Eddy Merckx, Jacques Anquetil, Bernard Hinault, Miguel Indurain, Philippe Thys, Louison Bobel, Greg LeMond, Chris Froome, Fausto Coppi, Alberto Contador, Laurent Fignon, André Leducq, Gino Bartali, Antonin Magne, Lucien Petit-Breton. Olivier Bonamici.

Que lista é esta? A de campeões do Tour, daqueles com dois ou mais camisolas amarelas. De Merckx a Bonamici, bien sûr. Merckx ganha cinco vezes entre 1969 e 1974. Bonamici ganha muitas mais. Basta ouvi-lo na Eurosport desde 2004, ano em que perde três jogos com a Grécia no Europeu, um pela França (seu país de nascimento) e dois por Portugal (seu país adotivo). Daí para a frente, o sotaque arranhado de Bonamici entra pelas nossas casas adentro. Das duas, uma: ou é futebol ou é ciclismo. Seja qual for, entre Tour, Taça Africana das Nações, Giro, MLS e Vuelta, a sua pedalada é digna de um camisola amarela. Voilà, c’est Olivier.

De onde és?
Nasci em Rennes, na Bretanha, a 23 de setembro de 1972. Tenho 44 anos. Sou franco-italiano. Quer dizer, sou franco-monegasco. De origem italiana. Tenho dupla nacionalidade: francesa e monegasca. E sou de ascendência italiana, através do meu pai e dos meus avós. Portanto, tenho mentalidade italiana apesar de ter vivido em França.

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Isso quer dizer o quê?
Sou mais ligado à família e ao futebol. Fui educado num colégio católico, em França, com alguns princípios de vida. Hoje em dia, já não sou católico mas é inegável que as raízes dessa educação continuem por aqui [Olivier é bastante expressivo e passa a mão direita pelo corpo todo].

Viveste sempre em França?
Até ir para Portugal, sempre. Só ia a Itália para passar férias.

E foi uma infância feliz?
Muito feliz, junto dos meus avós italianos, muito cultos, generosos e extraordinários.

O que fazias?
Tudo de bom e algumas maldades [Olivier emite um som maléfico e dá uma valente gargalhada para o ar].

Então?
Foi uma infância um pouco perturbada até entrar nos padres [faz uma careta engraçada e continua a falar com o entusiasmo de sempre]. Era um pequeno ladrão, fazia parte de um gang. Até aos 13, 14 anos.

A roubar o quê?
Uns discos e tal, nada de especial. Os meus pais, que depois se divorciaram, pensaram sobre aquele caos e disseram-me ‘acabou-se a brincadeira, já para os padres’.

Daí o colégio católico?
Exacto. Uma educação rígida, tramada. Mas, olha, cá ando.

És do Monaco, clube. Porquê?
Todo o lado do meu pai é de nacionalidade monegasca e assumi o culto do Monaco, ou através do futebol ou através da família da princesa. Os meus avós falavam-me sempre disso e, antes de de ir dormir, o meu pai até dava um beijo num copo especial com a fotografia da Grace Kelly e do Príncipe Rainier. O culto era grande.

Mas alguém era do Monaco mesmo?
Só o meu avô.

E viste algum GP do Monaco?
Não gosto de desportos motorizados. Nunca gostei, zero.

Então a tua paixão versava sobre?
Desde pequenino, futebol e ciclismo. Lembro-me muito bem do Fantacalcio [jogo virtual de futebol com notas a jogadores, como se fosse a Liga fantástica do jornal Record, criado em Itália por Riccardo Albini em 1988]. Jogava muitíssimo com os outros miúdos emigrantes, durante as aulas. Lá em casa, com o meu pai, adoptei uma certa independência de espírito. Adorava analisar o jogo, nada a ver com os árbitros e isso. Só o jogo em si. Adorava aquelas histórias que me transportam para o passado e fazem-me antever o futuro.

Um exemplo?
Um exemplo? [Olivier olha para o ar à procura de uma resposta] Este aqui: o Monaco foi eliminado pela Juventus nesta edição da Liga dos Campeões e a primeira coisa que me passa pela cabeça é o ficar lixado. A segunda, a terceira e por aí fora já nada têm a ver com essa lógica de raciocínio. No dia seguinte, leio o L’Équipe e, baaaang, é exactamente aquilo que eu pensava e seria aquilo que o meu pai pensaria: seria tão bom que o Buffon ganhasse finalmente a Liga dos Campeões. Desde os meus sete/oito anos, já pensava assim. Ficava lixado e, depois, deixava-me fascinar pelo outro lado da história. Quando me rio no ar, durante uma transmissão em direto de um jogo de futebol ou de uma etapa de ciclismo, lembro-me sempre do meu pai. Ele era igualzinho. Ou melhor, eu sou igualzinho a ele. Sabes o que ele me fez um dia?

