É um negócio simples de compreender: a Raize junta investidores com dinheiro a micro e pequenas empresas que precisam dele e, por esse serviço, cobra às sociedades financiadas cerca de 3,7% sobre os empréstimos. Embora tenha várias obrigações legais (com o Banco de Portugal, por ser uma instituição de pagamentos, e com a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, por ter uma plataforma de financiamento colaborativo), é uma atividade simples e facilmente multiplicável.

Na oferta pública de venda (OPV), que corre até ao próximo dia 12 de julho, alguns acionistas da Raize, incluindo os três fundadores, propõem vender até 15% da empresa. O preço de venda é de dois euros por cada uma das 750 mil ações disponíveis para aquisição, o que avalia a dona da plataforma de financiamento colaborativo em 10 milhões de euros.

Nos seis meses após as ações da Raize começarem a cotar na bolsa, os mesmos acionistas colocarão à venda no mercado mais 500 mil ações a preços entre 2,20 euros e 4 euros. No limite, será disperso 25% do capital e nenhum acionista terá mais de 21,6% da companhia. Após os seis meses, os três fundadores terão, conjuntamente, entre 45,4% e 52,5% da sociedade, de acordo com a informação do documento informativo da operação.

Mas a Raize vale 10 milhões de euros? Aplicámos os ensinamentos de Warren Buffett — o guru da bolsa que ganhou 1.088.029% entre 1964 e 2017, cerca de 19,1% por ano — para recomendar aos investidores que evitem esta OPV.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Tentamos simplesmente ter medo quando os outros têm ganância e ter ganância quando os outros têm medo.”

Warren Buffett, Carta aos acionistas da Berkshire Hathaway, fevereiro de 1987

Há nove anos que os investidores de bolsa não enfrentam uma fase alargada de pessimismo. É uma ótima altura para alienar uma empresa no mercado, porque os aforradores estão mais confiantes.

Lisboa não vê uma estreia na bolsa de ações há mais de quatro anos, quando a Espírito Santo Saúde (agora Luz Saúde) quebrou o jejum pela última vez. É natural que a oferta da Raize seja bem recebida pelo mercado, como indiciam as notícias mais recentes.

Euronext Access: menos regras

Mostrar Esconder

A Raize não cotará na Euronext Lisbon, como as empresas portuguesas mais conhecidas, mas no Euronext Access, um sistema de negociação bilateral com menos regras. A partir de 18 de junho, os investidores podem dar ordens a qualquer momento, mas a negociação é feitas duas vezes por dia por chamada. O seu código de negociação será MLRZE.

A Raize será a terceira firma portuguesa no Euronext Access: a Azorean Aquatic Technologies, que desenvolve robôs aquáticos, e a Gentlemen’s Equity, que gere uma carteira de investimentos, aderiram primeiro, embora tenham entrado por Paris.

A maioria das avaliações sobre empresas jovens de tecnologia financeira é feita fora da bolsa. A tendência, que culmina com a Raize, mostra avaliações cada vez mais ricas. Há um ano, o francês Credit.fr, que também gere uma plataforma de financiamento colaborativo por empréstimo, foi comprado pela Tikehau Capital, uma gestora de ativos, por 12 milhões de euros, 20% acima da avaliação da Raize. Todavia, o Credit.fr já faturava cerca de 400 mil euros por ano, 50% mais do que a Raize em 2017.

O LendingClub é a única plataforma de financiamento colaborativo (a empresas e particulares) que já está cotada numa bolsa acessível aos investidores portugueses. Por cada dólar norte-americano de comissões cobradas pelo LendingClub por ano, os investidores estão a pagar agora cerca de 2,84 dólares na aquisição das ações. Quem participar na OPV da Raize, pagará muito mais: 36,79 euros por cada euro de comissões cobradas em 2017, segundo a demonstração de resultados. A Raize precisaria de comissões anuais de 3,5 milhões de euros (quase 13 vezes mais do que em 2017) para justificar a avaliação de 10 milhões de euros ao nível do preço que os investidores estão a pagar as comissões recebidas pelo LendingClub.

“Os investidores devem lembrar-se que a excitação e as despesas são suas inimigas.”

Warren Buffett, Carta aos acionistas da Berkshire Hathaway, fevereiro de 2005

Além da excitação, que se nota na alta da bolsa, Warren Buffett alerta frequentemente os pequenos investidores para as comissões que têm de pagar para participar na bolsa. No caso da OPV da Raize, em que é possível investir a partir de 100 euros (50 ações), a chamada de atenção é particularmente importante.

