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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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"Não vai ser fácil acabar com o assédio sexual nas tecnológicas"

Monique Woodard, investidora na 500 Startups, o fundo que foi alvo do mais recente escândalo de assédio sexual em Silicon Valley e que levou à demissão do seu CEO, em entrevista ao Observador.

Monique Woodard é investidora na 500 Startups, uma das principais aceleradoras e fundos de investimento de Silicon Valley, que nas últimas semanas tem estado em destaque na imprensa internacional devido às denúncias de assédio sexual contra o seu presidente executivo, Dave McClure. Na sequência de uma investigação do The New York Times, o líder da incubadora, que investiu em empresas portuguesas como a Talkdesk ou a Infraspeak, demitiu-se do cargo de CEO, pedindo desculpa pelos comportamentos inapropriados que teve com várias mulheres. A demissão foi anunciada pela cofundadora Christine Tsai num e-mail enviado à equipa.

500 Startups. Líder de grande incubadora de Silicon Valley acusado de assédio

Numa breve passagem por Portugal, ao abrigo de um evento organizado pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, Monique Woodard falou da polémica em que a aceleradora tem estado envolvida e de como é importante que a indústria esteja a discutir o “sexismo de grande escala” que ainda se sente na comunidade tecnológica. Para a investidora, é muito importante que todas as pessoas que pertencem à 500 Startups tenham “estes valores no sítio”, independentemente do cargo que ocupam. Como é que um fundo desta dimensão — que já captou mais de 556 milhões de dólares, investiu em 1.270 empresas e viu quatro serem admitidas em bolsa — recupera de um episódio destes? “Com políticas claras e rígidas contra o assédio sexual”, afirma, ainda que reconheça que há um longo caminho a percorrer.

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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Falamos na semana em que Dave McClure se despede da liderança da 500 Startups por causa de queixas de assédio sexual. A Monique está em Portugal para falar precisamente de igualdade de género na comunidade tecnológica. Explique-me: o que se passou na 500 Startups?
Acho que toda a gente viu as notícias e sabe o contexto desta história. Na minha perspetiva, enquanto investidora, acho que é meu trabalho e meu dever assegurar que as mulheres empreendedoras ou que trabalham em tecnologias são tratadas de forma justa e com respeito. É isto que tento utilizar como linha orientadora, na forma como me comporto enquanto investidora. E é muito importante para a 500 Startups que todas as pessoas da equipa tenham estes valores no sítio. Estou, sem dúvida, muito contente por a indústria estar a discutir isto. E espero que outros investidores, homens ou mulheres, também considerem a forma como têm estado a interagir com as mulheres empreendedoras. E que, caso detetem alguma coisa inapropriada nas suas equipas ou interações, a mudem.

Tem-se falado muito de assédio sexual este ano. Começou com as queixas na Uber e agora a investigação do The New York Times. Era urgente discutir este tema na comunidade tecnológica?
Acho que estamos a discutir o tema através do que se passa na comunidade tecnológica, mas também através de tudo o que se passa no mundo. O sexismo está muito presente no mundo todo, mas em particular nos negócios. Acho que nos devíamos focar em tentar chegar à raiz deste problema, perceber porque é que as mulheres estão a ser assediadas nas empresas em que trabalham. Por que é que há tão poucas mulheres a fundar empresas, tão poucas mulheres nos conselhos de administração… Tudo isto é sexismo em grande escala.

Tem respostas para estas questões?
Gostava de ter. Se tivesse, acho que já estaríamos muito à frente nesta questão. Ninguém tem respostas para estas perguntas, mas acho que nos cabe a todos, enquanto coletivo, reunirmo-nos para tentar perceber como podemos, individualmente e enquanto comunidade, promover mudanças. Uma das coisas que gostava de ver era o número de mulheres investidoras a aumentar, bem como o número de mulheres investidoras que gerem os seus próprios fundos. Acho que é muito importante que estas mudanças aconteçam — e, à medida que forem acontecendo, vamos ver mais mulheres fundadoras, mais mulheres nas presidências das empresas, nos conselhos de administração, mais mulheres na indústria. Com sorte, isto acaba por se tornar normal.

"Quanto mais mulheres estiverem no topo, mais se assegura que o processo é justo e igualitário para mulheres e homens. Começa por ter mais empresas com mulheres nos cargos de topo, torna esse processo justo e igualitário e então vais ver mais mulheres a candidatarem-se a cargos tecnológicos"

Como é que uma incubadora como a 500 Startups ou uma empresa com a dimensão da Uber pode recuperar de uma história destas?
Acho que a recuperação tem a ver com a forma como começamos a lidar intencionalmente com as mulheres fundadoras. Compreender os desafios que as mulheres enfrentam. E tentando implementar programas e políticas de apoio a mulheres empreendedoras, fazendo com que esse plano seja igual para qualquer fundador na sala.