Nem ideia.
Ele imitou a voz de um relator de futebol durante uma hora e meia num Bordéus-Monaco e fez ganhar o Bordéus por 11-0. Fiquei todo branco a ouvir o relato, a pensar que era mesmo verdade. E ele ‘Olivier, então pá, não reconheceste a minha voz?’ E não, não tinha reconhecido a voz dele. O meu pai estava sempre sempre sempre a brincar. E, já agora, esse jogo acabou 1-0 para o Bordéus.

Vocês eram de que clube?
Monaco, Rennes e, em Itália, Fiorentina. Ainda apanhei o Baggio.

Iam juntos ao futebol, tu e o teu pai?
Sim, fogo, claro que íamos. Ao Monaco.

O do Rui Barros?
E do Weah, o melhor jogador que vi no Monaco. Foi complicado gerir a saída dele, substituído pelo Klinsmann.

Vias o Rui Barros das bancadas?
Siiiim, sim [Olivier parte-se a rir]. O que acho inacreditável é que estava longe de acreditar na minha associação com Portugal. Gostava sobretudo do Rui Barros como ligação técnica ao Weah, isso era fascinante. O Rui Barros distribuía os caviares ao Mister George.

Essa equipa é do Wenger, não é?
Exactamente, e foi a melhor equipa de todas. Havia ainda o Ettori, o Petit, o Fonfana, o Passi. É o Monaco do futebol bonito e ofensivo, como este do Leonardo Jardim. Ao contrário de outros Monaco, como o de Claude Puel, mais fechados.

Esse Monaco chegou à final da Taça das Taças 1992, aqui na Luz. Foste ver?
Nunca pensei nisso, simplesmente porque não havia a mínima possibilidade. E fiquei lixado porque ninguém falou desse Monaco-Werder Bremen por culpa do drama do Furiani [uma bancada amovível do estádio do Bastia cai antes da ½ final da Taça de França vs Marselha e morrem 18 pessoas, além de 2.357 feridos]. Na primeira vez que o meu clube vai a uma final europeia, acontece um drama que tapa a vertente desportiva.

https://www.youtube.com/watch?v=FQo0t0l2y14

Quando é que começas a entrar no jornalismo?
O meu primeiro relato de futebol é aos 16 anos de idade, através de uma rádio associativa qualquer na Bretanha. Era o meu sonho.

Trabalhaste fixo onde?
Estudava direito, sabes? Só que a paixão era tão grande que fui bater à porta de uma rádio. Tinha de ser, era mais forte que eu. Durante as aulas, gastava quase todo o dinheiro a comprar o L’Équipe e a Gazzetta dello Sport para ler e debater o desporto nos restaurantes e bares.

Entraste nessa rádio e depois?
Bati à porta e deram-me um contrato até aos 24 anos. Nesse período, encontrei uma mulher portuguesa em França, que estava a estagiar nessa rádio.

Uau, e depois?
Ela acabou o estágio e voltou para Portugal.

E tu?
Hesitei. Tinha acabado de receber uma ótima proposta para ser editor de uma rádio em renovação, na Bretanha. Eram umas oito/dez pessoas numa redação, seria um trabalho brutal, liderado por mim e nada mal pago. Só que…

Só que?
[Olivier endireita-se na cadeira e diz com o ar mais solene deste mundo] O amor ganhou.

Vieste para Portugal?
Estávamos em 1995.

Sabias falar alguma coisa de português?
Rien de rien, zero.

Ficaste onde, lembras-te?
Num dormitório de cegos, onde morava um primo da minha mulher.

Hããã?
[Olivier mete a mão à frente da cara, entorta-se ainda mais na cadeira e parte-se a rir] É surreal, agora que penso nisso. Não tinha dinheiro, nada, zero. E fiquei nesse dormitório. Passava os dias com eles. Ia aos restaurantes com eles, cortava-lhes a carne, o peixe.

Durante quanto tempo?
Quinze dias.

E não falavas nada de português?
Nada. A minha primeira ligação a Portugal foram as cassetes do Tony Carreira, entregues por um cego, no meu último dia no dormitório.

Depois aprendeste como?
De ouvir na rua, lá em casa com a minha mulher, nos almoços e jantares com os meus amigos e, depois, com os meus dois filhos.

