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Qual o disco, editado em 2016, que melhor soou lá por casa? A pergunta certa nesta altura do ano, e com respostas que passam por todos os campeonatos. Bem sabemos que nada há mais subjetivo que o gosto — e por isso mesmo vale a pena elencar o que encantou uns e passou ao lado a muitos outros. Pop mais ou menos dançante, rock feito de angústias, hip hop sem censura, jazz, samba ou guitarras inspiradas. As escolhas não são esquisitas, nós também não: vamos a isto.

14 fotos

Márcia

Nick Cave & The Bad Seeds: “Skeleton Tree”

“O disco deste ano mais importante para mim é o do Nick Cave. Agarrei a oportunidade de ver o documentário da gravação do disco, e o que mais me surpreendeu foi ter saído da sala de cinema com uma enorme sensação de paz e de esperança. Como se consegue um sentimento tão positivo, capaz de inspirar o resto do mundo, após uma tragédia tão íntima e profunda? É esse o grande poder generoso da Arte.”

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DJ Ride

Noisia: “Outer Edges”

“O álbum que ouvi mais em 2016 foi o de Noisia, Outer Edges. É uma referência para qualquer produtor de música electrónica, o sound design e a atenção dada a cada pormenor, da mistura à masterização, é de outro mundo. Também ouvi muito o Life of Pablo de Kanye West, e os de Kendrick Lamar, Schoolboy Q, Vince Staples, Anderson Paak e Kaytranada.”

Da Chick

Anderson Paak: “Malibu”

“É um ano muito complicado no que diz respeito a escolher apenas um entre tantos bons. Tenho de referir aqueles que para mim marcaram a diferença e me fizeram voltar atrás vezes sem conta, 99.9% de Kaytranada, Anti de Rihanna, Lemonade de Beyoncé e este novo e fresco álbum de Childish Gambino, Awaken, My Love, que quase me fez escolhê-lo como ‘o tal’.

Mas o ‘Enorme’ para mim este ano foi Malibu de Anderson Paak. É um artista que respeito muito pelo seu carisma e groove inquestionável. Com este álbum conseguiu manter aquele lado dancy que tinha em Venice, mas adicionar o toque de classe da soul. É um disco de dança, tocado com banda! Não me canso de o ouvir e é daqueles que não sai do meu telemóvel.”

Quim Albergaria

A Tribe Called Quest: “We Got It from Here… Thank You 4 Your Service”

“2016 é um ano de muito boa música, internacional e especialmente nacional. No entanto, o disco que mais vezes ouvi e que acho que representa uma celebração da música e do poder que tem de nos unir e mudar é o regresso dos A Tribe Called Quest. Música boa feita pela melhor das razões — ainda sentiam a mesma alegria que os levou a formar a banda e tinham coisas para dizer e boas ideias para o fazer. O disco é óptimo, soa a começo e é o disco com que acabam a carreira. Mic drop indeed.”

Rita Redshoes

David Bowie: “Blackstar”

“Durante todo o ano foram vários os discos que me arrebataram mas este, olhando em retrospetiva, foi sem dúvida o que perdurou e ainda me causa surpresa a cada vez que o oiço. É claro que terá um peso simbólico associado… talvez só se escrevam canções assim à beira da morte.”

Gabriel Ferrandini

Schlippenbach Trio: “Warsaw Concert”

“O disco saiu este ano na editora Intakt. É um concerto ao vivo de 2015. Mais um grande disco destes três mestres do ofício. Jazz, improv, bonito, feio, agressivo, paz. Está ali tudo. E ainda o tal jogo “passado + futuro = agora” e o PESO/LEVEZA. O trio é uma das grandes formações do jazz moderno e desde o final dos anos 60 que quebram pedra e avançam pelo terreno, ainda agora, todos com mais de 70 anos. A música é linda e inspiradora.”

Filho da Mãe

Nick Cave & The Bad Seeds: “Skeleton Tree”

“Devia ser sobre a música em si mas não sei se é. Admiro o homem e muitas das coisas que faz e já fez. Mas esta coisa em particular, que nem sei se é das que gosto mais esteticamente, é avassaladora, pela dor que sabemos que acabou por a invadir — uma morte num disco que já ia a caminho.

Como é que se lida com isto? Perguntei-me enquanto músico ao mesmo tempo que ouvia o disco repetidamente. Sem que o disco alguma vez me ajudasse a responder seja ao que for, percebi que ouvi muitas coisas em 2016, algumas são-me pessoalmente próximas, e de algumas se calhar até gostei mais, mas nada se me colou aos ossos como este arrepio. Como canções, a ‘Jesus Love’, ‘Girl in Amber’, ‘Magneto’ e ‘Anthrocene’ ficam mais comigo, mas o “noise” que cai mais ou menos dissimuladamente por cima do disco e um granulado meio lo-fi que está um pouco em todo lado no álbum atingem-me no sítio certo. E é justo, embora assombroso, ficar sem resposta a uma coisa destas.”