As regras da oferta dão incentivos à participação dos pequenos investidores. Caso a procura seja superior ao número de ações disponíveis para compra (o que deverá acontecer, segundo as últimas informações públicas), o Haitong Bank, o banco promotor da operação, tentará atribuir pelo menos 500 ações a cada investidor (ou a quantidade pedida, se inferior). A consequência deste princípio deverá ser a dispersão do capital por um número elevado de pequenos acionistas que terão aplicado mil euros ou menos na operação.

Revogue até dia 5

Mostrar Esconder

É possível dar ordens de subscrição até ao próximo dia 12 de julho. Se quiser revogar uma ordem, faça-o junto do seu intermediário financeiro até às 15 horas de 5 de julho. No dia 13, são divulgados os resultados da oferta. A Raize começa a cotar no dia 18 de julho.

 

É caro investir mil euros ou menos na bolsa. As comissões cobradas pelos intermediários financeiros são muito penalizadoras. Por exemplo, quem participar na OPV da Raize através do ActivoBank ou do Banco Best, que formam o sindicato colocador, paga trimestralmente 6,15 euros ou 7,38 euros, respetivamente, apenas pela guarda dos títulos. (Se o cliente já tiver outros títulos, este custo é diluído.) Pela participação na oferta, tem uma despesa de 8,84 euros ou 5,20 euros, respetivamente. Quando chegar a altura de vender (ou comprar mais ações), a despesa é de 8,84 euros ou 8,22 euros, respetivamente. Portanto, quem investir 100 euros, pode pagar o equivalente a mais de 40% do investimento em comissões ao longo de um ano.

Comissões de bolsa castigam pequenos investidores
O cálculo do peso das comissões máximas no investimento assume uma aplicação via Internet, a venda após um ano, a ausência de dividendos e a inexistência de outros títulos na carteira.
ActivoBank Banco Best
100€ 42,28% 42,94%
200€ 21,14% 21,47%
300€ 14,09% 14,31%
400€ 10,57% 10,74%
500€ 8,46% 8,59%
600€ 7,05% 7,16%
700€ 6,04% 6,13%
800€ 5,29% 5,37%
900€ 4,70% 4,77%
1000€ 4,23% 4,29%

A administração da Raize planeia começar a distribuir dividendos em 2020, embora não o garanta. Receber dividendos numa carteira pequena é ainda mais penalizador.

Se a Raize distribuísse 5 euros na carteira mínima de 50 títulos (o equivalente a 10 cêntimo por ação), por exemplo, o investidor apenas receberia 1,76 euros no ActivoBank ou 0,52 euros no Banco Best depois de pagar comissões, despesas e impostos, assumindo os preçários e a tributação em vigor.

“As previsões podem dizer muito sobre quem prevê; não dizem nada sobre o futuro.”

Warren Buffett, Carta aos acionistas da Berkshire Hathaway, fevereiro de 1981

Para chegar à avaliação de 10 milhões de euros, os fundadores da Raize assumem que o futuro será muito positivo. Por exemplo, acreditam que chegarão a uma quota de mercado entre 5% e 10% dos novos empréstimos de médio e de longo prazo concedidos a micro e pequenas empresas. Agora, têm cerca de 2%.

1.º trimestre positivo

Mostrar Esconder

No primeiro trimestre de 2018, a Raize teve um resultado líquido de 22 mil euros. É a segunda vez que tem lucros: no primeiro trimestre de 2017 alcançou o seu primeiro resultado positivo, de 2.443 euros. No final de março passado, a Raize tinha 1,3 milhões de euros dos seus clientes no passivo. É um sinal de que o dinheiro dos investidores está a demorar muito tempo até ser investido em empréstimos.

A equipa também planeia expandir para novas geografias — Espanha deverá ser o primeiro ponto de internacionalização, porque já registaram a marca aí — e por produtos — o financiamento colaborativo de capitais está nos planos.

As previsões da Raize apontam para a duplicação anual das receitas até 2020. É positivo ter uma administração otimista sobre o futuro do negócio, mas não tome as suas expectativas como garantias de desempenho.

“Tento comprar ações de negócios que são tão espetaculares que até um idiota consegue geri-los. Porque, mais tarde ou mais cedo, um irá.”