Dois filhos portugueses?
Nasceram cá os dois, sim. O Lucas e a Ema. Tivemos de escolher nomes que dessem em três línguas: francês, português e italiano. Não podia ser Miguel, porque os franceses não sabem dar o jeito à língua para dizer Miguel. Não podia ser Jean Pierre, porque os italianos não sabem dizer Jean-Pierre. Decidimo-nos por Lucas e Ema.

Estavas cá quando a França ganhou o Mundial-1998?
Sim, sim, e a mostrar o meu rabo à janela.

Como?
Como nenhum vizinho ligava para a França e queria ser o único a fazer a festa, fui à varanda e mostrei o meu rabo ao mundo. Na verdade, imitei o meu pai que baixou as cuecas de contentamento pelo 2-0 à Espanha na final do Euro-1984 e saiu a correr pelo jardim fora. Catorze anos depois, lá estava eu a fazer quase o mesmo. Na altura, torcia 100% para a França e zero para Portugal.

Dois anos depois, a França ganha o Euro-2000.
Aí já não mostrei o rabo.

E ainda estavas 100% para França e zero para Portugal?
Sim. Espera, não, não, já não. Naquele 2-1 a Portugal na meia-final, o meu sentimento já começava a ser dividido. Não diria que senti pena dos adeptos portugueses, mas houve algo que me atraiçoou a alegria plena da vitória.

Que ideia tinhas de Benfica, Sporting e Porto antes de chegares cá?
Agora é mais fácil, tudo está mais à mão. Na altura, não sabia rigorosamente nada. Zero. E quando as pessoas me perguntavam se conheciam o Carlos Lopes, respondia-lhe ‘estás a brincar, não? Conheces o campeão olímpico italiano ou francês deste ou daquele desporto?’ É como hoje perguntarem-me se o Rui Costa do ciclismo é conhecido lá fora. Não, não é. Se em França, há franceses que não conhecem Bardet ou Pinot. [Olivier esbraceja à medida que avança na narrativa] Há até quem arrisque uma resposta tipo ‘é um ciclista, não é?’.

Ficaste impressionado com o que viste aqui à tua chegada?
Admito, fiquei impressionado com a relação entre os adeptos e o futebol. Há um conhecimento do futebol. Não digo de análise, e sim de conhecimento. Jornalisticamente falando, há agora uma nova geração de jornalistas com uma visão menos sensacionalista. A anterior geração era mais complicada. Lia coisas e ficava ‘uau’, como é possível escrever isto?

O quê?
Tratam o Ronaldo como se fosse o Dom Sebastião. Quando há um jogo com a Inglaterra, é o slogan do vamos comer os bifes. Quando há um jogo com a Holanda, é o vamos chupar a laranja. Coisas sem sentido. Quer dizer, quem sou eu para dizer isto, mas ler coisas deste tipo na década 90 e século XXI faz-te mal.

Qual foi o primeiro estádio português visitado por ti?
O da Luz. E aconteceu uma coisa curiosa: estava com um amigo nas rulotes perto do estádio e apetecia-me uma sobremesa, depois da bifana.

Que tal a bifana?
Boa, boa. Agora, adoro. Na altura, era-me indiferente e desconhecida.

Então e a sobremesa, que tal?
Queria uma tarte de framboesas. Claro que não havia nada disso e esse meu amigo ainda hoje me fala disso: tu pediste uma tarte de framboesa numa rulote perto do Estádio da Luz.

Seguiram-se os outros estádios?
Lembro-me de ir a Alvalade ver um Sporting 3 Monaco 0 para a primeira jornada da Liga dos Campeões. Mas a pior recordação de um jogo entre o Monaco e equipas portuguesas é a final de 2004, com o Porto. Ainda mais inacreditável porque esse Monaco do Puel era claramente inferior ao deste do Jardim.

Havia o Rothen, Morientes, Giuly, certo?
Só esses três. E o Rothen não é um Mbappé. Claro que o Monaco apanhou algumas equipas em baixo de forma, como Real Madrid e Chelsea. Tudo depende do contexto, um pouco à imagem do sucedido em Dortmund esta época. É impossível desvalorizarmos o atentado ao autocarro do Borussia antes do jogo. Isso tem implicações evidentes num jogo de futebol, seja ele europeu, nacional ou regional. O que mexe com os jogadores, mexe com tudo.

Quando é que começas a trabalhar na televisão portuguesa?
Em 2004, na Eurosport. Enviei o currículo, almocei com o Luís Piçarra e acho que ele gostou da minha pancada. Como ele é anárquico como eu, pensou ‘vou arriscar’. E cá estou, com este sotaque.

2004 é o ano do Europeu.
Trabalhei durante o Euro para a Radio France.

