Jagger, Richards, Watts e Wood têm novo disco, o 25º de estúdio. Eles andam aqui há tanto tempo que é difícil imaginar o mundo sem eles. Em Blue & Lonesome assinam um regresso ao início da banda, com 12 versões de clássicos dos blues. E se eles fazem esta viagem no tempo, perguntamos nós: como teria sido um mundo sem os Rolling Stones? Há que limitar. Escolhemos só 26 coisas – uma por cada letra do alfabeto.

lonesome and blue

“Lonesome and Blue”, dos Rolling Stones (Universal)

América Latina

A América Latina seria mais pobre, muito mais pobre. Tendo em conta os hábitos consumistas de Jagger, Richards e companhia, os PIBs de várias repúblicas da América Central e do Sul seriam consideravelmente mais pequenos, com danos incalculáveis ao longo de toda uma cadeia de profissionais nem sempre bem compreendidos, mas certamente honrados.

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Blues

Sem os Stones, alguma vez teriam saído do Mississipi? Foi pelos blues que Jaggers e Richards começaram e é aos blues que regressam com o novo disco. Trouxeram as influências de Muddy Waters, Little Richard, Fats Domino, Bobby Womack, Chuck Berry e Jimmy Reed para o rock e transformaram todos em qualquer coisa maior.

Concertos

Não foram os únicos, mas foram, provavelmente, os maiores. Os Stones ampliaram a escala. O rock saiu dos clubes e dos pavilhões para os estádios e as praças. Em Março deste ano, actuaram em Cuba perante meio milhão de pessoas no histórico concerto do estádio Ciudad Deportiva, mas dez anos antes, por exemplo, no Rio de Janeiro, tinham uma plateia de mais de um milhão de pessoas. Ainda recentemente quatro das cinco tournées mais lucrativas da história eram deles e, entre nós, foram dos primeiros nos concertos de estádio com uma mítica noite de 1990, no velho José Alvalade.

Dança

Mesmo sem os Stones, os anos 60 teriam mudado quase tudo no mundo da música. Quase tudo – menos a dança. As mulheres teriam lá chegado de qualquer maneira, mas os homens? Com Bob Dylan, Paul Simon, Paul McCartney ou mesmo Lennon? Sem Jagger, continuaríamos a pedir licença a um pé para mexer o outro. Admitindo que tínhamos mesmo sido obrigados a mexer-nos pelas forças da autoridade.

Envelhecimento activo

Num mundo sem os Stones, o Eládio Clímaco seria a nossa ideia de velho bem conservado e umas tardes de jogo da malha e uns workshops de macramé um razoável projecto de envelhecimento activo. A idade média dos quatro Stones fundamentais é 72 – e isto porque o Ronnie ainda é um puto de 69 – e continuam a compor, gravar, actuar, viajar pelo mundo e a curtir feitos malucos. Pense nisto da próxima vez que o Arménio Carlos pedir reformas aos 50.

Felicidade

Que seria da felicidade sem os Rolling Stones? Não seria só perder a alegria de dançar o “I Miss You” ou o “Simpathy for the Devil”; seria uma ideia de contentamento e não de insatisfação, como estabelecido por Sir Jagger.

Guarda-roupa

Sem Stones, andaríamos todos mais direitinhos, mais formais, mais empiriquitados, que é uma bonita palavra que corre o risco de se perder. Antes deles, o costume era os membros das bandas – mesmo as rock – apresentarem-se todos vestidos de igual ou de alguma forma complementar. Mesmo os Beatles. Sobretudo os Beatles. Os Stones foram a reacção. Os descamisados, desconjuntados, despenteados, deliberadamente construídos para contrastarem com os quatro de Liverpool. Eram, pela primeira vez, o elogio dos bad boys – e os bad boys nunca mais foram os mesmos.

Homens

Ainda antes de Bowie, Jagger iniciou a celebração do homem que conseguia ser bonito de uma maneira feminina qualquer – continuando a ser um homem. E heterossexual. É certo que só ele consegue ter eyeliner, o umbigo à mostra e um casaco de lantejoulas e continuar a parecer viril, mas ensinou-nos a todos a sermos menos monolíticos. Num mundo sem Stones, portanto, a diferença entre um homem e um calhau seria ainda mais reduzida.

11 fotos

Inglaterra

Num mundo sem Stones, a Inglaterra seria só educação, pontualidade, Oxford, chá e cabelinho à Beatle. Obrigado, Keith Richards, por teres lixado tudo.

Juventude

Sem Stones, a juventude acabava oficialmente no casamento ou com a chegada do primeiro filho. Com Stones, juventude é tudo o que vem antes da morte.

Keith Richards

Num mundo sem Stones, Keith seria, desconfiamos, exactamente o mesmo. Exactamente igual.

Limites

Num mundo sem Stones, os limites estariam traçados mais perto. Muuuuuito mais perto.

Morte

Sem Stones, a morte espreitava sempre no fim dos excessos. Do álcool, das drogas, até do sexo. Sempre. No fim do descontrolo, de uma ideia do rock, do prazer. A morte seria sempre o grande juiz moral contra o qual a humanidade já não teria argumentos para bramir. Sem Stones, a morte meteria mais medo.

