789kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

i

MÁRIO CRUZ/LUSA

MÁRIO CRUZ/LUSA

Os altos e baixos do "Super Mário Centeno"

Pouco popular à esquerda, um ilusionista para a direita. Craque dos números lá fora, um desastre de relações públicas cá dentro. Provocou calafrios a António Costa e esteve com um pé fora do Governo.

Ainda não era ministro, quando protagonizou um momento insólito, engasgando-se com os números do défice e do crescimento. Provocou calafrios a António Costa com a sua a inabilidade política, natural em quem troca a universidade e os gabinetes do Banco de Portugal pelo Governo. O corolário dessa inexperiência verificou-se quando admitiu um novo resgate ao país, quando ninguém falava nisso. A novela da Caixa Geral de Depósitos, de que foi co-protagonista, ia provocando uma crise institucional entre Belém e São Bento. Mas esta segunda-feira é o favorito para ser escolhido para a presidência do Eurogrupo.

Ao longo de dois anos como ministro das Finanças, Mário Centeno passou de besta a bestial aos olhos dos homólogos europeus. Wolfgang Schäuble, sempre olhado como vilão pelos parceiros do Sul, dirigiu-se a ele como o “Ronaldo do Ecofin”. Os resultados económicos que conseguiu falam por ele: como o próprio faz questão de lembrar repetidamente, nas mãos dele, o Governo conseguiu “o maior crescimento económico de todo o século” e o “défice mais baixo da história da democracia portuguesa”. O emprego cresce, o desemprego desce e a população ativa aumenta.

Tudo parece bater certo na folha de Excel de Mário Centeno, embora não convença totalmente a esquerda, que o acusa de ter a mesma retórica da direita; e também não convença entidades independentes como o Conselho das Finanças Públicas e a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), ou os partidos mais à direita, que nunca deixaram de acusar o ministro das Finanças de recorrer a habilidades contabilísticas para fazer os brilharetes.

Ao longo destes dois anos, Mário Centeno somou altos e baixos: cometeu gaffes, chegou a ser desautorizado pelo primeiro-ministro em público, iludiu o Parlamento no caso da contratação de António Domingues para a Caixa Geral de Depósitos. Mas conseguiu desenvolver uma política — mesmo com as limitações da “geringonça” — que permitiu à esquerda consolidar a narrativa de que a austeridade não funcionava.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

[Veja neste vídeo as principais gaffes e glórias de Mário Centeno]

“Peço desculpa, são muitos números”

Mário Centeno foi escolhido por António Costa para liderar o grupo de 12 economistas que preparou o cenário macroeconómico que serviria de base ao Governo socialista. No dia em que apresentou as propostas económicas do PS, ainda antes das eleições legislativas, o economista, sem qualquer experiência política, teve algumas dificuldades para conter o nervosismo perante as perguntas dos jornalistas.

— Queria perguntar qual é o valor do crescimento e do défice previsto na vossa proposta para 2019?
— O crescimento médio da economia neste período é de… 2,6 [risos]. E o défice até 2019 é de… 0,8. Corrijam-me lá… [silêncio prolongado] 0,9!! Peço desculpa, são muitos números… [risos]

Um eventual candidato a ministro das Finanças que revelava ter dificuldades em lidar com “muitos números” macroeconómicos não era exatamente um sinal reconfortante para os militantes socialistas, a braços com uma eleição difícil em que tinham de provar que eram capazes de criar uma alternativa à política de PSD e CDS. E era um sinal ainda menos reconfortante para os eleitores portugueses.

Não costuma haver uma segunda oportunidade para causar uma primeira boa primeira impressão, mas Mário Centeno teve-a. Os socialistas perderam eleições, e António Costa conseguiu formar Governo com o apoio parlamentar de Bloco de Esquerda, PCP e Verdes. Quanto a Mário Centeno, não se pode dizer que o ministro das Finanças tenha errado mais vezes os números, mas a comunicação política das Finanças continuou a dar muitas dores de cabeça ao primeiro-ministro.

