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O parasita cerebral toxoplasma gondii infecta quase todos os mamíferos, embora não produza efeitos significativos na saúde e comportamento da maior parte deles – os ratos são a mais assinalável excepção. Acontece que o toxoplasma gondii só consegue reproduzir-se sexualmente no corpo dos gatos, pelo que o parasita manipula o cérebro do roedor, fazendo, mediante indução de alterações na química hormonal do hospedeiro, atenuar a aversão deste ao odor a felinos (em particular à sua urina). Isto aumenta a probabilidade de o rato ser capturado e comido, o que permite ao parasita completar o ciclo de vida e gerar descendentes que irão infectar e manipular outros ratos.

Em Nós, os micróbios e uma visão alargada da vida (Temas & Debates, tradução de Luís Oliveira Santos), o divulgador científico britânico Ed Yong pinta esta história com cores demasiado garridas – fala da substituição do “receio natural por cheiros felinos […] por algo mais afim da atracção sexual” – mas o fundo da história não deixa de ser verdadeiro e de dar testemunho do extraordinário poder que seres tão minúsculos e “primitivos” podem exercer sobre os animais ditos superiores.

Nós os micróbios faz um historial da descoberta das relações entre os micróbios e os animais – e em particular com o homem – recorrendo a uma linguagem perfeitamente acessível a leigos em biologia e bioquímica, mas sem tratar o leitor como um tolo (embora adira à maçadora prática de fornecer detalhes espúrios sobre o cabelo e a indumentária dos cientistas cujas pesquisas acompanhou).

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Simultaneamente, faz também um relato dos cientistas que foram revelando esse mundo invisível, desde que, no século XVII, o holandês Anton van Leeuwenhoek examinou com o microscópio, que inventara nos tempos livres, água colhida num lago perto de sua casa ou proveniente da chuva e, depois, uma amostra da placa que recobria os seus próprios dentes.

Num país em que a publicação de obras de divulgação sobre ciências da vida é raquítica, a iniciativa da Temas & Debates merece ser saudada. A tradução soa escorreita, embora se pudesse desejar que o título inglês, I contain multitudes, que cita um célebre verso da “Song of myself”, de Walt Whitman (“Do I contradict myself? Very well, then I contradict myself, I am large, I contain multitudes”), tivesse gerado um título português menos chão. Há um índice remissivo (vá lá…), mas é uma versão radicalmente mutilada e simplificada da que consta na edição original (passou de 21 páginas para cinco).

“Nós, os micróbios”, de Ed Yong (Temas e Debates)

Onde começa e acaba a nossa individualidade?

À medida que o estudo dos microorganismos progride, torna-se cada vez mais evidente que as nossas vidas são profundamente influenciadas por uma multidão de criaturas microscópicas que vivem na nossa pele e, sobretudo, no nosso interior: “o odor, a saúde, a digestão, o desenvolvimento e dezenas de outras características que, supostamente, deveriam pertencer ao domínio dos indivíduos, são, na verdade, resultado de uma negociação complexa entre hospedeiro e micróbios” (Yong).

A descodificação dos genomas veio lançar luz sobre a nossa natureza e sobre a forma como esta é moldada pela herança genética, mas talvez seja desejável que não nos concentremos exclusivamente nesta, nem que a interpretemos de forma determinística, pois se cada um de nós é ele mais o seu microbioma (ou “microbiota, isto é, o conjunto dos seres microscópicos que o “habita”), será sempre preciso ter em conta também a soma dos genomas desse microbioma.

Se bem que, até à data, não se tenham encontrado provas de que um elemento do microbioma humano é capaz de ter sobre o seu hospedeiro um poder tão decisivo como o que o toxoplasma gondii exerce sobre os ratos, nada garante que aquilo que julgamos ser o nosso livre-arbítrio não esteja sujeito a influências do lobby microbiano. Poucas coisas parecerão depender tão exclusivamente do nosso alvedrio como a escolha de um prato na ementa de um restaurante. Porém, aquilo que para nós é um capricho ou o exercer de um gosto, pode representar quase uma questão de vida ou de morte para alguns habitantes do nosso intestino: “Alguns são incomparáveis na digestão de fibras vegetais. Outros prosperam com gordura. Quando escolhemos as nossas refeições, estamos a decidir quais as bactérias que são alimentadas, e quais as que vão sobrepor-se aos seus pares. Mas elas não têm de ficar sossegadas à espera da sua decisão […], têm maneiras de se introduzir no sistema nervoso. Se libertarem dopamina, um químico envolvido na sensação de prazer e de recompensa, quando comemos as coisas ‘certas’, será que nos treinam a optar por determinados alimentos em detrimento de outros? Será que têm voto naquilo que escolhe da ementa?”.