É assim que se evita situações como esta? De abuso nas hierarquias?
Acho que sim. Ter políticas claras e rígidas internas sobre assédio sexual, assédio no geral, políticas contra a discriminação.

Pode dar exemplos?
Temos uma política de assédio sexual na 500 Startups. É um documento jurídico muito longo, não posso agora descrevê-lo, mas temos. E acho que todos os fundos devem ter uma política destas. Se queremos que os empresários vejam que a nossa cultura é tão positiva como pode ser, então estas são as coisas que têm de estar no seu devido lugar.

A falta de mulheres empreendedoras é um tema de discussão recorrente. O que é que não está a funcionar?
Acho que depende. Primeiro, precisamos de ter mais mulheres a receber investimento e a ter histórias de sucesso. Mais mulheres a receber investimento também pode ser um catalisador para outras mulheres que têm uma ideia de negócio e que percebem que há um caminho a ser feito, para que possam ter uma empresa de sucesso, que realmente consegue captar a atenção dos investidores. Quando tens poucos exemplos de sucesso, torna-se mais difícil visionar estes cenários. Uma das coisas a fazer é ter mais bons exemplos. Depois, é dar às mulheres investidoras a possibilidade de passarem cheques a outras mulheres. Não estou a dizer que devem apenas investir em negócios fundados por mulheres, mas, quando há um bom número de mulheres investidoras, percebemos que isso também aumenta o número de mulheres fundadoras.

Mas também há falta de mulheres nas empresas tecnológicas, no geral.
Acho que isso se resolve pondo mais mulheres nos topos das hierarquias. Para que haja mais mulheres a candidatarem-se a estas vagas e a chegarem à fase das entrevistas. Quanto mais mulheres estiverem no topo, mais se assegura que o processo é justo e igualitário para mulheres e homens. Começa por ter mais empresas com mulheres nos cargos de topo, torna esse processo justo e igualitário e então vais ver mais mulheres a candidatarem-se a cargos tecnológicos.

"Acho que nenhuma está a fazer isto bem. Vemos grandes empresas como o Facebook, Google, Uber a divulgarem os seus relatórios de diversidade que e acho que, ainda assim, há muito trabalho para fazer. Empresas como o Slack estão a tentar mudar alguma coisa, mas ainda há muito trabalho pela frente"

Que empresas são um exemplo de boas práticas de igualdade de género?
Não destacaria necessariamente nenhuma empresa tecnológica. Acho que nenhuma está a fazer isto bem. Vemos grandes empresas como o Facebook, Google, Uber a divulgarem os seus relatórios de diversidade e acho que, ainda assim, há muito trabalho para fazer. Empresas como o Slack estão a tentar mudar alguma coisa, mas ainda há muito trabalho pela frente. Acho que não existe nenhuma empresa tecnológica que esteja a ser perfeita e a fazer isto bem.

E qual é o papel das universidades? Também fazem parte da solução?
Claro. Vemos muitas mulheres contarem histórias de como vão para as universidades e desistem passado um ano ou dois. Acho que as universidades precisam de perceber porque é que isso está a acontecer. Também sei que nem todas as carreiras em tecnologia exigem um diploma em ciências de computação. Por isso, acho que a justificação de que isto acontece porque não há mulheres suficientes a licenciarem-se em ciências de computação é um mito. Há muitas cargos nas empresas tecnológicas que não exigem licenciatura e as mulheres continuam sub-representadas nesses cargos também. Por que é que isso acontece?

Porquê?
Acho que há sexismo sistemático.

Acha que isto também pode ser cultural, por causa da forma como as pessoas olham para uma carreira em tecnologia?
Acho que hoje tudo é tecnológico. A tecnologia toca em tantas áreas da nossa vida… Acho que as mulheres estão tão interessadas em cargos tecnológicos como em qualquer outra área. Por isso, não. Não acho que seja por aí.

Tem-se falado muito na “bro culture” [cultura de convívio masculina] de Silicon Valley, ligada a este tipo de liderança mais agressiva. O que está a acontecer? O ecossistema sempre foi assim ou é um fenómeno recente?
Não sei, não sou um bro, por isso, não tenho a certeza.

Mas sente que é verdade?
Não, na verdade não sinto. Acho que se olhar para os indivíduos que trabalham à minha volta muito poucos, quase nenhuns, podem ser descritos como bros ou que estejam inseridos nessa bro culture. Se olhares para os indivíduos, vais ver que há muitos bons investidores, muitos bons homens nas empresas tecnológicas que não são bros e que não estão a promover a bro culture nas suas interações do dia a dia, uns com os outros ou com as mulheres.

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Vai ser fácil pôr um fim a estas situações de assédio sexual na indústria tecnológica?
Acho que ainda temos muito trabalho a fazer, como provam todas estas coisas que estão a sair na imprensa, vindas de muitas pessoas diferentes na área. Isto significa que ainda há muito trabalho a fazer. Se acho que vai ser fácil? Não necessariamente. Não acho que seja fácil mudar uma cultura, mas acho que é fazível se trabalharmos juntos. Há muitos homens na indústria que querem mudar esta realidade e as mulheres estão pessoalmente a investir nesta mudança. Promovemos a mudança trabalhando juntos e implementando políticas mesmo muito boas juntos.