Como quando, em pleno debate quinzenal, dirigindo-se ao deputado social-democrata Miguel Morgado, afirmou: “Se aqui estivesse podia ler nos meus lábios pela 101ª vez que não há aumento de impostos. E se conseguisse ler nos lábios seria um dois em um: não há aumento de impostos”. Ora a citação “read my lips, no more taxes”, dita nos anos 90 por George Bush (pai) havia de ficar para a história porque o então presidente norte-americano aumentou precisamente os impostos.

Mais uma vez, no Parlamento, admitiu a possibilidade de abrir um debate sobre a renegociação da dívida, o que alimentou as expectativas de PCP e Bloco de Esquerda — que assinalou o facto no hemiciclo. Ainda o ministro falava e, para evitar mais problemas, António Costa viu-se obrigado a segredar a Centeno que esse debate seria sempre no quadro da União Europeia. E esse nem foi o pior momento do ministro.

O dia em Centeno admitiu um segundo resgate

O país ainda estava a tirar a areia dos pés e a regressar das praias, quando — a 12 de setembro de 2016 — acorda com uma entrevista de Mário Centeno à cadeia de televisão norte-americana CNBC em que deixa cair uma bomba: o ministro das Finanças português não excluiu a hipótese de um novo resgate.

O jornalista responsável pela condução da entrevista fez a pergunta da praxe: o que está a fazer o Governo para evitar um novo resgate. Ora, qualquer político experimentado teria respondido de caras que uma intervenção externa era um cenário impossível. Centeno não o fez.

“Essa é a minha principal tarefa. Estamos a fazer um enorme esforço para estabilizar o nosso setor financeiro, o que é crucial para a economia crescer. Também estamos a promover um programa muito ambicioso de reformas, para manter em Portugal os quadros mais qualificados e permitir às empresas investir. Isso é muito importante para o quadro geral”, respondeu o ministro das Finanças.

As palavras de Centeno provocaram um corrupio de declarações e contra-declarações, que terminou com António Costa a dizer que o tema era uma “não-notícia”. “Não existe, não há razão nenhuma para falar sobre isso”, rematou um agastado primeiro-ministro. Centeno passaria incólume desta vez. No episódio seguinte, nem por isso.

JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

CGD. Iludindo o Parlamento e um “erro de perceção mútuo”

O momento mais baixo de Mário Centeno como ministro das Finanças deu-se a propósito da nomeação de António Domingues para presidente da Caixa Geral de Depósitos. A gestão desastrosa do caso e a dimensão que tomou quase fizeram cair Centeno, desautorizado e quase humilhado em público por Marcelo Rebelo de Sousa e segurado na 25ª hora por António Costa.

Centeno terá prometido a António Domingues que não teria de entregar e tornar pública a sua declaração de rendimentos junto do Tribunal Constitucional. O Governo alterou o Estatuto de Gestor Público para precaver essa hipótese, mas esqueceu-se de resolver outro problema: havia uma lei de 1983 que impunha a entrga da declaração. A polémica tornou-se tema nacional: à esquerda e à direita, todos exigiam esclarecimentos; comentadores como Marques Mendes e Lobo Xavier revelavam novas informações todas as semanas; deputados e membros do Governo socialista enrolavam-se em contradições; Costa jurava que Centeno não mentia, até deixar de o jurar; Marcelo dizia confiar em Centeno, até deixar de o dizer; e António Domingues fazia saber da sua insatisfação, traído pelo recuo do Governo.

Tudo culminaria com uma conferência de imprensa forçada pelo Presidente da República — depois de ter recebido o ministro em Belém — em que Centeno resumiu toda a questão a um “erro de perceção mútuo. Ninguém ficava convencido com a garantia do ministro das Finanças, muito menos quando o próprio António Domingues apresentava outra versão dos acontecimentos. Centeno sobreviveria à conferência de imprensa, só não estava à espera do puxão de orelhas violentíssimo de Marcelo Rebelo de Sousa no mesmo dia.

