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O romance nasceu aos coices e aos pinotes

Assinalando 50 anos de existência, as Publicações D. Quixote reeditaram o livro que lhes dá nome e colocaram-no à venda por 10 euros – já ninguém tem desculpa para não ler esta obra-prima.

Tal como temos dificuldade em imaginar um avô como adolescente rebelde e azougado, também costumamos conceber os primórdios das formas de expressão artística como algo sisudo, hirto e a cheirar a naftalina, espartilhado por convenções, sem disposição para brincadeiras e irreverências. Quem imagine que D. Quixote é um clássico venerando, uma obra fundadora, sim, mas datado, não suportando a comparação com o estilo desempoeirado e vivo do romance moderno, labora num grande equívoco. Quem o conheça sabe que poucos são os romances de hoje capazes de rivalizar em audácia com este livro cujo primeiro volume foi publicado em 1605, seguido por um segundo, ainda mais azougado e subversivo, em 1615.

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D. Quixote possuído por um torvelinho de ideias respigadas das leituras de romances de cavalaria. Gravura de Gustave Doré, 1863

As tropelias começam logo no prólogo, com uma feroz e divertida sátira à nefasta prática do name-dropping e à necessidade de caução cultural que aflige tantos actores do meio literário. Recomenda, em tom de mofa, que se polvilhe a prosa com citações em latim, provenientes das Sagradas Escrituras ou de grandes vultos das letras como Catão, mesmo que sejam despropositadas – “com estes latinórios e outros que tais, hão-de tomar-vos ao menos por gramático, que sê-lo não é de pouca honra e proveito no dia de hoje”.

Aconselha também que as mais vulgares ocorrências, coisas e criaturas mencionadas no livro remetam para referências eruditas: “se [tratardes] de cruéis, Ovídio ceder-vos-á Medeia; se de encantadores e feiticeiras, Homero tem Calipso e Virgílio, Circe; se de capitães valorosos, Júlio César a si mesmo se prestará em seus Comentários, e dar-vos-á Plutarco mil Alexandres”. Tendo os clássicos greco-romanos caído em desuso e tendo o latim e o grego sido escorraçados dos curricula, hoje o name-dropper literato favorece Wittgenstein, Benjamin ou Derrida, mas a presunção e a vanidade são as mesmas.

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Quem imagine que D. Quixote é um clássico venerando mas datado, não suportando a comparação com o estilo desempoeirado e vivo do romance moderno, labora num grande equívoco.

No prólogo, Cervantes insinua a dúvida sobre a autoria do livro, declarando que “embora pareça pai, sou padrasto de D. Quixote”, mas a questão autoral só volta a pôr-se no fim do capítulo VIII, quando Cervantes suspende inesperadamente a narrativa (e escolhe fazê-lo num momento particularmente crítico e tenso, deixando D. Quixote e um adversário de espadas alçadas, prontas a desferir golpes mortais) e admite que não conhece a continuação da narrativa – que apresenta como sendo de factos reais – pelo que para prosseguir o livro teve de recorrer a um manuscrito alheio, escrito em árabe, que adquirira a um rapaz que vendia “cartapácios e papéis velhos” pelas ruas de Toledo, e que de acordo com um “mourisco” letrado que se prestou a vertê-lo para castelhano, era a “História de D. Quixote de la Mancha, escrita por Cide Hamete Benengeli, historiador arábico”.

Daqui em diante, é sempre Benengeli que é apresentado como autor do livro, embora Cervantes mantenha que tudo o que nele se passa aconteceu efectivamente e que se “se pode pôr alguma objecção acerca da sua verdade, não poderá ser outra senão ter sido seu autor arábico, sendo muito próprio dos daquela nação serem mentirosos”. E fechado este parêntesis, retoma, agora seguindo (supostamente) Benengeli, a acção exactamente onde a deixara: “Postas e levantadas ao alto as cortantes espadas dos valorosos e esforçados combatentes…” Os cliffhangers forçados no final dos episódios de folhetins de jornal e séries de TV ainda estavam por vir, mas a sua sátira já estava lavrada.

