A dança da conquista começou quando a ideia (ou a paixão) aterrou na cabeça de um. Ou dos dois. “Acreditas em amor à primeira vista?”. “Não, só na paixão”. Só os românticos diriam que sim e eles são práticos ou racionais. Mas a realidade desmentiu-os e mostrou-lhes que o amor e a paixão realizaram-se quase instantaneamente. No caso deles, o amor atracou vindo do frio sueco ou polaco, e cresceu em duas ou três línguas. Começou no quente de uma praia na Índia e deslocou-se por meio mundo até escolher o porto de Lisboa como abrigo. Viajou por palavras em cartas datadas, para mostrar que em tempos de crise, o amor não escolhe uma cabana, mas uma casa partilhada onde apesar de dizerem “älskar”, “love”, “amor” ou “miłość”, só há uma linguagem comum.
Esta é a história de um modesto apartamento nos Sapadores em que conviveram quatro amigos: entrou um sueco para viver com uma portuguesa e, nas voltas dos meses, saiu um português para ir para a Polónia viver com uma polaca. A emigração e imigração do amor não entram nas contas do PIB, mas entram nas contas de Tatiana, portuguesa de 26 anos, de Oscar, sueco de 25, de Pedro, português de 26 anos e de Iwona, polaca de 23. E entram nas contas das tendências sociais. Os dados mais recentes mostram que cerca de mil portugueses casam com estrangeiros e que esta é uma tendência que tem aumentado desde o virar do século. Culpa da emigração e imigração (e de casamentos por conveniência), mas também da mobilidade dos estudantes com programas como o Erasmus.
Vamos falar de amor. Dos amores para a vida que nunca viam a vida do mundo e que agora correm mundo. Tatiana e Oscar encontraram-se do outro lado do globo. Ele percorreu metade num barco e reencontraram-se em Lisboa, com os pés na Suécia. São daquelas histórias que dariam um guião de um filme de domingo à tarde.
Conheceram-se numa viagem à Índia. Ela com amigas, ele sozinho. Andaram com phones na cabeça numa silent party, mas foi na praia que acabaram a contar segredos um ao outro até de manhã. “Achei que nunca mais o ia ver”, conta Tatiana. Mas ele era mais romântico e meses depois de trocarem cumplicidades via Facebook e Skype, Oscar estava decidido a reencontrá-la.
Problema (se é que se pode chamar problema): Oscar tinha guardado todos os tostões dos meses que tinha trabalhado em três sítios diferentes para comprar um barco e fazer uma viagem pelo Atlântico com o irmão e dois primos e ia passar meses no mar. Não antes sem fazer uma escala em Lisboa.
“Fiquei preso em Lisboa”, diz a sorrir quando conta que o plano era ficar poucos dias e acabou por ficar três semanas. Culpa da morena de cabelos encaracolados de riso fácil que lhe mostrava a cidade à noite enquanto de dia ele procurava peças para o barco. E faltava sempre mais uma peça.
Já não havia travessia do Atlântico que lhes toldasse o sentimento. E como qualquer casal apaixonado trocaram juras de amor. E trocaram cartas de amor daquelas que não existem só nos filmes. Oscar ia passar pelo menos 30 dias no mar e Tatiana decidiu escrever-lhe cinco cartas para ele abrir em datas certas. A lamechice romântica fê-los sonhar um com o outro. “Escrevi com datas certas para ele sentir ao longo daqueles dias que continuávamos um contacto”. A “strike of genious [golpe de génio]”, acrescentou ele. Ainda não tinha chegado a Sagres e já Oscar lhe estava a enviar “saudades” antes de se perder por dias nas ondas do Atlântico — e no dicionário de português que levou para poder escrever “qualquer coisa” na língua de Camões, no diário de bordo.
Coisa complicada para um sueco que já tinha aprendido que a melhor maneira de encantar aquela portuguesa era mesmo dizendo no fácil inglês: “I love you”.
