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"Os Ambiciosos". É possível sentir empatia por banqueiros de Wall Street?

"Os Ambiciosos", que a ASA publica a 23 de fevereiro, é um thriller sobre ambição e amor que desafia o leitor a ter pena de multimilionários. Leia o início da história escrita por Michelle Miller.

– És um idiota. – O rosto dela tinha ido do vermelho ao branco enquanto tirava as pernas nuas de baixo dos lençóis. Recolheu o rasto de roupas espalhadas, refazendo os passos da noite anterior a partir da sala de estar até à cama.
Todd pegou no comando de televisão e mudou para a MSNBC, esperando que o som abafasse o constrangimento. Odiava o constrangimento da manhã.
A rapariga voltou para o quarto e começou a vasculhar os lençóis, à procura das cuecas.
– Não entendo… – começou, olhando para ele. – Não entendo porque tens tanto medo do compromisso.
– Eu não tenho medo do compromisso – disse ele simplesmente, fingindo-se absorvido na televisão onde dois comentadores discutiam o mais recente escândalo no L. Cecil, envolvendo corretores que supostamente tinham vendido duzentos milhões de dólares em ações que sabiam sobrevalorizadas a investidores incautos. Todd fez uma careta para o ecrã: era bom que aquilo não afetasse o seu bónus.

A rapariga puxou a saia sobre as ancas magras e apertou o soutien push-up; tinha uma bela prateleira, mas as coxas eram demasiado grandes e ela parecia do tipo que incharia como um balão quando chegasse aos trinta e cinco. Era um 8 em 10, numa escala de atração, que era onde Todd gostava de jogar: as oito eram giras, mas inseguras por não serem dez, por isso esforçavam-se muito para agradar.
Agora, porém, mal chegava ao 6, com o rímel esborratado e o cabelo loiro oleoso.
– Então qual é o problema em levares-me a jantar? – perguntou ela em voz baixa, imóvel pela primeira vez desde que saíra da cama.
– Porque não é isso que és para mim – respondeu ele com honestidade.
– Então o que sou? – A voz dela era ainda mais baixa. Os dedos apertaram os lençóis enquanto esperava a resposta que não queria ouvir.
– Ouve, nós divertimo-nos muito. Porquê estragar tudo? – disse Todd, falando a sério.
A jovem cerrou o maxilar e os seus olhos lacrimejantes brilharam.
– Quer dizer que sou a tipa com quem fodes.
Todd não disse nada. Precisava de ir para o trabalho.
– Sabes que andei na Penn? Tipo, não sou uma bimba idiota. Trabalho num escritório de advocacia de primeira linha: sou a rapariga com quem se namora, não um engate estúpido.
– Talvez tenhas razão.
– Então vamos jantar! – disse ela, exasperada.
– Eu não quero uma namorada.
– Então porque é que…
– Tu. – Cortou Todd, com a paciência esgotada. – Tu é que me contactaste, bêbeda, num bar, às duas da manhã, depois de colocares o teu perfil numa aplicação de encontros baseada na localização do telemóvel. De que é que estavas à espera?
Ela não desviou o olhar.
– A Hook é uma ferramenta para conhecer pessoas. Tu usa-la, e és presumivelmente normal. Por que razão é que o facto de eu a usar faz de mim uma galdéria?
– Eu não disse que és uma galdéria. Disse que me procuraste no contexto de um engate a altas horas da noite, e isso é o acordo implícito que temos.
– Mas isso foi há quatro encontros – protestou ela.

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Todd não queria magoá-la, mas na verdade também não tinha tempo para aquele tipo de drama. Precisava de se focar exclusivamente na sua carreira: acabara de comemorar o trigésimo segundo aniversário e estava bem consciente de que tinha apenas doze meses para concretizar um negócio sério no banco de investimento do L. Cecil se ainda quisesse alcançar o objetivo de ser o diretor mais novo de sempre na prestigiada empresa de Wall Street.
– Ficámos a conhecer-nos um ao outro desde então. – Ela continuava a falar, recusando-se a abandonar o assunto. – Conversámos sobre o teu trabalho e falei-te da minha família, e cheguei atrasada ao trabalho na semana passada, porque sei que gostas de sexo de manhã. – O lábio dela tremia.
– Eu não te pedi para fazeres isso.
As faces da rapariga ficaram vermelhas, ela sabia que era verdade.
– Não posso acreditar que isto esteja a acontecer. – Virou-se e acabou de se vestir, abandonando a busca das cuecas.
Todd continuou a ver televisão, onde todos concordavam que, embora não fosse ilegal o facto de os corretores do L. Cecil saberem que estavam a vender uma porcaria, isso tornava o seu comportamento antiético e digno de sanções. Era uma discussão estúpida – o papel de um corretor era facilitar negócios: cabia ao investidor determinar se valia ou não a pena investir o seu dinheiro nesses negócios.

