualquer fim económico que seja útil. Enquanto estas jurisdições beneficiam sem qualquer dúvida alguns indivíduos ricos e corporações multinacionais, este benefício é alcançado à custa de outros, pelo que aumentam a desigualdade.

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(Trezentos economistas, incluindo Jeffrey Sachs, Thomas Piketty, Angus Deaton e o autor do presente livro, maio de 2016)

Em abril de 2016, os Documentos do Panamá irromperam pelas agências noticiosas adentro. A revelação de 11,5 milhões de documentos com informações sobre a criação de um grande número de empresas offshore, mais de 100.000 das quais só nas Ilhas Virgens Britânicas, veio comprovar uma realidade que os ativistas pela justiça fiscal já clamavam há algum tempo, nomeadamente que, através dos paraísos, estavam a ser praticados abusos fiscais a uma escala industrial.

Os Documentos do Panamá colheram, e com razão, muita atenção dos meios de comunicação social. Algumas semanas depois, a Cimeira Anticorrupção, que teve lugar em Londres, presidida pelo primeiro-ministro britânico, teve direito a muito menos publicidade. Tal deve-se, em primeiro lugar, ao facto de muitas pessoas acreditarem que nada poderá na verdade ser feito para impedir tais abusos. Em segundo lugar, contrariamente àquilo que a cimeira quis deixar transparecer, há uma crença enraizada de que não existe realmente vontade política para abordar a questão: entre os meios de comunicação social e outros presentes na cimeira pairava uma sensação palpável de que se tratava de um evento cujo resultado corresponderia a menos do que a soma das suas partes.

Estas questões, combinadas, formam a coluna vertebral deste livro, no qual sugerirei que algo pode efetivamente ser feito para impedir os abusos dos paraísos fiscais e que é de facto possível gerar uma vontade política que promova as mudanças necessárias.

Os Documentos do Panamá vieram "comprovar uma realidade que os ativistas pela justiça fiscal já clamavam há algum tempo, nomeadamente que, através dos paraísos, estavam a ser praticados abusos fiscais a uma escala industrial".
Richard Murphy, "O Livro Negro dos Offshores"

Surge, no entanto, com igual importância o meu terceiro argumento: uma vez que muitos políticos detêm uma compreensão apenas vaga daquilo que o offshoring financeiro realmente implica, estão na atualidade a propor soluções para algo que é, na melhor das hipóteses, uma pequena parte do problema que representa para o mundo. Esta opinião baseia-se na minha experiência como revisor oficial de contas, ativista fiscal e professor de economia política. O que aqui pretendo oferecer é uma explicação do que realmente são os paraísos fiscais e o que devemos fazer em relação a eles.

Entre estes três temas, o último é o mais importante para mim, já que, na minha opinião, é o verdadeiro obstáculo ao progresso. Afinal de contas, o problema dos paraísos fiscais não é de hoje. Existem bons motivos para argumentar que o primeiro local onde se realizou algo parecido com a prática moderna dos paraísos fiscais foi no estado norte-americano do Delaware, que em 1898 criou uma lei que visava deliberadamente minar os regulamentos dos vizinhos, Nova Jérsia e Nova Iorque. O problema é que o casino de Monte Carlo, no Mónaco isento de impostos, que havia abolido todas as formas de tributação em 1869, é o modelo muito mais simples de um comportamento de paraíso fiscal que a maioria dos políticos utiliza como referência.

O escândalo dos Documentos do Panamá encaixa no modelo do Mónaco, não do Delaware. E isto acontece porque giram explicitamente em torno dos impostos. De certa forma, trata-se de uma infelicidade, porque reforça o estereótipo político de que o problema dos paraísos fiscais diz respeito a um abuso fiscal simples perpetrado em locais aparentemente exóticos. O argumento que pretendo aqui apresentar é que, até nos darmos conta de que esse abuso fiscal é apenas uma entre uma série de atividades empreendidas no espaço a que chamamos offshore e onde são registadas, mas onde não ocorrem na realidade, locais esses que foram denominados «paraísos fiscais», há três avanços importantes que não poderemos fazer, a saber: compreender o risco que estas atividades representam para os governos mundiais; para o capitalismo como a nossa forma predefinida de organizar a economia; e para a democracia – e, por conseguinte, para todo o nosso modo de vida.

O surpreendente é que não nasceu uma consciência mais generalizada destes problemas, apesar do facto de os paraísos fiscais estarem há algum tempo sob um ataque praticamente sem tréguas. O primeiro relatório oficial a alertar para os potenciais efeitos nocivos dos paraísos fiscais foi elaborado nos Estados Unidos em 1981, mas a aplicação de medidas severas contra as atividades dos paraísos fiscais começou a ser implementada apenas com a promulgação do Código de Conduta de Fiscalidade das Empresas da União Europeia, em 1997, e com a publicação do relatório da OCDE sobre Concorrência Fiscal Prejudicial, em 1998.