Então perdeste duas vezes?
Três: Portugal-Grécia na abertura, França-Grécia nos quartos e Portugal-Grécia na final. Aí já era mais tuga e o 1-0 na Luz bateu-me forte.

Ficaste tuga quando?
Em 2006. Quando a França ganhou a Portugal no Mundial, não estava lá muito contente com o 1-0. Já senti o meu coração partilhado.

Efeitos da portugalidade. Foi a comida?
Uh la la.

Lembras-te da primeira experiência?
Cheguei aqui em 1995 e estava cheio de fome. Entro numa loja e vejo uma sandes de ovo. Uma omelete no meio de uma sandes?! [Olivier faz outra careta] Não havia nada disso em França. Depois instalei-me e comecei a aventurar-me na culinária.

E?
Foi a loucura. Se calhar é a minha costela italiana, de gostar da comida familiar, das quantidades, da cultura do azeite. A verdade é cheguei aqui a pesar 78 quilos e já tinha 105 quando me casei.

Cento-e-cinco?
Em França, não comia muito. Aqui, comia tudo entre cozido à portuguesa, dobradas, rojões, polvos etecetera etecetera etecetera. Gosto de todas as comidas do mundo e gosto de experimentar tudo. No fundo, é um pouco a minha personalidade. Adoro entrar num restaurante, sentar-me à mesa para ler o menu e dividir-me em mil enquanto leio as entradas, as carnes, os peixes. [Olivier entusiasma-se de tal maneira que quase fala de pé] É terrível, uma doença. Peixe, massada, caldeiradas. Se me ligares a meio da noite e disseres ‘vamos a um libanês amanhã à meia-noite e comer tartarugas com molho tal’, eu vou. Sem problema nenhum.

Já falámos de futebol, comida. Falta o ciclismo. Tens heróis no ciclismo?
No futebol, fui educado com o culto de Cruijff, depois Bielsa e Guardiola. E dos números 10: Platini é o pai dos dez e é de origem italiana, como eu. Depois, Roberto Baggio. Alessandro Del Piero, Zidane, Rui Costa, Ronaldinho. A minha filosofia de futebol é a do Ajax, depois Barcelona. Não sou adepto do Barça, não posso dizer isto, mas sou defensor daquele estilo de jogo, adoro o tiki-taka. Em Portugal há um anti-guardiolismo primário e eu sei porquê: Mourinho. É como aquela teoria entre Messi e Ronaldo. Dizem-me que o Ronaldo é melhor porque foi corajoso e aventurou-se noutro campeonato, o espanhol, enquanto o Messi sempre ficou no Barcelona. Pois bem, e o Maldini jogou sempre no Milan e não deixa de ser um dos melhores por isso. Os gostos discutem-se e há sempre quem queira desvirtuar um pouco a categoria superior dos outros. Disso, não gosto. Se é bom, é bom. Se é para elogiar, é para elogiar. Isto tem a ver a tua pergunta. Vê bem. No ciclismo, sempre fui a favor dos atacantes, como Greg LeMond, Claudio Chiappucci e Bernard Hinault. E sempre tive dificuldade em gostar dos mais calculistas, como Miguel Indurain. Nunca fui fã do Indurain, mas apercebi-me com o tempo que era um senhor e esta é a grande diferença entre o público do futebol e o do ciclismo: o respeito. No ciclismo, há respeito.

E o Lance Armstrong?
Nunca caí na armadilha, na fraude Armstrong. Nunca gostei dele e comecei a bater-lhe no ar. Na altura, as pessoas metiam-se comigo e eu não tinha provas. Mas tinha tantas tantas tantas suspeitas, através de colegas meus do L’Équipe, que tinham feito trabalhos exaustivos sobre ele. Nunca gostei dele como pessoa, a dar lições de moral e com aquelas pulseiras amarelas. Ele era falso moralista como os conservadores americanos a falar sobre a fidelidade. São sempre os piores. E isso veio ao de cima.

Ias ver as etapas do Tour ao vivo?
Cheguei a ir com os meus avós. O que adorava mesmo era comprar o L’Équipe e ver a distância entre os ciclistas por segundos e minutos.

Já falámos de futebol, comida e ciclismo. Só falta o cinema.
Aaaaaah, muito bem. Vamos a isso.

És cinéfilo desde pequeno?
A minha família é cinéfila e puxou-me desde cedo: fui educado com Frank Capra, todos os grandes westerns, Pasolini, Fellini e sou tarado por Tarantino. Completamente doido. É um gajo violento, mas nunca daria um murro a alguém. Como eu. É fã de BD, como eu. Revejo-me na sua violência, nos seus fétiches, na sua luta pelo racismo, na sua ligação às artes marciais, aqueles filmes japoneses do antigamente, das lutas de espadas – os Kurosawas, no fundo.