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D. Quixote e Sancho Pança fazem-se ao caminho. Gravura de Gustave Doré, 1863

D. Quixote não foi o primeiro romance, mas trouxe ao género admiráveis inovações, ao tornar a realidade infinitamente complexa, subtil e escorregadia, devido à multiplicação de pontos de vista e ao primado da ironia. É certo que a irrupção do humor no romance já ocorrera antes, com Pantagruel (c. 1532), de Rabelais, mas aquilo que Milan Kundera escreve a propósito deste livro, em Os Testamentos Traídos, também vale para D. Quixote: “O humor: o relâmpago divino que descobre o mundo na sua ambiguidade moral e o homem na sua profunda incompetência para julgar os outros; o humor: a embriaguez da relatividade das coisas humanas, o estranho prazer resultante da certeza de que não há certeza.”

Cervantes estava consciente da revolução que estava a operar e, perto do final do 1.º volume, no capítulo 47, porá na boca de um cura o louvor das novas possibilidades abertas ao romancista: “ora pode mostrar-se astrólogo, ora cosmógrafo excelente, ora músico, ora inteligente nas matérias de estado, e quiçá lhe suceda ocasião, de se mostrar nigromante, se quiser. Pode mostrar as astúcias de Ulisses, a piedade de Eneias, a valentia de Aquiles, a liberalidade de Alexandre, o valor de César, a clemência e verdade de Trajano, a fidelidade de Zópiro, a prudência de Catão […]. Porque a escritura desatada destes livros dá lugar a que o autor possa mostrar-se épico, lírico, trágico, cómico, com todas aquelas partes que encerram em si as dulcíssimas e agradáveis ciências da poesia e da oratória”.

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D. Quixote, reconhecido consensualmente como “fundador do romance moderno” e com presença assegurada em todos os cânones literários, é nome bem adequado a uma editora de livros e também faz todo o sentido que as Publicações D. Quixote assinalem este ano o seu cinquentenário com uma reedição da tradução de D. Quixote por Miguel Serras Pereira, colocado no mercado ao preço de 10 euros – uma ninharia, tratando-se de um livro de capa dura com 936 páginas.

Mas outra data redonda poderia também justificar esta reedição: foi em 1615 que Cervantes publicou o 2.º volume de Don Quixote. Hoje estamos habituados a considerar D. Quixote como um único livro, mas quando Cervantes publicou o 1.º volume, El Ingenioso Hidalgo Don Quixote de la Mancha, nada deixava adivinhar que viria, dez anos depois, a produzir uma “sequela”, a Segunda Parte del Ingenioso Caballero Don Quixote de la Mancha. E se o 1.º volume já é de surpreendente modernidade, o 2.º introduz uma sofisticação e um jogo de auto-referencialidade que faz dele um romance pós-modernista avant la lettre.

A “sequela” tem uma génese curiosa: o estrondoso êxito do 1º volume, que, no final de 1605 já conhecera duas novas edições em Madrid, outras duas em Lisboa e outra em Valência, e seria impresso em Bruxelas em 1607 e em Milão em 1610, talvez tenha despertado em Cervantes, a quem a vida reservara tanto infortúnio e só obtivera reconhecimento já entrado em anos, a ideia de um 2.º volume, que anunciou no prólogo das Novelas Exemplares, de 1613.

Hoje estamos habituados a considerar D. Quixote como um único livro, mas quando Cervantes publicou o primeiro volume nada deixava adivinhar que viria, dez anos depois, a produzir uma “sequela”.

Foi, porém, ultrapassado: em 1614 surgia uma continuação, apócrifa, das aventuras de D. Quixote, da autoria do “licenciado Alonso Fernández de Avellaneda, natural da vila de Tordesilhas”. Não se apurou quem seria este Avellaneda, embora haja quem sugira que seria alguém a mando de Lope de Vega, outro gigante literário do Siglo de Oro e que mantinha com Cervantes uma rivalidade acrimoniosa, bem patente numa carta que Lope de Vega escreveu a um amigo, pouco depois da saída de D. Quixote: “não conheço nenhum poeta tão mau como Cervantes nem tão néscio que gabe D. Quixote”.