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Todd esperou que a porta da frente batesse e saiu da cama, colocando o seu corpo de ex-jogador de polo aquático com um metro e noventa e dois debaixo do chuveiro. A questão de trazer uma mulher para o seu apartamento ou ir para o apartamento dela era um eterno enigma para Todd. Por um lado, o minimalismo dispendioso do seu espaçoso T1 garantia que qualquer mulher que trouxesse teria relações sexuais com ele, mesmo se se tivesse mostrado puritana até esse momento; por outro lado, os jogos fora de casa tinham a vantagem de ele poder sair nos seus próprios termos. Devia ter ido para a casa dela ontem à noite, uma vez que sabia que ela ia dormir com ele, mas bebera demasiada tequila no Monkey Bar e não estava a pensar claramente quando lhe enviou uma mensagem pela Hook.

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Todd fez a barba e vestiu o seu uniforme-padrão – fato feito por medida, gravata Hermès, meias Armani, sapatos Gucci. Usou a Uber no seu telefone para pedir um carro e olhou-se com aprovação ao espelho antes de descer.
Quando saiu pela porta da frente do prédio, a rapariga estava ao lado da porta, soprando nas mãos para afastar a brisa de março.
– Raios – sussurrou ele.
Ela viu-o e mordeu o lábio em jeito de desculpa.
– Lamento – disse. – Eu realmente não quero ser dramática, só que acho que isto poderia ser mais. Quer dizer, eu podia ser mais, eu sou mais do que o perfil da Hook.
Todd pousou a mão com delicadeza na anca dela e beijou-a no rosto suavemente.
– Está tudo bem – disse –, mas ando muito ocupado, e o que temos agora é o máximo que consigo. Se quiseres mais, eu respeito isso, mas não to posso dar.
Ela assentiu com a cabeça e olhou para o chão.
– Vou voltar a ver-te? – perguntou em voz baixa, sem olhar para cima.
– Não vou a lado nenhum – disse ele, esquivando-se à pergunta. – Posso ajudar-te a arranjar um táxi?
Ela abanou a cabeça.
– Não, eu vou a pé.
– Está bem. Tem um bom dia, ok? – disse com uma voz sedutora, fazendo os seus olhos azuis sorrir.
– Ok. – Ela dirigiu-se para a rua, os stilettos de dez centímetros e os cabelos emaranhados eram uma letra vermelha no passeio matinal de quarta-feira.
Todd entrou no carro preto e consultou a sua lista de «Favoritas» na Hook. Como é que ela se chamava? A-qualquer coisa. Amy? Allison? Amanda. Certo. Encontrou-a e apagou prontamente o seu perfil.
Bloquear utilizador? Perguntou o aplicativo. Ele carregou no «Sim».
Deixar um comentário? «Não.» Ela não valia nem mais um minuto do seu tempo.

Todd continuou a ver televisão, onde todos concordavam que, embora não fosse ilegal o facto de os corretores do L. Cecil saberem que estavam a vender uma porcaria, isso tornava o seu comportamento antiético e digno de sanções.

O BlackBerry que usava para o trabalho zumbiu no bolso e ele trocou-o pelo iPhone, percorrendo os vinte e seis novos e-mails que recebera durante a noite. Havia as explosões normais da manhã: a atualização do mercado asiático, a previsão diária FX, um e-mail de Catherine Wiley, presidente do banco de investimento, com uma declaração de conformidade para fornecer aos clientes que perguntavam sobre o escândalo das ações do L. Cecil.
E, em seguida: um e-mail de Josh@hook.com.
Todd – Decidi entrar em bolsa. Quero que faça isso. JH
Todd quase se engasgou; leu o e-mail novamente. Olhou para o motorista, como se o homem pudesse entender o significado do que ele segurava na mão. Todd podia sentir o seu coração acelerar: Josh Hart era CEO da Hook, a aplicação que não só tornara a sua vida sexual muito mais eficiente como também se revelara a empresa mais interessante de Silicon Valley. Uma Oferta Pública Inicial daquela aplicação não iria apenas fazer com que muita gente ganhasse muito dinheiro, trazê-la para o L. Cecil iria solidificar a promoção de Todd. Diretor executivo, caramba – um negócio daquela monta poderia impulsioná-lo ao status de chefe de equipa.

Todd desceu até à assinatura do e-mail e marcou o número de Josh.
O telefone tocou e ele olhou para o relógio, percebendo que eram apenas seis e um quarto em São Francisco, mas Josh Hart atendeu ao terceiro toque.
– Estou?
– Josh! – exclamou Todd com demasiado entusiasmo. – Josh, fala Todd. Todd Kent. Acabei de receber o seu e-mail e… desculpe, o momento é oportuno?
– Não há problema. – A voz de Josh era como a de um robô.
– Ouça, eu… – Todd debateu-se para recuperar a compostura.
Esforçou-se por se lembrar da última vez que tinha falado com Josh Hart: fora há dois anos em Las Vegas, durante o Consumer Electronics Show, quando se conheceram num clube de striptease. Josh era um cromo dos computadores, pálido, com olheiras e caracóis de rapazinho colados à cabeça. Vestia uma sweatshirt com capuz e calças caqui com pregas. Todd vira-o do outro lado da sala e fora direito a ele (um tipo que entrava num clube com aquele aspeto, tinha de ser importante) e convidara-o para a sua mesa. Josh sentara-se, estudando as dançarinas como se fossem extraterrestres, contraindo-se de cada vez que Todd tentava falar com ele sobre a sua estratégia de financiamento, à procura de uma maneira de envolver o L. Cecil.
No fim da noite, Todd dera a Josh o seu cartão e nunca mais tivera notícias dele. Mas deve ter dito algo certo, assegurou a si mesmo, para Josh entrar em contacto com ele dois anos depois, com o maior negócio de qualquer uma das suas vidas.