Qual foi o primeiro filme que viste no cinema?
Um Indiana Jones, Os Salteadores da Arca Perdida. Fui com os meus avós e com os meus pais. Eles ainda estavam juntos e lembro-me perfeitamente disso nem tanto pelo filme, mais por ver os meus pais a beijarem-se.

Viste esse Indiana Jones dobrado, certo?
Nem me lembres. A dobragem só é boa para a indústria da dobragem. De resto, é péssimo, péssimo. Por isso é que os franceses falam mal qualquer língua. Hoje já não sou capaz de ver um filme assim. Porra, ouvir o De Niro com um sotaque francês. Nunca mais.

Já falámos de futebol, comida, ciclismo e cinema. Falta algum desporto, o ténis?
Quando era pequeno, via o golfe na televisão à noite mais o ténis. Mamava tudo. Agora já não. Lá está, gosto do futebol ofensivo do Monaco e já não vou à bola com o Monaco defensivo do Puel. Com o ténis é a mesma coisa. Quando cresci, havia Noah, Connors, McEnroe, tudo muito estimulante. Agora o ténis é sem graça, sem piada nenhuma.

E os jogos Olímpicos?
Liguei muito em criança e, hoje em dia, há só alguns momentos que não quero falhar como a final dos 100 metros, até para partilhar com o meu filho. Com o passar dos anos, mudamos o chip. Trabalho com o desporto o ano inteiro e, por estranho que possa parecer, quero descansar nos dias de folga. Tenho amigos meus que trabalham o desporto durante cinco dias a fio e passam os outros dois a ver jogos do campeonato inglês, francês, italiano, espanhol pela televisão. Uauuuuu. Eu já não consigo, já não consigo [Olivier endireita-se no sofá à procura de conforto nas suas palavras]. Nos dois dias de folga, só quero descansar através de outras artes. Ou, então, vou à bola com os meus filhos. Isso é um desporto completamente diferente.

Como é que é isso?
É tudo. É o antes do jogo, o preparar o cachecol, o petiscar nas rulotes do estádio. É o jogo em si, as emoções de um lance perigoso, a análise de um lance duvidoso e as reações aos insultos de outros adeptos. É o depois do jogo, a sandes na rulote, a escolha do melhor em campo.

Os teus filhos são muito do futebol?
O Lucas é vidrado em bola. Há dias, perguntou-me ‘Papá, diz-me uma coisa: achas que o Ronaldo vai ganhar a Bola de Ouro este ano?’ Fez-me lembrar a mim quando perguntava esse tipo de coisas ao meu pai. E então lembrei-me das respostas do meu pai. Disse-lhe: ‘Só há um jogador capaz de lhe tirar a Bola de Ouro, o Buffon.’ E o Lucas estava espantado, o Buffoooooon? Argumentei e a piada de ser pai é mesmo essa, traçar a nossa linha de pensamento aos filhos. No dia seguinte, ou depois até, a capa do France Football era precisamente a falar desse tema, de como o Buffon seria o único capaz de tirar a Bola de Ouro 2017 a Ronaldo. E o meu filho muito espantado, ‘mas como é que tu sabias disto?’

A empatia é grande, já vi. Estavam juntos na final do Euro 2016?
Isso foi uma noite inacreditável, ali no Bairro Alto. Ele é franco-português e assume a portugalidade à minha frente. Havia um grupo pró-França e um pró-Portugal. Quando o árbitro acabou o jogo, o meu filho chorou de alegria. Foi um momento forte para mim, mexeu definitivamente comigo.

E tu, choraste?
Quando o Éder marca, vieram-me as lágrimas aos olhos por ver a alegria do meu filho e a dos portugueses à minha volta. Depois, fiquei menos contente. Se fosse com a França, seria igual [Olivier pensa um pouco]. Ou melhor, seria pior, pior. A verdade é que há determinadas atitudes que não gostei, como as críticas ao L’Équipe e France Football. A imprensa francesa está sempre a bater na seleção francesa e a dizer que os franceses têm muito a aprender com os portugueses. Também não gostei do ‘e foi o Éder que os fodeu’. Entendo esse lado, mas não gostei. Em resumo, foi uma noite mágica. Saí com o meu filho no Bairro Alto e sonhámos alto sobre o que iria mudar em Portugal depois dessa vitória? Afinal, não mudou grande coisa. Como a França em 1998: quatro anos depois, Le Pen chegava à segunda volta.