Há quem sugira que sob o nome de Avellaneda se ocultaria o próprio Lope, outros atribuem-lhe apenas o prólogo, que é francamente provocador e até insultuoso – Cervantes é rotulado de “velho, manco [ficara com uma mão inutilizada em Lepanto], amargurado e invejoso”. No prólogo do 2.º volume, Cervantes haveria de responder, com elevação, aos insultos soezes de Avellaneda e lançaria farpas contra Lope de Vega.

Não se sabe se Cervantes teria, de qualquer modo, concretizado a sugestão lançada em 1613, ou se foi a obra de Avellaneda que o espicaçou. O que é certo é que o surgimento do D. Quixote apócrifo trouxe inesperadas dimensões ao 2.º volume: o enredo deste é profundamente afectado pela existência do 1.º volume e do apócrifo de Avellaneda. Pode mesmo dizer-se que boa parte dos eventos que têm lugar na 2.ª parte são consequência do facto de as personagens com que Quixote se cruza terem lido a 1.ª parte.

A elaborada farsa montada pelo Duque e pela Duquesa, na qual Quixote e Sancho ficam enredados durante numerosos capítulos, só acontece porque os primeiros leram com gosto a 1ª parte das aventuras e pretendem divertir-se à custa do lunático cavaleiro. Ficção e “realidade” começam a perseguir-se cada vez mais de perto: quando Quixote, depois de escapar às armadilhas do castelo do Duque, se encaminha para Saragoça, encontra outro leitor, desta feita da versão de Avellaneda, e informa-o de que o livro narra a sua estadia em Saragoça; mal ouve isto, o cavaleiro manchego decide desfeitear Avellaneda e arrepia caminho, dirigindo-se para Barcelona. E é com insaciável curiosidade que Quixote e Sancho interrogam quem leu o livro (nas suas diferentes versões), querendo saber a forma como nele são retratados, confrontando as descrições literárias com os “factos” por eles “vividos” e enjeitando, claro está, a versão de Avellaneda.

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D. Quixote, espancado e saudoso de Dulcinea. Gravura de Gustave Doré, 1863

Se no início da aventura, é apenas por obra da obstinada e inflamada imaginação do próprio D. Quixote, alimentada a romances de cavalaria, que da banal e monótona paisagem do planalto manchego vão surgindo um sem fim de castelos sumptuosos, cavaleiros aguerridos, exércitos em batalha, damas pulquérrimas, gigantes ferozes e feiticeiros malignos, no 2.º volume e por obra da difusão pública do 1.º, a ficção torna-se auto-sustentada e a imaginação de D. Quixote já pouco precisa de distorcer a realidade, pois são as pessoas com quem se cruza que, por terem lido o livro e saberem quem ele é e que loucura o consome, se afadigam a construir enredos mirabolantes em que D. Quixote (e o ingénuo Sancho) pouco mais são do que títeres.

Quixote e Sancho vêem a sua autonomia seriamente coarctada ao caírem na engrenagem do “seu” próprio livro, ou melhor, do livro enquanto forma de arte reproduzida mecanicamente, ou melhor ainda, do livro enquanto best-seller, ou, mais actual ainda, dos meios de comunicação de massas e do seu poder para alterar a realidade.

Entre os muitas possibilidades de reflexão que D. Quixote oferece, poderão ainda destacar-se estes três aspectos:

● A sistemática desconfiança com que Quixote enfrenta a realidade, moldando-a sempre aos seus delírios e descartando todas as evidências que lhe são apresentadas da sua loucura e dos seus equívocos como manipulações de nigromantes e encantadores, sugerindo mesmo que ele é o único que vê o mundo como ele realmente é, e que os outros é que são vítima de ilusões (embora a partir de certa altura comece a admitir que é ele a principal vítima da conspiração de nigromantes)

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No mundo de D. Quixote, as façanhas e eventos portentosos dos romances de cavalaria sobrepõem-se à realidade. Gravura de Gustave Doré, 1863

● A coexistência do lúcido discernimento, da ponderada sabedoria, do equânime sentido de justiça evidenciados por Quixote em quase todos os domínios e, simultaneamente, da mais derrancada loucura quando estão em jogo assuntos de “cavalaria andante”.

