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Listas assim nunca são um desafio fácil, o problema da escolha está sempre naquilo que deixamos de fora. E 2015 foi mais um ano generoso, repleto de grandes discos, ora conceptuais, ora coleções soltas de temas orelhudos. Uma síntese tão curta já é uma empreitada dura o suficiente para designar posições, pelo que a ordem da apresentação que se segue deve ser considerada aleatória. Todos merecem tempo de escuta.

[Na fotogaleria apresentamos as capas dos 10 álbuns escolhidos]

10 fotos

Small Black – Best Blues

Ao terceiro álbum, o quarteto nova-iorquino fez um disco que fala sobre o sentimento de perda e sobre a dificuldade em manter ou recuperar memórias. Sobre o tempo a passar, basicamente. O ponto de partida foi uma fotografia da mãe do vocalista, Josh Hayden Kolenik, tirada em novembro de 1973 — que faz a capa do álbum. Best Blues define-se então como uma viagem pelo passado, surpreendentemente bem vestido pelo som do presente, ainda que inclua apontamentos sonoros que remetem para a pop dos anos 80. Misturado por Nicholas Vernhes (The War on Drugs, Deerhunter), Best Blues é uma armadilha, um buraco negro onde é inevitável cair. Tal como muitas memórias.

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Máquina del Amor – Máquina del Amor

Começa pela capa: é uma provocação. Um corpo de mulher sentado sobre uma máquina de lavar roupa. O amor está nas mãos que andam por parte incerta, muito ao contrário das dos quatro músicos que mexem nos instrumentos (membros dos Smix Smox Smux e dos Peixe:Avião). Máquina del Amor foi um dos nossos destaques da semana e entra agora na lista dos melhores do ano porque é um disco escuro, denso e pesado, que anda às voltas numa viagem sem fim, inspirada nas paisagens do distrito de Bragança. Tudo bate certo: sons assim pertencem ao que de mais interior (e negro) existe em quem ouve e sente o poder da Máquina del Amor.

https://www.youtube.com/watch?v=pnLl-tounwo

Grimes – Art Angels

O quarto álbum de estúdio da canadiana Claire Boucher foi outro dos discos que fez parte dos destaques da semana. Saiu no início de novembro e o impacto foi imediato: Art Angels é uma coleção de pop eletrónica a roçar o experimental, que se passeia entre o fácil e o retorcido, feito para bater o pé e para a dança descontrolada, é um disco em que vale tudo. É um álbum que se mede mais pelo conjunto de canções que pela sequência, ou seja, é dos bons para escutar em modo aleatório, desde que sempre em loop.

Kurt Vile – b’lieve i’m goin down…

Kurt Vile ainda não se livrou do rótulo de membro fundador dos The War on Drugs (com Adam Granduciel), mas essa referência continua a ser importante para dar contexto à obra do músico e compositor norte-americano. Obra é uma palavra bem aplicada, porque as boas críticas sucedem-se em crescendo desde o álbum de estreia a solo, em 2008. Este é mais um disco de rock/folk alternativo, com melodias e letras num tom de continuidade em relação aos anteriores, e onde o brilhantismo da composição e interpretação vive para além da gravação de estúdio, tem uma tradução direta nos espetáculos ao vivo, como se pode assistir no fecho da última digressão europeia, em Lisboa, no passado mês de novembro. Kurt Vile já tem bilhete de regresso para o próximo Super Bock Super Rock.

Petite Noir – La Vie Est Belle / Life Is Beautiful

Nasceu na Bélgica há 24 anos, filho de pai congolês e mãe angolana. Cresceu na África do Sul e é lá que Yannick Ilunga produz a eletrónica experimental que serviu neste álbum de estreia. Tem nele sons que não esquecem a raiz africana, mas contas feitas é mais um exemplo de que na música há cada vez menos fronteiras terrestres. Arte e tecnologia circulam à velocidade da luz, daí que La Vie Est Belle / Life Is Beautiful seja onde for, haja talento e quem faça por isso. Petite Noir já começou a fazer.

Tame Impala – Currents

Ao terceiro disco, a banda australiana ajustou o azimute. Ficaram conhecidos pelo rock psicadélico dos trabalhos anteriores, mas em Currents fizeram um desvio para a pop (psicadélica), o que não agradou a muitos. Trata-se de um disco que entra pelo ouvido sem esforço, apesar de complexo e rico em detalhes. A banda de Kevin Parker fez prova disso mesmo, este verão, no Vodafone Paredes de Coura, ao desmontar o emaranhado de sons — difíceis de reproduzir ao vivo — em parcelas mais simples, despindo a música até à base, sem perder o encanto. “Let it Happen”, é mesmo para nos deixarmos levar. Dance.

Rodrigo Leão – o retiro

Juntar Rodrigo Leão com a orquestra e coro da Gulbenkian foi, por si só, uma receita sem grandes surpresas. o retiro é um disco grandioso porque colocou nas mãos de um compositor moderno de talento clássico toda a riqueza dos instrumentos que não cabem nas consolas. O resultado foi o cruzamento do melhor dos dois mundos, como se fossem os lados opostos da mesma moeda. Esta não é apenas mais uma banda sonora de um dos compositores portugueses mais consagrados, é também um magnífico exemplo da virtude que é conseguir seduzir quem gosta de música clássica, e quem ainda não sabe que gosta.