Pedro Coquenão

A Tribe Called Quest: “We Got It from Here…Thank You 4 Your Service”

“O novo de A Tribe Called Quest foi o que bateu mais forte aqui em casa. Por alguma nostalgia, claro, porque nem tudo tem de ser novidade, mas ainda assim não soando a requentado. É mais quentinho. Palavras comprometidas, alma, balanço e dança. É bom sentir as voltas que o hip hop já deu, passando pela casa de partida, acrescentado de um pouco da maturidade de viver, mas sem grandes cenas. ‘We the people’!”

Cláudia Guerreiro

Filho da Mãe: “Mergulho”

“Não há como não escolher o Mergulho. É um disco que vi nascer, crescer e ser gravado. É um disco escuro, como são sempre os discos do Rui. No entanto, sempre com luzes pelo meio, com músicas que ‘se’ e ‘nos’ iluminam. É quase uma narrativa de uma vida passada à volta da água, de pântanos, rios, mares, dos sítios onde essa água nos leva, de África à América do Norte, passando pela Nazaré. É disco para fechar os olhos e nos fazer sentir coisas com eles abertos…”

[conversa com o Rui após ouvir pela primeira vez o alinhamento final do disco:]

“Era giro que todas as musicas tivessem a ver com água. Mas podem ser coisas tipo ‘apneia’. São coisas que de alguma maneira se relacionem
Na 3 ouve-se tanto a tua respiraçao que parece que estás a respirar por um snorkel.
A 1 e a 4 parecem mergulhos. Alguma coisa a ver com abismos, mergulhos lá bem no escuro (mais a 4 que a 1). Mergulhos com sinos de igreja , nunca antes visto.
Na 6 tens o adamastor a passar lá ao fundo. Ou júpiter, sei lá.
A 9 é um barco a remar sempre no mesmo ritmo, a afastar-se… E a 10 parece uma marcha fúnebre por causa do barco que desapareceu na faixa anterior. Uau! Apareceu um zangão na 10!
E a última, em modo de despedida esperançada do barco que se afasta no fim do filme.
Está bué bom!”

Tomás Wallenstein

Weyes Blood: “Front Row seat to Earth”

“Não gosto de dizer que escolhi o melhor disco de 2016 porque não acho que os discos sejam feitos para competir entre eles. Escolhi, de entre vários que gosto muito, o disco da Weyes Blood por ser de uma sensibilidade extraordinária e um exemplo de modéstia e honestidade a seguir.

Conheci a Weyes Blood quando o meu amigo Salvador me mostrou o Drugdealer [editou este ano The End of Comedy], amigo do Ariel Pink. Se tivesse de escolher outro disco para destacar no final deste ano seria este.”

Moullinex

BADBADNOTGOOD: “IV”

“Fiquei atento aos BADBADNOTGOOD depois de um disco que fizeram com o Ghostface Killah, Sour Soul, com arranjos incríveis, a remeter para as orquestrações de gente como Isaac Hayes e filmes de blaxploitation dos anos 70. O génio destes rapazes não está no seu inquestionável virtuosismo, mas na capacidade de abdicar disso para construir canções incríveis, sujas mas orelhudas, modernas mas vestidas de uma produção nostálgica, a evocar as melhores épocas da música gravada.”

Mike El Nite

Travis Scott: “Birds in the trap sing Mcknight”

“É um disco que capta as vibes mais ouvidas de 2016 e que tem a paisagem sonora que estaria num quadro que representasse este ano. A produção do disco adiciona requinte à savagery das temáticas, o que distingue este disco de tantos outros que saíram este ano com a mesma linguagem.

Quanto às participações, também engloba muitos artistas que marcaram o ano: The Weeknd, Andre 3000, 21 Savage, Kendrick Lamar, Young Thug, Quavo, Kid Cudi, entre outros. Mais uma razão para ser um disco com sabor a agora.”

Embora não tenha uma linha condutora tão fluída como o seu anterior trabalho, Rodeo, este album é um catálogo de bangers, e entre eles, um dos hits de verão deste ano, ‘Pick Up the Phone’.

A forma como os beats de trap e as linhas de voz são tratadas, como as tendências sonoras são incluídas subtilmente, e como mesmo sem arriscar por aí além mantém-se fresco e sólido, revela um amadurecimento do artista e da sua equipa.

Kanye West, Drake, Frank Ocean, Beyoncé, Rihanna, Childish Gambino, entre outros, são sem dúvida candidatos com os seus discos, mas este leva a taça.”

Camané

Elza Soares: “A Mulher do Fim do Mundo”

“Elza Soares é daqueles tesouros escondidos da música brasileira, por isso ainda a torna mais surpreendente e este disco é a história do brasil de hoje, não podia ser mais atual.

É extraordinário e poético, ela canta com uma alma de 20 anos e a experiência de 79, e tem uma sonoridade de samba rock, criada por um grupo de músicos fantásticos de São Paulo. É seguramente um disco que vai ficar para a história e no meu coração também. Em Portugal, gostei bastante também do disco dos Capitão Fausto.”