● A relação de D. Quixote com os romances de cavalaria: o primeiro satiriza os segundos, mas foi concebido para um público leitor de romances de cavalaria por um escritor que, tudo o indica, também os leu avidamente. O que é paradoxal é que tais romances viram, entretanto, a sua popularidade esfumar-se completamente, pelo que a esmagadora maioria dos leitores de hoje só deles saberá através de D. Quixote.

Se na viragem dos séculos XX-XXI eram necessárias persistência e sorte para encontrar um D. Quixote nas principais livrarias de Lisboa – o que dá ideia da bizarria e precariedade do nosso mercado livreiro – a efeméride de 2005 teve o mérito de fazer surgir, em simultâneo, duas novas edições por dois dos nossos mais prestigiados tradutores: a de Miguel Serras Pereira, agora reeditada, e a de José Bento (Relógio d’Água).

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Capa da edição de “D. Quixote” pela Relógio d’Água, com tradução de José Bento e gravuras de Lima de Freitas

De gabarito comparável é a tradução de 1954 de Aquilino Ribeiro (Bertrand), ainda que seja mais apropriado chamar a esta uma “versão” – aliás, é o próprio Aquilino que assim se lhe refere. Acontece que Aquilino, embora admirasse Cervantes, entendia que D. Quixote “enferma de vícios vários, não só de linguagem […] mas ainda de lógica, cômputo, sintaxe. Não são nada raras as contradições, embora pequenas”. Sentiu, portanto, que ao “[atenuar] com mão leve semelhantes entorses” e recorrendo “à fala viva e arterial do povo, sempre a mais expressiva e pitoresca”, ter “cumprido apenas o meu dever”.

A versão de Aquilino tem indiscutível encanto, graças ao vocabulário opulento e ao estilo floreado, de forma que o que se perdeu em fidelidade poderá ter sido ganho em “expressividade e pitoresco”. Mas quem queira ficar mais próximo da voz de Cervantes fará melhor em optar por Serras Pereira ou Bento.

Cada uma destas três edições oferece um diferente complemento no plano da imagem: a de Miguel Serras Pereira é acompanhada por ilustrações de Salvador Dalí (apenas na edição de luxo, não na reedição a 10 euros), a de Aquilino Ribeiro por gravuras de Gustave Doré e a de José Bento por gravuras de Lima de Freitas.

As gravuras de Lima de Freitas (1927-1998), um dos nossos mais prolíficos e versáteis ilustradores e pintores, foram, curiosamente, executadas em 1954 para ilustrar a edição original, na Fólio, da tradução de Aquilino Ribeiro.

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São obras de forte dinamismo, magníficas na representação das cenas de balbúrdia (tão frequentes em D. Quixote), tingidas de um surrealismo tenebroso, e nelas aponta João Pinharanda influências de Bosch e Brueghel.

Já Dalí desdobra-se por grande variedade de registos, por vezes recorrendo a um expressionismo nervoso e despojado, esgrimido a golpes de tinta-da-china, outras vezes explorando motivos surrealistas típicos da sua pintura.

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D. Quixote tem vindo a atrair geração após geração de artistas gráficos – as edições originais de 1605 e 1615 já traziam algumas ilustrações – mas foi Gustave Doré (1832-1883) que logrou implantar-se no imaginário e converter-se numa referência que nenhum ilustrador posterior foi capaz de ignorar.