Quem não consegue resistir a um Big Mac poderá um dia alegar, com o respaldo da ciência microbiológica, “eu continuo firmemente comprometido com o meu programa de perder dez quilos até ao início do Verão, mas a minha flora intestinal votou em massa na ida ao McDonald’s e eu tive que vergar-me à vontade da maioria”?

Os bons, os maus e os vilões

A compreensão do papel do microbioma foi muito prejudicada por, no final do século XIX, quando os avanços na microbiologia começaram a dar uma ideia da vastidão e complexidade das nossas comunidades microbianas, prevalecer a ideia, decorrente das descobertas de Pasteur, de que os micróbios tinham, essencialmente, um papel maligno, causando doenças e perturbações várias. Foi preciso algum tempo e novas descobertas para perceber que os micróbios não são necessariamente ameaças – “pelo contrário, ajudam-nos a ser quem somos” (Yong).

Um dos aspectos em que esse contributo é mais notável (e inesperado) prende-se com o nosso sistema imunitário: “a concepção tradicional do sistema imunitário está repleta de metáforas militares e de linguagem repressiva. Vemo-lo como uma força de defesa que discrimina o eu (as nossas células) do não-eu (micróbios e tudo o resto), erradicando este”. Porém, defende Yong, não só isto não verdade como “não há ‘micróbios bons’ ou ‘micróbios maus’. Estes termos pertencem às histórias infantis. Não servem para descrever as relações confusas, turbulentas e contextuais do mundo natural”.

Um microorganismo que é benéfico num contexto, pode ser prejudicial noutro contexto – veja-se o caso da bactéria helicobacter pylori, que habita os estômagos de metade da população mundial e que é causadora de úlceras gástricas e duodenais e cancro do estômago, mas também reduz a incidência do cancro do esófago. Há bactérias intestinais que são perfeitamente inócuas enquanto se mantêm nos intestinos, mas que, caso um dano no revestimento intestinal lhes permita entrar na corrente sanguínea, causam infecções que podem ser mortais. O que não é necessariamente mau – é essa a base do funcionamento do insecticida biológico que recorre às toxinas da bactéria bacillus thuringiensis: não são estas a causa directa da morte dos insectos, mas causam a abertura de poros na parede dos intestinos das lagartas, dando à sua usualmente pacata flora intestinal acesso ao fluxo sanguíneo do hospedeiro, que morre de septicemia.

Modo de actuação do Bacillus thuringiensis

A função do nosso sistema imunitário não é a eliminação sistemática de todos os organismos estranhos. Nem sequer é a sua função principal a identificação e eliminação dos organismos patogénicos. É antes funcionar como um “imunostato”, “estabilizando a relação que temos com os nossos micróbios. Ele gere biliões benignos que vivem connosco, repelindo invasões por parte de uma minoria infecciosa”. Se o “imunostato” estiver regulado muito baixo, deixa-nos à mercê de infecções, se estiver regulado muito alto, ataca os micróbios benignos e desencadeia inflamações crónicas. “Ao longo do último meio século, a combinação de saneamento, antibióticos e dietas modernas” foi fazendo subir a regulação do imunostato, deixando-nos com sistemas imunitários com um “dedo do gatilho” demasiado nervoso, que “dispara” em resposta a “ameaças” como pó, moléculas inócuas nos alimentos, elementos inofensivos do microbioma e até contra as nossas próprias células.

Amamentar ou não amamentar?