Deixe-me ser muito claro sobre uma coisa, Todd – cortou Josh. – Eu odeio Wall Street. Vocês são todos uns idiotas que não fazem nada a não ser imiscuírem-se em processos a fim de lucrarem com a ineficiência que vocês próprios criam. 

– Eu só queria saber o que está a pensar no que diz respeito a trabalharmos juntos no financiamento da Hook – disse Todd finalmente.
– Disse-lhe no meu e-mail. – Josh parecia irritado, como se a sua mensagem de uma linha fosse mais do que suficiente para pôr uma OPI em movimento. – Decidi entrar na bolsa com a Hook e decidi que você deve fazer a subscrição. Gostaria de conseguir 1,8 mil milhões de dólares numa avaliação de catorze mil milhões de dólares.
Todd pestanejou: a Hook ainda não tinha dado lucro, e Wall Street estava a começar a questionar o valor das aplicações das redes sociais. Mas também tinham duvidado do Facebook e o preço das suas ações subia cada vez mais. Agora que pensava nisso, se o Facebook valia 150 mil milhões, a Hook provavelmente valia mais do que catorze mil milhões.
– Esses números parecem corretos. O processo típico é fazer um concurso, onde diferentes bancos lhe apresentam propostas e…
– Não quero concurso. Quero que você faça isso.
O cérebro de Todd zumbia: havia sempre um concurso. Saltar essa etapa era sequer permitido?
– Isso é ótimo, quero dizer, poupa-nos muito tempo – continuou ele. – Então vou falar com o meu chefe, o Larry, ele é quem estará a liderar o…
– Não – corrigiu Josh. – Eu disse que quero que você faça isso. Você.
– O quê? Eu?
– Sim – disse Josh. – Não é isso que faz? Supervisiona negócios?
– Bem, sim, trabalhei em dezenas de negócios, mas este é enorme, Josh, e há um monte de pessoas mais experientes que… – Todd parou. Só porque Larry estava no banco há mais tempo, isso significava que sabia realmente mais do que Todd? Larry tinha quarenta e cinco anos e era casado: o que sabia ele sobre uma aplicação de encontros com base na localização do telemóvel e cujos utilizadores primários pertenciam à Geração Y? E se Josh, que tinha trinta anos, podia criar uma empresa como a Hook, Todd certamente poderia liderar a sua OPI.
– Sim – corrigiu-se ao telefone –, claro que posso tratar deste negócio para si.
– Ótimo – disse Josh. – Podemos encontrar-nos aqui amanhã para finalizar isto.
– Amanhã? – Todd inclinou-se para a frente. – Ainda preciso de tratar do contrato e… – Pensou rapidamente: de que mais precisava? – E tenho de reunir a equipa certa.
– A equipa?
– Bem, sim, vamos precisar de arranjar alguns analistas e um associado do meu grupo, mais alguém do mercado de capitais próprios para se pronunciarem sobre as condições do mercado e a tournée, e provavelmente…
– Três. Pode ter três pessoas, no máximo.
Todd riu-se.
– Josh, para um negócio desta envergadura, vai querer…
– Deixe-me ser muito claro sobre uma coisa, Todd – cortou Josh. – Eu odeio Wall Street. Vocês são todos uns idiotas que não fazem nada a não ser imiscuírem-se em processos a fim de lucrarem com a ineficiência que vocês próprios criam. Se eu pudesse reunir 1,8 mil milhões de dólares sem precisar de si, fá-lo-ia, mas não tenho tempo para corrigir também a indústria de serviços financeiros enquanto construo uma empresa.

Todd cerrou o maxilar com força: ele sabia, porque crescera no norte da Califórnia, que o pessoal da tecnologia não gostava de Wall Street, mas era preciso muita coragem para contrariar um sistema que tinha sido próspero durante centenas de anos.
– Então, pode ter três pessoas na equipa – continuou Josh –, mas se aparecerem chicos-espertos, o negócio é cancelado. Fui claro?
– Sim, com certeza.
– Muito bem. Vemo-nos na sexta-feira, então.
– Sexta-feira – assentiu Todd. Isso, pelo menos, dava-lhe um dia. – Vemo-nos na sexta-feira. Estou muito entusiasmado por…
Ouviu o clique do telefone e olhou para o ecrã. Aquilo realmente acontecera?

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