Para a edição de 1863 da Hachette, Doré produziu um total de 120 gravuras de página inteira, mais 259 pequenas gravuras – uma para o início e outra para o fecho de cada um dos 126 capítulos, mais sete avulsas – de que a Bertrand reproduz apenas as pequenas. Se se compreende que a reprodução das 120 gravuras grandes iria ocupar 120 páginas adicionais e encarecer o livro, já é impossível encontrar justificação para o facto de algumas edições da Bertrand (é o caso da de 2002) reproduzirem as gravuras sem fazer qualquer menção ao autor – é verdade que a ilustração é por cá, amiúde, considerada como uma arte menor, mas omitir o nome de Gustave Doré dos créditos de um livro é sinal de falta de respeito e até de pouco tino comercial.

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Mais uma extraordinária gravura do artista francês Gustave Doré, um dos 379 desenhos que fez para ilustrar D. Quixote, nos anos 60 do século XIX

Quanto às gravuras de página inteira, a falha pode ser remediada de forma expedita e económica, adquirindo Doré’s Illustrations for Don Quixote, uma edição da Dover em formato próximo do A4, que reúne as 120 gravuras de página inteira e 70 das pequenas.

Quem tenha curiosidade em ver como D. Quixote foi vertido em imagens ao longo do tempo poderá investigar as pinturas do francês Charles-Antoine Coypel (1694-1752),

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D. Quixote servido pelas raparigas da hospedaria. Pintura de Charles-Antoine Coypel

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D. Quixote arremete contra as marionetas de Mestre Pedro. Pintura de Charles-Antoine Coypel

e as gravuras do germano-polaco Daniel Nikolaus Chodowiecki (1726-1810),

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D. Quixote e Sancho Pança, segundo Daniel Nikolaus Chodowiecki

e do britânico Thomas Stothard (1755-1834).

Sancho Panza Persuading the Don to Marry null Thomas Stothard 1755-1834 Purchased as part of the Oppé Collection with assistance from the National Lottery through the Heritage Lottery Fund 1996 http://www.tate.org.uk/art/work/T11728

Sancho Panza Sancho tenta persuadir D. Quixote a casar-se, por Thomas Stothard

Honoré Daumier (1808-1879) foi, entre os pintores de renome, o que mais fascínio revelou por D. Quixote, fazendo dele o motivo de 49 desenhos e 29 pinturas.

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D. Quixote e Sancho Pança repousando sob uma árvore, c.1855. Desenho de Honoré Daumier

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D. Quixote e Sancho Pança nas montanhas. Desenho de Honoré Daumier

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D. Quixote e Sancho Pança encontram uma mula morta, 1867. Desenho de Honoré Daumier

E para que não se pense que os artistas espanhóis desprezaram a obra maior da sua literatura, eis uma amostra da estupenda série de ilustrações de Roc Riera Rojas (1913-1992) para uma edição de 1968 que hoje é uma raridade:

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Regressemos a Milan Kundera, que coloca D. Quixote no cerne do primeiro ensaio de A Arte do Romance e lança a questão “O que significa o grande romance de Cervantes? […] Há quem pretenda ver nele a crítica racionalista ao idealismo confuso de D. Quixote. Outros vêm nele a exaltação desse mesmo idealismo. Ambas as interpretações estão equivocadas, pois pretendem encontrar na raiz do romance não uma interrogação mas um parti pris moral”.

O que Cervantes pretende é dar a ver “o mundo como ambiguidade” e confrontar o leitor “não com uma verdade absoluta mas como um emaranhado de verdades que se contradizem”, perspectiva que encontra eco no escritor Jim Thompson, que defendia que, sob a profusão de episódios rocambolescos e reviravoltas inesperadas, só há um tema em D. Quixote: “as coisas não são o que parecem”.

Ler D. Quixote para lá da superfície do entretenimento ligeiro, não requer conhecimentos aprofundados sobre clássicos greco-romanos ou romances de cavalaria medievais, mas a capacidade de aceitar “a relatividade essencial das coisas humanas” (Kundera) que emana desta “escritura desatada”. O que, parecendo pouco, é um dos mais aterrorizantes saltos que podem dar-se.

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Título: Dom Quixote de la Mancha
Autor: Miguel de Cervantes (tradução e notas de Miguel Serras Pereira, introdução de Maria Fernanda de Abreu)
Editora: D. Quixote
Páginas: 936 páginas
Preço: 10 euros

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