Mas não se nasce com microbioma e sistema imunitário activado. Como escreve Yong, à nascença somos, do ponto de vista microbiológico, uma “tábua rasa”. É sabido que as crianças são, nos primeiros meses de vida, muito susceptíveis a infecções, mas tal não resulta da incipiência do seu sistema imunitário, mas de este ser deliberadamente desligado, de forma a dar oportunidade a que o microbioma comece a instalar-se e a prosperar. Durante este período, o bebé fica muito vulnerável a infecções, mas é aí que entra o leite materno, que contém anti-corpos que fazem a regulação da população microbiana da criança.

O leite materno não é “um simples cocktail de gorduras e açúcares” que possa ser substituído por um alimento produzido industrialmente, é um “sistema imunitário preliminar” que “serve para garantir que a criança tem os companheiros certos logo desde os primeiros dias de vida”. Uma importante componente do leite materno humano – os HMO, da sigla inglesa para “oligo-sacáridos do leite humano”, de que se conhecem 200 moléculas diferentes – não é digerível pela criança, está lá para alimentar o microbioma, ou melhor, para alimentar uma única subespécie, entre as muitas que integram o microbioma do bebé humano: a bifidobacterium longum infantis, bactéria que, ao consumir os HMO liberta ácido siálico, que parece ser um nutriente essencial ao desenvolvimento do cérebro da criança. Outra função dos HMO é ligarem-se a microorganismos patogénicos inactivando-os.

Quando se substitui o leite materno por leite de vaca, está a dar-se à criança um alimento que contém apenas um quinto da quantidade de oligo-sacáridos e numa variedade bem mais restrita. A indústria moderna tem, por vezes, a pretensão de oferecer sucedâneos concebidos em alguns milhares de horas de pesquisa laboratorial, para substituir produtos naturais que incorporam centenas de milhar de anos de aperfeiçoamento e de testes no mais duro e implacável campo de ensaios: a selva da vida.

Barrigas de sushi

Há várias características físicas que distinguem os japoneses dos ocidentais. As mais conspícuas são a prega epicântica (a prega de pele que faz os olhos parecerem oblíquos), as maçãs do rosto proeminentes, o nariz pequeno, o cabelo negro e liso, os olhos escuros, a pilosidade facial e corporal rarefeita. Porém, há também diferenças importantes que não são visíveis.

As tradições culinárias japonesas dão amplo uso à nori (algas vermelhas do género Porphyra), consumida usualmente sob a forma de folhas cuja produção, através de secagem e prensagem, é análoga ao do processo japonês para o fabrico de papel, e cuja aplicação mais conspícua, pelo menos ao olhar ocidental, está no sushi, onde surge a “embrulhar” o rolo de arroz. Acontece que os séculos passados a consumir nori dotaram o aparelho digestivo dos japoneses de um microbioma diferente do dos povos ocidentais.

Colhendo a nori, gravura de Utagawa Hiroshige, c.1848

Nos intestinos japoneses habita uma bactéria, a Bacteroides plebeius, que incorporou no seu genoma genes da bactéria marinha Zobellia galactanivorans, que a habilitam a produzir enzimas que fazem a digestão dos polissacáridos da nori – enzimas que o ser humano é incapaz de produzir. A Zobellia galactanivorans está adaptada ao ambiente marinho e, como tal, é incapaz de sobreviver no tubo digestivo humano, mas, a sua breve vida nesse ambiente hostil terá bastado para que algum do seu material genético tenha sido transferido para a Bacteroides plebeius, o que é benéfico para esta, pois pode explorar uma fonte de alimento que de outro modo lhe seria inacessível, e também para o hospedeiro humano, que digere melhor a nori.

Várias outras espécies do microbioma intestinal japonês exibem genes de espécies marinhas em resultado de uma dieta à base de produtos do mar. Há, porém, um aspecto crucial neste processo de “transferência de tecnologia”, que é o hábito japonês de consumir alimentos crus ou submetidos a doses moderadas e breves de calor. A partir do momento em que estes são cozinhados, os micróbios que contêm são mortos e deixam de poder transferir o seu material genético para o microbioma.

Tostando uma folha de nori, gravura de Utagawa Kuniyoshi, 1864

Yong não menciona que a tradição do uso das algas do género Porphyra na alimentação humana não se circunscreve ao Japão: está espalhada por boa parte da costa pacífica da Ásia, sendo conhecidas como gim na Coreia e zicai na China (é provavelmente a alga marinha mais cultivada e consumida no mundo), pelo que seria interessante averiguar em que medida é que os microbiomas desses povos asiáticos revelam ou não adaptações para a sua digestão.