Terminadas as respostas ao ministro, transmitidas em direto do Ministério das Finanças, Marcelo mandou publicar uma nota oficial com um parágrafo assassino: “Ouvido o Senhor Primeiro-ministro, que lhe comunicou manter a sua confiança no Senhor Professor Doutor Mário Centeno, aceitou tal posição, atendendo ao estrito interesse nacional, em termos de estabilidade financeira”.

Marcelo dizia assim, com todas as letras, que Centeno ficava, apenas por “estrito interesse nacional”, atendendo à evolução sensível da economia portuguesa. A intervenção do Presidente da República motivou muita discussão sobre os limites do poder presidencial, com vários socialistas a criticarem abertamente Marcelo. Costa preferiu não enfrentar o Presidente e procurou esvaziar a questão, repetindo juras de confiança no ministro das Finanças. “Só um primeiro-ministro insano é que dispensaria um ministro das Finanças depois deste resultado”, como chegou a dizer.

A novela da Caixa Geral de Depósitos esteve na origem de duas comissões de inquéritos particularmente tensas, que acabaram sem conclusões que agradassem a PSD e a CDS. Mário Centeno foi sobrevivendo, aproveitando a onda feliz da economia portuguesa. E o tema da Caixa morreria.

Centeno e Caixa: uma (longa) novela em 31 episódios

Os números do sucesso de Centeno…

Três orçamentos aprovados com o apoio da esquerda, e um crescimento económico para este ano estimado em 2,5% por instituições como o FMI (o Governo prevê 2,6%), um défice abaixo de 1,5%, levam Mário Centeno e o Governo a repetirem a mensagem de que este é o maior crescimento do século e o défice mais baixo da democracia. Para ajudar, as exportações têm estado a crescer: por exemplo, aceleraram 7,9% no segundo trimestre de 2017 e 6,8% no terceiro. Com estes resultados, e contra a maioria das expectativas e previsões internas e externas — e ao inverso das previsões catastróficas do PSD –, Mário Centeno conseguiu conjugar a política de reposição de rendimentos com o cumprimento das metas europeias. Do ponto de vista político somou vitórias e credibilizou-se interna e externamente: o ministro das Finanças é que tem recebido os louros dos resultados económicos, deixando o ministro da Economia, Caldeira Cabral, num plano totalmente secundário. É o seu ponto mais alto.

Depois há a questão da banca. O ministro das Finanças resolveu o complexo problema do Banif, assegurou a venda do Novo Banco e ainda garantiu a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos. No currículo, Centeno tem ainda a saída do Procedimento por Défice Excessivo e a ainda uma revisão positiva da agência de rating S&P, que decidiu retirar a notação de crédito de Portugal de “lixo”, tornando-se a primeira grande agência (desde a crise) a recolocar a notação de risco de Portugal em “investimento de qualidade”.

De mãos dadas com a expansão económica, o emprego cresceu perto de 4% em relação ao final de 2015, e o desemprego atingiu o valor mais baixo desde 2008 (8,5%).

Centeno só parece não conseguir enfrentar o problema da dívida pública, que é agora de 130,9%, mais de 249 mil milhões de euros, em termos absolutos. O Governo português já prometeu fixar a dívida em 123,5% do PIB no final de 2018 e terminar a legislatura com uma dívida abaixo dos 120%. Se o conseguir fazer, será o grande feito da receita económica de Centeno.

… e os golpes dados à oposição

Com números como estes, PSD e CDS têm tido dificuldade em construir um discurso que lhes permita provar se o caminho escolhido pela dupla Centeno/Costa está errado. Sociais-democratas e democratas-cristãos têm-se esforçado por lembrar que o investimento público cresceu apenas um quinto do que era prometido pelo Governo, que atingiu o valor mais baixo nas últimas duas décadas, que continua a ser um dos mais baixos das economias avançadas e que é, inclusivamente, inferior ao último ano de mandato de Pedro Passos Coelho.

Mais: PSD e CDS têm acenado com o valor das cativações, mais do dobro do que foi prometido à Comissão Europeia e o valor mais alto desde 2004, para desmascararem os números de Mário Centeno. A oposição insiste em recordar que o Governo vai fazer uma ginástica orçamental, em 2018, para agradar aos partidos mais à esquerda, e que vai resultar numa fatura de quase mil milhões de euros em 2019. As Finanças estão a empurrar com a barriga, grita-se à direita. O Governo diz que as cativações dão apenas um instrumento de gestão orçamental.