Mas essa união é dentro das empresas ou em toda a comunidade tecnológica?
Acho que são ambas precisas. É preciso que os indivíduos se empenhem, que a empresa se empenhe e que a comunidade se empenhe. Não é só uma coisa. É preciso que cada indivíduo pergunte a si próprio se está a fazer com que alguma mulher se sinta desconfortável nas interações que tem com ela. As empresas têm de questionar se têm políticas claras e concisas e a comunidade tem de perguntar o que está a fazer para apoiar as mulheres empreendedoras e para assegurar que não estão a ser assediadas.

Veio aqui para falar sobre a igualdade de género no momento em que a 500 Startups está a passar por isto.
Acredito em apoiar as mulheres empreendedoras. Quando as pessoas querem que fale sobre como podemos resolver este problema, então é óbvio que vou falar. Uma das coisas que temos de fazer é assegurar que nos levantamos contra o sexismo na indústria. Outra coisa que temos de fazer é assegurar que há capital disponível para as mulheres desenvolverem grandes negócios e que têm acesso a mentores, a fundos de investimento.

"Acho que ter mais acesso a investimento local é muito importante para fazer crescer um bom ecossistema tecnológico em Lisboa, especialmente para empresas que estão no início"

Por onde se deve começar?
Devemos começar por dar mais acesso às mulheres. Muitas vezes, as mulheres e outros empreendedores sub-representados não têm acesso a investidores ou a uma rede de contactos. É preciso manter a porta aberta e ter acesso às pessoas.

Quem são as mulheres empreendedoras que mais admira?
A Cristina Fonseca, da Talkdesk. .

O que mais admira na Cristina?
A tenacidade. O facto de ter construído um negócio mesmo muito interessante com o Tiago. Acho que foram capazes de desenvolver um negócio realmente grande, com impacto, e estão a fazer muito pelo ecossistema português. Acho que precisas de pessoas assim num ecossistema para que digam: “OK, podemos ter sucesso aqui. Não temos de começar uma empresa aqui e mudar completamente para Silicon Valley. Este é um sítio onde podemos encontrar oportunidades”.

Já tinha ouvido falar do ecossistema de startups portuguesas?
Sim, um bocadinho. Estou aqui há alguns dias, tenho amigos que trabalham no ecossistema, a 500 Startups é investidora da Talkdesk e da Infraspeak, por isso…. Sabemos que há um grande ecossistema tecnológico em Portugal.

O que acha que ainda falta fazer para que Lisboa se torne numa capital tecnológica?
Acho que é preciso mais capital no mercado. Acho que ter mais acesso a investimento local é muito importante para fazer crescer um bom ecossistema tecnológico em Lisboa, especialmente para empresas que estão no início. Ter mais capital semente é completamente necessário.

"Não acho que deve haver um setor em específico no qual o ecossistema de startups portuguesas se deva estar a focar. Acho que há uma oportunidade em muitos negócios diferentes para saírem deste ecossistema e darem-se bem"

E é importante atrair capital norte-americano?
Acho que quando o capital norte-americano vê empreendedores com talento presta atenção esteja ele onde estiver. Em fundos como o 500 Startups, investimos em todo o lado, não temos medo de ir a sítios onde outros investidores norte-americanos ainda não estejam focados. Por isso, temos estado a investir na Europa, no Sudoeste Asiático, em África. Acho que quando investidores de mente aberta como os que trabalham na 500 Startups veem que há oportunidade, seguem essa oportunidade.

E o que é essa “oportunidade”? O que procuram?
Procuramos empresas capazes de serem mesmo muito grandes e de terem muito sucesso.

Mas como se mede esse sucesso?
A oportunidade está nos retornos. O que perguntamos é se vai haver um bom retorno do investimento ou não.

Mas estão a focar-se em alguma área específica?
Não. E não acho que deva haver um setor específico no qual o ecossistema de startups portuguesas se deva estar a focar. Acho que há uma oportunidade em muitos negócios diferentes para saírem deste ecossistema e darem-se bem.

Concorda com a ideia de que a Europa ainda está atrasada face à cultura de investimento norte-americana?
Acho que é muito difícil dizer que este ecossistema está atrás do outro. Silicon Valley recebe claramente muita atenção, mas também há outros ecossistemas espalhados pelo mundo onde é possível encontrar empresas a fazer coisas mesmo muito boas. E, por isso, acho que não se trata de ter 30 empresas num sítio. Se calhar, Portugal só precisa de ter cinco boas empresas de cada vez. Acho que há muita oportunidade em todo o lado. E é por isso que investimos em todo o lado.

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