Quem tem medo de organismos transgénicos?

As Bacteroides plebeius contendo genes de Zobellia galactanivorans que determinam a produção de enzimas que digerem os poli-sacáridos das algas são, no sentido lato, “organismos transgénicos”, embora não sejam “organismos geneticamente modificados”, uma vez que esta designação pressupõe a intervenção deliberada de humanos, através de processos de engenharia genética.

As bactérias reproduzem-se muito rapidamente e têm grande facilidade em trocar “pacotes” de material genético entre si ou em incorporar no seu ADN fragmentos de ADN que encontrem no ambiente, adquirindo assim as capacidades que lhes estão associadas. Este poder de incorporar material genético alheio habilita-as, da noite para o dia, a explorar fontes de alimentação que antes lhes estavam vedadas, mas também podem converter “agentes patogénicos vulneráveis e fáceis de matar em ‘superbactérias’” que resistem aos antibióticos mais potentes.

Nos animais superiores, o genoma é mais estável e não se presta tão rápida e facilmente a esse tipo de trocas e enxertos, pelo que a adaptação a novos ambientes e novas fontes de alimentos é um processo muito mais lento e gradual: são precisos milénios para que as mutações favoráveis se vão acumulando e sejam favorecidas pela selecção natural a ponto de se tornarem dominantes. Como escreve Yong, “na grande corrida evolutiva, [as bactérias] correm, enquanto nós rastejamos”. Porém, os hospedeiros podem tirar partido da rapidez adaptativa das bactérias acolhendo-as no seu microbioma.

Os ratos-do-deserto do Sudoeste dos EUA e do México adquiriram a capacidade de alimentar-se de creosoto (Larrea tridentata), um arbusto cujas folhas estão impregnadas de uma resina altamente tóxica para o fígado e rins.

Arbusto de creosoto, Death Valley, EUA

Se o rato-do-deserto estivesse dependente do ritmo natural das mutações para que o seu metabolismo e o seu processo digestivo se alterassem de forma a neutralizar a toxicidade da resina do creosoto, poderia ter de esperar milhões de anos. Em vez disso, o rato acolheu no seu intestino bactérias com poder para neutralizar a resina de creosoto. E quando a outros ratos-do-deserto, que viviam em regiões sem creosoto e que, quando testados, reagiram negativamente à sua resina, foram ministradas fezes de ratos-do-deserto insensíveis à resina de creosoto, os ratos “sensíveis” adquiriram instantaneamente o poder dos seus primos “imunes”.

Rato-do-deserto (Neotoma lepida), aqui banqueteando-se com um repasto bem menos tóxico do que as folha de creosoto

São várias as espécies de herbívoros, que tal como os ratos-do-deserto, se tornaram imunes às toxinas segregadas pelas plantas, através, não de alterações no seu metabolismo, mas dando abrigo a bactérias que neutralizam as toxinas.

Está disseminado na sociedade um receio nebuloso e informe em relação a organismos transgénicos, como se estes fossem todos uns monstros frankensteinianos, criados por cientistas a brincar aos aprendizes de feiticeiro. Porém, estes limitam-se a fazer, de forma deliberada e planeada, aquilo que a natureza sempre fez aleatoriamente. Mesmo que as pressões da sociedade interditassem os cientistas de transferir “cirurgicamente” genes entre bactérias, as bactérias continuarão a fazê-lo, como têm feito ao longo dos últimos 4.000 milhões de anos.

Isto não quer dizer que a criação de organismos geneticamente modificados não deva ser regulada ou que não se acautelem os aspectos nefastos ou iníquos associados à sua comercialização (é o caso da restrição imposta pelas grandes empresas biotecnológicas aos agricultores de guardar sementes de plantas geneticamente modificadas de um ano para o outro).

Como vai o seu trânsito intestinal?