A oposição acabou por ter tido dificuldade em encontrar uma linha orientadora de discurso. Ora critica a falta de investimento do Governo socialista, ora lhe aponta a natureza despesista, o que só reforça a posição de Centeno. Depois, a não concretizada chegada do Diabo retirou força aos argumentos do PSD e do CDS, em especial dos sociais-democratas. Isso não impediu Pedro Passos Coelho de fazer um discurso muito crítico no fecho do debate final sobre o Orçamento do Estado para 2018, a desmontar todos os números e políticas orçamentais dos socialistas.

Défice histórico conseguido com 942,7 milhões de euros em cativações

As cativações que descativaram a esquerda (e outros)

Na verdade, não é só à direita que se reclama por maior transparência em relação às cativações. O valor histórico de 942,7 milhões de euros serviu ao Governo para conseguir cumprir as metas do défice, mas provocou frisson à esquerda, com Bloco de Esquerda e PCP a exigirem mudanças imediatas.

Os bloquistas, aliás, ficaram desconfortáveis com o “poder discricionário” do ministro das Finanças. Uma espécie de super-poder de um super-ministro, como contava aqui o Observador. “Os deputados estão a aprovar um Orçamento para um determinado ministério e depois o ministro das Finanças tem poder discricionário para alterar a verba que de facto é atribuída a esse ministério. Isto passa-se à margem do poder de escrutínio da Assembleia da República”, chegou a dizer Mariana Mortágua, no Parlamento.

O Governo acabou por conseguir evitar a aplicação de limites mais apertados do que aqueles que estava disposto a aceitar nas cativações de despesa pública, como pretendiam os partidos mais à esquerda, mas viu-se obrigado a apresentar de três em três meses no Parlamento os valores dessas cativações. Mais: por pressão do Bloco de Esquerda, foi obrigado a acabar com as cativações em quatro entidades ligadas à Saúde: no INEM, no Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências, na Direção Geral da Saúde e no Serviço de Utilização Comum dos Hospitais.

Cativações de Centeno descativaram a esquerda

O maior derrotado nestas cedências? Mário Centeno, que sempre foi dizendo que as cativações não eram uma forma de austeridade, mas um “instrumento essencial” de controlo orçamental. E o facto foi assinalado assim por Catarina Martins, em entrevista à Antena 1:

“Julgo que houve alguma dificuldade do Ministro das Finanças em compreender o que é um compromisso no Parlamento sobre despesa. Um Governo como um acordo no Parlamento, o que põe no Orçamento do Estado é a despesa acordada, o compromisso político, e por isso tem das a executar. É isso que o Ministério das Finanças tem de compreender e acho que já começou a compreender.”

Longe de ser popular à esquerda (e à direita), Mário Centeno tem em Teodora Cardoso, do Conselho das Finanças Públicas, uma adversária e uma crítica. Ainda a propósito das cativações, a economista comparou esta semana a gestão orçamental de Centeno à de Oliveira Salazar.

“Passámos a ser democratas a fazer défices, mas em termos de gestão das despesas continuamos no Salazar, basicamente. Com uma diferença, no tempo de Salazar não havia défices. Não havia mesmo, cortavam-se as despesas, é claro que se cortavam, em educação, saúde, pensões, que nós não queremos cortar, mas défices não havia”, afirmou Teodora Cardoso, durante uma conferência sobre o Orçamento do Estado para 2018 na Universidade Lusíada.

C0m cativações ou sem cativações, o certo é que Mário Centeno parece ter cativado os homólogos europeus: depois do elogio de Wolfgang Schäuble ao “Ronaldo do Ecofin”, há fortes possibilidades de os ministros das Finanças da Zona Euro o elegerem como presidente do Eurogrupo.

Assine por 19,74€

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver planos

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Assine por 19,74€

Apoie o jornalismo independente

Assinar agora