Warren Buffett na conferência “I.O.U.S.A.: Live”, agosto de 2008

Os três fundadores da Raize estão longe de ser idiotas: conseguiram, em quatro anos e meio, criar uma plataforma alternativa aos empréstimos bancários que já financiou cerca de 16 milhões de euros a micro e pequenas empresas. Todavia, embora as projeções que conduziram à avaliação de 10 milhões de euros tenham como pressuposto a “manutenção da atual estrutura de administração da sociedade”, tal pode não acontecer.

Se os três fundadores perderem o controlo da sociedade seis meses após a entrada na bolsa, os acionistas podem eleger outras pessoas para administrar a empresa. (José Maria Rego e Afonso Fuzeta Eça são administradores da Raize; António Marques aguarda o registo pelo Banco de Portugal.)

António Marques, Afonso Fuzeta Eça e José Maria Rego (da esquerda para a direita) são os fundadores da Raize e, até ao final da OPV, controlam a maioria do capital da sociedade.

A saída da administração também pode ser opção dos fundadores, em particular porque dois deles (José Maria Rego e Afonso Fuzeta Eça) estão prestes a tornarem-se milionários (se já não o forem), se o mercado confirmar a avaliação da Raize.

“Existem determinados colaboradores considerados recursos humanos chave para o grupo (sobretudo colaboradores em posições de chefia e outras posições de maior responsabilidade), pelo que uma ausência prolongada ou a saída destes colaboradores poderá provocar perturbações (ainda que de forma temporária) no funcionamento da sociedade”, lê-se no documento informativo da OPV.

“Se for forçado a escolher, não trocarei uma única noite de sono pela hipótese de ganhar lucros adicionais.”

Warren Buffett, Carta aos acionistas da Berkshire Hathaway, fevereiro de 2009

Há muitas coisas que podem tirar o sono aos futuros acionistas da Raize. Algumas — como os riscos macroeconómicos, reputacionais e regulatórios — estão descritos no documento informativo da oferta. A maior ameaça é, provavelmente, o risco de concorrência.

Tal como a administração da Raize deve estar a planear a expansão para Espanha, não há nada que impeça que uma plataforma de financiamento colaborativo de Espanha, de França ou de qualquer outro país tente expandir para Portugal, concorrendo diretamente com a Raize. Aliás, já aconteceu: a Housers, que casa investidores com promotores de projetos imobiliários, já recolheu 1,5 milhões de euros de portugueses desde que se estreou por cá em outubro de 2017.

Em março passado, a Comissão Europeia enviou para o Parlamento Europeu uma proposta de regulamento que facilitará a concorrência entre plataformas de financiamento colaborativo na União Europeia. Ao abrigo desta legislação, bastará um registo europeu para prestar serviços de financiamento colaborativo em qualquer estado-membro.

Se quer evitar perder noites de sono, opte por soluções menos arriscadas. Por exemplo, investir na plataforma da Raize em vez de comprar ações da plataforma. É uma das nossas recomendações para 2018: se “não se aborrece com um pouco de risco”, o Tracker da Raize permite alcançar uma rentabilidade anual líquida em torno de 5% por ano, segundo a nossa análise.

“Apliquem 10% do dinheiro em títulos de dívida pública de curto prazo e 90% num fundo muito barato sobre o índice S&P 500.”

Warren Buffett, Carta aos acionistas da Berkshire Hathaway, fevereiro de 2014

Mesmo que não se aborreça com os riscos de curto prazo do mercado de ações, Warren Buffett aconselha a aplicar uma pequena parte do património em instrumentos pouco voláteis (para salvaguardar alguma emergência financeira) e o resto na bolsa através de um fundo que replique um índice acionista muito abrangente.

Nos Estados Unidos da América, o índice indicado por Buffett é o S&P 500, mas, para um investidor português, pode fazer mais sentido um índice de ações mundiais, como o MSCI World. (Entre as nossas recomendações para 2018 também estão os fundos de ações mundiais HSBC GIF Economic Scale Global Equity e iShares Core MSCI World UCITS ETF.)

Warren Buffett acredita que os investidores que sigam esta tática alcançarão retornos de longo prazo mais elevados do que a maioria dos restantes que pagam comissões muito elevadas para investir. A diversificação obtida com fundos de índice — que podem ter na carteira centenas de títulos diferentes — permite minimizar uma grande parte dos riscos específicos de um punhado de ações, como as da Raize.

David Almas é analista financeiro independente registado na CMVM com o número oito. O autor trabalha subordinado ao Código Deontológico dos Jornalistas. O autor detém unidades de participação do iShares Core MSCI World UCITS ETF e é investidor na plataforma Raize.