O conceito de melhorar a saúde humana através do condicionamento do microbioma intestinal parece ter uma excelente oportunidade de aplicação nos chamados “alimentos probióticos” (de que os “iogurtes com Bifidus” são a faceta mais visível). Estes prometem juntar o saboroso ao saudável e têm vindo a ganhar cada vez mais espaço nas prateleiras dos supermercados e a movimentar somas cada vez mais astronómicas. Todavia, os resultados dos estudos científicos são decepcionantes e não há provas de que o consumo regular destes iogurtes traga benefícios para a saúde, o que levou as autoridades reguladoras nos EUA e na UE a proibir os fabricantes de publicitarem tais efeitos, a não ser que conseguissem demonstrá-los (não conseguiram).

Acontece que as bactérias presentes nos “iogurtes probióticos” – pertencentes maioritariamente aos géneros Lactobacillus e Bifidobacterium – foram “escolhidas mais por razões práticas do que científicas”: “são fáceis de cultivar, encontram-se em alimentos fermentados” e resistem bem ao processamento industrial. Porém, a maioria delas não só não surgem usualmente nos intestinos humanos como não são capazes de aí sobreviver durante muito tempo, nem de alterar a composição do microbioma, nem de produzir efeitos na saúde do hospedeiro.

O conceito de gerir o microbioma através da inclusão na dieta de bactérias “benéficas” faz todo o sentido, mas os fabricantes de alimentos probióticos parecem estar fixados nas bactérias erradas.

A ideia de gerir activamente o microbioma intestinal pode ter uma abordagem mais radical e menos cremosa e doce do que os “iogurtes com Bifidus”: em vez de tentar introduzir uma ou duas espécies seleccionadas pode pensar-se em importar todo um ecossistema intestinal, através de um “transplante de microbiota fecal” (FMT, da sigla inglesa). Há alguns ensaios clínicos que sugerem o sucesso do transplante de microbiota fecal em tratamentos de obesidade ou síndrome do intestino irritado, mas não são, em geral, concludentes. Seja como for, ao contrário dos iogurtes probióticos, o FMT presta-se pouco a ser anunciado em horário nobre com imagens de raparigas esbeltas a fazer ioga num jardim Zen e a exibir uma expressão próxima do orgasmo de cada vez que levam uma colher do produto à boca.

Elogio da porcaria (em doses moderadas)

Mesmo quem não se sinta atraído pela perspectiva de engolir cápsulas com fezes de estranhos (ou de conhecidos), sentir-se-á inclinado a achar razoáveis os argumentos que Yong apresenta contra a ideia, em que assenta boa parte da medicina, de que os micróbios são inimigos dos animais. Yong propõe que “esqueçamos as metáforas da guerra” e a ideia de “erradicar germes a qualquer preço” e abracemos uma abordagem mais próxima da jardinagem, cuidando de semear e alimentar as espécies que produzem efeitos benéficos na saúde humana e na qualidade do ambiente.

E é aqui que vale a pena considerar os riscos da obstinação asséptica que tomou conta das sociedades modernas. Yong lembra que “ao remover bactérias inofensivas que impediriam o desenvolvimento de agentes patogénicos, talvez tenhamos criado inadvertidamente um ecossistema mais perigoso”. A febre da desinfecção diminui radicalmente a diversidade de espécies, criando ecossistemas microbianos altamente instáveis e deixando o espaço livre para o crescimento explosivo de espécies patogénicas.

O efeito foi comprovado por um estudo em casas de banho públicas, que demonstrou que “as sanitas desinfectadas com demasiada frequência apresentam maior probabilidade de ficarem cobertas de bactérias fecais” (lançadas no ar pela descarga do autoclismo), e um estudo em hospitais, em que o ar exterior, “carregado de micróbios inofensivos das plantas e do solo”, contrastava com o ar interior, que continha “um número desproporcional de agentes potencialmente patogénicos, normalmente raros ou ausentes no mundo exterior, [provenientes da] boca e pele dos residentes hospitalares”. A conclusão que pode tirar-se é que a atmosfera hospitalar seria bem mais salubre se se desligasse o ar condicionado e se abrissem as janelas.

Quanto a ensinamentos para a vida quotidiana, o que se depreende do livro de Ed Yong é: deixe os miúdos brincarem na lama e, se tiver condições, arranje um cão que traga para casa resmas de micróbios provenientes daqueles lugares imundos e olorosos em que os canídeos tanto apreciam fossar.