Francisca Cortesão

Old Jerusalem: “A Rose Is A Rose Is A Rose”

“2016 não foi um ano em que tenha descoberto muita música nova. Um dos discos que acabei por ouvir mais vezes foi o A Rose Is A Rose Is A Rose, do Old Jerusalem, que à primeira audição me soou a clássico instantâneo.

O Francisco Silva é dos meus dos escritores de canções favoritos, e uma das pessoas em Portugal com cuja música mais me identifico, há muitos anos. Ultimamente tenho-me sentido puxada por uma certa sobriedade na escrita e na produção, com os discos de gente como o Bonnie ‘Prince’ Billy, o Bill Callahan ou a Neko Case, e este A Rose Is A Rose Is A Rose caiu-me no goto exactamente pelos mesmos motivos. Nada a mais e nada a menos, tanto na escrita como nos arranjos. Um luxo.”

David Fonseca

Bon Iver: “22, A Million”

“Não sendo o maior fã de ‘listas de melhores do ano’ (afinal, quão subjectiva é essa classificação quando se fala de música?), escolho o disco 22, A Million do Bon Iver como um dos meus preferidos deste ano. Acredito que os discos têm impacto na nossa vida quando chegam na altura certa e este foi um deles. As canções aparecem em fragmentos, trituradas por máquinas diversas, palavras espalhadas como se tivessem sido rasgadas e coladas outra vez.

Mesmo assim, há alguma coisa de convencional e familiar em todo o disco que me faz regressar outra e outra vez. E pressinto que daqui a 10 anos ainda volto a ouvi-lo e a descobrir coisas novas. E com esta escolha, ficam imensos discos incríveis por falar em 2016, como o de David Bowie, Iggy Pop, Kanye West ou Nick Cave entre tantos outros. Tão bons quanto o que acabei de referir.”

Aline Frazão

Elza Soares: “A Mulher do Fim do Mundo”

“O meu disco favorito de 2016 é A Mulher do Fim do Mundo, de Elza Soares. É um álbum absolutamente épico, transgressor, completo, autêntico, irreverente e brilhantemente produzido. Elza Soares não possui apenas uma das mais emblemáticas e poderosas vozes negras do mundo. Ela carrega na voz e no corpo uma vida inteira de batalhas, algumas vencidas, outras perdidas. A Mulher do Fim do Mundo reúne a tradição do samba com o grito do rock, a batucada com as guitarras distorcidas. Além de ser recheado de belas letras, de uma carga política do mais contemporâneo que há.

Abraçando toda a beleza, a tragédia, a sensualidade, a ousadia, a força de lutar e cantar até ao fim contra o sexismo e a violência de género, contra a homofobia e a transfobia, desafiando qualquer categoria identitária desenhada por uma sociedade que evolui devagar demais, Elza Soares é a personificação do futuro, da liberdade e do poder transformador, estético e ético, da música.”

Fred Ferreira

Arca: “Entrañas”

“O produtor Arca é, desde há algum tempo, alguém que sigo com muita atenção, tem uma densidade e uma carga nas suas músicas que mexe comigo seriamente. Em 2016 lançou este EP e foi o disco que ouvi mais. Ouvi provavelmente todos os dias desde que foi editado. Tem uma carga emocional gigante, que é muitas vezes o que procuro ao ouvir uma música ou um álbum.”

Joana Barra Vaz

David Bowie: “Blackstar”

11 de Janeiro de 2016, 07h45:
“não há quem te cale a voz. tens um fato: podes respirar. tens diamantes no pensamento. tens o humor irónico de quem não se verga. tens-nos a todos aqui num luto estranho. a tua luz propagar-se-á por muitos anos luz. se a vejo é porque não tens fim. morte, toma lá: não nos apagas a luz das estrelas. muito menos das negras. se a vejo, se a escuto, é porque existe. ergue-te, ó lázaro, que a tua eternidade pertence-nos.”

★ chegou como um prenúncio de um ano sob a sombra da morte, da guerra, da desunião. Haverá maior dúvida do que a existência de vida depois da morte? ★ é a resposta de David Bowie: ofereceu-nos a eternidade num disco livre de géneros, escrito no limbo entre a vida e a morte com a linguagem esmerada do amor: ele é o narrador da sua história, o criador do seu mito, o apóstolo que anuncia que quem amamos faleceu, quem nos clama pelo seu renascimento, quem se renasce num regresso planeado por si ao detalhe antes da sua morte, benevolente com a previsão da nossa dor, e é também ele que nos consola na sua ausência — ele é essa estrela negra que atrai a si toda a sua e a nossa luz. A cada escuta de ★ oferecemos-lhe retorno à vida. LAZARUS, LAZARUS! ★ é testemunho de que só há MÚSICA assim, na união que fica além do palpável, na cola da humanidade.