Temos de “compreender o risco que estas atividades representam para os governos mundiais; para o capitalismo como a nossa forma predefinida de organizar a economia; e para a democracia – e, por conseguinte, para todo o nosso modo de vida”, escreve Richard Murphy

A Diretiva de Tributação da Poupança da União Europeia, introduzida em 2005, foi o grande marco que se seguiu: foi a primeira tentativa de garantir a obtenção de informação sobre os paraísos fiscais de uma forma sistemática e abrangente. Todavia, o desenvolvimento mais importante deu-se em 2008. A crise financeira global que irrompeu nesse ano fez das receitas fiscais o bem mais escasso à disposição dos governos da maior parte do mundo ocidental, com a consequência de que muitos mergulharam num profundo défice financeiro.

A reação imediata de muitos desses governos foi procurar alguém em quem atirar as culpas por tudo o que aconteceu. Precisavam além do mais de ser vistos a tomar medidas contra a crise e queriam que essas medidas fossem céleres. Defrontar os paraísos fiscais satisfazia as necessidades dos políticos, sob todos os três aspetos.

À medida que os bancos do Reino Unido, Estados Unidos e Europa continental iam soçobrando em rápida sucessão, a opção de atribuir ao lado mais negro e associado aos paraísos fiscais do setor dos serviços financeiros a culpa por tudo o que tinha corrido mal teve o mérito de ser mais popular e, pelo menos, parcialmente justificável. Esse sentimento marcou a cimeira do G20 em abril de 2009, em Londres, na qual estive presente. Na comunicação final dizia-se: «Hoje (…) emitimos uma declaração, “Reforço do Sistema Financeiro”. Mais precisamente, acordamos (…) tomar medidas contra jurisdições não cooperantes, incluindo os paraísos fiscais. Estamos preparados para aplicar sanções que protejam as nossas finanças públicas e os sistemas financeiros. A era do secretismo bancário chegou ao fim.»

Foi uma afirmação ousada, sugerindo que os paraísos fiscais estavam fora do mainstream do sistema financeiro e que não cooperavam com outros Estados-nação nos domínios da regulamentação e gestão do risco financeiro; tornou claro que, da perspetiva dos governos que emitiram a declaração, o secretismo era o cerne do problema, sugerindo ainda que a aplicação de sanções a alvos específicos poderia resolver os problemas emergentes.

Todas as ideias eram interessantes, mas a proposta de solução que nasceu dessa cimeira estava essencialmente errada. Efetivamente, quase poderá afirmar-se que um dos êxitos do secretismo dos paraísos fiscais foi o facto de o modo de funcionamento dos paraísos fiscais ter sido tão mal compreendido que, quando o mundo voltou a sua atenção para os abusos que estes permitiam, não fazia a mínima ideia de como especificar os problemas que criaram – ou, por conseguinte, o modo como os abordar.

Efetivamente, quase poderá afirmar-se que um dos êxitos do secretismo dos paraísos fiscais foi o facto de o modo de funcionamento dos paraísos fiscais ter sido tão mal compreendido que, quando o mundo voltou a sua atenção para os abusos que estes permitiam, não fazia a mínima ideia de como especificar os problemas que criaram – ou, por conseguinte, o modo como os abordar.
Richard Murphy, "O Livro Negro dos Offshores"

Este livro argumentará que, embora o secretismo das operações bancárias seja uma característica inerente a alguns paraísos fiscais, não se trata de uma característica universal e não tem de o ser, uma vez que o sigilo dos paraísos fiscais foi e continuará a ser garantido de muitas outras formas.

Mais ainda: conforme defendi em Tax Havens, juntamente com os coautores Ronen Palan e Christian Chavagneux, em 2010, os paraísos fiscais não são uma parte distinta ou separada do sistema financeiro global, fazendo, na verdade, parte integrante do mesmo. A suposta separação dos paraísos fiscais face à restante comunidade financeira mundial, insinuada no comunicado do G20 em 2009, era assim ficção. A realidade era, e ainda é, que os paraísos fiscais estão totalmente integrados na nossa atual arquitetura financeira global.

Acontece apenas que, pelos seus próprios motivos, quem concebeu esse sistema tratou de o manter em parte escondido. Assim, imaginar que sanções bilaterais diretas contra um determinado paraíso fiscal sinalizaria o fim da era dos paraísos fiscais era indício de uma grave falha de compreensão do modo como funcionava o mundo dos impostos em 2009 – e como continua a funcionar hoje em dia.

Infelizmente, estes mal-entendidos continuam a circular como se de factos se tratasse. Assim, por exemplo, a Cimeira Anticorrupção de Londres, em maio de 2016, centrou a sua atenção no papel dos paraísos fiscais na facilitação de uma forma de corrupção estritamente definida, em grande parte relacionada com a evasão fiscal individual e o furto de propriedade pública por funcionários do Estado, em países desenvolvidos ou em desenvolvimento. Entretanto, ignorava-se o facto de que os impactos dos paraísos fiscais ultrapassam em muito essas áreas, incorrendo custos muito mais avultados para a sociedade.

“O Livro Negro dos Offshores“, de Richard Murphy
Edição: Clube do Autor
Tradução: Ana Pinto Mendes
240 páginas
PVP: 15,50€

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