Nanker Phelge

O senhor Nanker Phelge nunca teria existido (Nanker é o misterioso nome que encontrarão creditado como autor de muitos temas da carreira dos Rolling Stones e que é, na verdade, o pseudónimo colectivo que a banda usa quando um tema é feito com a contribuição de todos).

Oxigénio

Num mundo sem Stones, haveria mais oxigénio a passar no nariz de Keith Richards e, logo, menos oxigénio disponível para o resto da espécie.

Profissionalismo

Num mundo sem Stones, a ideia de profissionalismo seria antisséptica, higienizada, devidamente expurgada de conteúdo, concentrada na forma e no preconceito, no fato e na gravata, no casamento, no horário das 9 às 5, na obediência a fés várias, no estrito cumprimento da lei, na cabeça baixa, no ar sério. Com os Stones, provou-se, estranhamente, o contrário: que, no meio de todo o artifício, era possível ser-se profissional. Aliás, ser mais profissional do que todos os outros. Nestes 54 anos, não houve banda que não se zangasse, amuasse, separasse, falhasse, desistisse, perdesse, morresse – eles ultrapassaram dependências, prisões, mortes de companheiros, mortes de familiares, e continuaram. Continuaram sempre.

Quadrado

Definitivamente. Um mundo sem Stones seria muito mais quadrado. Pelo contrário (e apesar de tudo), é preciso ter esperança num em que uma pessoa como a rainha Isabel II nomeia cavaleiro uma pessoa como Mick Jagger.

Rock

O rock teria seguido outro caminho, talvez mais britânico, mais caucasiano, e depois mais oriental, levado pelos Beatles. Teria dado a volta, porque a Terra é redonda, e chegado lá, mas demoraria mais tempo. Com os Rolling Stones, o rock descobriu cedo a música negra – o blues, o r&b, a soul – mas também a folk e a country da América. Tornou-se depressa mais visceral, mais verdadeiro, mais carnal.

Sexo

O sexo podia ter acabado na visão do rabo de Yoko Ono e, com isso, toda a civilização. O glam rock poderia nunca ter existido e o Cliff Richard ser a nossa ideia de sex symbol na era da cultura pop. Não haveria a célebre língua dos Stones, desenhada por John Pasche para ser o logótipo da efémera editora com o nome da banda, não haveria a boca de Jagger, não haveria a pop directa ao assunto de “Start me Up”, “She was Hot”, “Brown Sugar”, “Some Girls” ou “Let’s Spend the Night Together”. Só metáforas. Ainda estaríamos nas metáforas.

Tarimba

Isto estaria entregue aos justin biebers desta vida. E isso não pode ser. É preciso considerar sempre a mais-valia da tarimba, que é, ainda por cima, um termo muito mais bonito do que know-how e que se parece muito mais com qualquer coisa que se possa dançar.

UHF

Num mundo sem Stones, os UHF seriam a nossa ideia de dinossauros do rock. E aí o rock seria diferente. E os dinossauros também.

Velhice

Num mundo sem Stones, a velhice seria só a espera. Num mundo com, nem todos somos estrelas rock nem conhecemos os dealers certos, mas não temos desculpa para não saber que o trabalho e o prazer nos mantêm vivos. É como diz Charlie Watts: fica doente de cada vez que param de trabalhar.

Watts

A propósito. Num mundo sem Stones, Charlie Watts teria sido um monge zen num mosteiro tibetano ou campeão mundial de póquer, em vez de ter passado mais de meio século Jagger, Richards, Jones e Wood no estúdio, no palco, nos camarins e na estrada, sempre com aquele ar de quem não parte um prato.

X (Geração)

A icónica Rolling Stone, referência para toda a cultura pop, deve alegadamente o título não só aos Rolling Stones, mas também a “Rolling Stone”, o tema de Muddy Waters que inspirou o nome da banda, e a “Like a Rolling Stone”, de Bob Dylan. Mas convenhamos: sem Stones, alguém se lembraria do tema de Muddy Waters? E, nesse caso, bastaria o de Dylan? Porque não outra canção qualquer? Os Rolling Stones, acima de tudo, definiram uma atitude, uma pose, uma filosofia rock’n’roll que toda a geração X empunhou como bandeira.

You can’t always get what you want

Seria só isto: não podes ter tudo o que queres. Num mundo com Stones, a canção acrescentou: “but if you try sometimes / well you might find / you get what you need”.

Zippers

Num mundo sem Stones, Andy Warhol nunca teria criado a capa de “Sticky Fingers”, onde um fecho zipper podia ser aberto e revelar um tipo em cuecas que milhões de moças por esse mundo fora tomaram, erradamente, por Mick Jagger. Foi em 1971; depois, tornou-se presença habitual nos tops das melhores capas de discos de sempre. Hoje, poderá parecer banal, mas, num mundo sem Rolling Stones, haveria certamente menos zippers, ou menos liberdade para os abrir e fechar. E isso não podia ser bom sinal.

Alexandre Borges é escritor e guionista. Assinou os documentários “A Arte no Tempo da Sida” e “O Capitão Desconhecido”. É autor do romance “Todas as Viúvas de Lisboa” (Quetzal).