Outfit – Slowness

Os Outfit são uma banda de cinco elementos formada em Liverpool, que se divide atualmente por diferentes cidades e países. Passaram a década de carreira de forma discreta, sem aparente ambição e, menos ainda, alarido. Slowness assinala um momento cada vez mais raro de reunião, de forma lenta e despretensiosa. Música pop sem floreados mas muito cuidada, leve sem ser fácil, que resultou num disco que se vai descobrindo, que cresce ao ponto de se colar à pele. Um álbum simples que esconde daqueles momentos raros em que a música esmaga. “Genderless” é a melhor ilustração.

Neon Indian – VEGA INTL. Night School

O novo LP desta máquina de dança texana começa com um loop tocado ao contrário (em reverse) chamado “Hit Parade”, nome e ritmo que dão o mote para 50 minutos de pop dançável. Resulta da combinação dos Neon Indian com o projeto VEGA (o solo de Alan Palomo) e tem um estilo que não é tão fácil de trabalhar como parece, sobretudo porque é capaz de acrescentar charme à batida, de uma forma nem sempre óbvia, mas contagiante. “O diabo está nos detalhes” e nas contradições: é um disco feito de música nova com cheiro a velho, com muitas das manias do disco sound bem integradas na dança de hoje. Um álbum para brincar, um puzzle alegre que dá gozo descobrir.

Best Youth – Highway Moon

Catarina Salinas e Ed Rocha Gonçalves são dois jovens do Porto que se estrearam este ano nos LP com uma edição de autor. Para início de conversa, apresentam em Highway Moon uma sequência de canções orelhudas. Este é um disco (e uma banda) que prova que a pop made in Portugal tem argumentos que não ficam nada atrás de muito do que se faz lá fora. Fácil não significa mal, pelo contrário, os Best Youth fazem bem e com pouco. Dizem que a música ainda não lhes paga as contas, mas deve ser apenas uma questão de tempo. Este é só o princípio da viagem.

Deste ano sublinhamos ainda três curiosidades:

David Fonseca em português

Futuro Eu é o primeiro álbum de David Fonseca cantado inteiramente em português. O ex-vocalista dos Silence 4 não teve medo de arriscar, é muito conhecido entre nós por boas razões, tem uma carreira sólida em grupo e a solo, está bem em posição de fazer o que lhe apetece – e ainda bem. Continua criativo e foi muito cuidadoso nesta “experiência”, cantar palavras que toda a gente entende é outra conversa, o inglês é um bom escudo para disfarçar enganos, especialmente nos espetáculos ao vivo (que têm corrido muito bem nesta digressão, diga-se). Mas a verdade é que, seja pelas referências antigas ou pelos truques do cérebro, David Fonseca a cantar em português continua a soar estranho, o inglês fica-lhe melhor. Será que é uma experiência para continuar? O Futuro o dirá.

Os Duran Duran não se fazem velhos

Os britânicos Duran Duran formaram-se em Birmingham no ano 1978. Contas feitas, já levam praticamente 38 anos de carreira – com algumas interrupções enquanto conjunto. 38 anos na vida de uma pessoa não é muito tempo, mas não são muitas as bandas que se mantêm juntas e com vitalidade durante tanto tempo. Este ano publicaram Paper Gods, o 15º álbum de estúdio, um disco que não é brilhante mas mostra que conseguem acompanhar o tempo, sem desvirtuar o som da banda. A sonoridade continua a ser a dos Duran Duran, distingue-se a léguas e, aos 57 anos, a voz de Simon Le Bon continua impecável (não é fácil gritar daquela maneira). Nomes como Benjamin Hudson (mais novo que os Duran Duran), Nile Rodgers e Mark Ronson na produção mantêm a banda no caminho da boas surpresas. Longa vida.

O “novo fado” que encanta uns e irrita outros

Desde há uns anos que uma nova geração de fadistas tem vindo a dar a volta ao género e à tradição, trocando a roupa escura por cores vivas e o calçado de sola pelo desportivo. Continuaram a cantar os clássicos mas o talento que lhe corre no sangue (e nalguns casos, talvez, as pressões da indústria) fez com que novos estilos e abordagens fossem vindo a ganhar terreno, nos discos e nos palcos. A canção tradicional portuguesa feita por gente nova para pessoas de todas as idades gerou um conflito inevitável: uns adoram, outros detestam. Público e crítica manifestam-se em ambas as direções, como aconteceu recentemente com Mundo de Mariza e com Moura de Ana Moura. Já em maio, Cuca Roseta tinha lançado Riû, três exemplos de excelência para uns, uma provocação para outros, mas discos reveladores de uma tendência crescente: o fado continua a incorporar novos instrumentos e ritmos, aproximando-se do conceito mais abrangente daquilo que normalmente se designa de world music. Um caminho inevitável e que não desrespeita a tradição portuguesa: continuamos aventureiros e exploradores.