Mas a história só tomaria outro rumo quando, nas vésperas de Natal, a prenda dele, o romântico, para ela, foi uma viagem a Guadalupe onde ele estava atracado. Ela voltou para Lisboa e o impulso que lhe tinha tomado conta da cabeça, também. Mas a viagem dele continuava. E continuou por mais dois ou três meses. E o relógio e a meteorologia não são amigos do amor. Só as redes sociais ajudaram a acalmar até que o bom tempo permitisse o regresso. A forma de comunicação mais imediata, substituiu as cartas do início.
“Parecia um náufrago”. É assim que Tatiana descreve o homem loiro, de olhos azuis que entretanto desfez a barba e cortou o cabelo, quando este regressou de dez meses de mar. Oscar saiu de Porto Rico em maio e chegou aos Açores em junho. Deixou o barco ao irmão para continuar viagem e apanhou o primeiro avião até Lisboa. Chegou com o cheiro de sardinha assada na capital, com o “aperta com ela” a ouvir-se nos santos populares e decidiu ficar. Demorou quatro dias até encontrar trabalho num hostel. Não quer estudar mais, quer “ser feliz”.
Já Pedro, que ouvia a conversa do casal amigo, decidiu partir com Iwona. Os destinos dos quatro juntaram-se debaixo do mesmo teto, com as faturas a serem divididas por quatro, mas acabaram por cada um ir para o seu lado. Iwona Jankowska queria fazer mestrado na Polónia, porque tem tudo pago, e Pedro Andrade foi com ela.
A história dos dois é semelhante a muitos dos casais Erasmus. Ela veio para Lisboa estudar e por ironia do destino teve de ficar na casa de Pedro a viver por cinco dias. Os pais de Iwona estavam longe de imaginar. Ela dizia-lhes para não se preocuparem porque o português não gostava dela. Mas já gostava e mostrou-o quando numa festa no Algarve decidiu tentar a sorte. Conseguiu e o romance já dura há cerca de três anos.
O Erasmus acabou. E agora? Esta é a pergunta que muitos casais que se conhecem quando estão a estudar no estrangeiro fazem. Muitos terminam as relações, outros tentam durante um tempo uma relação à distância, que cede vencida pelos quilómetros. Iwona e Pedro também fizeram parte destas estatísticas.
Durante meses, Iwona dizia para si “isto não é muito sério, vai acabar”, imita-se com o sotaque quase perfeito e muito articulado. Mas o que acabou foram os meses de estudo. E com o verão à porta aterrou numa realidade: ou ficava ou acabava. Nem sim, nem sopas. Durante dois anos tentaram a sorte e namoraram à distância. Encontravam-se em viagens e em cada uma delas, havia peripécias. Em Barcelona, uma greve geral cancelou o voo de Pedro e encurtou-lhes a estadia para um dia. Mas não foi caso único. Um nevão em Paris – durante outra viagem – fez com que uma viagem com escalas que demoraria 10 horas, demorasse 50 e o culminar dos azares aconteceu quando se encontravam a meio caminho, em Itália. Decidiram praticar snowboard e Iwona torceu o pulso.
Dois anos de distância e de peripécias cansaram-nos. Para salvar o amor da vida, Iwona decidiu fazer férias em Lisboa o ano passado e por cá ficou. Durante meses aceitou trabalho num restaurante do oriente só para não ter de largar aquilo que acredita poder ser o amor da vida dela: “Claro que o amor para a vida existe, mesmo que hoje em dia pareça extinto. Eu acredito que esse tipo de amor existe e que os meus pais são o melhor exemplo. Fui criada com a ideia que um casamento deve durar para sempre”. Afinal, Pedro, que também acredita “que o amor a sério nunca desaparece por completo” pode bem ser o príncipe encantado que lhe dará um final feliz.
O para sempre de Iwona e Pedro já leva mais de três anos. O de Tatiana e de Oscar já dura há quase dois.